Language of document : ECLI:EU:C:2024:13

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

11 de janeiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Convenção de Aarhus — Artigo 9.o, n.os 3 a 5 — Acesso à justiça — Sociedade civil profissional de advogados — Ação destinada a impugnar atos administrativos — Admissibilidade — Requisitos previstos pelo direito nacional — Inexistência de violação de direitos e de interesses legítimos — Custo não exageradamente dispendioso dos processos judiciais — Repartição das custas — Critérios»

No processo C‑252/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Curtea de Apel Târgu‑Mureş (Tribunal de Recurso de Târgu‑Mureş, Roménia), por Decisão de 16 de fevereiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de abril de 2022, no processo

Societatea Civilă Profesională de Avocați AB & CD

contra

Consiliul Judeţean Suceava,

Preşedintele Consiliului Judeţean Suceava,

Agenţia pentru Protecţia Mediului Bacău,

Consiliul Local al Comunei Pojorâta,

sendo interveniente:

QP,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, O. Spineanu‑Matei, J.‑C. Bonichot (relator), S. Rodin e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: L. Medina,

secretário: R. Șereș, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 4 de maio de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Societatea Civilă Profesională de Avocaţi AB & CD, por D. Ionescu, P. F. Plopeanu e I. Stoia, avocaţi,

–        em representação do Preşedintele Consiliului Judeţean Suceava e do Consiliul Judeţean Suceava, por Y. Beşleagă e V. Stoica, avocaţi,

–        em representação do Governo Irlandês, por M. Browne, Chief State Solicitor, A. Joyce e M. Tierney, na qualidade de agentes, assistidos por B. Foley e D. McGrath, SC, E. Burke‑Murphy, BL,

–        em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Gattinara e M. Ioan, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral apresentadas na audiência de 13 de julho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, n.o 4, e do artigo 9.o, n.os 3 e 5, da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, assinada em Aarhus, em 25 de junho de 1998, e aprovada, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO 2005, L 124, p. 1, a seguir «Convenção de Aarhus»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Societatea Civilă Profesională de Avocaţi AB & CD, que é uma sociedade civil profissional de advogados de direito romeno (a seguir «AB & CD»), a diversas entidades públicas a respeito da legalidade de atos administrativos por estas adotados tendo em vista a construção de um aterro em Pojorâta (Roménia), a saber, o plano de ordenamento de 16 de setembro de 2009 e a licença de construção de 3 de outubro de 2012.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

3        O artigo 2.o da Convenção de Aarhus, sob a epígrafe «Definições», prevê, nos n.os 4 e 5:

«4.      “Público”: uma ou mais pessoas singulares ou coletivas, bem como as suas associações, organizações ou agrupamentos de acordo com a legislação ou práticas nacionais;

5.      “Público envolvido”: o público afetado ou suscetível de ser afetado pelo processo de tomada de decisões no domínio do ambiente ou interessado em tais decisões; para efeitos da presente definição, presumem‐se interessadas as organizações não governamentais que promovam a proteção do ambiente e que satisfaçam os requisitos previstos no direito nacional».

4        O artigo 3.o, n.o 8, da Convenção de Aarhus enuncia:

«Cada parte garantirá que as pessoas que exerçam os seus direitos nos termos do disposto na presente convenção não sejam penalizadas, perseguidas ou importunadas de alguma forma pelo seu envolvimento. Esta disposição não afetará os poderes dos tribunais nacionais para estabelecer custas razoáveis nos procedimentos judiciais.»

5        O artigo 9.o da Convenção de Aarhus, sob a epígrafe «Acesso à justiça», estipula, nos seus n.os 2 a 5:

«2.      Cada parte garantirá, nos termos da respetiva legislação nacional, que os membros do público em causa:

a)      Que tenham um interesse suficiente;

ou, em alternativa,

b)      Cujo direito tenha sido ofendido, caso a lei de procedimento administrativo da parte o imponha como condição prévia, tenham acesso a um recurso junto dos tribunais e/ou de outra instância independente instituída por lei, para impugnar a legalidade material e processual de qualquer decisão, ato ou omissão sujeita às disposições previstas no artigo 6.o e, salvo disposição em contrário no direito interno, a outras disposições relevantes da presente convenção.

O interesse suficiente e a ofensa do direito serão determinados em conformidade com os requisitos do direito interno e com o objetivo de conceder ao público envolvido um amplo acesso à justiça nos termos da presente convenção. Para este fim, o interesse das organizações não governamentais que satisfaçam os requisitos mencionados no n.o 5 do artigo 2.o serão considerados suficientes para efeitos da alínea a). Presumir‐se‐á igualmente que tais organizações têm direitos suscetíveis de serem ofendidos para efeitos da alínea b).

[…]

3.      Além disso, e sem prejuízo dos processos de recurso referidos nos n.os 1 e 2, cada parte assegurará que os membros do público que satisfaçam os critérios estabelecidos no direito interno tenham acesso aos processos administrativos ou judiciais destinados a impugnar os atos e as omissões de particulares e de autoridades públicas que infrinjam o disposto no respetivo direito interno do domínio do ambiente.

