Language of document : ECLI:EU:C:2024:20


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

11 de janeiro de 2024 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE — Responsabilidade extracontratual da União Europeia — Regulamento (CE) n.o 1073/1999 — Inquéritos efetuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) — Inquérito externo do OLAF — Processo “Eurostat” — Transmissão pelo OLAF a autoridades judiciárias nacionais de informações sobre factos suscetíveis de ação penal antes da conclusão do inquérito — Apresentação de uma denúncia pela Comissão Europeia antes do termo do inquérito do OLAF — Processo penal nacional — Não pronúncia definitiva — Conceito de “violação suficientemente caracterizada” de uma norma de direito da União que tem por objeto conferir direitos aos particulares — Danos morais e materiais alegadamente sofridos pelos recorrentes — Ação de indemnização»

No processo C‑363/22 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 6 de junho de 2022,

Planistat Europe SARL, com sede em Paris (França),

HervéPatrick Charlot, residente em Paris,

representados por F. Martin Laprade, avocat,

recorrentes,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por J. Baquero Cruz e F. Blanc, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, Z. Csehi, M. Ilešič (relator), I. Jarukaitis e D. Gratsias, juízes,

advogado‑geral: L. Medina,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 13 de julho de 2023,

profere o seguinte

Acórdão

1        Com o presente recurso, a Planistat Europe SARL e Hervé‑Patrick Charlot pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 6 de abril de 2022, Planistat Europe e Charlot/Comissão (T‑735/20, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2022:220), que julgou improcedente a ação de indemnização, por um lado, dos danos morais que H‑P. Charlot sofreu por causa da transmissão pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) às autoridades nacionais de informações relativas a factos suscetíveis de receber qualificação penal e da denúncia apresentada pela Comissão Europeia a essas autoridades e, por outro, dos danos materiais que sofreram devido à resolução dos contratos celebrados entre a Planistat Europe e a Comissão.

I.      Quadro jurídico

2        Os considerandos 1, 5, 10 e 13 do Regulamento (CE) n.o 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativo aos inquéritos efetuados pela Organização Europeia de Luta Antifraude (OLAF) (JO 1999, L 136, p. 1), aplicável à presente lide ratione temporis, enunciavam:

«(1)      Considerando que as instituições e os Estados‑Membros conferem grande importância à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias e à luta contra a fraude e todas as outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros comunitários; […]

[…]

«(5)      Considerando que a responsabilidade [do OLAF], tal como instituíd[o] pela Comissão, diz respeito, para além da proteção dos interesses financeiros, ao conjunto das atividades relacionadas com a defesa dos interesses comunitários em relação a comportamentos irregulares, suscetíveis de dar ensejo a processos administrativos ou penais;

[…]

(10)      Considerando que estes inquéritos devem ser efetuados em conformidade com o Tratado, designadamente com o protocolo relativo aos privilégios e imunidades das comunidades, no respeito do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias e o Regime aplicável aos outros agentes […], bem como no pleno respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, em particular do princípio de equidade, do direito da pessoa implicada a expressar‑se sobre os factos que lhe dizem respeito e do direito a que apenas os elementos com valor probatório possam constituir a base das conclusões de um inquérito; que, para o efeito, as instituições, órgãos e organismos devem poder prever as condições e disposições de execução dos inquéritos internos; que, por conseguinte, convém modificar [este] estatuto, a fim de prever os direitos e obrigações dos funcionários e outros agentes em matéria de inquéritos internos;

[…]

(13)      Considerando que compete às autoridades nacionais competentes ou, sendo caso disso, às instituições, órgãos e organismos decidir o seguimento a dar aos inquéritos concluídos, com base no relatório elaborado pel[o OLAF]; que convém, no entanto, prever a obrigação de o diretor d[o OLAF] transmitir diretamente às autoridades judiciárias do Estado‑Membro em causa todas as informações que [o OLAF]tenha recolhido através de inquéritos internos sobre factos passíveis de processo penal;».

3        Nos termos do artigo 2.o desse regulamento, sob a epígrafe «Inquéritos administrativos:

«Na aceção do presente regulamento, entende‑se por "inquérito administrativo" […] qualquer inspeção, verificação ou ação levada a efeito pelos agentes d[o OLAF] no exercício das suas funções, em conformidade com os artigos 3.o e 4.o, tendo em vista atingir os objetivos definidos no artigo 1.o, bem como determinar eventualmente o caráter irregular das atividades inspecionadas. Os referidos inquéritos não afetam a competência dos Estados‑Membros em matéria de processo penal.»

