Language of document : ECLI:EU:C:2023:674

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NICHOLAS EMILIOU

apresentadas em 14 de setembro de 2023(1)

Processo C582/21

FY

contra

Profi Credit Polska S.A. w Bielsku Białej

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Okręgowy Warszawa‑Praga w Warszawie (Tribunal Regional de Warszawa‑Praga, Varsóvia, Polónia)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Pedido de reabertura de um processo encerrado por uma sentença proferida à revelia — Autoridade de caso julgado — Fundamentos de reabertura do processo — Princípios da equivalência e da efetividade — Interpretação conforme do direito nacional com o direito da União»






I.      Introdução

1.        O presente processo introduz uma nova perspetiva sobre a proteção processual a conceder aos consumidores contra as cláusulas contratuais abusivas. Mais concretamente, convida o Tribunal de Justiça a esclarecer se esta proteção exige que o efeito nacional da autoridade de caso julgado seja anulado de modo que permita a reabertura de um processo, alegadamente viciado pela omissão da fiscalização oficiosa, pelo órgão jurisdicional nacional, do caráter eventualmente abusivo da relação contratual em questão.

2.        O contexto de facto e de direito nacional em que emergiu esta questão pode ser resumido do seguinte modo. A recorrente no processo principal — FY — foi condenada a reembolsar o montante em dívida de um crédito que tinha contraído junto da Profi Credit Polska, sociedade de crédito ao consumo. A sua obrigação de pagamento foi declarada numa sentença proferida à revelia com base numa livrança em branco, assinada pela devedora, completada posteriormente pela Profi Credit Polska e invocada por esta última.

3.        O órgão jurisdicional de reenvio proferiu a sentença à revelia sem ter à sua disposição as cláusulas do contrato de mútuo. Por conseguinte, não examinou o caráter eventualmente abusivo das suas cláusulas. Embora FY não tenha procurado impugnar essa sentença, considerou, posteriormente, que as condições da sua prolação eram incompatíveis com os acórdãos do Tribunal de Justiça proferidos vários meses depois. Consequentemente, apresentou um pedido de reabertura do processo.

4.        Por força do disposto no direito nacional, um pedido deste tipo pode ser deferido quando, nomeadamente, i) a disposição de direito nacional invocada no processo judicial em questão tenha sido posteriormente declarada incompatível com um ato jurídico superior pelo tribunal constitucional nacional, ou quando ii) a parte interessada tenha sido «privada, em violação de disposições jurídicas, do seu direito de agir».

5.        Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio questiona se — tendo em conta a primeira hipótese — o princípio da equivalência exige que a reabertura do processo, a nível nacional, seja alargada com base numa decisão posterior do Tribunal de Justiça, proferida sob a forma de uma decisão prejudicial em aplicação do artigo 267.o TFUE.

6.        Além disso, interroga‑se sobre se a obrigação de interpretação conforme do direito nacional com o direito da União exige — à luz da segunda hipótese — que uma parte seja considerada «privada, em violação de disposições jurídicas, do seu direito de agir» quando um órgão jurisdicional nacional não examina o caráter eventualmente abusivo das cláusulas de um contrato celebrado com um consumidor.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União Europeia

7.        Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE (2), «[o]s Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas».

8.        O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 prevê que «[o]s Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional».

B.      Direito polaco

1.      Constituição polaca

9.        Em conformidade com o artigo 190.o, n.o 4, da Constituição polaca, «[u]ma decisão do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) que declare a incompatibilidade com a Constituição, com um acordo internacional ou com uma lei de um ato normativo com base no qual tenha sido proferida uma decisão judicial definitiva, uma decisão administrativa definitiva ou uma decisão definitiva noutras matérias, constitui fundamento para a reabertura de um processo, a anulação de uma sentença ou de outra decisão, segundo os princípios e modalidades estabelecidos nas disposições aplicáveis ao processo em causa».

2.      Código de Processo Civil

10.      A decisão de reenvio apresenta as seguintes informações sobre o direito nacional aplicável. O artigo 339.o, § 1, do Kodeks postępowania cywilnego (Código de Processo Civil; a seguir «KPC») dispõe que se o réu não comparecer na audiência de julgamento ou se, apesar de comparecer, nela não participar, o tribunal proferirá uma sentença à revelia.

11.      O artigo 399.o, § 1, do KPC prevê a possibilidade de solicitar a reabertura de um processo que tenha sido concluído com uma decisão definitiva.

12.      O artigo 401.o, ponto 2, do KPC dispõe que a reabertura do processo pode ser requerida por nulidade se uma parte não tiver capacidade judiciária, não tiver sido devidamente representada ou tiver sido privada, em violação de disposições jurídicas, do seu direito de agir.

13.      Nos termos do artigo 407.o, § 1, do KPC, o pedido de reabertura deve ser apresentado no prazo de três meses; este prazo é calculado a partir da data em que a parte tenha tomado conhecimento do fundamento de reabertura e, quando o fundamento for a privação da possibilidade de agir ou a inexistência de representação adequada, a contar da data em que a parte, o seu órgão de representação ou o seu representante legal tenha tomado conhecimento da decisão.

14.      O artigo 4011 do KPC prevê que a reabertura do processo pode igualmente ser requerida quando o Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional, Polónia) tiver declarado a não conformidade, com a Constituição, com um acordo internacional ratificado ou com a lei, do ato normativo em que se baseou a decisão proferida.

15.      Nos termos do artigo 407.o, § 2, do KPC, o pedido de reabertura deve ser apresentado no prazo de três meses a contar da entrada em vigor da decisão do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional).

16.      Em conformidade com o artigo 410.o, § 1, do KPC, o tribunal nega provimento ao recurso interposto após o termo do prazo fixado, que seja inadmissível ou que não tenha fundamento jurídico.

III. Matéria de facto, tramitação do processo nacional e questões prejudiciais

17.      Em 16 de junho de 2015, FY celebrou um contrato de mútuo com a sociedade de crédito ao consumo Profi Credit Polska. O reembolso do crédito foi garantido pela emissão de uma livrança em branco, assinada por FY.

18.      Em 30 de outubro de 2017, a Profi Credit intentou no Sąd Rejonowy dla Warszawy Pragi‑Południe (Tribunal de Primeira Instância de Warszawa Pragi‑Południe, Varsóvia, Polónia, a seguir «Tribunal de Primeira Instância») uma ação com vista a obter o pagamento do montante devido, acrescido de juros. A decisão de reenvio não especifica as circunstâncias que conduziram a essa ação. No entanto, o que se afigura pertinente é que apenas a livrança (que esta sociedade preencheu, indicando o montante devido) e a notificação da cessação do contrato de mútuo foram anexadas à petição.

19.      Tendo considerado que não havia fundamentos para emitir uma injunção de pagamento, o Tribunal de Primeira Instância procedeu à marcação de uma audiência (3). A notificação a FY foi considerada efetuada. Em 17 de abril de 2018, este órgão jurisdicional proferiu uma sentença à revelia condenando‑a no pagamento do montante pedido (julgando improcedente a ação apenas no que respeita a uma parte dos juros pedidos), baseando‑se unicamente no conteúdo da livrança e nas alegações da petição. Não solicitou à Profi Credit Polska a apresentação do contrato de mútuo e, nessa medida, não examinou se esse contrato continha cláusulas abusivas. Esta sentença à revelia foi proferida com força executória imediata e FY não apresentou objeções à mesma.

20.      Contudo, em 25 de junho de 2019, FY interpôs recurso no Tribunal de Primeira Instância, pedindo a reabertura do processo. FY alegou que esse órgão jurisdicional efetuou uma interpretação incorreta da Diretiva 93/13 e não teve em conta, nomeadamente, o Acórdão do Tribunal de Justiça Profi Credit Polska I (4) (proferido após a prolação da sentença à revelia). Na sua opinião, o Tribunal de Primeira Instância não tinha analisado o caráter abusivo das cláusulas contratuais em questão, privando‑a assim do seu direito de agir, na aceção do artigo 401.o, ponto 2, do KPC.

21.      Por Despacho de 27 de agosto de 2020, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento a esse recurso, considerando que tinha sido interposto fora de prazo e que carecia de fundamento jurídico. Observou igualmente que FY devia ter tentado defender a sua causa (no âmbito do processo que conduziu à sentença proferida à revelia), o que não fez.

22.      FY interpôs recurso desse despacho no Sąd Okręgowy Warszawa‑Praga w Warszawie (Tribunal Regional de Warszawa‑Praga, Varsóvia, Polónia), que é o órgão jurisdicional de reenvio no processo principal.

23.      No decurso do processo nesse órgão jurisdicional, o Rzecznik Finansowy (Provedor Financeiro, Polónia) observou que um fundamento para a reabertura do processo que conduziu à sentença proferida à revelia se podia basear numa interpretação extensiva do artigo 4011 do KPC, que diz respeito à reabertura do processo com base numa decisão (posterior) do Tribunal Constitucional nacional. Em seu entender, a sentença proferida à revelia foi adotada em violação da obrigação do Tribunal de Primeira Instância de examinar oficiosamente as cláusulas contratuais do contrato de mútuo em causa (5). O Provedor Financeiro sublinhou a semelhança entre a missão do Tribunal Constitucional e a do Tribunal de Justiça para fundamentar o argumento de que uma decisão deste último pode também servir de base válida para a reabertura do processo, em conformidade com o princípio da equivalência.

24.      A título subsidiário, o Provedor Financeiro declarou que também poderia ser possível reabrir o processo em causa com base no artigo 401.o, ponto 2, do KPC, na medida em que a omissão da fiscalização oficiosa por parte de um órgão jurisdicional é abrangida pelo âmbito de aplicação dessa disposição (e equivale à privação do direito de agir da parte) (6). Além disso, concordou com FY quanto ao caráter abusivo das cláusulas em causa.

25.      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à linha de ação correta a seguir.

26.      Por um lado, sublinha a importância do princípio da autoridade de caso julgado e assinala o facto de que nenhuma disposição do direito da União ou do direito nacional impõe aos órgãos jurisdicionais nacionais a obrigação de reabrir um processo que deu origem a uma decisão judicial definitiva a fim de ter em conta um acórdão do Tribunal de Justiça que interpreta o direito da União.

27.      Por outro lado, interroga‑se sobre se é possível chegar à conclusão inversa com base no princípio da equivalência ou na obrigação de interpretação conforme do direito nacional com o direito da União.

28.      Importa salientar que o órgão jurisdicional de reenvio observa que, à luz dos Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça nos processos Profi Credit Polska I, Profi Credit Polska II (7) e Kancelaria Medius, é «muito provável» que a sentença proferida à revelia tenha sido adotada em «flagrante violação» das disposições de direito nacional que transpõem os artigos 6.o e 7.o da Diretiva 93/13 (8). No entanto, explica que não está em condições de apreciar esta questão, porque apenas tem capacidade para verificar se, primeiro, os prazos foram respeitados e, segundo, se o pedido de reabertura do processo se baseia num dos fundamentos legais. É neste contexto processual que lhe compete determinar se uma decisão prejudicial interpretativa pode constituir tal fundamento.

29.      Foi à luz destas considerações que o Sąd Okręgowy Warszawa‑Praga w Warszawie (Tribunal Regional de Warszawa‑Praga, Varsóvia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem os artigos 4.o, n.o 3, e 19.o, n.o 1, do Tratado da União Europeia, tendo em conta o princípio da equivalência decorrente da jurisprudência do [Tribunal de Justiça], ser interpretados no sentido de que um acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.o, n.o 1, TFUE, que tem por objeto a interpretação do direito da União, constitui fundamento para a reabertura de um processo civil concluído com uma sentença definitiva anterior, quando uma disposição do direito nacional, como o artigo 4011 do [KPC], permite essa reabertura caso seja proferida uma decisão definitiva com base numa disposição declarada, por decisão do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional, Polónia), incompatível com um ato jurídico superior?

2)      O princípio da interpretação conforme do direito nacional com o direito da União, decorrente do artigo 4.o, n.o 3, do Tratado da União Europeia e da jurisprudência do Tribunal de Justiça, impõe uma interpretação extensiva de uma disposição do direito nacional, como o artigo 401.o, ponto 2, do [KPC], de modo a incluir, no fundamento de reabertura do processo nela previsto, uma sentença definitiva proferida à revelia, na qual o órgão jurisdicional, em violação das obrigações decorrentes do Acórdão do Tribunal de Justiça [Profi Credit Polska I], não examinou o contrato que vincula o consumidor e o mutuante a fim de identificar eventuais cláusulas abusivas, limitando‑se a examinar a validade formal da livrança?»

30.      O Governo polaco e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Ambas as partes apresentaram alegações orais na audiência, realizada em 24 de janeiro de 2023.

IV.    Análise

31.      Abordarei o mérito das questões prejudiciais submetidas no presente processo formulando, em primeiro lugar, observações preliminares sobre a posição que o direito da União adota relativamente ao efeito nacional da autoridade de caso julgado, em especial em matéria de proteção dos consumidores, e sobre a segurança jurídica de que a autoridade de caso julgado constitui uma expressão específica (1).