4.      Além disso, e sem prejuízo do disposto no n.o 1, os processos referidos nos n.os 1, 2 e 3 deverão proporcionar soluções eficazes e adequadas, incluindo, se necessário, a reparação injuntiva do direito, ser justos, equitativos, céleres e não exageradamente dispendiosos. […]

5.      Com o objetivo de aumentar a eficácia do disposto no presente artigo, cada parte assegurará a colocação à disposição do público das informações relativas ao acesso aos processos de recurso administrativos e judiciais e considerará a possibilidade de estabelecer mecanismos de assistência adequados para eliminar ou reduzir os entraves financeiros e outros ao acesso à justiça.»

 Direito romeno

6        O artigo 56.o da Legea nr. 134/2010 privind Codul de procedură civilă (Lei n.o 134/2010, que aprova o Código de Processo Civil) (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 247, de 10 de abril de 2015), na versão em vigor no processo principal (a seguir «Código de Processo Civil»), dispõe:

«1.      Têm personalidade judiciária as pessoas que gozem dos direitos civis.

2.      Contudo, as associações, sociedades ou outras entidades sem personalidade jurídica podem ser parte quando constituídas nos termos da lei.

[…]»

7        O artigo 451.o do Código de Processo Civil tem a seguinte redação:

«1.      As custas processuais incluem o imposto de selo e a taxa de justiça, os honorários dos advogados, dos peritos e dos especialistas nomeados em conformidade com o artigo 330.o, n.o 3, os montantes devidos às testemunhas pelas despesas de deslocação e pelos prejuízos sofridos devido à sua presença no processo, as despesas de transporte e, se for caso disso, as despesas de alojamento, bem como quaisquer outras despesas necessárias ao bom desenrolar do processo.

2.      O órgão jurisdicional pode, mesmo oficiosamente, reduzir, de forma fundamentada, a parte das custas correspondente aos honorários de advogado quando estes forem manifestamente desproporcionados em relação ao valor ou à complexidade do processo ou ao trabalho realizado pelo advogado, tendo em conta também as circunstâncias do processo. A medida adotada pelo órgão jurisdicional não produz efeitos na relação entre o advogado e o seu cliente.

[…]

4.      Todavia, não pode ser efetuada qualquer redução das custas no que respeita ao pagamento do imposto de selo e da taxa de justiça, bem como ao pagamento dos montantes devidos às testemunhas nos termos do n.o 1.»

8        O artigo 452.o do Código de Processo Civil dispõe:

«A parte que pede a condenação nas custas deve provar, nas condições previstas na lei, a existência e o alcance das custas o mais tardar na data do encerramento dos debates sobre o mérito da causa.»

9        Nos termos do artigo 453.o do Código de Processo Civil:

«1.      A parte vencida é condenada nas custas da parte vencedora, se esta o pedir.

2.      Se o pedido tiver sido julgado parcialmente procedente, os juízes determinam em que medida cada uma das partes pode ser condenada nas custas. Se for caso disso, os juízes podem determinar a compensação das custas.»

10      O artigo 1.o da Legea contenciosului administrativ nr. 554/2004 (Lei n.o 554/2004 relativa ao Contencioso Administrativo) (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 1154, de 7 de dezembro de 2004), na versão em vigor no litígio no processo principal (a seguir «Lei do Contencioso Administrativo»), prevê:

«1.      Quem se considerar lesado por uma autoridade pública num dos seus direitos ou interesses legítimos, devido a um ato administrativo ou à falta de apreciação de um pedido dentro do prazo legal previsto para o efeito, pode recorrer ao órgão jurisdicional administrativo competente para obter a anulação do ato, o reconhecimento do direito invocado ou do interesse legítimo, e a reparação do dano sofrido. O interesse legítimo pode ser privado ou público.

2.      Pode recorrer ao órgão jurisdicional administrativo quem tiver sido lesado num dos seus direitos ou interesses legítimos por um ato administrativo de caráter individual dirigido a outra pessoa.

[…]»

11      O artigo 2.o, n.o 1, da Lei do Contencioso Administrativo enuncia:

«      Para efeitos da presente lei, os termos e expressões adiante utilizados devem ser entendidos do seguinte modo:

[…]

p)      “interesse legítimo privado” ‑ possibilidade de exigir um determinado comportamento, para efeitos da concretização de um direito subjetivo futuro e previsível, previsto;

r)      “interesse legítimo público” ‑ interesse relativo ao ordenamento jurídico e à democracia constitucional, à garantia dos direitos, das liberdades e dos deveres fundamentais dos cidadãos, à satisfação das necessidades da comunidade, ao exercício dos poderes das autoridades públicas;

s)      “organismos sociais interessados” ‑ estruturas não governamentais, sindicatos, associações, fundações e equiparados, cujo fim é o de proteger os direitos das diversas categorias de cidadãos ou, quando aplicável, o bom funcionamento dos serviços públicos administrativos;

[…]»

12      O artigo 8.o, n.o 11, da Lei do Contencioso Administrativo dispõe:

«As pessoas singulares e as pessoas coletivas de direito privado apenas podem intentar ações para a proteção de um interesse legítimo público a título subsidiário, quando a lesão do interesse legítimo público estiver logicamente conexa com a violação do direito subjetivo ou do interesse legítimo privado.»

13      O artigo 196.o, n.o 3, do Statutul profesiei de avocat (Estatuto da Profissão de Advogado) (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 898, de 3 de dezembro de 2011) tem a seguinte redação:

«Nos litígios decorrentes do exercício da atividade profissional, a sociedade civil profissional pode estar em juízo na qualidade de demandante ou demandada, mesmo que não tenha personalidade jurídica.»