4        O artigo 8.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Confidencialidade e proteção de dados», previa:

«1.      As informações obtidas no âmbito dos inquéritos externos, seja qual for a sua forma, ficam protegidas pelas disposições relevantes.

2.      As informações comunicadas ou obtidas no âmbito dos inquéritos internos, seja qual for a sua forma, ficam abrangidas pelo segredo profissional e beneficiam da protecção concedida pelas disposições aplicáveis às instituições das Comunidades Europeias.

Essas informações não podem ser comunicadas a outras pessoas além daquelas que, nas instituições das Comunidades Europeias ou nos Estados‑Membros, devam conhecê‑las em razão das suas funções, nem ser utilizadas para outros fins que não sejam os de assegurar a luta contra a fraude, contra a corrupção e contra qualquer outra atividade ilegal.

3.      O diretor deve garantir que os agentes d[o OLAF] e outras pessoas sob a sua autoridade respeitem as disposições comunitárias e nacionais relativas à proteção de dados pessoais, nomeadamente as disposições previstas pela Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados [(JO 1995 L 281, p. 31)].

4.      O diretor d[o OLAF] e os membros do comité de fiscalização previsto no artigo 11.o devem zelar pela aplicação das disposições contidas no presente artigo, bem como nos artigos 286.o e 287.o do Tratado CE.»

5        O artigo 9.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Relatório de inquérito e sequência dos inquéritos», dispunha:

«(1)      No termo de qualquer inquérito por si realizado, [o OLAF] elaborará, sob a autoridade do diretor, um relatório que incluirá nomeadamente os factos verificados, o prejuízo financeiro, se for caso disso, e as conclusões do inquérito, incluindo as recomendações do diretor d[o OLAF] sobre o seguimento a dar ao mesmo.

2.      Os relatórios serão elaborados tendo em conta os requisitos processuais exigidos pela legislação nacional do Estado‑Membro em causa. Os relatórios assim estabelecidos constituirão, nas mesmas condições e com o mesmo valor que os relatórios administrativos elaborados pelos inspetores administrativos nacionais, elementos de prova admissíveis nos processos administrativos ou judiciais do Estado‑Membro em que a sua utilização se revele necessária. Ficarão sujeitos às mesmas regras de apreciação que as aplicáveis aos relatórios administrativos elaborados pelos inspetores administrativos nacionais e terão idêntico valor.

3.      Os relatórios elaborados na sequência dos inquéritos externos e todos os respetivos documentos úteis serão transmitidos às autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa, em conformidade com a regulamentação relativa aos inquéritos externos.

4.      Os relatórios elaborados na sequência dos inquéritos internos e todos os respetivos documentos úteis serão enviados à instituição, órgão ou organismo em causa. As instituições, órgãos e organismos darão aos inquéritos internos o seguimento, designadamente a nível disciplinar e judicial, requerido pelos respetivos resultados e informarão o diretor d[o OLAF], num prazo por este estabelecido nas conclusões do seu relatório, do seguimento dado ao inquérito.»

6        O artigo 10.o do Regulamento n.o 1073/1999, com a epígrafe «Transmissão de informações pel[o] [OLAF]», tinha a seguinte redação:

«(1)      Sem prejuízo do disposto nos artigos 8.o, 9.o e 11.o do presente regulamento e das disposições contidas no Regulamento (Euratom, CE) n.o 2185/96 [do Conselho, de 11 de novembro de 1996, relativo às inspeções e verificações no local efetuadas pela Comissão para proteger os interesses financeiros da União Europeia contra a fraude e outras irregularidades (JO 1996, L 292, p. 2)], [o OLAF]], poderá transmitir a qualquer momento às autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa informações obtidas durante os inquéritos externos.

2.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 8.o, 9.o e 11.o do presente regulamento, o diretor d[o OLAF] transmitirá às autoridades judiciárias do Estado‑Membro em causa as informações colhidas pel[o OLAF], aquando de inquéritos internos, sobre factos suscetíveis de processo penal. Sob reserva das necessidades do inquérito, informará simultaneamente o Estado‑Membro em causa.

3.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 8.o e 9.o do presente regulamento, [o OLAF] poderá transmitir a qualquer momento à instituição, órgão ou organismo em causa informações obtidas durante inquéritos internos.»