32.      Em segundo lugar, explicarei que o princípio da equivalência não exige que seja possível a reabertura de um processo civil com base numa decisão prejudicial interpretativa do Tribunal de Justiça, sempre que tal seja possível, ao abrigo do direito nacional, com base em determinadas decisões do tribunal constitucional nacional (2).

33.      Em terceiro lugar, a sugestão de uma resposta à segunda questão prejudicial (que suscita a obrigação de interpretação conforme) exigirá o esclarecimento de vários pontos que esta questão implica. Neste contexto, explicarei que a efetividade da proteção dos consumidores contra as cláusulas abusivas não obriga automaticamente os Estados‑Membros a prever uma via de recurso extraordinária quando o órgão jurisdicional nacional não tiver fiscalizado se as cláusulas contratuais que vinculam o consumidor são efetivamente abusivas. Todavia, explicarei igualmente que as circunstâncias concretas em que a sentença proferida à revelia parece ter sido adotada e transitado em julgado impõem a concessão ao consumidor em causa de uma via de recurso. Embora a possibilidade de deferir o pedido de reabertura do processo apresentado por FY dependa, na minha opinião, das opções interpretativas oferecidas pelo direito polaco (e dos prazos aplicáveis), explicarei que a jurisprudência do Tribunal de Justiça lhe oferece outras vias processuais através das quais o seu direito de não ficar vinculado pelas (alegadas) cláusulas contratuais abusivas pode ser restabelecido (3).

A.      Direito da União, efeitos nacionais da autoridade de caso julgado e princípio da segurança jurídica

34.      Importa assinalar, antes de mais, que as vias de recurso extraordinárias, como a que está em causa no processo principal, permitem, de um modo geral, revogar decisões judiciais que transitaram em julgado. Enquanto tais, essas vias de recurso afetam, portanto, pela sua própria natureza, o princípio da autoridade de caso julgado que, de outro modo, se opõe a que sejam postas em causa decisões judiciais definitivas.

35.      Embora o princípio da autoridade de caso julgado constitua uma expressão do princípio da segurança jurídica (9), o seu funcionamento nem sempre é absoluto (como ilustra a existência de vias de recurso extraordinárias). A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as exceções a este princípio, definidas pelo legislador nacional, podem desencadear exceções suplementares exigidas pelo direito da União.

36.      A questão de saber se este direito pode, em determinadas situações, exigir que não sejam tidos em conta os efeitos nacionais da autoridade de caso julgado é abordada, na falta de regras específicas sobre esta matéria, através do prisma clássico dos princípios da equivalência e da efetividade, que enquadram o exercício da autonomia processual dos Estados‑Membros em conformidade com a obrigação de cooperação leal consagrada no artigo 4.o, n.o 3, TUE. Por conseguinte, a posição geral do direito da União é a de que não exige que sejam anulados os efeitos nacionais da autoridade de caso julgado para corrigir uma incompatibilidade de uma situação interna com o direito da União, a menos que um dos princípios acima referidos exija uma conclusão contrária (10).

37.      Neste âmbito, a apreciação é geralmente efetuada com prudência. O Tribunal de Justiça recorda reiteradamente a importância do princípio da autoridade de caso julgado, que se apresenta como sendo justificado pelo interesse da estabilidade do direito e das relações jurídicas, e por uma boa administração da justiça (11). Como foi assinalado, este princípio serve igualmente o interesse dos litigantes em terem as suas questões definitivamente resolvidas e, por essa razão, pode ser considerado uma garantia que decorre do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, contribuindo simultaneamente para a finalidade mais ampla do interesse público que consiste em dispor de um sistema jurídico em cuja estabilidade a sociedade pode confiar (12).

38.      Consequentemente, as vias de recurso extraordinárias — enquanto exceções ao princípio da autoridade de caso julgado — exigem um tratamento cauteloso. Embora os requisitos precisos da sua aplicabilidade possam diferir em função da ordem jurídica considerada, refletem um delicado equilíbrio estabelecido pelo legislador nacional entre, por um lado, o interesse geral na segurança jurídica e, por outro, o interesse em alcançar um resultado equitativo em circunstâncias específicas e limitadas (13).

39.      A sua elaboração prudente reflete o facto, já recordado, de que afetam a estabilidade das relações jurídicas e entravam o princípio da segurança jurídica, que decorre implicitamente do artigo 6.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) (14), que é considerado «um dos aspetos fundamentais do Estado de direito» (15). Por esta razão, considerou‑se que as decisões definitivas deverão permanecer intactas, a menos que se imponha uma conclusão em contrário devido a circunstâncias de caráter substancial e imperioso, como a correção de vícios fundamentais ou de um erro judiciário(16).

40.      Estas observações gerais são, naturalmente, pertinentes também para a apreciação do presente processo e significam que, para dar uma resposta às duas questões suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio no presente processo, os princípios acima referidos, que visam reforçar a aplicação do direito da União, devem ser postos à prova num contexto particularmente complexo e delicado.

B.      Princípio da equivalência e decisões do Tribunal Constitucional

41.      A fim de propor uma resposta à primeira questão prejudicial, começarei por discutir mais pormenorizadamente os limites que o direito da União, em geral, e o princípio da equivalência, em especial, impõem aos efeitos nacionais da autoridade de caso julgado (a). Após definir o quadro de análise aplicável, identificarei a categoria das decisões do Tribunal Constitucional a examinar à luz do mesmo. Este aspeto desencadeou um amplo debate durante o presente processo (b). Nesse sentido, exporei as razões que me levam a considerar que as diferenças entre as características das decisões nacionais pertinentes, por um lado, e as decisões prejudiciais interpretativas do Tribunal de Justiça, por outro, se opõem a que o princípio da equivalência seja desencadeado de modo que exija que essas decisões constituam um (novo) fundamento legal da via de recurso extraordinária em causa (c).

1.      Princípio da equivalência e efeitos nacionais da autoridade de caso julgado

42.      Como já referi, o princípio da equivalência pode, em determinadas condições, afetar o alcance dos efeitos nacionais da autoridade de caso julgado.

43.      Mais concretamente, este princípio proíbe os Estados‑Membros de preverem modalidades processuais menos favoráveis para os pedidos relativos a uma violação do direito da União do que as aplicáveis a um processo semelhante baseado numa violação do direito nacional (17). No presente contexto, isto significa que, quando o direito nacional prevê exceções aos efeitos nacionais da autoridade de caso julgado para que seja possível sanar as violações dos direitos conferidos pelo direito nacional, essas exceções devem aplicar‑se igualmente a recursos semelhantes baseados numa violação do direito da União.

44.      Para determinar se, de uma forma geral, um recurso submetido ao direito interno pode ser considerado semelhante a um recurso que visa a salvaguarda dos direitos conferidos pelo direito da União, importa, em princípio, atender ao seu objeto, à sua causa e aos seus elementos essenciais (18).

45.      No entanto, no contexto do presente processo, a questão não é a de saber se dois processos em concreto devem ser considerados semelhantes (e devem, portanto, ser regidos por condições equivalentes) (19), mas sim a de saber se um processo pode ficar disponível com base numa decisão prejudicial interpretativa quando possa ser desencadeado por um tipo específico de decisão judicial nacional.

46.      No passado, um cenário semelhante deu origem aos Acórdãos Impresa Pizzarotti (20), XC e Hochtief (21).

47.      A situação que culminou na prolação do Acórdão Impresa Pizzarotti dizia respeito a um órgão jurisdicional nacional (de última instância) que dispunha do que parecia ser um poder bastante amplo para completar as suas próprias decisões definitivas para sanar violações do direito interno, através de um mecanismo denominado «caso julgado de formação progressiva» (22). O Tribunal de Justiça concluiu que, nessas circunstâncias, este mecanismo tinha de ser disponibilizado para que fosse reposta a conformidade da situação com a legislação pertinente da União (no domínio dos contratos públicos).

48.      No Acórdão Hochtief, proferido num processo em matéria de contratos públicos, o Tribunal de Justiça fez igualmente uma declaração bastante ampla no sentido de que, quando as regras processuais prevejam a possibilidade de revogação de uma decisão definitiva para tornar a situação compatível com uma decisão judicial anterior, da qual o órgão jurisdicional e as partes já tinham conhecimento, esta possibilidade deve igualmente prevalecer para tornar a situação compatível com um acórdão anterior do Tribunal de Justiça (23).

49.      Dito isto, um exame cuidadoso do raciocínio do Tribunal de Justiça revela que estas condições, que permitiram revogar uma decisão definitiva, foram apresentadas como um cenário hipotético que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Este cenário foi concebido para refletir a situação existente nesse processo, em que estava em causa uma decisão prejudicial alegadamente desconsiderada na fase posterior do processo em que tinha sido pedida. Na minha opinião, ficou por determinar se as regras de direito nacional que permitem revogar o efeito da autoridade de caso julgado se enquadravam efetivamente nesse cenário hipotético (24).

50.      Por último, no seu Acórdão XC, o Tribunal de Justiça excluiu a possibilidade de o princípio da equivalência ser desencadeado para alargar a repetição do processo penal, em razão de uma violação da CEDH, às alegadas violações dos direitos fundamentais garantidos pelo direito da União. O Tribunal de Justiça baseou o seu raciocínio no «vínculo funcional estreito» entre a via de recurso nacional em causa e o processo no TEDH (25). Esta via de recurso foi efetivamente instituída, em substância, para dar execução aos acórdãos do TEDH proferidos, tanto quanto entendo, em processos individualmente conexos (26). Em princípio, estes acórdãos só podem ser pedidos e proferidos após o esgotamento de todas as vias de recurso nacionais. O Tribunal de Justiça opôs esta situação à lógica que preside à aplicação judicial dos direitos baseados no direito da União, a que se recorre antes da adoção de uma decisão judicial nacional definitiva, nomeadamente através do mecanismo do processo prejudicial.

51.      Embora esta jurisprudência apresente, evidentemente, um quadro de referência útil, nenhum dos acórdãos sucintamente referidos anteriormente corresponde exatamente à situação em apreço. Com efeito, o exame das implicações do princípio da equivalência é necessariamente concreto, pois implica uma comparação dos elementos das vias de recurso em causa.

52.      Para poder proceder a essa análise no presente processo, irei agora precisar os tipos de decisões do Tribunal Constitucional que devem ser consideradas pertinentes para esse efeito.

2.      Decisões pertinentes do Tribunal Constitucional

53.      Embora tal não seja especificado na redação da primeira questão prejudicial, daí resulta que as decisões do Tribunal Constitucional suscetíveis de serem invocadas para efeitos da reabertura do processo em aplicação do artigo 4011 do KPC são posteriores à decisão judicial definitiva cuja reabertura é pedida. Com efeito, tanto quanto o entendo, o raciocínio subjacente ao artigo 4011 do KPC, a que se refere esta questão, engloba a ideia de que é através de um acórdão posterior do Tribunal Constitucional que se torna evidente que uma decisão judicial anterior assenta numa base ilegal.

54.      Do mesmo modo, as três decisões prejudiciais interpretativas acima referidas (27), consideradas pelo órgão jurisdicional de reenvio como fundamentos possíveis para a reabertura do processo em causa, foram adotadas posteriormente à sentença proferida à revelia. Por conseguinte, a primeira questão prejudicial deve ser entendida no sentido de que visa saber se pode ser estabelecida uma equivalência entre os respetivos acórdãos do Tribunal Constitucional, por um lado, e as decisões prejudiciais interpretativas do Tribunal de Justiça, por outro, proferidos, em ambos os processos, posteriormente à decisão judicial definitiva cuja revogação é pedida.

55.      Feita esta precisão, o órgão jurisdicional de reenvio explicou que existem duas categorias de decisões do Tribunal Constitucional que podem servir de base à reabertura do processo em aplicação do artigo 4011 do KPC. Foram denominados «acórdãos simples», por um lado, e «acórdãos interpretativos negativos», por outro (28).

56.      Em resposta a uma pergunta que lhe foi colocada pelo Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio explicou que, com a sua primeira questão, pretende esclarecimentos sobre as consequências a retirar do princípio da equivalência relativamente a estas duas categorias.

57.      A este respeito, observo o seguinte.

58.      Como foi exposto na decisão de reenvio, quando o Tribunal Constitucional considera, através de um «acórdão simples», que a disposição nacional objeto de fiscalização é incompatível com um ato jurídico superior, priva a disposição nacional fiscalizada da sua força de lei.

59.      Tanto o Governo polaco como a Comissão parecem estar de acordo com esta posição, e com o facto de um «acórdão simples» do Tribunal Constitucional constituir um fundamento de reabertura do processo civil com base no artigo 4011 do KPC.

60.      No entanto, parece existir um desacordo no que respeita à categoria dos «acórdãos interpretativos negativos».

61.      Afigura‑se que, num acórdão interpretativo, o Tribunal Constitucional toma posição sobre a questão de saber se uma determinada interpretação de uma disposição de direito nacional é ou não compatível com o critério de referência para fiscalização em causa. Em especial, quando tal acórdão conduz a um resultado negativo, excluindo uma determinada interpretação como ilícita («um acórdão interpretativo negativo»), a validade do ato interpretado permanece intacta.