14      Nos termos do artigo 20.o, n.os 5 e 6, da Ordonanța de urgență a Guvernului nr. 195/2005 privind protecția mediului (Despacho de Urgência do Governo n.o 195/2005 em Matéria de Proteção do Ambiente) (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 1196, de 30 de dezembro de 2005, a seguir «OUG n.o 195/2005»):

«5.      O acesso do público à justiça é realizado nos termos da legislação em vigor.

6.      As organizações não governamentais que promovem a proteção do ambiente têm o direito de intentar ações judiciais em matéria ambiental e têm legitimidade processual para participar nos litígios em matéria ambiental.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      Na ação que propôs no Tribunalul Cluj (Tribunal Regional de Cluj, Roménia), em outubro de 2018, uma sociedade civil profissional de advogados, AB & CD, pediu a anulação de diversos atos administrativos adotados pelas autoridades romenas tendo em vista a construção de um aterro em Pojorâta, a saber, o plano de ordenamento de 16 de setembro de 2009 e a licença de construção de 3 de outubro de 2012.

16      Como fundamento da ação, a AB & CD invocou, nomeadamente, o artigo 35.o da Constituição romena relativo ao direito a um ambiente saudável, bem como várias disposições do OUG n.o 195/2005 e da hotărârea Guvernului nr.o 1076/2004 privind stabilirea procedurii de realizare a evaluării de mediu pentru planuri și programe (Decisão do Governo n.o 1076/2004 sobre a instituição do procedimento de avaliação ambiental dos planos e programas), ao passo que os demandados alegaram que o aterro em questão cumpria todos os requisitos técnicos decorrentes da Diretiva 1999/31/CE do Conselho, de 26 de abril de 1999, relativa à deposição de resíduos em aterros (JO 1999, L 182, p. 1).

17      Os demandados arguíram três exceções de inadmissibilidade.

18      Por um lado, nos termos do direito romeno, a AB & CD não tem personalidade jurídica e não pode ser parte, salvo no que respeita aos litígios decorrentes do exercício da sua atividade profissional, o que não acontece no caso em apreço. Por outro lado, não tendo invocado a violação dos seus direitos subjetivos ou dos seus interesses legítimos privados, esta sociedade civil profissional de advogados não justificou nem a sua legitimidade processual nem o seu interesse em agir contra os atos administrativos em causa.

19      Por Sentença de 7 de fevereiro de 2019, o Tribunalul Cluj (Tribunal Regional de Cluj) julgou improcedente a exceção de inadmissibilidade relativa à falta de personalidade judiciária da AB & CD. Em contrapartida, o Tribunal confirmou as outras duas exceções de inadmissibilidade com o fundamento de que a AB & CD não fez prova da sua legitimidade processual ou o seu interesse em agir. Com efeito, decorre da Lei do Contencioso Administrativo que um demandante só pode invocar um interesse público a título subsidiário, uma vez que a lesão desse interesse decorra de uma violação de um direito subjetivo ou de um interesse legítimo privado. Ora, a AB & CD, enquanto sociedade civil profissional de advogados, não fez referência à violação de um interesse legítimo privado. Resulta, assim, da decisão de reenvio que estas duas últimas exceções foram examinadas em conjunto, não tendo a AB & CD legitimidade processual dado não ter demonstrado ter um interesse legítimo privado.

20      A AB & CD interpôs recurso na Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj, Roménia). O Consiliul Județean Suceava (Conselho Distrital de Suceava, Roménia) interpôs um recurso subordinado para contestar a improcedência da exceção de inadmissibilidade relativa à falta de personalidade judiciária.

21      Por Acórdão da Înalta Curte de Casație și Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça, Roménia) que julgou procedente um pedido do Conselho Distrital de Suceava de declaração de incompetência da Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj), estes recursos foram transferidos para a Curtea de Apel Târgu‑Mureș (Tribunal de Recurso de Târgu‑Mureș, Roménia), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

22      Este último salienta que, no caso em apreço, está obrigado a aplicar o artigo 20.o do OUG n.o 195/2005. Por força do n.o 5 deste artigo, o acesso à justiça em matéria de ambiente efetua‑se em conformidade com as «disposições legais em vigor», ao passo que, por força do n.o 6 do referido artigo, é aplicável um regime especial às ações das organizações não governamentais que promovem a proteção do ambiente.

23      É facto assente que a AB & CD não beneficia do regime previsto para essas organizações e que, por conseguinte, a admissibilidade da sua ação contra os atos administrativos em causa e, nomeadamente, a questão de saber se tem legitimidade processual ativa é apreciada à luz das regras gerais da lei do contencioso administrativo.

24      Decorre desta lei que o legislador romeno optou por um contencioso «subjetivo», o que implica que, num primeiro momento, um demandante deve invocar um interesse próprio, a saber, um «interesse legítimo privado», conforme previsto no artigo 2.o, n.o 1, alínea p), da referida lei. Só num segundo momento, depois de ter provado a existência desse interesse próprio, é que um demandante também pode invocar um «interesse legítimo público».

25      Em contrapartida, por força do artigo 20.o, n.o 6, do OUG n.o 195/2005, as organizações não governamentais de proteção do ambiente não estão obrigadas a demonstrar um interesse legítimo privado e podem, portanto, aceder à justiça no âmbito de um contencioso objetivo.

26      Todas estas disposições refletem as do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, que regula o acesso à justiça do «público envolvido», a saber, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 5, desta Convenção, «o público afetado ou suscetível de ser afetado pelo processo de tomada de decisões no domínio do ambiente ou interessado em tais decisões».