II.    Antecedentes do litígio

7        Os antecedentes do litígio foram expostos pelo Tribunal Geral nos n.os 2 a 18 do acórdão recorrido e, para efeitos do presente processo, podem ser resumidos do seguinte modo.

8        Ao longo do ano de 1996, o Serviço de Estatística das Comunidades Europeias (Eurostat) criou uma rede de pontos de venda de informações estatísticas (datashops). Nos Estados‑Membros, estas datashops, destituídas de personalidade jurídica, estavam em princípio integradas nos institutos nacionais de estatística (a seguir, «INE»), com exceção da Bélgica, de Espanha e do Luxemburgo, onde os mesmos eram geridos por sociedades comerciais. Para o efeito, foram celebradas convenções tripartidas entre o Eurostat, o Serviço das Publicações da União Europeia (a seguir, «SP») e a entidade que alojava a datashop.

9        Entre 1996 e 1999, a Planistat Europe, dirigida por H. P. Charlot, beneficiou de contratos‑quadro assinados com o Eurostat para diversas prestações de serviços incluindo, nomeadamente, a disponibilização de pessoal no interior das datashop.

10      A partir de 1 de janeiro de 2000, foi confiada à Planistat Europe a gestão das datashops de Bruxelas (Bélgica), de Madrid (Espanha) e do Luxemburgo (Luxemburgo). Esta devia pagar à Comissão a totalidade do volume de negócios realizado nessas três datashops.

11      Em setembro de 1999, o serviço de auditoria interna do Eurostat elaborou um relatório que descrevia irregularidades na gestão das datashops, assegurada pela Planistat Europe.

12      Em 17 de março de 2000, a direção geral do controlo financeiro da Comissão transmitiu o referido relatório ao OLAF.

13      Em 18 de março de 2003, na sequência de um inquérito interno (IO/2000/4097) com o objeto de analisar as modalidades de desenvolvimento das redes de datashops, os circuitos de faturação, a utilização do envelope financeiro e o eventual envolvimento de funcionários da União Europeia, o OLAF decidiu abrir o inquérito externo OF/2002/0510 relativo à Planistat Europe.

14      Em 19 de março de 2003, o OLAF transmitiu às autoridades judiciárias francesas uma informação relativa a factos suscetíveis, em seu entender, de receberem qualificação penal no quadro do inquérito em curso (a seguir, «nota de 19 de março de 2003»). Com base nessa transmissão, em 4 de abril de 2003, o procurador da República de Paris (França) ordenou a abertura de uma investigação judicial junto do juiz de instrução do tribunal de grande instance de Paris [Tribunal de Grande Instância de Paris (França)] por recetação e cumplicidade no crime de abuso de confiança.

15      Em 16 de maio de 2003, essa transmissão foi mencionada na imprensa e foi objeto de questões escritas dirigidas à Comissão por deputados europeus.

16      A Comissão e o OLAF publicaram vários comunicados de imprensa, sendo a Planistat Europe mencionada em apenas dois deles. Assim, o comunicado de imprensa da Comissão de 9 de julho de 2003 fazia pela primeira vez referência à Planistat Europe, ao passo que, no de 23 de julho de 2003, a Comissão confirmava a sua decisão de resolver os contratos celebrados com a Planistat Europe.

17      Em 10 de julho de 2003, a Comissão apresentou uma denúncia contra X com constituição de assistente junto do procurador da República de Paris, pelo crime de abuso de confiança e todos os outros crimes que pudessem resultar dos factos enunciados na denúncia.

18      Em 10 de setembro de 2003, H.‑P. Charlot constituído arguido por abuso de confiança e recetação conexa com um crime de abuso de confiança.

19      Em 23 de julho de 2003, a Comissão resolveu os contratos celebrados com a Planistat Europe em causa.

20      Em 25 de setembro de 2003, o OLAF encerrou tanto o inquérito interno IO/2000/4097 como o inquérito externo OF/2002/0510.

21      Em 9 de setembro de 2013, o juiz de instrução do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Grande Instância de Paris) proferiu um despacho de não pronúncia de todas as pessoas constituídas arguidas no processo penal aberto nas autoridades judiciárias francesas, do qual a Comissão interpôs recurso.

22      Por acórdão de 23 de junho de 2014, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França) negou provimento ao recurso da Comissão e confirmou o despacho de não pronúncia.