62.      O órgão jurisdicional de reenvio reconhece que, embora seja possível basear‑se num «acórdão interpretativo negativo» para reabrir um processo administrativo, a questão de saber se o mesmo se aplica a um processo civil (em causa no processo principal) não é clara no direito polaco. Este órgão jurisdicional admite que a opinião dominante tende a privilegiar uma resposta negativa. Todavia, ele próprio considera que é possível uma resposta afirmativa.

63.      Neste contexto, a Comissão observou, durante a audiência, que é o Governo polaco que está em melhores condições para apreciar esta questão. Contudo, chamou a atenção para o facto de que, por força do direito nacional, se considera que as decisões do Tribunal Constitucional têm efeitos vinculativos erga omnes, sem qualquer distinção entre os diferentes tipos de acórdãos que esse órgão jurisdicional pode adotar.

64.      O Governo polaco alegou que «um acórdão interpretativo negativo» não afeta a validade da disposição interpretada e, por conseguinte, não pode servir de fundamento de reabertura de um processo civil. Na audiência, sublinhou que a sua posição se baseia numa deliberação do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia; a seguir «Supremo Tribunal») que, em seu entender, regula esta matéria (29).

65.      Observo que a questão de saber se um «acórdão interpretativo negativo» do Tribunal Constitucional constitui um fundamento de reabertura de um processo civil em aplicação do artigo 4011 do KPC não é, evidentemente, uma questão que cabe ao Tribunal de Justiça decidir. O processo ao abrigo do artigo 267.o TFUE assenta numa clara separação de funções, no âmbito da qual os órgãos jurisdicionais nacionais têm competência exclusiva para interpretar o direito nacional. Por esta razão, as observações do órgão jurisdicional de reenvio quanto ao conteúdo desse direito não podem ser postas em causa no âmbito do presente processo (30).

66.      Partirei, portanto, da premissa adotada pelo órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual «um acórdão interpretativo negativo» pode constituir um fundamento de reabertura do processo civil em aplicação do artigo 4011 do KPC e integrarei esta categoria de decisões na presente análise.

3.      Consequências a retirar do princípio da equivalência

67.      Começarei a minha apreciação das consequências a retirar do princípio da equivalência no presente processo discutindo o objetivo da via de recurso extraordinária em causa. Neste contexto, explicarei que esta via de recurso está provavelmente ligada ao que parece ser uma tomada de posição direta do Tribunal Constitucional sobre a incompatibilidade de uma disposição de direito nacional (hierarquicamente inferior) com um ato jurídico superior ou sobre a ilegalidade de uma determinada interpretação desse ato jurídico inferior (i).

68.      Em seguida, debruçar‑me‑ei sobre as especificidades das decisões prejudiciais interpretativas que consistem em fornecer uma interpretação do direito da União no âmbito de um diálogo judicial mais amplo em que as consequências precisas devem ser retiradas, para o direito nacional em causa (enquanto direito hierarquicamente inferior), pelo órgão jurisdicional nacional e em que a forma exata dessas consequências depende de um conjunto de variáveis. Esta dimensão específica, na minha opinião, faz com que seja extremamente difícil que estas decisões se enquadrem na lógica particular da via de recurso extraordinária em causa, sem afetar o imperativo de segurança jurídica (ii).

69.      Se esta diferença fundamental não for entendida como um obstáculo à aplicação do princípio da equivalência, debruçar‑me‑ei, a título subsidiário, sobre a forma como deve ser definida a categoria de possíveis decisões prejudiciais «desencadeadoras», de forma que garanta que os limites do princípio da equivalência e o imperativo da segurança jurídica continuem a ser respeitados (iii). Desenvolverei esta consideração subsidiária abordando a questão dos prazos aplicáveis. Este aspeto do processo revela, por si só, os desafios da integração da lógica das decisões prejudiciais no mecanismo da via de recurso extraordinária em causa (iv).

a)      Ações internas em causa: o seu objetivo e vínculo funcional

70.      No que respeita ao triplo critério do objetivo, da causa e dos elementos essenciais referido no n.o 44, supra, resulta dos autos que o objetivo dos respetivos processos suscetíveis de conduzirem a um acórdão do Tribunal Constitucional que pode ser invocado com base no artigo 4011 do KPC é, em geral, a obtenção de uma declaração de (in)compatibilidade — e a consequente (in)validade — de uma determinada disposição nacional com uma lei hierarquicamente superior ou uma declaração que considere uma determinada interpretação dessa lei incompatível com um ato jurídico superior.

71.      Por conseguinte, o objetivo da via de recurso extraordinária prevista no artigo 4011 do KPC parece ser permitir a revogação de uma sentença definitiva depois de a base jurídica em que esta assenta ter sido privada da sua força de lei ou após ter sido precisado que essa sentença assentava numa interpretação inadmissível do direito nacional.

72.      Por outras palavras, e aplicando a linguagem utilizada pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão XC, parece existir um vínculo funcional entre a via de recurso estabelecida no artigo 4011 do KPC e a declaração de incompatibilidade da disposição de direito nacional (ou de ilegalidade da sua interpretação) invocada no âmbito do processo cuja reabertura é pedida.

73.      Todavia, contrariamente ao Acórdão XC, o vínculo funcional é de alguma forma frágil no presente processo, uma vez que, para que seja possível uma reabertura ao abrigo do artigo 4011 do KPC, não é necessário que o acórdão «desencadeador» do Tribunal Constitucional seja proferido num processo individualmente ligado ao processo cuja reabertura é pedida.

74.      Com efeito, esta via de recurso parece estar aberta a qualquer parte cuja causa tenha sido decidida numa base de direito nacional posteriormente declarada ilegal, desde que o pedido de reabertura seja apresentado dentro do prazo aplicável.

75.      Por esta razão, e ao contrário da situação que deu origem ao Acórdão XC, não se afigura pertinente que uma decisão prejudicial interpretativa constitua, em geral, um meio ex ante de assegurar o cumprimento antes mesmo de ser proferida uma decisão judicial nacional definitiva. O mesmo se aplica, evidentemente, aos processos individuais em que essa decisão é pedida. Todavia, na minha opinião, esta consideração específica deixa de ser determinante quando o vínculo funcional entre a via de recurso extraordinária e o acórdão nacional «desencadeador» do Tribunal Constitucional for alargado a fim de abranger qualquer decisão posterior desse órgão jurisdicional que tenha invalidado a base jurídica em causa ou que tenha excluído, por ser ilegal, a interpretação adotada do direito nacional.

76.      Tal não esgota, contudo, todas as especificidades que caracterizam as decisões prejudiciais interpretativas que têm de ser tomadas em consideração.

77.      O que parece ser decisivo no âmbito do presente processo são as diferenças na lógica que preside às consequências a retirar das respetivas categorias de decisões judiciais em causa.

78.      Em meu entender, quando o Tribunal Constitucional declara uma disposição de direito nacional incompatível com um ato jurídico superior, tal não deixa uma grande margem de discussão quanto às consequências jurídicas dessa declaração para o ato jurídico inferior em causa. Como acima referido, este ato é declarado incompatível e desaparece da ordem jurídica. A via de recurso extraordinária em causa permite, posteriormente, concretizar essas consequências ao nível das decisões judiciais proferidas com esta base jurídica (invalidada).

79.      A mesma observação pode ser feita, mutatis mutandis, a propósito dos «acórdãos interpretativos negativos».

80.      Embora esses acórdãos deixem intacta a validade do direito nacional interpretado, a impossibilidade de adotar uma determinada interpretação do ato jurídico inferior em causa produz‑se, à semelhança do que acontece com os «acórdãos simples», como consequência direta e sem intermediação da declaração do Tribunal Constitucional. Tal declaração é depois «traduzida», ao nível das decisões judiciais definitivas que acolhem tal interpretação inadmissível do ato jurídico inferior em causa, pela possibilidade da sua revogação através da via de recurso extraordinária em questão.

81.      Pelo contrário, o principal objetivo das decisões prejudiciais interpretativas é fornecer uma interpretação do direito da União (enquanto ato jurídico superior em causa). Embora, deste modo, constituam uma base de referência da qual há que retirar as consequências para a regra de direito nacional em causa, eventualmente incompatível, essas consequências específicas devem ser retiradas pelo respetivo órgão jurisdicional nacional, após a prolação da decisão prejudicial e a retomada do processo principal. Importa salientar que a forma exata destas consequências dependerá, normalmente, de um conjunto de variáveis.

82.      Na minha opinião, este aspeto tem uma relevância fundamental na possibilidade de determinar facilmente se uma certa decisão prejudicial desencadeará, in fine, consequências jurídicas que possam ser consideradas semelhantes às produzidas pelos respetivos acórdãos do Tribunal Constitucional. Isto, por sua vez, tem implicações importantes para a previsibilidade das situações em que a via de recurso extraordinária em causa, alargada na forma prevista no presente processo, se poderia aplicar. Abordarei esta questão mais pormenorizadamente a seguir.

b)      Especificidades das decisões prejudiciais interpretativas pertinentes para o presente processo

83.      Como já referi brevemente, o processo prejudicial (interpretativo) tem por finalidade principal dotar os órgãos jurisdicionais nacionais dos elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a decisão do litígio que lhes é submetido (a sua microfinalidade) e, do mesmo modo, assegurar a interpretação e a aplicação uniformes do direito da União em toda a União (a sua macrofinalidade) (31).

84.      Importa salientar que a prolação de uma decisão prejudicial ocorre num contexto mais amplo do diálogo judicial que os processos prejudiciais constituem e no qual o papel do Tribunal de Justiça é complementado pela intervenção subsequente do respetivo órgão jurisdicional de reenvio: embora o papel do Tribunal de Justiça seja o de fornecer uma interpretação vinculativa do direito da União, as consequências decorrentes dessa interpretação para o caso concreto são da responsabilidade dos órgãos jurisdicionais nacionais, agindo em conformidade com o princípio principal do primado do direito da União (32).

85.      Além disso, quando for identificado um conflito entre o direito da União e o direito nacional, a sua solução dependerá de um conjunto de variáveis.

86.      No que diz respeito ao direito da União, a questão de saber se, em especial, a incompatibilidade constatada do direito nacional com o direito da União conduzirá ao afastamento da aplicação do direito nacional depende da natureza específica da disposição do direito da União em causa (como a sua aplicabilidade nas relações horizontais ou o seu efeito direto nas relações verticais, observando‑se que o efeito direto é a condição para que o direito da União possa exigir a anulação do direito nacional) (33).

87.      Quanto ao direito nacional, a questão de saber se a incompatibilidade constatada implicará a inaplicabilidade efetiva do direito nacional dependerá das opções interpretativas da ordem jurídica em causa. Com efeito, mesmo quando, in fine, resulte de uma decisão prejudicial que uma determinada disposição do direito nacional é incompatível com o direito da União, tal pode não significar necessariamente que esta não produzirá mais «efeitos jurídicos», uma vez que o órgão jurisdicional nacional pode encontrar uma forma de a interpretar em conformidade com o direito da União. Em princípio, esta possibilidade deve ser tida em consideração em primeiro lugar, e só quando não permitir resolver a incompatibilidade é que a aplicação da lei incompatível em causa deverá ser afastada (quando essa ação for necessária à luz do direito da União) (34).

88.      Na minha opinião, esta lógica contrasta muito fortemente com a que preside às duas categorias pertinentes de acórdãos do Tribunal Constitucional. Como já expliquei, quando esses acórdãos constatam uma incompatibilidade, declaram também diretamente as consequências concretas a retirar para o ato jurídico inferior em causa (ou seja, a sua invalidade ou a impossibilidade de adotar uma determinada interpretação).

89.      Gostaria de acrescentar que esta diferença não é afetada pelo facto de as duas categorias de decisões judiciais comparadas parecerem produzir efeitos erga omnes (35).

90.      Este ponto em comum prima facie deu origem a alguma discussão na audiência (36).

91.      Todavia, o acima exposto revela, na minha opinião, que os termos dos efeitos erga omnes têm — em ambos os casos comparados — um sentido e consequências completamente diferentes. Importa salientar que o facto de as decisões judiciais daí resultantes serem, em ambos os casos, geralmente vinculativas, não parece esclarecer a forma como interagem com o ato jurídico inferior incompatível.

92.      A diferença que identifiquei supra a este respeito tem, na minha opinião, uma forte relevância na possibilidade de antecipar (com base apenas na consideração da decisão judicial) as situações específicas em que a via de recurso extraordinária em causa se aplicaria se as decisões prejudiciais interpretativas a desencadeassem: pode ser assim em alguns casos, mas não necessariamente noutros.

93.      Por outras palavras, a aplicação do princípio da equivalência nestas circunstâncias resultaria no custo não negligenciável da redução da segurança jurídica. Com efeito, a identificação das situações «desencadeadoras» exigiria uma análise intermédia autónoma (com a eventual necessidade de ouvir as partes) quanto à questão de saber se uma determinada decisão prejudicial produz in fine consequências que podem ser consideradas comparáveis às desencadeadas por qualquer dos acórdãos pertinentes do Tribunal Constitucional.