27      Daqui resulta que, para demonstrar que tem legitimidade processual ativa, a AB & CD devia ter justificado um interesse legítimo privado ou a existência de uma situação jurídica diretamente relacionada com o seu objeto social, provando que tinha sido afetada pelos atos administrativos em causa.

28      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto ao facto de, num litígio em matéria de ambiente, esse requisito poder ser conforme com o direito da União e, em especial, com o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus.

29      Por outro lado, este órgão jurisdicional salienta que, no que respeita às sociedades civis profissionais de advogados que não têm personalidade jurídica, como a AB & CD, o artigo 196.o, n.o 3, do Estatuto da Profissão de Advogado lhes reconhece o direito de estar em juízo enquanto demandante ou demandada apenas nos litígios decorrentes do exercício da atividade profissional.

30      No caso em apreço, a AB & CD não invocou uma violação dos seus próprios direitos, mas o interesse público e os direitos dos advogados que a compõem, alegando que o aterro de Pojorâta tinha um forte impacto sobre estes últimos e, potencialmente, sobre a saúde das pessoas que vivem na região em questão e também sobre o turismo. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus confere à AB & CD legitimidade processual ativa no âmbito da sua ação contra os atos administrativos em causa.

31      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a AB & CD sustenta que existe o risco de lhe serem aplicadas custas exageradamente dispendiosas e que o direito romeno não lhe permite prever o montante que poderá ter de suportar.

32      A este respeito, os artigos 451.o a 453.o do Código de Processo Civil regulam, de maneira geral, a questão das custas. Estas incluem, nomeadamente, as taxas de justiça e os honorários dos advogados. A parte vencida pode ser condenada nas despesas a pedido da parte vencedora. Na hipótese de os honorários de advogado serem manifestamente desproporcionados em relação à complexidade do processo ou ao trabalho realizado pelo advogado, o juiz que conhece do pedido pode reduzir a parte das custas correspondente aos honorários de advogado.

33      O órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar se estas normas do direito romeno são conformes com o requisito do custo não exageradamente dispendioso dos processos judiciais em matéria de ambiente, prevista no artigo 9.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus. Além disso, não é certo que dos artigos 451.o a 453.o do Código de Processo Civil constem critérios suficientes que permitam a uma pessoa de direito privado avaliar e antecipar os elevados custos processuais.

34      Nestas circunstâncias, a Curtea de Apel Târgu‑Mureş (Tribunal de Recurso de Târgu‑Mureş) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Devem o artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta do Direitos Fundamentais da União Europeia [a seguir “Carta”], em conjugação com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e o artigo 2.o, n.o 4, em conjugação com o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, ser interpretados no sentido de que é abrangida pelo conceito de “público” uma entidade jurídica como uma sociedade civil profissional de advogados que não invoca a violação de um direito ou interesse dessa entidade jurídica, mas sim a violação de direitos e interesses das pessoas singulares, os advogados que constituem aquela organização profissional, e pode tal entidade ser equiparada, na aceção do artigo 2.o, n.o 4, da Convenção, a um grupo de pessoas que atua através de uma associação ou uma organização?

2.      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, tendo em conta tanto os objetivos do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção [de Aarhus], como o objetivo da tutela jurisdicional efetiva dos direitos conferidos pelo direito da União, devem o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção e o artigo 47.o, primeiro e segundo parágrafos, da Carta, conjugados com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição de direito interno que faz depender o acesso à justiça por uma sociedade civil profissional de advogados da prova de um interesse próprio ou da circunstância de a propositura da ação visar proteger uma situação jurídica diretamente relacionada com o fim para o qual foi constituída tal forma de organização, no caso em apreço uma sociedade civil profissional de advogados?

3.      Em caso de resposta afirmativa à primeira e à segunda questões, ou independentemente das respostas a essas duas questões prejudiciais, devem o artigo 9.o, n.os 3, 4 e 5, da Convenção [de Aarhus], e o artigo 47.o, primeiro e segundo parágrafos, da Carta, conjugados com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, ser interpretados no sentido de que a [exigência de que haja] uma solução eficaz e adequada, incluindo a adoção de uma decisão judicial, [que] “não [seja] exageradamente dispendiosa”, pressupõe regras e/ou critérios para conter as despesas aplicadas à parte vencida no processo, no sentido de que o órgão jurisdicional nacional deve garantir o respeito pelo requisito dos custos não exageradamente dispendiosos tendo em conta tanto o interesse da pessoa que pretende defender os seus direitos como o interesse geral ligado à proteção do ambiente?»

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça

35      O órgão jurisdicional de reenvio pediu ao Tribunal de Justiça que aplicasse a tramitação prejudicial acelerada prevista no artigo 105.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, uma vez que o litígio está pendente nos órgãos jurisdicionais nacionais desde 3 de outubro de 2018.

36      O presidente do Tribunal de Justiça, ouvidos o juiz‑relator e a advogada‑geral, indeferiu este pedido por Decisão de 10 de junho de 2022. Com efeito, a circunstância de o órgão jurisdicional de reenvio ser obrigado a envidar todos os esforços para assegurar a resolução rápida do litígio no processo principal não é, por si só, suficiente para justificar o recurso à tramitação acelerada (v., neste sentido, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 31 de julho de 2017, Mobit, C‑350/17 e C‑351/17, EU:C:2017:626, n.o 6 e jurisprudência referida).