23      Por acórdão de 15 de junho de 2016, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França) negou provimento ao recurso que a Comissão interpôs desse acórdão de 23 de junho de 2014, pondo assim termo ao processo penal.

24      Em 10 de setembro de 2020, os recorrentes dirigiram uma carta de interpelação à Comissão, exigindo o pagamento da quantia de 11,6 milhões de euros a título de indemnização pelos danos alegadamente sofridos em razão, nomeadamente, da denúncia apresentada e dos comunicados de imprensa publicados a esse respeito.

25      Em 15 de outubro de 2020, a Comissão indeferiu o pedido dos recorrentes, considerando que não estavam reunidos os pressupostos da responsabilidade extracontratual da União.

III. Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

26      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de dezembro de 2020, a Planistat Europe e H.‑P. Charlot intentaram uma ação com base no artigo 268.o TFUE para indemnização, por um lado, dos danos morais que H.‑P. Charlot sofreu devido à transmissão pelo OLAF às autoridades nacionais de informações relativas a factos suscetíveis de receber qualificação penal, bem como à denúncia apresentada pela Comissão a essas autoridades antes de o inquérito do OLAF ter sido encerrado e, por outro, dos danos materiais que sofreram devido à resolução dos contratos celebrados entre a Planistat Europe e a Comissão.

27      Em apoio da ação, os recorrentes sustentaram que o OLAF e a Comissão tinham violado o dever de diligência, os princípios da boa administração e da presunção de inocência, bem como os direitos de defesa consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). Invocavam, em substância, a existência de faltas cometidas pelo OLAF e pela Comissão devido, por um lado, à transmissão às autoridades judiciárias francesas de informações relativas a factos suscetíveis de receber qualificação penal e, por outro, de terem apresentado uma denúncia contra X que levou à instauração de um processo penal contra eles e de terem prosseguido esse processo de forma injustificada. Segundo os recorrentes, essas faltas cometidas pelo OLAF e pela Comissão apresentavam um nexo de causalidade direto com os danos morais e materiais cuja indemnização pedem.

28      O Tribunal Geral julgou a ação parcialmente inadmissível, com base em prescrição por decurso do prazo de cinco anos prevista no artigo 46.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e, em parte, improcedente.

IV.    Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

29      Com o presente recurso, os recorrentes concluem pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        anular o acórdão recorrido na parte em que, por um lado, declarou parcialmente prescrita a ação dos recorrentes e, por outro, julgou improcedente a ação fundada em responsabilidade extracontratual da Comissão;

–        julgar procedentes os pedidos apresentados em primeira instância;

–        condenar a Comissão a reconhecer publicamente que cometeu um erro de apreciação a seu respeito, e

–        condenar a Comissão nas despesas.

30      A Comissão conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        negar provimento ao recurso, e

–        condenar os recorrentes nas despesas.

V.      Quanto ao presente recurso

31      Há que lembrar que, nos termos do artigo 169.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, «[o]s pedidos do recurso devem ter por objeto a anulação, total ou parcial, da decisão do Tribunal Geral, tal como figura no dispositivo dessa decisão». Além disso, de acordo com o artigo 170.o, n.o 1, desse regulamento, os pedidos do recurso de segunda instância devem ter por objeto, se este for julgado procedente, o provimento, no todo ou em parte, dos pedidos apresentados em primeira instância, não sendo permitido formular pedidos novos.

32      Ora, o terceiro pedido dos recorrentes, a condenação da Comissão a reconhecer publicamente que cometeu um erro de apreciação a seu respeito, não tem por objeto nem a anulação da decisão do Tribunal Geral nem a procedência dos pedidos apresentados em primeira instância, uma vez que, como resulta do acórdão recorrido e é confirmado pela leitura da petição em primeira instância, que figura nos autos em primeira instância transmitidos ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 167.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, os recorrentes não apresentaram tal pedido em primeira instância. Daqui resulta que o terceiro pedido dos recorrentes constitui um pedido novo e deve ser julgado inadmissível.

33      Quanto ao restante, os recorrentes invocam três fundamentos de recurso em segunda instância. Com o primeiro fundamento, invocado a título principal, acusam o Tribunal Geral de ter cometido um erro ao adotar uma interpretação errada do facto gerador dos danos alegados. No segundo fundamento, invocado a título subsidiário, alegam que o Tribunal Geral cometeu erros relativos à responsabilidade extracontratual da União. Com o terceiro fundamento, alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro quando considerou que não era necessário examinar a realidade dos danos alegados e a existência de um nexo de causalidade.