94.      Dito isto, embora a necessidade de iniciar essa discussão não seja considerada um obstáculo ao desencadeamento do princípio da equivalência, analisarei a seguir, a título subsidiário, como deve ser definida a categoria das possíveis decisões prejudiciais «desencadeadoras», a fim de garantir que os limites do princípio da equivalência, e o imperativo da segurança jurídica, continuam a ser respeitados.

c)      Precisão subsidiária da categoria pertinente das decisões prejudiciais interpretativas «desencadeadoras»

95.      Em primeiro lugar, há que decidir se a categoria pertinente das decisões prejudiciais interpretativas seria a que conduz à conclusão de que tem de ser afastada a aplicação de uma determinada disposição de direito nacional ou a que conduz (simplesmente) à exclusão de uma determinada interpretação do direito nacional por ser incompatível com o direito da União.

96.      A resposta a esta questão depende talvez da questão de saber se o elemento de comparação nacional pertinente é o «acórdão simples» ou o «acórdão interpretativo negativo» do Tribunal Constitucional. Recordo que, resulta dos autos que, embora a primeira categoria invalide o ato jurídico inferior incompatível, a segunda limita‑se a excluir uma forma de a interpretar.

97.      Uma resposta simples a esta questão parece ser que as possíveis consequências de uma decisão prejudicial nunca se enquadrarão exatamente na primeira categoria (porque o Tribunal de Justiça nunca pode invalidar o direito nacional) (37), embora possam corresponder, como alega em substância a Comissão, à segunda (38).

98.      No entanto, esta delimitação pode não ser inteiramente convincente. Observo que uma decisão prejudicial interpretativa pode conduzir à inaplicabilidade efetiva do direito nacional. Pode assim sustentar‑se que, na verdade, não há muita diferença entre declarar uma disposição nacional «desprovida de efeitos jurídicos», por um lado, e mantê‑la «com os seus efeitos jurídicos», retirando‑lhe a sua possibilidade efetiva de regulamentar as relações sociais, por outro.

99.      Além disso, uma vez determinado (contrariamente à minha principal sugestão no ponto anterior) que a inexistência de consequências jurídicas (para o direito interno) que constituiriam um resultado não mediado de uma decisão prejudicial não obsta a que o princípio da equivalência seja desencadeado, o mesmo deveria talvez aplicar‑se relativamente à diferença entre a invalidação (direta) do direito nacional e o afastamento da aplicação desse direito (o que pode, aliás, conduzir à sua revogação efetiva pelo legislador nacional num momento posterior).

100. Por último, importa igualmente recordar que a comparação das vias de recurso ou dos acórdãos respetivos para efeitos da aplicação do princípio da equivalência consiste em verificar se essas vias de recurso ou esses acórdãos são semelhantes. Para que o princípio da equivalência seja desencadeado, não é necessário que sejam idênticos.

101. Dito isto, embora esta abordagem não pareça problemática no âmbito das vias de recurso ordinárias, considero que deve ser tratada com maior contenção quando se trata de vias de recurso extraordinárias, devido ao facto de estas vias afetarem princípios tão fundamentais como os da autoridade de caso julgado e a segurança jurídica.

102. Assim, a diferença nas consequências jurídicas precisas para o ato jurídico inferior em causa deve, na minha opinião, interessar, o que significa, neste contexto específico, que o elemento de comparação nacional pertinente deve limitar‑se ao «acórdão interpretativo negativo» por oposição ao acórdão «simples».

103. Além disso, e pelas mesmas razões, as decisões prejudiciais comparáveis terão ainda de limitar‑se às que conduzem à exclusão de uma determinada interpretação do direito nacional, mas que não chegam ao ponto de ditar a sua não aplicação. Com efeito, tratar‑se‑ia de uma categoria diferente e mais invasiva de consequência jurídica que um «acórdão interpretativo negativo» não parece produzir.

104. Em segundo lugar, a categoria pertinente de decisões prejudiciais só poderia, na minha opinião, incluir as que respeitam exatamente à mesma legislação que a invocada pela sentença definitiva cuja revogação é pedida. Qualquer definição mais ampla do elemento de comparação pertinente invadiria o objeto específico da categoria pertinente dos acórdãos do Tribunal Constitucional (e afetaria, também a este respeito, o imperativo de segurança jurídica).

105. Com efeito, estes acórdãos parecem dizer respeito a um ato ou a uma disposição de direito nacional específicos. Em meu entender, não é possível apresentar por analogia um pedido da via de recurso extraordinária em causa que venha a ser deferido, ou seja, invocando uma alegada invalidade ou uma interpretação alegadamente incompatível de uma disposição nacional diferente (embora semelhante) da que foi efetivamente examinada pelo Tribunal Constitucional.

106. Em terceiro lugar, uma vez que o próprio objetivo dos «acórdãos interpretativos» é tomar posição sobre a compatibilidade de uma determinada interpretação do direito interno com um ato jurídico superior, entendo que uma resposta a esta questão se reflete no seu dispositivo, como explicou, em substância, o Governo polaco durante a audiência.

107. Embora o respeito do princípio da equivalência (e, mais uma vez, do imperativo da segurança jurídica) exija a delimitação da categoria pertinente das decisões prejudiciais interpretativas da mesma forma, essa delimitação pode conduzir a resultados arbitrários à luz da lógica que preside estas decisões.

108. Com efeito, embora o Tribunal de Justiça possa, em alguns casos, formular a observação pertinente no dispositivo da sua decisão, tal observação pode, noutros casos, resultar da sua fundamentação. Isto reflete o facto de essas decisões terem por objetivo principal fornecer uma interpretação do direito da União e de o seu objeto específico depender da forma como as questões são formuladas, bem como dos elementos específicos do contexto de facto e de direito nacional.

109. Além disso, importa sublinhar que as condições para obter uma revogação de uma decisão judicial definitiva incluem o aspeto crucial dos prazos. A este respeito, o princípio da segurança jurídica impõe que se determine claramente o momento a partir do qual os prazos começam a correr. No presente processo, este momento parece ser o da publicação da decisão pertinente do Tribunal Constitucional. Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio parece considerar que pode invocar qualquer uma das três decisões prejudiciais diferentes para eventualmente deferir o pedido de reabertura do processo que lhe foi submetido. Só esta abordagem revela, na minha opinião, os desafios colocados pela integração da lógica das decisões prejudiciais no mecanismo da via de recurso extraordinária em causa.

d)      Que elemento da jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça é determinante para a análise dos prazos aplicáveis?

110. O órgão jurisdicional de reenvio identificou três decisões prejudiciais interpretativas (Profi Credit Polska I, Profi Credit Polska II e Kancelaria Medius) das quais decorre, na sua opinião, que a sentença proferida à revelia foi adotada em violação das regras de direito nacional que transpõem os artigos 6.o e 7.o da Diretiva 93/13. Recordo que essa alegada violação consiste no facto de o Tribunal de Primeira Instância ter proferido essa sentença sem fiscalizar o caráter eventualmente abusivo das cláusulas contratuais em causa e, sem dispor das mesmas, não pediu a sua apresentação.

111. Embora esteja certamente de acordo com o órgão jurisdicional de reenvio quanto ao facto de esta jurisprudência ser pertinente para apreciar as condições em que a sentença proferida à revelia foi adotada e que pode levar à conclusão que sugere o órgão jurisdicional de reenvio (39), entendo que apenas uma dessas decisões (Kancelaria Medius) se enquadra efetivamente nos parâmetros que sugeri, a título subsidiário, no ponto anterior. Todavia, esta decisão prejudicial não é a primeira que permite provavelmente retirar consequências semelhantes.

112. Passando a explicar, no Acórdão Kancelaria Medius, o Tribunal de Justiça interpretou disposições específicas da Diretiva 93/13 como excluindo uma determinada interpretação do direito nacional (40) que, como assinala a Comissão, parece ser a mesma que está em causa no processo principal (41). Além disso, esta declaração consta do dispositivo do acórdão (e mesmo que a legislação incompatível não seja aí identificada pelo nome, encontra‑se noutras partes do acórdão do Tribunal de Justiça).

113. Mais precisamente, decorre desse acórdão que, quando o órgão jurisdicional nacional tem dúvidas quanto ao caráter abusivo das cláusulas contratuais sem dispor de um documento que as prove, deve poder requerer a apresentação desse documento (para proceder a uma fiscalização dessas cláusulas) (42).

114. Embora esta conclusão pareça enquadrar‑se bastante bem na situação do processo principal, este acórdão inspira‑se, na realidade, na jurisprudência anterior, incluindo (mas não exclusivamente) os dois outros acórdãos identificados pelo órgão jurisdicional de reenvio.

115. Em primeiro lugar, no Acórdão Profi Credit Polska I, o Tribunal de Justiça concluiu que a Diretiva 93/13 se opõe a uma legislação nacional que impede o órgão jurisdicional nacional de fiscalizar oficiosamente o caráter eventualmente abusivo das cláusulas contratuais constantes de um contrato celebrado com um consumidor, se as regras para o exercício do direito de deduzir oposição a uma injunção de pagamento forem, resumidamente, demasiado restritivas. No caso em apreço, o caráter particularmente restritivo das regras aplicáveis levou o Tribunal de Justiça a concluir que era esse efetivamente o caso (43).

116. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, embora o litígio no processo principal não tenha por objeto uma injunção de pagamento (e, portanto, a mesma legislação nacional), as condições em que a sentença proferida à revelia em causa pode ser impugnada são igualmente restritivas.

117. Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça abordou especificamente as consequências a retirar da impossibilidade de o órgão jurisdicional nacional proceder à fiscalização oficiosa no Acórdão Profi Credit Polska II, precisando que o órgão jurisdicional nacional que tenha dúvidas quanto ao caráter abusivo das cláusulas contratuais pode pedir a apresentação dos documentos pertinentes (44).

118. Em terceiro lugar, o caráter obrigatório dessa abordagem proativa foi, na minha opinião, declarado no Acórdão Lintner (proferido antes do Acórdão Kancelaria Medius) (45).

119. Após se ter tido em consideração estes elementos jurisprudenciais, que acórdão do Tribunal de Justiça deve ser tido em conta para determinar se o prazo para apresentar um pedido de reabertura do processo foi respeitado?

120. Nesta fase, parece‑me útil recordar que a Comissão defendeu, no presente processo, a constatação da equivalência entre um «acórdão interpretativo negativo» e uma decisão prejudicial interpretativa. Todavia, acrescentou igualmente que só deveria ser esse o caso na medida em que a conclusão relativa à incompatibilidade do direito nacional fosse clara.

121. Este padrão de clareza é talvez associado da melhor forma ao Acórdão Kancelaria Medius. Contudo, como acabei de explicar, este acórdão (proferido, para o que nos interessa, sem conclusões do advogado‑geral) (46) não é certamente o primeiro a abordar a questão geral que se coloca no processo principal.

122. Observo que, segundo os elementos dos autos, um pedido de reabertura de um processo deve ser apresentado no prazo de três meses a contar da publicação do respetivo acórdão do Tribunal Constitucional (47).

123. Deduzo das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que FY apresentou o seu pedido cerca de nove meses após a prolação do Acórdão Profi Credit Polska I, o que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, pode significar que apresentou o seu pedido com um atraso de seis meses. É talvez por esta razão que o órgão jurisdicional de reenvio pondera a possibilidade de identificar o alegado vício da sentença proferida à revelia também com base nos Acórdãos Profi Credit Polska II ou Kancelaria Medius, proferidos posteriormente (proferidos, respetivamente, cerca de quatro e doze meses após a apresentação do pedido de FY).

124. Devo dizer que estas considerações me deixam um pouco perplexo porque, na minha opinião, é difícil admitir que o princípio da equivalência possa conduzir a um resultado no qual o prazo em causa possa começar a correr com cada nova decisão prejudicial do Tribunal de Justiça que permita esclarecer melhor as consequências a retirar do direito da União para a interpretação de uma determinada disposição de direito interno.

125. Recordo que a reabertura do processo em causa no presente caso constitui uma via de recurso extraordinária que, por natureza, constitui uma exceção ao princípio da autoridade de caso julgado. A fim de preservar o princípio da segurança jurídica, as condições em que tal via de recurso pode ser aplicada devem, portanto, ser claramente definidas para assegurar a previsibilidade, o que inclui um período preciso no qual essa via de recurso pode ser solicitada.

126. Esta exigência impõe, assim, que se determine a primeira decisão prejudicial no tempo que permite concluir que uma decisão judicial definitiva se baseou numa interpretação do direito nacional incompatível com o direito da União. No entanto, e pelas razões que identifiquei anteriormente, isso pode revelar‑se um pouco difícil se o que se pretende é o mesmo nível de clareza nominal quanto à lei que é incompatível com o direito da União e quais as consequências precisas de tal constatação.

127. Tendo em conta estas considerações, proponho que se responda à primeira questão prejudicial que o princípio da equivalência, como uma das manifestações da obrigação de cooperação leal consagrada no artigo 4.o, n.o 3, TUE, não exige que uma via de recurso extraordinária que permita a reabertura de um processo civil com base num acórdão do tribunal constitucional nacional i) que declare uma disposição de direito nacional, invocada nesse processo, incompatível com um ato jurídico superior e, por conseguinte, inválida, ou ii) que declare uma determinada interpretação da disposição de direito nacional, invocada nesse processo, incompatível com um ato jurídico superior, esteja disponível também com base num acórdão do Tribunal de Justiça proferido no âmbito de um processo em aplicação do artigo 267.o TFUE e que interpreta uma disposição do direito da União.

