Language of document : ECLI:EU:C:2023:670

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

14 de setembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Princípio ne bis in idem — Arquivamento definitivo de um primeiro processo instaurado por infração a uma disposição da legislação nacional relativa aos jogos de fortuna ou azar — Sanção administrativa de caráter penal aplicada pelos mesmos factos por infração a outra disposição dessa legislação — Primeiro processo arquivado devido a uma qualificação jurídica errada da infração cometida»

No processo C‑55/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Landesverwaltungsgericht Vorarlberg (Tribunal Administrativo Regional de Vorarlberg, Áustria), por Decisão de 18 de janeiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de janeiro de 2022, no processo

NK

contra

Bezirkshauptmannschaft Feldkirch,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: P. G. Xuereb (relator), presidente de secção, A. Kumin e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo Austríaco, por J. Schmoll e C. Leeb, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por S. Grünheid e M. Wasmeier, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe NK à Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Autoridade Administrativa do Distrito de Feldkirch, Áustria), a respeito das sanções administrativas que esta última aplicou a NK por violações à legislação austríaca em matéria de jogos de fortuna ou azar.

 Quadro jurídico

3        O § 2 da Glücksspielgesetz (Lei sobre os Jogos de Fortuna ou Azar), de 21 de dezembro de 1989 (BGBl. 620/1989), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «GSpG»), com a epígrafe «Lotarias», dispõe:

«(1)      As lotarias são jogos de fortuna ou azar:

1.      implementados, organizados ou disponibilizados por um operador

2.      pelas quais jogadores ou outras pessoas pagam uma quantia em dinheiro (aposta) no âmbito da participação no jogo e

3.      no âmbito das quais, o operador, os jogadores ou outras pessoas oferecem a expectativa de uma quantia em dinheiro (prémio).

(2)      É operador quem, de maneira independente, exerce uma atividade duradoura para receber receitas provenientes da organização de jogos de fortuna ou azar, ainda que essa atividade não se destine a receber um prémio.

Quando várias pessoas, celebrando um acordo entre si, oferecem num determinado local prestações parciais para organizar jogos de fortuna ou azar com prestações em dinheiro na aceção do n.o 1, pontos 2 e 3, supra, todas as pessoas que participem diretamente na organização do jogo de fortuna ou azar são consideradas operadoras, mesmo as que não têm a intenção de receber receitas e as que se limitem a participar na implementação, organização ou na oferta do jogo de fortuna ou azar.

[…]

(4)      As lotarias proibidas são lotarias relativamente às quais não foi concedida uma licença ou autorização com fundamento na presente lei federal e que não são excluídas do monopólio do Estado federal sobre os jogos de fortuna ou azar previsto no § 4.»

4        O § 52 da GSpG, com a epígrafe «Disposições sobre as sanções administrativas», prevê:

«(1)      Comete uma infração administrativa e é passível de uma multa aplicada pela autoridade administrativa num montante que pode ir […] até 60 000 euros […]:

1.      quem, para efeitos de uma participação a partir do território nacional, implementa, organiza ou põe à disposição enquanto operador lotarias proibidas na aceção do § 2, n.o 4, ou participa nestas enquanto operador na aceção do § 2, n.o 2;

[…]

(2)      Em caso de violação do n.o 1, ponto 1, por meio de um máximo de três máquinas de jogo ou outros objetos contrários à regulamentação, a utilização de cada máquina de jogo ou outro objeto contrário à regulamentação pode ser punida com uma multa de 1 000 a 10 000 euros se se tratar de uma primeira infração, ou de 3 000 a 30 000 euros em caso de reincidência. Em caso de infração por meio de mais de três máquinas de jogo ou outros objetos contrários à regulamentação, a utilização de cada máquina de jogo ou outro objeto contrário à regulamentação pode ser punida com uma multa de 3 000 a 30 000 euros se se tratar de uma primeira infração, ou de uma multa de 6 000 a 60 000 euros em caso de reincidência.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

5        NK explora um estabelecimento denominado I.

6        Por ocasião de um controlo efetuado em 29 de dezembro de 2017 nesse estabelecimento, verificou‑se que estavam aí instaladas quatro máquinas de jogos de fortuna ou azar em condições de funcionamento, quando não tinha sido emitida nenhuma licença para a sua exploração.