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

37      Nas suas observações escritas, a Comissão referiu as suas interrogações quanto à clareza do pedido de decisão prejudicial, em virtude da descrição incompleta, pelo órgão jurisdicional de reenvio, dos fundamentos de recurso invocados pela AB & CD e dos direitos que lhe são conferidos pelo direito da União.

38      A este respeito, importa recordar que as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 25 de maio de 2023, WertInvest Hotelbetrieb, C‑575/21, EU:C:2023:425, n.o 30 e jurisprudência referida).

39      Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio solicita ao Tribunal de Justiça a interpretação da Convenção de Aarhus e pretende saber, nomeadamente, se a AB & CD pode invocar o direito de acesso à ação garantido pelo artigo 9.o, n.o 3, desta Convenção.

40      Por força desta disposição «cada parte assegurará que os membros do público que satisfaçam os critérios estabelecidos no direito interno tenham acesso aos processos administrativos ou judiciais destinados a impugnar os atos e as omissões de particulares e de autoridades públicas que infrinjam o disposto no respetivo direito interno do domínio do ambiente».

41      Como a advogada‑geral salientou nos n.os 32 a 34 das suas conclusões, resulta do pedido de decisão prejudicial que o litígio no processo principal implica a fiscalização da legalidade de atos administrativos à luz das obrigações que, em matéria de deposição de resíduos em aterros, decorrem da Diretiva 1999/31. Daqui decorre que o presente litígio diz respeito ao cumprimento do «direito interno do domínio do ambiente», tal como referido no artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, e é abrangido pelo âmbito de aplicação material desta disposição [v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Deutsche Umwelthilfe (Homologação de veículos a motor), C‑873/19, EU:C:2022:857, n.os 50, 56 e 58].

42      Por conseguinte, o presente pedido de decisão prejudicial é admissível.

 Quanto à segunda questão

43      Com a sua segunda questão, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional nos termos da qual uma entidade jurídica, que não seja uma organização não governamental para a proteção do ambiente, só tem legitimidade processual para impugnar um ato administrativo de que não é destinatária quando alegue a violação de um interesse legítimo privado ou de um interesse ligado a uma situação jurídica diretamente relacionada com o seu objeto social.

44      A título preliminar, importa salientar que resulta do pedido de decisão prejudicial que, por força dos artigos 1.o, 2.o e 8.o da Lei do Contencioso Administrativo, uma pessoa lesada, quer se trate de uma pessoa singular ou coletiva de direito privado ou de um organismo social, deve alegar a violação de um interesse próprio, a saber, um interesse legítimo privado. No que respeita especificamente a uma sociedade civil profissional de advogados sem personalidade jurídica, como a AB & CD, o órgão jurisdicional de reenvio evoca também o artigo 196.o, n.o 3, do Estatuto da Profissão de Advogado, nos termos do qual essa sociedade só pode instaurar uma ação judicial para proteger interesses ligados a uma situação jurídica diretamente relacionada com o seu objeto social, a saber, o exercício da atividade profissional. Em substância, podem invocar esses interesses próprios, nomeadamente, as pessoas afetadas ou suscetíveis de serem afetadas por um ato administrativo.

45      Além disso, os interesses legítimos privados devem ser distinguidos dos interesses legítimos públicos. Estes últimos só podem ser invocados por um demandante se for demonstrado, a título principal, um interesse legítimo privado.

46      Em matéria de ambiente, o artigo 20.o, n.o 6, do OUG n.o 195/2005 prevê uma exceção a esta última regra para as organizações não governamentais que promovem a proteção do ambiente. Esta disposição permite‑lhes invocar, a título principal, um interesse legítimo público sem que estejam obrigadas a demonstrar um interesse legítimo privado.

47      No caso em apreço, é facto assente que a sociedade civil profissional de advogados AB & CD, demandante no processo principal, não pode ser equiparada a uma tal organização de proteção do ambiente e que, por conseguinte, por força do direito nacional, faz parte da categoria dos demandantes que só têm legitimidade processual ativa quando demonstrem um interesse legítimo privado.

48      A este respeito, também resulta do pedido de decisão prejudicial que, no âmbito da sua ação contra os atos administrativos em causa no processo principal, a saber, o plano de ordenamento de 16 de setembro de 2009 e a licença de construção de 3 de outubro de 2012, a AB & CD não invocou uma violação dos seus próprios direitos e, em especial, que não justificou nem um interesse legítimo privado nem um interesse ligado a uma situação jurídica diretamente relacionada com o seu objeto social. Daqui resulta que não tem legitimidade processual ativa junto do órgão jurisdicional de reenvio. As observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça e as alegações ouvidas na audiência de 4 de maio de 2023 confirmaram que nem esta sociedade civil profissional de advogados nem o grupo de pessoas que a compõem apresentam uma ligação concreta com o projeto abrangido pelos atos administrativos em causa no processo principal e que este grupo de pessoas não tinha demonstrado um interesse legítimo privado.

49      É neste contexto que há que analisar a segunda questão através da qual o órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar se o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de direito nacional que condiciona a admissibilidade da ação à demonstração de um interesse legítimo privado e cuja aplicação conduziria, no caso em apreço, à inadmissibilidade da ação proposta pela AB & CD.