C.      Interpretação conforme com o direito da União (e considerações mais amplas sobre efetividade e equivalência)

128. Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se a obrigação de interpretar o direito nacional em conformidade com o direito da União significa que o fundamento de reabertura de um processo civil previsto no artigo 401.o, ponto 2, do KPC, deve ser interpretado de forma extensiva, de modo que inclua, no conceito legal de «privação, em violação de disposições jurídicas, do direito de agir de uma parte», a violação, pelo órgão jurisdicional nacional, da sua obrigação de fiscalizar oficiosamente o caráter eventualmente abusivo das cláusulas que constam de um contrato celebrado com um consumidor.

129. A fim de dar uma resposta útil à segunda questão prejudicial, começarei por explicar as razões que provavelmente suscitaram esta questão, antes de mais. Esse exercício impõe um exame mais atento das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio sobre o entendimento do conceito legal de «privação, em violação de disposições jurídicas, do direito de agir de uma parte» (a).

130. Tendo em conta a redação da segunda questão, explicarei, em seguida, que o resultado preciso que pode ser alcançado através de uma interpretação conforme com o direito da União é uma matéria da competência do órgão jurisdicional nacional (b).

131. Importa referir que, para que este método de interpretação se torne pertinente, é necessário determinar, em primeiro lugar, qual é a regra exata do direito da União cuja conformidade deve ser assegurada. A este respeito, a questão do órgão jurisdicional de reenvio parece basear‑se na premissa de que o direito da União impõe aos Estados‑Membros que prevejam uma via de recurso extraordinária que permita impugnar uma decisão judicial definitiva adotada quando tenha sido omitido o exame das cláusulas contratuais de um contrato celebrado com um consumidor. Na falta de uma regra específica do direito da União neste sentido, avaliarei a premissa do órgão jurisdicional de reenvio, examinando se é possível que a sua existência decorra do princípio da equivalência (c) ou da consideração de efetividade (d).

1.      Conceito de privação, em violação de disposições jurídicas, do direito de agir de uma parte

132. Resulta dos autos que uma situação em que uma parte foi privada, em violação de disposições jurídicas, do direito de agir constitui, no direito polaco, um fundamento distinto de reabertura de processos civis. Encontra‑se referido no artigo 401.o, ponto 2, do KPC, juntamente com os fundamentos relativos a uma pessoa que «não [tinha] capacidade judiciária [ou que] não [foi] devidamente representada».

133. Estes fundamentos estão relacionados, em conformidade com a redação do artigo 401.o, ponto 2, primeiro período, do KPC, com a invalidade do processo e, portanto, segundo entendo, com certos vícios processuais que viciaram o processo que terminou com uma decisão definitiva (48). Neste contexto, a lista dos vícios processuais suscetíveis de conduzir à reabertura do processo, prevista no artigo 401.o, ponto 2, do KPC, afigura‑se relativamente curta, o que se deve, provavelmente, ao caráter excecional das vias de recurso extraordinárias em geral (49).

134. O órgão jurisdicional de reenvio explica que o caso específico de privação, em violação de disposições jurídicas, do direito de agir abrange uma situação em que uma parte não pôde participar num determinado processo, ou numa parte substancial deste, devido a uma violação das regras processuais cometida pelo órgão jurisdicional ou pela parte contrária.

135. Na mesma ordem de ideias, o Governo polaco explicou na audiência que uma privação, em violação de disposições jurídicas, do direito de agir ocorre normalmente quando o demandado não foi devidamente notificado do processo instaurado contra si.

136. Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio explica igualmente que este conceito foi aplicado pelo Supremo Tribunal quando a reabertura do processo foi pedida com base numa decisão (posterior e factualmente ligada) do TEDH que concluiu pela existência de uma violação do direito a um processo equitativo, garantido pelo artigo 6.o, n.o 1, da CEDH (50).

137. Na falta de outros elementos na decisão de reenvio, e sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, entendo que se chegou a esta conclusão devido à falta de fundamentação por parte de um órgão jurisdicional nacional ao indeferir um pedido de assistência judiciária apresentado por uma parte no âmbito da interposição de um recurso de cassação (para cujo efeito era obrigatória a representação legal). Entendo igualmente que a situação em causa foi considerada um entrave à possibilidade de o queixoso utilizar esta via processual.

138. Este elemento da jurisprudência nacional parece levar o órgão jurisdicional de reenvio a perguntar se o fundamento de reabertura em causa deve ser interpretado (igualmente) de forma extensiva, de modo que abranja a omissão, pelo órgão jurisdicional nacional, do exame oficioso da legalidade das cláusulas constantes de um contrato celebrado com um consumidor, em violação das exigências indicadas na jurisprudência do Tribunal de Justiça. É neste contexto que o órgão jurisdicional de reenvio questiona se tal interpretação pode ser imposta pelo princípio segundo o qual o direito nacional deve ser interpretado em conformidade com o direito da União. Passo agora a abordar esta questão.

2.      Obrigação de interpretação conforme do direito nacional com o direito da União e aos limites da competência do Tribunal de Justiça

139. Segundo jurisprudência constante, os órgãos jurisdicionais nacionais devem interpretar, «as disposições do direito nacional, na medida do possível, de forma que possam ser aplicadas de modo a contribuírem para a implementação do direito da União» (51). Embora, para este efeito, os órgãos jurisdicionais nacionais devam, em suma, utilizar todos os meios possíveis previstos para o efeito na ordem jurídica em causa, esse método não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional (52).

140. Decorre desta descrição que, embora o método de interpretação conforme vise assegurar a plena eficácia do direito da União (53), a sua utilização e a identificação dos seus limites são necessariamente da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais, com base nas indicações que o Tribunal de Justiça pode dar, na medida do possível, com base nos elementos dos autos (54).

141. Com efeito, em conformidade com a separação de funções entre o Tribunal de Justiça, por um lado, e os órgãos jurisdicionais nacionais, por outro, no âmbito do processo ao abrigo do artigo 267.o TFUE, a interpretação do direito nacional é da competência exclusiva destes últimos (55). Daqui resulta que o Tribunal de Justiça não se pode pronunciar formalmente sobre a questão de saber se o princípio da interpretação conforme impõe um resultado interpretativo concreto a nível nacional, uma vez que a questão de saber se se pode alcançar dessa forma a conformidade com o direito da União depende do alcance da disposição de direito interno em causa e da sua «elasticidade interpretativa».

142. No entanto, para ajudar o órgão jurisdicional de reenvio, é necessário, nomeadamente para confirmar a pertinência do princípio da interpretação conforme, determinar, a nível do direito da União, qual é a «medida de legalidade» precisa com a qual deve ser assegurada a conformidade.

143. A este respeito, a segunda questão prejudicial parece basear‑se na premissa de que o direito da União, especificamente o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, exige a possibilidade de reabrir um processo civil encerrado por uma sentença definitiva para sanar uma alegada omissão do órgão jurisdicional nacional de fiscalizar a legalidade das cláusulas de um contrato celebrado com um consumidor. Uma vez que não parece existir no direito nacional aplicável uma base legal expressa que permita reabrir o processo civil que corresponda a este caso, o órgão jurisdicional de reenvio prevê uma interpretação extensiva do artigo 401.o, ponto 2, do KPC para o abranger.

144. Em conformidade com as posições expressas, em substância, pelo Governo polaco e pela Comissão, observo que a reabertura de um processo civil para sanar a omissão, por parte de um órgão jurisdicional nacional, de fiscalização oficiosa das cláusulas de um contrato celebrado com um consumidor reforçaria, sem dúvida alguma, a efetividade da proteção dos consumidores. Todavia, o Tribunal de Justiça tem sublinhado reiteradamente que incumbe aos Estados‑Membros, em conformidade com o princípio da autonomia processual, instituir processos internos para a fiscalização do caráter pretensamente abusivo de uma cláusula contratual, respeitando simultaneamente os princípios da equivalência e da efetividade (56).

145. Assim, na falta de uma disposição expressa nesse sentido no direito da União, não se pode presumir, sem uma análise mais aprofundada, que o incumprimento, pelo órgão jurisdicional nacional, de uma das exigências do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, no âmbito de um processo encerrado por uma sentença definitiva, leva à conclusão automática de que os Estados‑Membros devem prever uma via de recurso extraordinária de modo que permita a revogação dessa sentença definitiva.

146. Na minha opinião, essa obrigação só pode ser estabelecida por força do princípio da equivalência ou com base em considerações relativas à efetividade dos direitos conferidos pelo direito da União. Examinarei sucessivamente estes aspetos nos dois pontos seguintes.

3.      Considerações sobre o princípio da equivalência

147. Como já foi recordado no n.o 43 das presentes conclusões, o princípio da equivalência proíbe os Estados‑Membros de preverem modalidades processuais menos favoráveis para os pedidos relativos a uma violação do direito da União do que as aplicáveis a pedidos semelhantes baseados numa violação do direito nacional.

148. Neste contexto, e como recorda a Comissão, o Tribunal de Justiça explicou por diversas vezes que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 (que exige, em substância, que as cláusulas abusivas não vinculem os consumidores) constitui «uma norma equivalente às regras nacionais que ocupam, na ordem jurídica interna, o grau de normas de ordem pública» (57). O Tribunal de Justiça observou igualmente (em matéria de consumidores e em termos mais gerais) que «os requisitos impostos pelo direito nacional para suscitar oficiosamente uma regra de direito [da União] não sejam menos favoráveis do que os que regulam a aplicação oficiosa de regras do mesmo grau hierárquico de direito interno» (58).

149. Por conseguinte, se se demonstrar que o fundamento de reabertura de processos civis baseado na privação do direito de agir da parte é aplicado, no direito interno, de modo que abranja as omissões, por parte dos órgãos jurisdicionais nacionais, de suscitar oficiosamente questões de ordem pública, então o princípio da equivalência seria desencadeado de forma a tornar esse fundamento igualmente aplicável à situação do processo principal (59).

150. Dito isto, gostaria de sublinhar que a informação disponível nos autos não indica que a interpretação do artigo 401.o, ponto 2, do KPC, como acabei de destacar, tenha sido efetivamente acolhida. Por conseguinte, a eventual necessidade de desencadear o princípio da equivalência nestas circunstâncias continua a ser uma situação hipotética que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

4.      Efetividade da proteção do direito dos consumidores a não ficarem vinculados por cláusulas contratuais abusivas

151. Partindo da premissa implícita na questão do órgão jurisdicional de reenvio, conforme explicado no n.o 143, supra, coloca‑se a questão de saber se a efetividade dos direitos conferidos aos consumidores pelo direito da União e, mais especificamente, pela Diretiva 93/13 impõe a disponibilidade de uma via de recurso extraordinária quando se alegue que esses direitos não foram suficientemente protegidos. Isto inclui situações — para o que nos interessa no caso em apreço — em que se alega que o órgão jurisdicional nacional não procedeu a um exame oficioso do caráter eventualmente abusivo das cláusulas contratuais constantes de um contrato celebrado com um consumidor.

152. Na minha opinião, é bastante compreensível que tal questão seja colocada à luz da proteção bastante ampla que a jurisprudência do Tribunal de Justiça concedeu até agora aos direitos dos consumidores ao abrigo do direito da União e, em especial, da Diretiva 93/13.

153. Em jurisprudência atualmente constante, o Tribunal de Justiça interpreta esta diretiva no sentido de que implica a obrigação de os órgãos jurisdicionais nacionais fiscalizarem oficiosamente o caráter eventualmente abusivo das cláusulas contidas nos contratos celebrados com os consumidores. Sem que seja necessário entrar nos pormenores desta jurisprudência (60), o Tribunal de Justiça começou por confirmar que esta obrigação está subordinada à condição de o juiz nacional dispor «dos elementos jurídicos e de facto necessários para esse efeito» (61). Confirmou igualmente em acórdãos posteriores que, quando o órgão jurisdicional nacional não dispõe desses elementos pertinentes (mas tem dúvidas quanto ao caráter abusivo das cláusulas em causa), deve estar em condições de pedir que sejam apresentados (62).

154. Os respetivos aspetos da obrigação a que estão sujeitos os órgãos jurisdicionais nacionais de adotarem uma abordagem proativa têm vindo progressivamente a ser extraídos do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, que impõem, em substância, que os Estados‑Membros providenciem para que as cláusulas abusivas não vinculem os consumidores e que estes prevejam «meios adequados e eficazes» para pôr termo à utilização dessas cláusulas.

155. Não há nenhuma dúvida de que as obrigações que daí resultam para os órgãos jurisdicionais nacionais exigiram, em certas ordens jurídicas, um ajustamento significativo do habitual papel do juiz que, no contencioso civil, se esperaria geralmente que aceitasse como verdadeiras as alegações de facto das partes. Também não há dúvida sobre o facto de que o nível de proteção atualmente exigido pode diferir das exigências noutros domínios do direito da União em que os particulares também se podem encontrar em situações de vulnerabilidade (63).

156. Estas exigências específicas e, em certos casos, recentemente impostas aos órgãos jurisdicionais nacionais no âmbito da proteção dos consumidores parecem agora bastante bem conhecidas e integradas.