7        Por Decisão de 19 de fevereiro de 2018, a Autoridade Administrativa do Distrito de Feldkirch aplicou a NK uma sanção administrativa, que consistia em quatro multas, passíveis de serem comutadas em penas privativas de liberdade, por infrações ao § 52.o, n.o 1, ponto 1, terceiro ato punido, da GSpG, em conjugação com o § 2, n.os 2 e 4, e com o § 4.o da mesma lei, por ter, na qualidade de explorador do estabelecimento I, posto à disposição, enquanto operador, jogos de fortuna ou azar sob a forma de lotarias proibidas.

8        Por Decisão de 13 de agosto de 2018, o Landesverwaltungsgericht Vorarlberg (Tribunal Administrativo Regional de Vorarlberg, Áustria), que é o órgão jurisdicional de reenvio no presente processo, anulou a Decisão de 19 de fevereiro de 2018 e arquivou o processo com o fundamento de que, com base no apuramento dos factos efetuado, NK não tinha disponibilizado jogos de fortuna ou azar na aceção § 52.o, n.o 1, ponto 1, terceiro ato punido, da GSpG, mas tinha implementado tais jogos na aceção do primeiro ato punido por este § 52.o, n.o 1, ponto 1. Segundo esse órgão jurisdicional, uma alteração da decisão da Autoridade Administrativa do Distrito de Feldkirch no sentido de que NK, na qualidade de explorador do estabelecimento I, deve responder pela implementação de jogos proibidos, teria constituído uma «substituição inadmissível do delito».

9        Nem a Autoridade Administrativa do Distrito de Feldkirch nem o Bundesminister für Finanzen (Ministro Federal das Finanças, Áustria) interpuseram recurso de «Revision» da Decisão de 13 de agosto de 2018, embora tivessem juridicamente essa faculdade.

10      Por Decisão de 30 de novembro de 2018, a Autoridade Administrativa do Distrito de Feldkirch aplicou a NK uma sanção administrativa, que consistia em quatro multas, suscetíveis de conversão em penas privativas de liberdade, por infrações ao § 52, n.o 1, ponto 1, primeiro ato punido, da GSpG, em conjugação com o § 2, n.os 2 e 4, e com o § 4 da mesma lei, por ter, enquanto proprietário de máquinas de jogos de fortuna ou azar e como explorador do estabelecimento I, implementado nesse estabelecimento, em 29 de dezembro de 2017, jogos de fortuna ou azar sob a forma de lotarias proibidas.

11      Por Decisão de 4 de julho de 2019, o órgão jurisdicional de reenvio anulou a Decisão de 30 de novembro de 2018. Salientou que a Autoridade Administrativa do Distrito de Feldkirch tinha punido novamente NK pelos mesmos factos, cometidos no mesmo local e na mesma época, tendo simplesmente adotado outra qualificação jurídica a esse respeito. Segundo esse órgão jurisdicional, tratava‑se de uma dupla ou de uma múltipla punição na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do Protocolo n.o 7 à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950. Consequentemente, considerou que esta última decisão devia ser anulada e que havia que arquivar o processo administrativo sancionatório.

12      A Autoridade Administrativa do Distrito de Feldkirch interpôs, no Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria), um recurso de «Revision» da Decisão de 4 de julho de 2019.

13      Por Decisão de 14 de junho de 2021, o Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo) anulou a Decisão de 4 de julho de 2019 com o fundamento de que o arquivamento definitivo do processo penal por Decisão de 13 de agosto de 2018 não impedia o prosseguimento do processo penal instaurado para declarar a prática do primeiro ato punido, previsto no § 52, n.o 1, ponto 1, da GSpG, e, assim, condenar NK por esta última infração.

14      O órgão jurisdicional de reenvio que, na sequência da Decisão de 14 de junho de 2021, foi novamente chamado a pronunciar‑se, precisa que, por força do § 63, n.o 1, da Verwaltungsgerichtshofgesetz (Lei do Supremo Tribunal Administrativo), está, em princípio, vinculado pela análise jurídica do Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo), mas que, segundo a jurisprudência deste último, esta obrigação não se aplica se, após a decisão do Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo), o Tribunal de Justiça proferir uma decisão divergente.