50      Importa recordar, antes de mais, que decorre desta disposição, designadamente do facto de, nos termos da mesma, as ações nela referidas poderem ser sujeitas a «critérios», que os Estados‑Membros podem, no âmbito do exercício do poder de apreciação que lhes é conferido a este respeito, fixar regras de direito processual relativas aos requisitos que devem estar cumpridos para propor essas ações [Acórdão de 8 de novembro de 2022, Deutsche Umwelthilfe (Homologação de veículos a motor), C‑873/19, EU:C:2022:857, n.o 63 e jurisprudência referida].

51      No que respeita, em seguida, ao alcance desse poder de apreciação, o Tribunal de Justiça declarou que, nos próprios termos do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, os critérios que os Estados‑Membros podem prever no seu direito interno incidem sobre a determinação do círculo dos titulares de um direito à ação, e não à determinação do objeto da ação, visto que esta visa a violação de disposições do direito interno no domínio do ambiente [v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Deutsche Umwelthilfe (Homologação dos veículos a motor), C‑873/19, EU:C:2022:857, n.o 64].

52      Além disso, no sistema instituído pela Convenção de Aarhus, o artigo 9.o, n.o 2, desta convenção prevê um direito de impugnação contra os atos abrangidos pelo seu artigo 6.o em benefício de um círculo restrito de pessoas, a saber, os membros do público «envolvido», referidos no artigo 2.o, n.o 5, da referida Convenção.

53      O artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus tem um âmbito de aplicação mais amplo dado que abrange uma categoria mais vasta de atos e decisões e se dirige aos membros do «público» em geral. Em contrapartida, esta disposição concede um maior poder de apreciação aos Estados‑Membros quando estes estabelecem os critérios que permitem determinar, de entre todos os membros do público, os titulares efetivos do direito à ação nela previsto (v., neste sentido, Acórdão de 14 de janeiro de 2021, Stichting Varkens in Nood e o. (C‑826/18, EU:C:2021:7, n.os 36, 37 e 62).

54      Todavia, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o direito à ação previsto no artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus ficaria privado de qualquer efeito útil se, através da imposição de tais critérios, certas categorias de «membros do público» ficassem impedidos de exercer o direito à ação (Acórdão de 14 de janeiro de 2021, Stichting Varkens in Nood e o., C‑826/18, EU:C:2021:7, n.o 50 e jurisprudência referida).

55      Por último, importa ainda salientar, à semelhança da advogada‑geral no n.o 61 das suas conclusões, que resulta do documento publicado pela Comissão Económica para a Europa da Organização das Nações Unidas, intitulado «A Convenção de Aarhus, Guia de Aplicação» (segunda edição, 2014), que as partes nesta Convenção «não são obrigadas a instituir um sistema de ação popular (actio popularis) que permita a qualquer pessoa impugnar qualquer decisão, ato ou omissão relacionados com o ambiente».

56      No caso em apreço, como foi salientado nos n.os 44 a 46 do presente acórdão, em aplicação das disposições da Lei do Contencioso Administrativo, os demandantes que não sejam associações de proteção do ambiente só têm legitimidade para impugnar um ato administrativo do qual não sejam destinatários se demonstrarem um «interesse legítimo privado» que lhes é próprio, o que é nomeadamente o caso quando são afetados ou são suscetíveis de serem afetados por esse ato.

57      A este respeito, cabe constatar, em primeiro lugar, que este requisito previsto no direito romeno permite determinar os titulares efetivos do direito à ação consagrado no artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, sem limitar o objeto do recurso.

58      Em segundo lugar, não se afigura que, em aplicação do referido requisito, seja negado a certas «categorias» de membros do público qualquer direito à ação. Pelo contrário, a necessidade de justificar um interesse legítimo privado implica apenas a inadmissibilidade das ações das pessoas que não têm uma ligação concreta com o ato administrativo que pretendem impugnar. Assim, o legislador romeno evitou instituir a ação popular, sem restringir indevidamente o acesso à justiça.

59      No que se refere a esta última questão, recorde‑se que o Tribunal de Justiça declarou, no que respeita ao artigo 11.o da Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 2012, L 26, p. 1), que dá execução ao artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, que o legislador nacional pode limitar os direitos cuja violação é suscetível de ser invocada por um particular para propor uma ação judicial em aplicação deste artigo 11.o unicamente aos direitos subjetivos ou seja, aos direitos individuais (v., neste sentido, Acórdão de 28 de maio de 2020, Land Nordrhein‑Westfalen, C‑535/18, EU:C:2020:391, n.o 57 e jurisprudência referida).

60      Estas considerações são válidas, por maioria de razão, no que diz respeito à aplicação do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus. Como salientado no n.o 53 do presente acórdão, esta disposição confere um maior poder de apreciação aos Estados‑Membros quando fixam os critérios que permitem determinar os titulares efetivos do direito à ação que prevê do que quando aplicam o artigo 9.o, n.o 2, desta Convenção.

61      Em terceiro e último lugar, o requisito relativo à justificação de um interesse legítimo privado não se aplica às associações de proteção do ambiente reconhecidas pelo direito romeno. Estas estão em condições de defender o interesse público sem terem de comprovar ter sido afetadas de forma individual.

62      Nestas condições, há que declarar, sem prejuízo das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, que se afigura que cumpre as exigências estabelecidas nos n.os 50 a 55 do presente acórdão um requisito que subordina a legitimidade processual ativa dos recorrentes, que não sejam associações de proteção do ambiente, contra um ato administrativo de que não são destinatários, à prova de um interesse legítimo privado.