157. Dito isto, embora a jurisprudência do Tribunal de Justiça precise, na minha opinião, que a fiscalização oficiosa das cláusulas constantes de um contrato celebrado com um consumidor deve, em princípio, ter lugar numa determinada fase do processo, considero que as consequências da falta dessa fiscalização para a decisão judicial daí resultante (que transitou em julgado) são matizadas. Em especial, e embora essa falta possa, em certos casos, impedir a autoridade de caso julgado, tal não significa, na minha opinião, que essa autoridade não deva ser tida em consideração em todas as situações em que as cláusulas de um contrato celebrado com um consumidor não tenham sido fiscalizadas (i). No entanto, entendo igualmente que as condições restritivas em que a sentença proferida à revelia, em causa no processo principal, poderia ter sido impugnada significam que o consumidor afetado deve dispor de uma via de recurso para corrigir a situação que daí resulta. Esta via de recurso pode assumir a forma de reabertura do processo, se tal resultado puder ser alcançado através de uma interpretação conforme, mas não tem necessariamente de assumir essa forma (ii).

a)      Considerações sobre a efetividade e os efeitos nacionais da autoridade de caso julgado

158. Em conformidade com o que já referi anteriormente, a posição do direito da União face aos efeitos nacionais da autoridade de caso julgado é a de que não existe uma obrigação geral que exija que se ponha em causa decisões judiciais definitivas que violem o direito da União, nomeadamente através da instituição de uma via de recurso específica (64).

159. No entanto, é verdade que, em vários processos, o Tribunal de Justiça chegou a uma conclusão contrária com base em considerações de efetividade a garantir face a certas normas do direito da União.

160. Tal aconteceu, em primeiro lugar, numa situação em que uma decisão nacional definitiva que violava o direito da União impedia a recuperação de um auxílio de Estado concedido ilegalmente e que, consequentemente, afetava a repartição de competências entre a União e os Estados‑Membros nesse domínio (65).

161. Em segundo lugar, tal também ocorreu quando os efeitos nacionais da autoridade de caso julgado foram definidos de forma tão ampla que se tornou estruturalmente impossível obter resultados conformes com o direito da União noutros processos semelhantes. O Tribunal de Justiça chegou a esta conclusão em processos relativos ao IVA e, mais uma vez, aos auxílios de Estado (66).

162. Nenhuma das duas categorias de situações (quer sejam consideradas na perspetiva do domínio abrangido ou, sobretudo, das dificuldades estruturais encontradas) parece ser pertinente no litígio no processo principal.

163. Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça adotou uma abordagem bastante estrita dos efeitos nacionais da autoridade de caso julgado no domínio da proteção dos consumidores. Mais concretamente, precisou que a garantia de uma proteção efetiva do direito dos consumidores a não ficarem vinculados por cláusulas contratuais consideradas abusivas por força da Diretiva 93/13 exige que a autoridade nacional de caso julgado não seja tida em consideração na fase de recurso do processo ordinário ou durante o processo de execução.

164. No que respeita ao primeiro aspeto, no Acórdão Unicaja Banco (67), o Tribunal de Justiça impôs que não fosse tido em consideração o caráter definitivo de uma sentença proferida em primeira instância, na medida em que esta impedia, em substância, a recuperação pelo consumidor de uma parte de uma quantia paga ao profissional com base numa «cláusula de taxa mínima» considerada abusiva. Com efeito, embora essa decisão de primeira instância tenha ordenado o reembolso dos montantes pagos ao abrigo desta cláusula, impôs uma limitação no tempo sobre essa obrigação de restituição, em conformidade com a jurisprudência (da altura) do Supremo Tribunal nacional (68).

165. Posteriormente, o Tribunal de Justiça declarou que essa limitação no tempo era contrária à Diretiva 93/13 (69). Todavia, esta declaração foi feita depois de decorridos os prazos de interposição de recurso nesse processo, tendo apenas o banco em causa interposto um (contestando a decisão do órgão jurisdicional de primeira instância de lhe impor a totalidade das despesas). Foi dado provimento a este recurso. Em resposta a uma questão prejudicial submetida pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), o Tribunal de Justiça precisou que o órgão jurisdicional de recurso estava efetivamente obrigado a revogar a parte da sentença proferida em primeira instância que tinha adquirido autoridade de caso julgado e a suscitar oficiosamente o caráter abusivo da limitação no tempo, embora, primeiro, esta parte da sentença proferida em primeira instância não tenha sido contestada e, segundo, a situação daí resultante ter agravado a situação jurídica do banco que interpôs o recurso para impugnar outro aspeto da decisão de primeira instância.

166. No que respeita ao segundo aspeto referido no n.o 164, supra, o Tribunal de Justiça exigiu a revogação da autoridade de caso julgado de decisões judiciais proferidas no âmbito de um procedimento de injunção de pagamento ou no âmbito de um processo de execução hipotecária.

167. Mais especificamente, no Acórdão Finanmadrid EFC, o Tribunal de Justiça exigiu a revogação do efeito da autoridade de caso julgado na fase da execução de um procedimento de injunção de pagamento, conferindo ao órgão jurisdicional nacional competência para apreciar oficiosamente o eventual caráter abusivo de uma cláusula constante do contrato subjacente, quando esse órgão jurisdicional não era competente para proceder a tal apreciação por força do direito interno e quando as cláusulas contratuais não tinham sido fiscalizadas nas fases anteriores do processo (70).

168. Além disso, no Acórdão Banco Primus, o Tribunal de Justiça aplicou esta abordagem a situações em que, no âmbito de um processo de execução hipotecária, tinha sido realizado um exame, mas que se tinha limitado a determinadas cláusulas do contrato subjacente. O Tribunal de Justiça concluiu, em substância, que a proteção que deve ser concedida aos consumidores por força da Diretiva 93/13 seria «incompleta e insuficiente» se o órgão jurisdicional a que foi submetida a execução hipotecária estivesse impedido de examinar oficiosamente o caráter abusivo das outras cláusulas não analisadas (71).

169. Do mesmo modo, o Acórdão Ibercaja Banco (72) exigiu, em princípio, que, no âmbito de um processo de execução hipotecária, não fossem tidos em consideração os efeitos nacionais da autoridade de caso julgado quando o órgão jurisdicional nacional tivesse examinado as cláusulas contratuais em causa sem, contudo, fazer qualquer declaração expressa nesse sentido na decisão final. O Tribunal de Justiça sublinhou que, nessas circunstâncias, o consumidor não estava informado da existência dessa fiscalização e, pelo menos sumariamente, dos motivos pelos quais o órgão jurisdicional considerou que as cláusulas em causa não eram abusivas, o que o impediu de tomar uma decisão esclarecida sobre a impugnação ou não dessa decisão (73).

170. Prima facie, pode decorrer desta jurisprudência que o efeito da autoridade de caso julgado de uma decisão judicial resiste à análise da efetividade da proteção a conceder aos consumidores, em todo o caso tomada em consideração, apenas quando essa decisão tenha sido proferida na sequência de um exame das cláusulas contratuais relevantes (e apenas quando seja feita uma declaração expressa relativa ao resultado desse exame) (74).

171. Contudo, na minha opinião, tal conclusão geral não é inteiramente correta.

172. Em primeiro lugar, observo que tal conclusão tornaria as duas questões suscitadas no presente processo imediatamente desprovidas de objeto, uma vez que a sua consequência lógica seria a de que os efeitos jurídicos da autoridade de caso julgado simplesmente não se aplicam: apesar de formalmente ser definitiva, uma decisão judicial proferida sem um exame da relação contratual subjacente não pode impedir novas ações judiciais sob alguma forma. Por conseguinte, não seria necessário analisar a questão das vias de recurso extraordinárias, uma vez que se trata, como já expliquei, de instrumentos excecionais que permitem revogar uma decisão judicial definitiva.

173. Em segundo lugar, e mais importante, na minha opinião, é difícil antecipar as consequências mais amplas dessa leitura da jurisprudência do Tribunal de Justiça, sobretudo quando é colocada no contexto da sua jurisprudência relativa aos prazos de uma ação por enriquecimento sem causa intentada por um consumidor (75).

174. Em terceiro lugar, e constituindo igualmente um aspeto importante, a jurisprudência discutida supra deve ser lida à luz da jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça relativa a uma «passividade total do consumidor» (76), cuja pertinência contínua o Tribunal de Justiça confirmou recentemente.

175. Passando a explicar, o Tribunal de Justiça observou no Acórdão Asturcom Telecomunicaciones, proferido anteriormente, que o princípio da efetividade não vai ao ponto de impor ao órgão jurisdicional nacional que conheça de um pedido de execução de uma decisão arbitral (proferida sem a comparência do consumidor) a obrigação de apreciar oficiosamente o caráter eventualmente abusivo de uma cláusula de arbitragem contida num contrato celebrado com um consumidor, quando o consumidor não pediu a anulação dessa decisão, e quando o prazo aplicável de dois meses, fixado para esse efeito, não pode ser considerado problemático (77).

176. O Tribunal de Justiça remeteu para essa jurisprudência anterior no recente Acórdão Unicaja Banco, acima discutido, para confirmar que nos factos que conduziram à prolação deste acórdão não estava em causa a passividade total por parte do consumidor: embora este não tenha impugnado uma sentença de primeira instância proferida no processo principal, tal deveu‑se ao facto de o Acórdão Gutierrez Naranjo do Tribunal de Justiça, que declarou a jurisprudência nacional em que se baseou essa sentença proferida em primeira instância incompatível com a Diretiva 93/13, só ter sido proferido após o decurso dos prazos para a interposição de recurso (78).

177. Nesta perspetiva, considero que a eventual falta de exame do caráter abusivo das cláusulas de um contrato celebrado com um consumidor pode ainda conduzir a uma verdadeira autoridade de caso julgado quando, sobretudo, o consumidor não tenha participado em nenhuma fase do processo.

178. Por conseguinte, há que avaliar se tal situação se verificou nas circunstâncias do processo principal.

179. Resulta da decisão de reenvio que FY não participou no processo que conduziu à sentença proferida à revelia e que não procurou apresentar objeções a essa sentença (apesar de ter sido devidamente notificada dessa sentença). Estes elementos são, prima facie, reveladores da sua passividade na aceção da jurisprudência acima referida do Tribunal de Justiça.

180. No entanto, a sua situação específica deve ser apreciada no contexto geral das regras processuais nacionais aplicáveis em causa.

181. Sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, afigura‑se que as regras processuais aplicáveis à sentença proferida à revelia impediram o respetivo órgão jurisdicional de primeira instância de fiscalizar as cláusulas contratuais em causa, uma vez que esse órgão jurisdicional teve de aceitar como verdadeiras as alegações de facto da recorrente (79).

182. Na minha opinião, decorre do Acórdão Profi Credit Polska I que essa solução processual não é, por si só, incompatível com as exigências da Diretiva 93/13, desde que essa fiscalização possa ocorrer em segunda instância e desde que as condições de recurso sejam definidas de forma que não torne excessivamente difícil ou impossível a sua interposição efetiva pelo consumidor.

183. A este respeito, resulta da decisão de reenvio que a sentença proferida à revelia se tornou imediatamente executória e que podia ter sido impugnada num prazo de duas semanas, embora FY tivesse de apresentar alegações de direito e os elementos de prova que pretendia invocar.

184. Como observam tanto o órgão jurisdicional de reenvio como a Comissão, estas condições afiguram‑se bastante semelhantes às que o Tribunal de Justiça considerou demasiado restritivas no Acórdão Profi Credit Polska I (80). Entendo que, juntamente com a falta de exame do caráter eventualmente abusivo das cláusulas em primeira instância, podem efetivamente conduzir a uma conclusão semelhante, a saber, que não permitem assegurar o respeito dos direitos conferidos ao consumidor pela Diretiva 93/13. Dito isto, as questões submetidas no âmbito do presente processo não incidem sobre este aspeto específico e cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se esta descrição das regras processuais aplicáveis é correta.

185. Se o seu caráter demasiado restritivo fosse confirmado, daí decorreria, na minha opinião, que não se pode considerar que FY tenha demonstrado uma passividade total.

186. Nesse caso, entendo que a efetividade do direito dos consumidores de não ficarem vinculados por cláusulas contratuais abusivas exige que lhe seja conferida uma via de recurso.

187. Todavia, não creio que esta via de recurso deva necessariamente assumir a forma de reabertura do processo. Abordarei esta questão no ponto seguinte.

b)      Possíveis vias de recurso destinadas a restabelecer o direito do consumidor a não ficar vinculado por uma cláusula contratual alegadamente abusiva

188. Em primeiro lugar, já recordei que a obrigação do órgão jurisdicional nacional de fiscalizar a legalidade das cláusulas contratuais que afetam os consumidores pode ser alargada ao processo de execução (81).  A este respeito, os elementos disponíveis nos autos não indicam se um processo de execução foi iniciado ou encerrado, ou se, talvez, FY já cumpriu voluntariamente a sentença à revelia. No entanto, se a perspetiva da execução ainda estiver em aberto e se esse processo de execução vier a ser instaurado, decorre, na minha opinião, da jurisprudência acima referida que FY deve ter a possibilidade de invocar, nesse contexto, o caráter eventualmente abusivo do contrato subjacente (82).