15      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o artigo 50.o da Carta obsta a um novo processo judicial quando um processo penal instaurado a título da GSpG pelos mesmos factos que são objeto desse novo processo judicial, mas por força de outra disposição da GSpG, foi arquivado no termo de uma audiência em que esses factos foram instruídos.

16      Quanto à aplicabilidade da Carta, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, antes de mais, que, no caso de um Estado‑Membro invocar razões imperiosas de interesse geral para justificar uma legislação suscetível de entravar o exercício da livre prestação de serviços, esta justificação deve ser interpretada à luz dos princípios gerais de direito e, em particular, dos direitos fundamentais garantidos pela Carta.

17      Em seguida, salienta, baseando‑se nomeadamente no Acórdão de 30 de abril de 2014, Pfleger e o. (C‑390/12, EU:C:2014:281, n.os 35 e 36), proferido na sequência de um reenvio de um órgão jurisdicional austríaco igualmente chamado a aplicar a legislação austríaca em matéria de jogos de fortuna ou azar, que a invocação pelo Estado‑Membro de derrogações previstas pelo direito da União para justificar uma restrição a uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE deve ser considerada uma «aplicação do direito da União» na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta.

18      Por último, indica que cidadãos da União Europeia são clientes do estabelecimento explorado por NK e que um empregado desse estabelecimento é nacional da República Bulgária, portanto, de outro Estado‑Membro.

19      No que respeita ao princípio ne bis in idem, o órgão jurisdicional de reenvio recorda, antes de mais, que este princípio está consagrado não só no artigo 50.o da Carta mas também, nomeadamente, no artigo 54.o da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de junho de 1985, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns (JO 2000, L 239, p. 19), assinada em Schengen, em 19 de junho de 1990, e que entrou em vigor em 26 de março de 1995 (a seguir «CAAS»).

20      Em seguida, salienta que, no Acórdão de 9 de março de 2006, Van Esbroeck (C‑436/04, EU:C:2006:165, n.os 27 e segs.), o Tribunal de Justiça indicou que o artigo 54.o da CAAS, que utiliza a expressão «mesmos factos», se refere unicamente à existência dos factos em questão e não à sua qualificação jurídica.

21      O órgão jurisdicional de reenvio salienta igualmente que, no seu Acórdão de 20 de março de 2018, Garlsson Real Estate e o. (C‑537/16, EU:C:2018:193, n.os 37 e 38), o Tribunal de Justiça precisou que o critério relevante para apreciar a existência de uma mesma infração é o da identidade dos factos materiais, entendidos no sentido da existência de um conjunto de circunstâncias concretas indissociavelmente ligadas entre si que levaram à absolvição ou à condenação definitiva da pessoa em causa e que a qualificação jurídica dos factos, no direito nacional, e o interesse jurídico protegido não são pertinentes para efeitos da verificação da existência de uma mesma infração, na medida em que o alcance da proteção conferida pelo artigo 50.o da Carta não pode variar de um Estado‑Membro para outro.

22      Por último, salienta que, no Acórdão de 29 de junho de 2016, Kossowski (C‑486/14, EU:C:2016:483), o Tribunal de Justiça declarou que, a fim de determinar se uma decisão como a que lhe foi submetida para apreciação constitui uma decisão pela qual alguém foi definitivamente julgado, na aceção do artigo 54.o da CAAS, importa assegurar que essa decisão foi proferida na sequência de uma apreciação de mérito do processo.

23      Quanto ao caso que lhe foi submetido, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, a título preliminar, que não há que averiguar se arquivou acertadamente o primeiro processo, uma vez que esse processo foi definitivamente arquivado.

24      Em seguida, precisa que, em princípio, o primeiro processo penal, no decurso do qual os factos foram instruídos, conduziu à absolvição do recorrente no processo principal e que o segundo processo penal tinha por objeto os mesmos factos. Ora, considera que a proibição do duplo julgamento é aplicável independentemente da qualificação jurídica dada a esses factos e que, consequentemente, o artigo 50.o da Carta deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma nova condenação de NK, apesar de a primeira decisão de absolvição indicar que os jogos em questão eram jogos de fortuna ou azar proibidos. Todavia, tendo em conta esta última circunstância, esta interpretação não lhe parece de tal modo evidente que não deixe margem para dúvidas.