63      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional nos termos da qual uma entidade jurídica, que não seja uma organização não governamental de proteção do ambiente, só tem legitimidade processual para impugnar um ato administrativo de que não é destinatária quando invoque a violação de um interesse legítimo privado ou de um interesse ligado a uma situação jurídica diretamente relacionada com o seu objeto social.

 Quanto à primeira questão

64      No caso em apreço, como resulta do n.o 47 do presente acórdão, é pacífico que, no âmbito da ação contra os atos administrativos em causa no processo principal, a AB & CD deve, para demonstrar a sua legitimidade processual ativa, demonstrar um interesse ligado a uma situação jurídica diretamente relacionada com o seu objeto social ou, como o grupo de pessoas que compõem essa sociedade, com um interesse legítimo privado.

65      Como foi salientado no n.o 48 do presente acórdão, resulta do pedido de decisão prejudicial que, no âmbito dessa ação, nem a AB & CD nem o grupo de pessoas que a compõem justificaram ter um interesse legítimo privado e que a AB & CD não demonstrou ter um interesse ligado a uma situação jurídica diretamente relacionada com o seu objeto social.

66      Daqui resulta que, tendo em conta a resposta dada à segunda questão, já não é necessário responder à primeira questão, através da qual o órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar se a AB & CD está abrangida pelo conceito de «público», a saber, o círculo de pessoas referidas no artigo 2.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus, que pode, sob reserva do cumprimento dos requisitos estabelecidos pelos Estados‑Membros, beneficiar do direito à ação garantido pelo artigo 9.o, n.o 3, desta Convenção.

 Quanto à terceira questão

67      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.o, n.os 4 e 5, da Convenção de Aarhus, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que, para garantir o cumprimento do requisito relativo ao custo não exageradamente dispendioso dos processos judiciais, o juiz chamado a pronunciar‑se sobre a condenação em custas de uma parte vencida, num litígio em matéria de ambiente, deve tomar em consideração o interesse dessa parte e o interesse geral ligado à proteção do ambiente.

68      A título preliminar, importa recordar que ficou demonstrado, no n.o 41 do presente acórdão, que o litígio no processo principal se refere, quanto ao mérito, ao cumprimento do direito interno do domínio do ambiente, previsto no artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, e está portanto abrangido pelo âmbito de aplicação material desta disposição.

69      Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que o n.o 4 deste artigo, que especifica as características que os recursos devem apresentar, designadamente a de não serem exageradamente dispendiosos, é expressamente aplicável aos recursos referidos no n.o 3 do mesmo artigo (Acórdão de 15 de março de 2018, North East Pylon Pressure Campaign e Sheehy, C‑470/16, EU:C:2018:185, n.o 48).

70      Por conseguinte, o requisito de que determinados processos judiciais não sejam exageradamente dispendiosos previsto na Convenção de Aarhus deve ser considerado aplicável a um processo como o que está em causa no processo principal, uma vez que visa impugnar, baseando‑se no direito nacional do ambiente, um caso de aprovação de um projeto (v., por analogia, Acórdão de 15 de março de 2018, North East Pylon Pressure Campaign et Sheehy, C‑470/16, EU:C:2018:185, n.o 49).

71      Importa especificar que semelhante requisito se aplica independentemente do desfecho do litígio no processo principal, ainda que a ação da demandante neste caso seja julgada inadmissível por falta de legitimidade processual ativa ou de interesse em agir. Com efeito, não deixa de ser certo que, como foi recordado no n.o 68 do presente acórdão, o litígio no processo principal está abrangido pelo âmbito de aplicação material do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus.

72      Quanto ao mérito, importa recordar que o requisito de que os processos judiciais em matéria de ambiente não sejam exageradamente dispendiosos não obsta a que os órgãos jurisdicionais nacionais possam condenar o demandante nas custas. Tal resulta expressamente do artigo 3.o, n.o 8, da Convenção de Aarhus, que precisa que estas disposições não afetam os poderes dos tribunais nacionais para estabelecer custas razoáveis nos processos judiciais (v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2018, North East Pylon Pressure Campaign et Sheehy, C‑470/16, EU:C:2018:185, n.o 60 e jurisprudência referida).

73      Importa igualmente recordar que o requisito de que o custo de um processo não seja exageradamente dispendioso se refere a todos os custos financeiros ocasionados pela participação no processo judicial e que, por conseguinte, o caráter exageradamente dispendioso deve ser apreciado globalmente, tendo em conta todas as custas suportadas pela parte em causa (v., por analogia, Acórdão de 11 de abril de 2013, Edwards e Pallikaropoulos, C‑260/11, EU:C:2013:221, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).

74      Neste contexto, há que ter em conta o interesse da pessoa que pretenda defender os seus direitos e o interesse geral ligado à proteção do ambiente. Portanto, esta apreciação não pode, desde logo, limitar‑se à situação económica do interessado, devendo também assentar numa análise objetiva do montante das custas, e tanto assim é que as associações e os particulares são naturalmente chamados a desempenhar um papel ativo na defesa do ambiente. Nesta medida, o custo de um processo não deve exceder as capacidades financeiras do interessado nem afigurar‑se, de qualquer modo, objetivamente desrazoável (v., por analogia, Acórdão de 11 de abril de 2013, Edwards e Pallikaropoulos, C‑260/11, EU:C:2013:221, n.os 39 e 40).