189. Em segundo lugar, na minha opinião, daqui resulta igualmente que as circunstâncias processuais específicas em que a sentença proferida à revelia foi adotada e transitou em julgado levam a concluir que a autoridade de caso julgado não pode impedir FY de invocar o caráter eventualmente abusivo das cláusulas em causa para apresentar um pedido de reembolso dos respetivos montantes.

190. Esta interpretação é, no meu entender, corroborada pelo Acórdão Ibercaja Banco, no qual o Tribunal de Justiça afirmou o direito do consumidor de pedir uma indemnização (ao profissional em questão, segundo entendo) quando o órgão jurisdicional nacional não cumpriu devidamente a sua obrigação de fiscalização do caráter eventualmente abusivo do contrato de mútuo subjacente, mas quando o processo de execução hipotecária já terminou, com a consequência da transmissão da propriedade sobre o bem imóvel em causa para um terceiro (83). Considero que este raciocínio deve, a fortiori, aplicar‑se quando, simplesmente, a contrapartida pecuniária foi paga pelo consumidor ao profissional (com base numa cláusula contratual que deve ser considerada abusiva e, por conseguinte, nula e quando as condições para se opor a uma sentença proferida à revelia eram incompatíveis com o nível de proteção a assegurar em relação aos consumidores por força da Diretiva 93/13, como já observei acima).

191. Por último, a respetiva via de recurso nacional pode igualmente assumir a forma da via de recurso extraordinária em causa, desde que o direito nacional permita interpretar o conceito de privação, em violação de disposições jurídicas, do direito de agir de forma que abranja a situação em causa.

192. A este respeito, os elementos dos autos levam‑me a pensar que o órgão jurisdicional de reenvio poderia apreciar se o quadro processual aplicável, conforme descrito nos n.os 183 e 184, supra, poderia ser considerado um obstáculo ao acesso a uma via de recurso específica por parte de FY, à semelhança do que parece ter sido considerado (sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio) pelo Supremo Tribunal numa situação em que o órgão jurisdicional nacional não indicou as razões pelas quais foi recusada a assistência judiciária a um demandante a fim de interpor um recurso de cassação (84).

193. Dito isto, mesmo que essa interpretação conforme se revelasse possível, o pedido em causa teria, ainda assim, de respeitar o prazo aplicável (85). O prazo pertinente, tal como entendo a redação do artigo 407.o, § 1, do KPC, começa a correr a partir do momento em que uma dada parte tenha tomado conhecimento da «sentença» (86). A decisão de reenvio não contém informações adicionais sobre a forma como esta regra deve ser entendida. À primeira vista, entendo que a sua redação faz referência à sentença definitiva proferida num processo em que o demandado foi alegadamente privado da possibilidade de agir. Cabe, evidentemente, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar este entendimento.

194. Se, contudo, o órgão jurisdicional de reenvio concluir que a via de recurso extraordinária em causa não pode ser desencadeada, devido aos limites da interpretação conforme ou aos prazos aplicáveis, não creio que o requisito da efetividade do direito dos consumidores em causa vá ao ponto de impor a disponibilização da via de recurso extraordinária em causa, não obstante as condições em que se pode aplicar, conforme definidas pelo direito nacional.

195. O Tribunal de Justiça explicou que o caráter adequado e efetivo da proteção processual conferida aos consumidores deve ser apreciado à luz das vias de recurso já disponíveis (87).

196. A este respeito, resulta da decisão de reenvio que a omissão, por parte do órgão jurisdicional nacional, discutida no presente processo constitui a base de outra via de recurso extraordinária. O órgão jurisdicional de reenvio observa que a possibilidade desta via de recurso está limitada ao Provedor de Justiça e ao Procurador‑Geral, o que faz com que um número restrito de processos seja reapreciado desta forma. Contudo, não é menos verdade que essa via de recurso continua a fazer parte do contexto processual nacional geral.

197. Além disso, e talvez mais importante, entendo que a jurisprudência existente do Tribunal de Justiça enumera, de forma bastante completa, os diferentes aspetos do processo nacional que podem, de outro modo, impedir os consumidores (que não demonstraram uma passividade total) a oporem‑se à execução de um título cujo caráter eventualmente abusivo não tenha sido fiscalizado ou de serem ressarcidos pelo que pagaram (ou perderam) nessa base ilegal.

198. Nestas condições, não vejo necessidade de introduzir um nível de proteção suplementar que exija, à luz do direito da União, a reabertura dos processos, sobretudo se se considerar o caráter excecional dessa via de recurso.

199. Como expliquei acima, a aplicabilidade das vias de recurso extraordinárias assenta, de um modo geral, num equilíbrio global estabelecido pelo legislador nacional entre os valores concorrentes em jogo. Exigir que o alcance (material ou pessoal) destas vias de recurso se torne mais amplo para compensar especificamente a falta de apreciação, pelo órgão jurisdicional nacional, da legalidade de um contrato celebrado com um consumidor pode perturbar esse equilíbrio global se, por exemplo, não existir uma proteção processual comparável noutros domínios do direito, embora tais domínios possam igualmente implicar situações de recusa ilegal de proteção a ser garantida a pessoas que se encontrem numa situação de vulnerabilidade (88).

200. Tendo em conta estas considerações, entendo que a obrigação de assegurar uma proteção efetiva dos direitos dos consumidores por força do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 não exige a disponibilização de uma via de recurso extraordinária para permitir a reabertura de um processo concluído com uma decisão judicial definitiva proferida sem o exame do caráter eventualmente abusivo das cláusulas constantes de um contrato celebrado com um consumidor. Todavia, esta obrigação impõe que se preveja uma via de recurso, que deve ser identificada na ordem jurídica nacional em causa, quando essa decisão judicial definitiva foi proferida, e transitou em julgado, com base em modalidades processuais que não permitem assegurar o respeito dos direitos que a Diretiva 93/13 confere ao consumidor.

V.      Conclusão

201. Proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Sąd Okręgowy Warszawa‑Praga w Warszawie (Tribunal Regional de Warszawa‑Praga, Varsóvia, Polónia) do seguinte modo:

(1)      O princípio da equivalência, como uma das manifestações da obrigação de cooperação leal consagrada no artigo 4.o, n.o 3, TUE,

deve ser interpretado no sentido de que não exige que uma via de recurso extraordinária que permita a reabertura do processo civil com base:

–        num acórdão do tribunal constitucional nacional que declare uma disposição de direito nacional, invocada no âmbito desse processo, incompatível com um ato jurídico superior e, por conseguinte, inválida, ou

–        que declare uma determinada interpretação de uma disposição de direito nacional, invocada no âmbito desse processo, incompatível com um ato jurídico superior,

esteja disponível com base num acórdão do Tribunal de Justiça proferido no âmbito de um processo em aplicação do artigo 267.o TFUE e que interprete uma disposição do direito da União.

(2)      O artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores,

devem ser interpretados no sentido de que não exigem que esteja disponível uma via de recurso extraordinária que permita a reabertura de um processo concluído com uma decisão judicial definitiva proferida sem o exame do caráter eventualmente abusivo das cláusulas constantes de um contrato celebrado com um consumidor. Todavia, estas disposições deverão ser interpretadas no sentido de que exigem que esteja disponível uma via de recurso, e que deve ser identificada na ordem jurídica nacional em causa, quando essa decisão judicial definitiva foi proferida, e transitou em julgado, com base em modalidades processuais que não permitem assegurar o respeito dos direitos que a Diretiva 93/13 confere ao consumidor.


1      Língua original: inglês.


2      Diretiva do Conselho de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).


3      A decisão de reenvio não contém mais pormenores sobre as razões que levaram o órgão jurisdicional de reenvio a considerar que não podia emitir uma injunção de pagamento.


4      Acórdão de 13 de setembro de 2018, Profi Credit Polska (C‑176/17, EU:C:2018:711; a seguir «Acórdão Profi Credit Polska I»).


5      O Provedor Financeiro remeteu para o Acórdão Profi Credit Polska I e para o Despacho de 28 de novembro de 2018, PKO Bank Polski (C‑632/17, EU:C:2018:963).


6      Referindo‑se ao Acórdão de 4 de junho de 2020, Kancelaria Medius (C‑495/19, EU:C:2020:431; a seguir «Acórdão Kancelaria Medius»).


7      Acórdão de 7 de novembro de 2019, Profi Credit Polska (C‑419/18 e C‑483/18, EU:C:2019:930; a seguir «Acórdão Profi Credit Polska II»).


8      Quanto ao teor destas disposições, v. n.os 7 e 8 das presentes conclusões.


9      Acórdão de 1 de junho de 1999, Eco Swiss (C‑126/97, EU:C:1999:269, n.o 46).


10      V., por exemplo, Acórdão de 11 de setembro de 2019, Călin (C‑676/17, EU:C:2019:700, a seguir «Acórdão Călin», n.os 28 a 30 e jurisprudência referida).


11      V., por exemplo, Acórdão de 24 de outubro de 2018, XC e o. (C‑234/17, EU:C:2018:853, a seguir «Acórdão XC»; n.o 52 e jurisprudência referida).


12      V., neste sentido e para uma consideração mais ampla, Turmo, A., Res Judicata in European Union Law A multifaceted principle in a multilevel judicial system, EU Law Live Press, 2022, p. 46.


13      V., também, Wiśniewski, T., «Extraordinary remedies in Polish civil procedure», Studia Prawnicze — The Legal Studies, n.o 4 (220), 2019, p. 107.


14      Acórdão do TEDH, 19 de maio de 2020, REDQUEST LIMITED c. Eslováquia, ECLI:CE:ECHR:2020:0519JUD000274917, n.o 29 (a seguir «Acórdão REDQUEST do TEDH»).


15      Acórdão do TEDH, 25 de junho de 2009, OOO LINK OIL SPB c. Rússia, ECLI:CE:ECHR:2009:0625DEC004260005 (a seguir «Acórdão Link Oil do TEDH»; o texto não está organizado em números).


16      Acórdão REDQUEST do TEDH, n.o 29, Acórdão Link Oil do TEDH; e Acórdão do TEDH, 9 de junho de 2015, PSMA, SPOL. S R.O. c. Eslováquia, ECLI:CE:ECHR:2015:0609JUD004253311, n.os 68 a 70.


17      V., entre muitos exemplos, Acórdão de 17 de maio de 2022, Unicaja Banco (C‑869/19, EU:C:2022:397; a seguir «Acórdão Unicaja Banco»; n.o 22 e jurisprudência referida).


18      Ibidem, n.o 23; Acórdãos Călin, n.o 35, e XC, n.o 27. Por vezes, o Tribunal de Justiça referiu‑se unicamente ao «objeto» e aos «elementos essenciais», como no Acórdão de 26 de janeiro de 2010, Transportes Urbanos y Servicios Generales (C‑118/08, EU:C:2010:39; a seguir «Acórdão Transportes Urbanos», n.o 35). A diferença entre as duas abordagens é, em todo o caso, insignificante, uma vez que a categoria dos «elementos essenciais» é suficientemente ampla para abranger qualquer aspeto pertinente do processo judicial.


19      V., por exemplo, Acórdão Transportes Urbanos.


20      Acórdão de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti (C‑213/13, EU:C:2014:2067; a seguir «Acórdão Impresa Pizzarotti»).


21      Acórdão de 29 de julho de 2019, Hochtief Solutions Magyarországi Fióktelepe (C‑620/17, EU:C:2019:630; a seguir «Acórdão Hochtief»).


22      Acórdão Impresa Pizzarotti, n.o 55.


23      Acórdão Hochtief, n.o 63.


24      Com efeito, no n.o 63 desse acórdão, o Tribunal de Justiça concluiu que «cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se as regras processuais húngaras preveem a possibilidade de revogar uma decisão com autoridade de caso julgado, para tornar a situação resultante dessa decisão compatível com uma decisão judicial definitiva anterior, da qual o tribunal que proferiu aquela decisão e as partes no processo em que a mesma foi proferida já tinham conhecimento. Se assim fosse […]». O sublinhado é meu.


25      Acórdão XC, n.os 31 e 34.


26      V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Călin (C‑676/17, EU:C:2019:94, n.os 72 a 74).


27      V. n.o 28 das presentes conclusões.


28      V. igualmente Granat, M. e Granat, K., The Constitution of Poland: A Contextual Analysis, Hart Publishing, 2019, pp. 147 e 148. Resulta da decisão de reenvio e das explicações apresentadas pelo Governo polaco na audiência que, embora existam três tipos de processos em que o Tribunal Constitucional pode proferir um acórdão que pode servir de base à reabertura do processo em aplicação do artigo 4011 do KPC [quando esse órgão jurisdicional é chamado a pronunciar‑se i) por um organismo público autorizado para o efeito, ii) por um órgão jurisdicional nacional no âmbito de um processo pendente, ou iii) por um queixoso individual], a questão de saber qual destes processos foi efetivamente utilizado não tem impacto sobre a questão de saber se o fundamento de reabertura em causa pode ser desencadeado.