25      Foi nestas condições que o Landesverwaltungsgericht Vorarlberg (Tribunal Administrativo Regional de Vorarlberg) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o princípio [ne] bis in idem, como garantido pelo artigo 50.o da Carta, ser interpretado no sentido de que a autoridade [administrativa sancionatória] competente de um Estado‑Membro está impedida de aplicar uma [sanção pecuniária] a uma pessoa por violação de uma disposição da legislação em matéria de jogos de fortuna ou azar se um [processo] anterior, baseado na mesma matéria de facto, contra a mesma pessoa, por violação de outra disposição da legislação em matéria de jogos de fortuna e azar (ou, mais genericamente, de outra norma do mesmo domínio jurídico) tiver sido definitivamente arquivado após a realização de uma audiência com recolha de provas?»

 Quanto à competência do Tribunal de Justiça

26      Tanto o Governo Austríaco como a Comissão invocam a incompetência do Tribunal de Justiça pelo facto de o órgão jurisdicional de reenvio não ter indicado de forma suficientemente concreta em que medida as disposições de direito nacional em causa foram adotadas para efeitos da aplicação do direito da União nem de que modo, apesar do seu caráter puramente interno, o litígio nele pendente apresenta um elemento de conexão com as disposições do direito da União relativas às liberdades fundamentais que torna a interpretação prejudicial solicitada necessária para a resolução desse litígio.

27      O artigo 51.o, n.o 1, da Carta prevê que as disposições desta têm por destinatários os Estados‑Membros apenas quando apliquem o direito da União.

28      A este propósito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica da União se destinam a ser aplicáveis em todas as situações reguladas pelo direito da União, mas não fora dessas situações. Foi nesta medida que o Tribunal de Justiça já recordou que não pode apreciar, à luz da Carta, uma regulamentação nacional que não se situa no âmbito do direito da União Em contrapartida, quando tal regulamentação se enquadra no âmbito de aplicação desse direito, o Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar‑se a título prejudicial, deve fornecer todos os elementos de interpretação necessários à apreciação, pelo órgão jurisdicional nacional, da conformidade desta regulamentação com os direitos fundamentais cujo respeito assegura (Acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 19, e de 5 de maio de 2022, BPC Lux 2 e.a., C‑83/20, EU:C:2022:346, n.o 26 e jurisprudência referida).

29      O Tribunal de Justiça declarou ainda que, quando se verifique que uma regulamentação nacional é suscetível de entravar o exercício de uma ou mais liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado, só pode beneficiar das exceções previstas pelo direito da União para justificar esse entrave na medida em que tal esteja em conformidade com os direitos fundamentais cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça. Esta obrigação de conformidade com os direitos fundamentais insere‑se evidentemente no âmbito de aplicação do direito da União e, por conseguinte, no da Carta. Assim, deve considerar‑se que o emprego, por um Estado‑Membro, de exceções previstas pelo direito da União para justificar um entrave a uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado «aplica o direito da União», na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta (Acórdão de 30 de abril de 2014, Pfleger e o., C‑390/12, EU:C:2014:281, n.o 36).

30      Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que os serviços que um prestador estabelecido num Estado‑Membro fornece, sem se deslocar, a um destinatário estabelecido noutro Estado‑Membro constituem uma prestação de serviços transfronteiriça, na aceção do artigo 56.o TFUE (Acórdãos de 11 de junho de 2015, Berlington Hungary e o., C‑98/14, EU:C:2015:386, n.o 26, e de 3 de dezembro de 2020, BONVER WIN, C‑311/19, EU:C:2020:981, n.o 19).