75      Por outro lado, o juiz pode tomar em conta a situação das partes em causa, as hipóteses razoáveis de sucesso do recorrente, a gravidade do que está em causa para este e para a proteção do ambiente, a complexidade do direito e do processo aplicáveis, bem como o eventual caráter temerário do recurso nas suas diferentes fases (v., por analogia, Acórdão de 11 de abril de 2013, Edwards e Pallikaropoulos, C‑260/11, EU:C:2013:221, n.o 42 e jurisprudência referida).

76      No que respeita às consequências que o juiz nacional deve retirar desta interpretação do artigo 9.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus, num litígio como o do processo principal, recorde‑se que esta disposição não contém nenhuma obrigação clara e precisa suscetível de reger diretamente a situação jurídica de particulares e que, por conseguinte, não tem efeito direto (v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2018, North East Pylon Pressure Campaign e Sheehy, C‑470/16, EU:C:2018:185, n.os 52 e 53, e jurisprudência referida).

77      Sucede o mesmo com o artigo 9.o, n.o 5, desta Convenção dado que prevê que as partes na referida convenção podem considerar a possibilidade de estabelecer mecanismos de assistência adequados para eliminar ou reduzir os entraves financeiros e outros ao acesso à justiça (v., neste sentido, Acórdão de 28 de julho de 2016, Ordre des barreaux francophones et germanophone e o., C‑543/14, EU:C:2016:605, n.o 55).

78      Todavia, importa observar que, ainda que não tenham efeito direto, estas disposições têm por objetivo permitir assegurar uma proteção efetiva do ambiente (Acórdão de 15 de março de 2018, North East Pylon Pressure Campaign e Sheehy, C‑470/16, EU:C:2018:185, n.o 53).

79      Além disso, o requisito de um processo «não exageradamente dispendioso» faz parte integrante, no domínio do ambiente, do respeito pelo direito à ação, consagrado no artigo 47.o da Carta, bem como pelo princípio da efetividade, segundo o qual as modalidades processuais das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União não devem tornar impossível na prática, ou excessivamente difícil, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (Acórdão de 11 de abril de 2013, Edwards e Pallikaropoulos, C‑260/11, EU:C:2013:221, n.o 33 e jurisprudência referida).

80      Tendo em conta as indicações limitadas constantes do pedido de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça não pode determinar em que medida os artigos 451.o a 453.o do Código de Processo Civil, que regulam, de maneira geral, a questão das custas no direito romeno e que parecem aplicar‑se ao litígio no processo principal, permitem ao órgão jurisdicional de reenvio proceder a uma apreciação global das custas suportadas pela parte em questão e ter em conta, na sua decisão sobre as custas, os critérios referidos nos n.os 74 e 75 do presente acórdão. Além disso, afigura‑se que esse órgão jurisdicional apenas pode reduzir uma parte das custas, a saber, as correspondentes aos honorários dos advogados.

81      Como salientou, em substância, a advogada‑geral nos n.os 75 e 76 das suas conclusões, tendo em conta a ampla margem de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros no âmbito do artigo 9.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus, a inexistência de determinação detalhada do custo no contencioso em matéria de ambiente pela legislação nacional não pode ser considerada, enquanto tal, incompatível com a regra do custo não exageradamente dispendioso. Todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os mecanismos existentes no direito romeno estão em conformidade com os requisitos decorrentes deste artigo 9.o, n.o 4.

82      Neste contexto, há ainda que recordar que, para assegurar uma proteção jurisdicional efetiva quando, como no caso em apreço, está em causa a aplicação do direito interno do domínio do ambiente, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio fazer, tanto quanto possível, uma interpretação conforme aos objetivos estabelecidos no artigo 9.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus, para que os processos judiciais não sejam exageradamente dispendiosos (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie, C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 50, e de 15 de março de 2018, North East Pylon Pressure Campaign e Sheehy, C‑470/16, EU:C:2018:185, n.o 57).

83      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à terceira questão que o artigo 9.o, n.os 4 e 5, da Convenção de Aarhus, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que, para garantir o cumprimento do requisito relativo ao custo não exageradamente dispendioso dos processos judiciais, o juiz chamado a pronunciar‑se sobre a condenação em custas de uma parte vencida, num litígio em matéria de ambiente, deve tomar em consideração todas as circunstâncias do caso em apreço, incluindo o interesse dessa parte e o interesse geral ligado à proteção do ambiente.

 Quanto às despesas

84      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O artigo 9.o, n.o 3, da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, assinada em Aarhus, em 25 de junho de 1998, e aprovada, em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a uma legislação nacional nos termos da qual uma entidade jurídica, que não seja uma organização não governamental de proteção do ambiente, só tem legitimidade processual para impugnar um ato administrativo de que não é destinatária quando invoque a violação de um interesse legítimo privado ou de um interesse ligado a uma situação jurídica diretamente relacionada com o seu objeto social.

2)      O artigo 9.o, n.os 4 e 5, da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, assinada em Aarhus, em 25 de junho de 1998, e aprovada, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2005/370 do Conselho, lido à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

deve ser interpretado no sentido de que:

para garantir o cumprimento do requisito relativo ao custo não exageradamente dispendioso dos processos judiciais, o juiz chamado a pronunciarse sobre a condenação em custas de uma parte vencida, num litígio em matéria de ambiente, deve tomar em consideração todas as circunstâncias do caso em apreço, incluindo o interesse dessa parte e o interesse geral ligado à proteção do ambiente.

Assinaturas


*      Língua do processo: romeno.