29      Deliberação do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) de 17 de dezembro de 2009, III PZP 2/09.


30      V., por exemplo, Acórdão de 4 de março de 2020, Telecom Italia (C‑34/19, EU:C:2020:148; a seguir «Acórdão Telecom Italia», n.o 56 e jurisprudência referida).


31      V., nomeadamente, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi (C‑561/19, EU:C:2021:799, n.os 27 a 30 e jurisprudência referida). V., quanto à terminologia «micro» e «macro» finalidade, Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi (C‑561/19, EU:C:2021:291, n.o 55).


32      V., sobre este princípio, Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski (C‑573/17, EU:C:2019:530; a seguir «Acórdão Popławski», n.o 53 e jurisprudência referida).


33      Como esclarecido no Acórdão Popławski, n.o 64.


34      V., relativamente a um exemplo específico relacionado com este assunto, Acórdão Kancelaria Medius, n.os 47 a 51, no qual o Tribunal de Justiça convidou o órgão jurisdicional de reenvio a avaliar, em primeiro lugar, as possibilidades de interpretação conforme da regra nacional em causa antes de recordar a obrigação (subsidiária) de não a aplicar.


35      Recordo que uma decisão prejudicial interpretativa é vinculativa não só para efeitos da sua aplicação no litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio em causa (efeitos inter partes), mas também deve ser respeitada noutros processos em que a mesma regra interpretada do direito da União se torne pertinente (efeitos jurídicos erga omnes), o que corresponde à micro e macro finalidades dos processos prejudiciais descritas no n.o 83, supra.


36      A mesma discussão incidiu igualmente sobre os efeitos jurídicos ex tunc. Segundo jurisprudência constante, deve considerar‑se que o significado de uma determinada regra do direito da União, como precisado pelo Tribunal de Justiça, existiu desde o momento da sua entrada em vigor. Acórdão de 6 de julho de 2023, Minister for Justice and Equality (Pedido de consentimento ‑ Efeitos do mandado de detenção europeu inicial) (C‑142/22, EU:C:2023:544, n.o 32 e jurisprudência referida). A este respeito, a Comissão sublinhou que os efeitos jurídicos dos acórdãos do Tribunal Constitucional recuam (pelo menos) durante o tempo suficiente para permitir a reabertura do processo. Por seu turno, o Governo polaco declarou que os acórdãos do Tribunal Constitucional produzem efeitos pro futuro.


37      V., neste sentido, Lenaerts, K., Maselis, I. e Gutman, K., EU Procedural Law, Oxford European Union Law Library, 2015, p. 238.


38      Recordo que o Governo polaco sustenta que a categoria dos acórdãos interpretativos negativos não constitui um fundamento de reabertura de um processo civil previsto no artigo 4011 do KPC. V. n.o 64, supra.


39      No entanto, esta questão não é objeto do presente processo e, por conseguinte, não foi discutida. V. n.o 28 das presentes conclusões.


40      V. dispositivo do Acórdão Kancelaria Medius, n.o 53.


41      Dito isto, observo que as regras específicas referidas no Acórdão Kancelaria Medius resultam do artigo 339.o, segundo parágrafo, do KPC, reproduzido no n.o 8 deste acórdão, ao passo que a decisão de reenvio no presente processo refere apenas o artigo 339.o, primeiro parágrafo, do KPC sobre a possibilidade, em geral, de proferir uma sentença à revelia. V. n.o 10, supra, das presentes conclusões.


42      Acórdão Kancelaria Medius, n.os 37 a 40.


43      Acórdão Profi Credit Polska I, n.os 64 a 71. Essas regras implicavam: i) um prazo de duas semanas para deduzir oposição, e ii) a obrigação de a) o requerido indicar se se opõe total ou parcialmente à injunção, b) deduzir exceções e alegar factos e apresentar provas, e c) pagar custas três vezes mais elevadas do que a parte contrária.


44      Acórdão Profi Credit Polska II, n.o 77.


45      Acórdão de 11 de março de 2020, Lintner (C‑511/17, EU:C:2020:188, n.o 37). Relativamente a um comentário sobre o caráter obrigatório da fiscalização, v. Conclusões da advogada‑geral L. Medina no processo Tuk Tuk Travel (C‑83/22, EU:C:2023:245, nota de rodapé n.o 32).


46      Recordo que resulta do artigo 20.o, último parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que uma causa pode ser julgada sem conclusões do advogado‑geral quando não suscite nenhuma questão de direito nova.


47      Nos termos do artigo 407.o, § 2, do KPC. V. n.o 15, supra, das presentes conclusões.


48      É talvez útil observar que ambos os fundamentos invocados no presente processo parecem dizer respeito a diferentes tipos de violações: substantivas (artigo 4011 do KPC, invocado no âmbito da primeira questão prejudicial) ou processuais (artigo 401.o, ponto 2, do KPC, invocado no âmbito da segunda questão prejudicial). Ora, os dois fundamentos são apresentados a propósito da mesma alegada omissão de fiscalização oficiosa por parte do órgão jurisdicional nacional. Parto do pressuposto de que essa omissão possa ser qualificada de substancial ou de processual, mas não de ambas as qualificações. Dito isto, os autos não contêm elementos adicionais sobre a delimitação entre as violações do direito nacional de natureza substantiva e as de natureza processual que podem desencadear a via de recurso extraordinária em causa. As presentes conclusões baseiam‑se, portanto, no que parece ser a premissa do órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual é possível uma dupla classificação neste contexto.


49      Sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, o alcance aparentemente limitado desta disposição parece ser corroborado pelo artigo 379.o do KPC (referido parcialmente na decisão de reenvio), que parece referir‑se a uma lista mais ampla de seis categorias de vícios processuais que implicam a nulidade do processo (sem, contudo, necessariamente e por si só, permitir a reabertura do processo).


50      Decisão do Supremo Tribunal polaco I PZ 5/07, de 17 de abril de 2007 e, segundo entendo, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, Acórdão do TEDH, de 27 de junho de 2006, Tabor c. Polónia (ECLI:CE:ECHR:2006:0627JUD001282502).


51      V., por exemplo, Acórdão de 11 de novembro de 2015, Klausner Holz Niedersachsen (C‑505/14, EU:C:2015:742; a seguir «Acórdão Klausner», n.o 31 e jurisprudência referida).


52      Ibidem, n.o 32 e jurisprudência referida.


53      Acórdão Popławski, n.o 55 e jurisprudência referida.


54      V., por exemplo, Acórdãos de 29 de junho de 2017, Popławski (C‑579/15, EU:C:2017:503, n.os 39 e 40 e jurisprudência referida), e Klausner, n.os 32 a 37.


55      V., neste sentido, Acórdão Telecom Italia, n.o 56.


56      V., por exemplo, Acórdão de 17 de maio de 2022, Ibercaja Banco (C‑600/19, EU:C:2022:394; a seguir «Acórdão Ibercaja Banco», n.o 39 e jurisprudência referida).


57      Acórdão de 6 de outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones (C‑40/08, EU:C:2009:615; a seguir «Acórdão Asturcom Telecomunicaciones», n.o 52), ou, neste sentido, Acórdão Ibercaja Banco, n.o 43.


58      Em matéria de consumidores, v., por exemplo, Acórdão Asturcom Telecomunicaciones, n.o 49. V., também, Acórdão de 14 de dezembro de 1995, van Schijndel e van Veen (C‑430/93 e C‑431/93, EU:C:1995:441, n.o 13 e jurisprudência referida), ou Acórdão de 17 de março de 2016, Bensada Benallal (C‑161/15, EU:C:2016:175, n.os 30, 31 e 35).


59      Sob reserva, evidentemente, dos prazos aplicáveis. V. artigo 407.o, § 1, do KPC, reproduzido no n.o 13 das presentes conclusões.


60      Para uma síntese, v. Werbrouck, J., e Dauw, E., «“The national courts” obligation to gather and establish the necessary information for the application of consumer law: The endgame?», European Law Review, Vol. 46, n.o 3, 2021, pp. 225 a 244.


61      Como foi recordado, por exemplo, no Acórdão Profi Credit Polska I, n.o 42 e jurisprudência referida. V., também, Acórdão de 4 de junho de 2009, Pannon GSM (C‑243/08, EU:C:2009:350, n.o 32).


62      V. n.os 117 e 118 das presentes conclusões.


63      V., para efeitos de comparação, Acórdão de 22 de junho de 2023, K.B. e F.S. (Conhecimento oficioso no domínio penal) [C‑660/21, EU:C:2023:498; a seguir «Acórdão K.B. e F.S. (Conhecimento oficioso no domínio penal)»] que declara que as disposições do direito da União aplicáveis, em princípio, não se opõem a uma legislação nacional que proíbe o órgão jurisdicional que aprecia o objeto do processo penal de conhecer oficiosamente, para efeitos de anulação do procedimento, a violação do dever que incumbe às autoridades competentes de informar prontamente os suspeitos ou os acusados do seu direito ao silêncio.


64      Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo XC e o. (C‑234/17, EU:C:2018:391; a seguir «Conclusões no processo XC», n.o 41). V., também, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus (C‑421/14, EU:C:2017:60; a seguir «Acórdão Banco Primus», n.o 47 e jurisprudência referida) ou Acórdão XC, n.o 51.


65      Acórdão de 18 de julho de 2007, Lucchini (C‑119/05, EU:C:2007:434, n.o 63). Mais tarde, o Tribunal de Justiça sublinhou o caráter excecional desta conclusão; v. Acórdão Impresa Pizzarotti, n.o 61.


66      V., no domínio do IVA, Acórdão de 3 de setembro de 2009, Fallimento Olimpiclub (C‑2/08, EU:C:2009:506, n.os 29 a 31), ou Acórdão de 16 de julho de 2020, UR (Sujeição dos advogados ao IVA) (C‑424/19, EU:C:2020:581, n.os 32 e 33). No domínio dos auxílios de Estado, v. Acórdão Klausner, n.os 43 a 45. V., também, Conclusões no processo XC, n.o 61.


67      V. nota de rodapé n.o 17, supra.


68      Os efeitos restitutórios da declaração de nulidade da «cláusula de taxa mínima» limitavam‑se aos montantes pagos pelo consumidor após a prolação da decisão que declarou o caráter abusivo da cláusula em causa.


69      Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o. (C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.os 72 a 75).


70      Acórdão de 18 de fevereiro de 2016, Finanmadrid EFC (C‑49/14, EU:C:2016:98, n.os 45 a 54).


71      Acórdão Banco Primus, n.o 52.


72      V. nota de rodapé n.o 56 das presentes conclusões.


73      Acórdão Ibercaja Banco, n.o 49. V., também, Acórdão de 17 de maio de 2022, SPV Project 1503 e o. (C‑693/19 e C‑831/19, EU:C:2022:395; a seguir «Acórdão SPV Project 1503», n.os 65 e 66).


74      Acórdão Ibercaja Banco, n.o 50.


75      V., por exemplo, Acórdão de 22 de abril de 2021, Profi Credit Slovakia (C‑485/19, EU:C:2021:313, n.os 63 a 66).


76      Acórdão Asturcom Telecomunicaciones, n.o 47.


77      Acórdão Asturcom Telecomunicaciones, n.o 33 a 48. Resulta deste acórdão que essa obrigação só pode resultar do princípio da equivalência na medida em que o órgão jurisdicional nacional possa proceder a essa apreciação no âmbito de ações semelhantes de natureza interna. V. n.o 53 e dispositivo deste acórdão. V., também, Acórdão de 1 de outubro de 2015, ERSTE Bank Hungary (C‑32/14, EU:C:2015:637; a seguir «Acórdão ERSTE Bank Hungary», n.o 62 e jurisprudência referida).


78      Acórdão Unicaja Banco, n.os 28 e 38. V., também, o dispositivo deste acórdão.


79      No presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio apenas apresentou o texto do artigo 339.o, § 1, do KPC relativo à possibilidade geral de adotar uma sentença à revelia. Como já observei, as regras nacionais em causa no Acórdão Kancelaria Medius abrangiam também o artigo 339.o, § 2, do KPC, que estabelece a obrigação de o órgão jurisdicional nacional aceitar como verdadeiras as alegações de facto do demandante. Cabe, evidentemente, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar a pertinência e o conteúdo exato dessa regra para o presente processo.


80      Relativamente à descrição das regras aplicáveis neste caso, v. nota de rodapé n.o 43, supra. A única diferença, noto, diz respeito às despesas. Contrariamente à situação em causa no Acórdão Profi Credit Polska I, a decisão de reenvio limita‑se a indicar que os «impostos» a pagar neste âmbito devem ser reduzidos para metade.


81      V., n.os 167 a 169 e 175 e 176, supra.


82      Os autos não contêm nenhum elemento sobre as regras de execução aplicáveis.


83      V. Acórdão Ibercaja Banco, n.os 57 a 59.


84      Como se discutiu nos n.os 136 e 137, supra.


85      À semelhança do que observei no âmbito do princípio da equivalência. V. n.o 149 e nota de rodapé 59, supra.


86      V. n.o 13, supra.


87      Acórdão ERSTE Bank Hungary, n.o 52.


88      V., a título de comparação, a situação descrita no Acórdão K.B. e F.S. (Conhecimento oficioso no domínio penal), resumido na nota de rodapé n.o 63.