31      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o artigo 50.o da Carta é aplicável uma vez que, por força do Acórdão de 30 de abril de 2014, Pfleger e o. (C‑390/12, EU:C:2014:281, n.os 35 e 36), proferido na sequência de um reenvio de um órgão jurisdicional austríaco também chamado a aplicar a legislação austríaca em matéria de jogos de fortuna ou azar, esta legislação é suscetível de entravar o exercício da livre prestação de serviços garantida pelo artigo 56.o TFUE. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que cidadãos da União, isto é, cidadãos de outros Estados‑Membros que não a República da Áustria, eram clientes do estabelecimento de NK, que está estabelecido na área de jurisdição do Landesverwaltungsgericht Vorarlberg (Tribunal Administrativo Regional de Vorarlberg), na Áustria, e se encontra a apenas 40 km da fronteira com a Alemanha.

32      Nestas condições, deve considerar‑se que o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre o pedido de decisão prejudicial.

 Quanto à admissibilidade

33      O Governo Austríaco considera que o pedido de decisão prejudicial deve ser julgado inadmissível, uma vez que não permite determinar as disposições do direito nacional a que o órgão jurisdicional de reenvio se refere concretamente, nem a medida em que este se interroga, à luz dessas disposições, sobre a interpretação do direito da União. Por seu lado, a Comissão entende que este pedido é inadmissível pelo facto de, no caso em apreço, estarem em falta os elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente à questão prejudicial e para demonstrar a pertinência da questão para a resolução do litígio.

34      A este respeito, importa recordar que, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 5 de maio de 2022, Universiteit Antwerpen e o., C‑265/20, EU:C:2022:361, n.o 22 e jurisprudência referida).

35      Daqui resulta que as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 5 de maio de 2022, Universiteit Antwerpen e o., C‑265/20, EU:C:2022:361, n.o 23 e jurisprudência referida).

36      Assim, uma vez que a decisão de reenvio constitui o fundamento do processo no Tribunal de Justiça, é indispensável que o órgão jurisdicional nacional explicite, nessa decisão, o quadro factual e regulamentar em que se inscreve o litígio no processo principal e forneça um mínimo de explicações sobre as razões da escolha das disposições do direito da União cuja interpretação solicita e sobre o nexo que estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio que lhe foi submetido (Acórdão de 5 de maio de 2022, Universiteit Antwerpen e o., C‑265/20, EU:C:2022:361, n.o 24 e jurisprudência referida).

37      Estes requisitos cumulativos relativos ao conteúdo de um pedido de decisão prejudicial figuram expressamente no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em particular, resulta deste artigo que o pedido de decisão prejudicial deve conter «a exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação ou a validade de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que esse órgão jurisdicional estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal».

38      Ora, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que era chamado a pronunciar‑se sobre a legalidade de uma segunda decisão sancionatória, aplicada pelos mesmos factos em relação à mesma pessoa, por infração ao § 52, n.o 1, ponto 1, primeiro ato punido, da GSpG, a saber, a implementação de jogos de fortuna ou azar sob a forma de lotarias proibidas, após o arquivamento de um primeiro processo penal baseado no § 52, n.o 1, ponto 1, terceiro ato punido, da GSpG, a saber, a disponibilização desses jogos de fortuna ou azar. Explicou que, consequentemente, se interrogava sobre a interpretação do princípio ne bis in idem, consagrado no artigo 50.o da Carta, que considerava aplicável uma vez que, por força do Acórdão de 30 de abril de 2014, Pfleger e o. (C‑390/12, EU:C:2014:281, n.os 35 e 36), uma legislação, como a que está em causa no processo principal, é suscetível de entravar o exercício da livre prestação de serviços garantida pelo artigo 56.o TFUE. No que respeita à interpretação deste princípio, o órgão jurisdicional de reenvio salientou, nomeadamente, que, se considerasse que, em princípio, o primeiro processo penal, no decurso do qual os factos tinham sido instruídos, tinha conduzido à absolvição de NK e que a proibição da dualidade de processos prevista no artigo 50.o da Carta era aplicável independentemente da qualificação jurídica desses factos, uma vez que a primeira decisão tinha indicado que os jogos em questão eram jogos de fortuna ou azar proibidos, a resposta a dar à questão submetida não lhe parecia tão evidente que não deixasse margem para dúvidas.

39      Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio expôs as razões que o conduziram a interrogar‑se sobre a interpretação de certas disposições do direito da União e o nexo que estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal.

40      Consequentemente, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

 Quanto à questão prejudicial

41      Com a sua única questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 50.o da Carta, na medida em que consagra o princípio ne bis in idem, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que seja aplicada uma sanção de caráter penal a uma pessoa por infração a uma disposição de uma legislação nacional suscetível de entravar o exercício da livre prestação de serviços, na aceção do artigo 56.o TFUE, quando essa pessoa já tenha sido objeto de uma decisão judicial transitada em julgado, proferida no termo de uma audiência que incluiu medidas de instrução, que conduziu à absolvição da referida pessoa por infração a outra disposição dessa legislação pelos mesmos factos.

42      O artigo 50.o da Carta, com a epígrafe «Direito a não ser julgado ou punido penalmente mais do que uma vez pelo mesmo delito», estabelece que «[n]inguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei».

43      A título preliminar, importa salientar que o princípio ne bis in idem, consagrado no artigo 50.o da Carta, proíbe o cúmulo tanto de processos como de sanções de natureza penal na aceção deste artigo pelos mesmos factos e contra a mesma pessoa (Acórdão de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202, n.o 24 e jurisprudência referida).

44      No que respeita à apreciação da natureza penal dos processos e das sanções em causa, resulta da jurisprudência que são pertinentes três critérios no âmbito desta apreciação. O primeiro é a qualificação jurídica da infração no direito interno; o segundo, a própria natureza da infração; e, o terceiro, o grau de severidade da sanção suscetível de ser aplicada ao interessado (Acórdãos de 4 de maio de 2023, MV — 98, C‑97/21, EU:C:2023:371, n.o 38 e jurisprudência referida, e de 14 de setembro de 2023, Volkswagen Group Italia e Volkswagen Aktiengesellschaft, C‑27/22, […], n.o 45).

45      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, à luz destes critérios, se os processos e as sanções em causa no litígio principal são de natureza penal, na aceção do artigo 50.o da Carta.

46      A este respeito, importa recordar que a aplicação do artigo 50.o da Carta não se limita apenas aos processos e sanções qualificados de «penais» pelo direito nacional, mas estende‑se — independentemente dessa qualificação no direito interno — aos processos e às sanções que devem ser considerados de natureza penal com base nos dois outros critérios referidos no n.o 44 do presente acórdão (Acórdãos de 4 de maio de 2023, MV — 98, C‑97/21, EU:C:2023:371, n.o 41 e jurisprudência referida, e de 14 de setembro de 2023, Volkswagen Group Italia e Volkswagen Aktiengesellschaft, C‑27/22, […], n.o 48).

47      Uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio salienta, no seu pedido de decisão prejudicial, que os processos e sanções em causa no litígio principal são de natureza penal na aceção do artigo 50.o da Carta, ao abrigo dos critérios recordados no n.o 44 do presente acórdão, há que examinar se estão preenchidas as condições de aplicação do princípio ne bis in idem.

48      Com efeito, resulta da jurisprudência que a aplicação do princípio ne bis in idem está sujeita a uma dupla condição, a saber, por um lado, que haja uma decisão anterior definitiva (condição «bis») e, por outro, que os mesmos factos sejam abrangidos pela decisão anterior e pelos processos ou decisões posteriores (condição «idem») (Acórdão de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202, n.o 28).

49      No que respeita ao requisito «bis», para determinar se uma decisão judicial constitui uma decisão que julga definitivamente uma pessoa, importa nomeadamente garantir que essa decisão foi proferida na sequência de uma apreciação do mérito da causa [Acórdão de 16 de dezembro de 2021, AB e o. (Revogação de uma amnistia), C‑203/20, EU:C:2021:1016, n.o 56 e jurisprudência referida].

50      Esta interpretação é confirmada pela redação do artigo 50.o da Carta, uma vez que os conceitos de «condenação» e de «absolvição» a que se refere esta disposição implicam necessariamente que a responsabilidade penal da pessoa em causa tenha sido apreciada e que tenha sido adotada uma decisão a este respeito [Acórdão de 16 de dezembro de 2021, AB e o. (Revogação de uma amnistia), C‑203/20, EU:C:2021:1016, n.o 57].

51      Enquanto corolário do princípio da autoridade do caso julgado, o princípio ne bis in idem tem por objeto garantir a segurança jurídica e a equidade, ao assegurar que, quando tenha sido julgada e, se for caso disso, condenada, a pessoa em questão tenha a certeza de que não será julgada novamente pela mesma infração (Acórdão de 22 de março de 2022, Nordzucker e o., C‑151/20, EU:C:2022:203, n.o 62).

52      No caso em apreço, resulta das constatações efetuadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, antes de mais, que a primeira sanção aplicada a NK, por violação da legislação relativa aos jogos de fortuna ou azar, foi anulada por Decisão deste órgão jurisdicional de 13 de agosto de 2018 transitada em julgado, adotada na sequência de uma audiência no decurso da qual os factos foram instruídos. Em seguida, o órgão jurisdicional de reenvio salientou que os resultados das medidas de instrução lhe tinham permitido concluir, nessa decisão, que NK não tinha disponibilizado, enquanto operador, jogos de fortuna ou azar proibidos na aceção do terceiro ato punido do § 52, n.o 1, ponto 1, da GSpG e que a referida decisão produz, segundo o direito nacional, os efeitos de uma decisão de absolvição. Por último, o órgão jurisdicional concluiu que NK tinha implementado aqueles jogos na aceção do primeiro ato punido deste § 52, n.o 1, ponto 1, sem, no entanto, proferir uma sanção a este respeito.

53      Decorre dos elementos salientados no número anterior que, no âmbito do primeiro processo, o órgão jurisdicional de reenvio proferiu a sua decisão à luz de uma apreciação relativa ao mérito da causa e pôde pronunciar‑se sobre a responsabilidade penal do arguido, o que todavia cabe a esse órgão jurisdicional verificar.

54      No que se refere à condição «idem», decorre dos próprios termos do artigo 50.o da Carta que este proíbe julgar ou punir penalmente a mesma pessoa, mais do que uma vez, pelo mesmo delito (Acórdão de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202, n.o 31).

55      No caso em apreço, é pacífico que os dois processos penais em causa dizem respeito à mesma pessoa, a saber, NK.

56      Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, o critério pertinente para apreciar a existência de uma mesma infração é o da identidade dos factos materiais, entendidos no sentido da existência de um conjunto de circunstâncias concretas indissociavelmente ligadas entre si e que levaram à absolvição ou à condenação definitiva da pessoa em causa. Assim, o artigo 50.o da Carta proíbe a aplicação, por factos idênticos, de várias sanções de natureza penal no termo de diferentes processos instaurados para estes fins [Acórdãos de 20 de março de 2018, Garlsson Real Estate e o., C‑537/16, EU:C:2018:193, n.o 37, e de 2 de setembro de 2021, LG e MH (Autobranqueamento), C‑790/19, EU:C:2021:661, n.o 78].

57      Para verificar a existência de um conjunto de circunstâncias concretas dessa natureza, as instâncias nacionais competentes devem determinar se os factos materiais dos dois processos constituem um conjunto de factos indissociavelmente ligados no tempo, no espaço e pelo seu objeto [Acórdão de 2 de setembro de 2021, LG e MH (Autobranqueamento), C‑790/19, EU:C:2021:661, n.o 79 e jurisprudência referida].

58      Além disso, tendo em conta a jurisprudência recordada no n.o 56 do presente acórdão, a condição «idem» exige que os factos materiais sejam idênticos. Em contrapartida, o princípio ne bis in idem não é aplicável quando os factos em causa não sejam idênticos mas apenas semelhantes (Acórdão de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202, n.o 36).

59      Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que a qualificação jurídica, no direito nacional, dos factos e o interesse jurídico protegido não são pertinentes para efeitos da declaração da existência de uma mesma infração, na medida em que o alcance da proteção conferida pelo artigo 50.o da Carta não pode variar de um Estado‑Membro para outro [Acórdãos de 20 de março de 2018, Menci, C‑524/15, EU:C:2018:197, n.o 36, e de 2 de setembro de 2021, LG e MH (Autoblanchiment), C‑790/19, EU:C:2021:661, n.o 80] nem pode, salvo disposição em contrário do direito da União, variar de um domínio deste para outro (Acórdão de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202, n.o 35).

60      Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, que é o único que tem competência para decidir sobre os factos, determinar se o litígio que lhe foi submetido tem por objeto factos idênticos àqueles que deram origem à Decisão de 13 de agosto de 2018, referida no n.o 52 do presente acórdão.

61      Resulta da decisão de reenvio que, na opinião do órgão jurisdicional de reenvio, os dois processos penais em causa diziam respeito à instrução de factos materiais substancialmente idênticos, nomeadamente devido às suas ligações no espaço e no tempo. Assim, resulta do controlo efetuado em 29 de dezembro de 2017 no estabelecimento pertencente a NK que nele estavam instaladas quatro máquinas de jogos de fortuna ou azar em condições de funcionamento, embora nenhuma licença tivesse sido emitida para a respetiva exploração. Nestas condições, pode considerar‑se, com base na jurisprudência referida no n.o 59 do presente acórdão, que a circunstância de NK ter sido julgado, primeiro, por disponibilizar, enquanto operador, lotarias proibidas no âmbito do primeiro processo penal, e em seguida por implementar essas lotarias no âmbito do segundo processo penal, não tem influência na constatação da existência de «uma mesma infração».

62      Neste contexto, importa salientar que a tramitação de um processo sancionatório de natureza penal, baseado nos mesmos factos, constituiria uma restrição do direito fundamental consagrado no artigo 50.o da Carta.

63      No entanto, uma restrição do direito fundamental consagrado no artigo 50.o da Carta pode ser justificada com base no artigo 52.o, n.o 1, desta (Acórdão de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202, n.o 40 e jurisprudência referida).

64      Em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, primeira frase, da Carta, qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos por esta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. De acordo com a segunda frase do referido número, na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

65      No caso em apreço, em primeiro lugar, resulta da decisão de reenvio que cada um dos dois processos instaurados pela Autoridade Administrativa do Distrito de Feldkirch, que conduziram à Decisão de 13 de agosto de 2018 e à Decisão de 30 de novembro de 2018 e a um cúmulo de processos, estava previsto na lei.

66      No que se refere, em segundo lugar, ao respeito do conteúdo essencial do direito fundamental consagrado no artigo 50.o da Carta, importa recordar que a possibilidade de cumular os processos e as sanções respeita o conteúdo essencial do artigo 50.o da Carta, desde que a regulamentação nacional não permita julgar e punir os mesmos factos pela mesma infração ou para prosseguir o mesmo objetivo, mas preveja unicamente a possibilidade de um cúmulo de processos e de penas ao abrigo de regulamentações diferentes (Acórdão de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202, n.o 43).

67      Ora, os dois processos instaurados pela Autoridade Administrativa do Distrito de Feldkirch, que conduziram a um cúmulo de processos, prosseguem o mesmo objetivo, a saber, punir as ofertas ilegais de jogos de fortuna ou azar através de máquinas de jogo, e baseiam‑se na mesma regulamentação.

68      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 50.o da Carta, na medida em que consagra o princípio ne bis in idem, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que seja aplicada uma sanção de caráter penal a uma pessoa por infração a uma disposição de uma legislação nacional suscetível de entravar o exercício da livre prestação de serviços na aceção do artigo 56.o TFUE, quando essa pessoa já tenha sido objeto de uma decisão judicial transitada em julgado, proferida no termo de uma audiência que incluiu medidas de instrução, que conduziu à absolvição da referida pessoa por infração a outra disposição dessa legislação pelos mesmos factos.

 Quanto às despesas

69      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

O artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, na parte em que consagra o princípio ne bis in idem, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que seja aplicada uma sanção de caráter penal a uma pessoa a título da prática de uma infração de uma disposição de uma legislação nacional suscetível de entravar o exercício da livre prestação de serviços, na aceção do artigo 56.o TFUE, quando essa pessoa já tenha sido objeto de uma decisão judicial transitada em julgado, proferida no termo de uma audiência em cujo âmbito foram realizadas medidas de instrução, e que conduziu à absolvição da referida pessoa pela prática de uma infração a outra disposição dessa legislação a título dos mesmos factos.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.