A.      Quanto ao primeiro fundamento

34      Com o seu primeiro fundamento, dividido em duas partes, que dizem respeito, respetivamente, aos danos morais e aos danos materiais, os recorrentes sustentam que o Tribunal Geral, quando considerou, no n.o 36 do acórdão recorrido, que acusavam a Comissão de ter causado danos morais a H‑P. Charlot devido ao facto de ter sido indiciado no processo penal perante as autoridades penais francesas, bem como danos materiais devido à resolução de todos os contratos celebrados com a Planistat Europe, desvirtuou a sua argumentação. Entendem que essa desvirtuação levou o Tribunal Geral a cometer um erro na definição das faltas que constituem o facto gerador dos danos cuja indemnização pedem, o que vicia integralmente a sua análise, em especial o n.o 116 do acórdão recorrido, em que o Tribunal Geral julga a ação parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

1.      Quanto à primeira parte do primeiro fundamento

a)      Argumentação das partes

35      Na primeira parte do seu primeiro fundamento, os recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter cometido um erro ao definir de forma errada o facto gerador dos danos morais alegados.

36      A este respeito, alegam que o Tribunal Geral desvirtuou a sua argumentação quando considerou que a sua ação visava unicamente os danos morais alegadamente sofridos por causa da transmissão da nota de 19 de março de 2003 pelo OLAF e não os resultantes da «ampla mediatização» dessa transmissão. Sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro na definição das faltas que constituem o facto gerador dos danos cuja indemnização pedem.

37      A esse respeito, resulta da petição em primeira instância que, segundo os recorrentes, o OLAF e a Comissão cometeram várias faltas que consistiram em, por um lado, terem procedido a uma «denúncia caluniosa», na nota de 19 de março de 2003, que dirigiram às autoridades judiciárias francesas, e, por outro, em terem apresentado a denúncia com constituição de assistente referida no n.o 17 do presente acórdão, acompanhada de uma ampla mediatização e de um comunicado de imprensa no qual deixaram deliberadamente «escapar» informações relativas a essa nota e proferido afirmações «difamatórias». Foi a conjugação desses erros que lesou a honra e a reputação de H.‑P Charlot, o dirigente da Planistat Europe.

38      A Comissão considera que a argumentação dos recorrentes decorre de uma leitura errada do acórdão recorrido.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

39      Antes de mais, há que observar que, ao contrário do que, em substância, alegam os recorrentes, o Tribunal Geral não ignorou que tinham alegado danos morais resultantes da mediatização da transmissão da nota de 19 de março de 2003 pelo OLAF. Com efeito, resulta do n.o 47 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral tomou em consideração esse alegado dano moral, ao mesmo tempo que considerou que este tinha caráter instantâneo e, portanto, estava prescrito, nos termos do artigo 46.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e dos princípios jurisprudenciais enunciados nos n.os 34 e 35 desse acórdão. Daqui resulta que, uma vez que, com a primeira parte do primeiro fundamento, os recorrentes acusam o Tribunal Geral de desvirtuação da sua petição em primeira instância, ignorando os alegados danos morais resultantes da mediatização dessa nota, esta primeira parte assenta numa leitura errada do acórdão recorrido, devendo, portanto, ser julgada improcedente.

40      Visto que, seguidamente, essa primeira parte deve ser entendida no sentido de que é relativa a uma desvirtuação da argumentação dos recorrentes por ter o Tribunal Geral ignorado que os danos alegados resultavam da conjugação da transmissão dessa mesma nota e da sua mediatização, há que lembrar que, segundo jurisprudência constante, resulta do artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 169.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que um recurso de decisão do Tribunal Geral deve indicar de modo preciso os elementos impugnados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido, sob pena de inadmissibilidade do recurso ou do fundamento em causa (Acórdão de 21 de setembro de 2023, China Chamber of Commerce for Import and Export of Machinery and Electronic Products e o./Comissão, C‑478/21 P, EU:C:2023:685, n.o 162 e jurisprudência refereida).

41      Não respeita este requisito de fundamentação resultante destas disposições um recurso de segunda instância que, sem sequer incluir uma argumentação especificamente destinada a identificar o erro de direito que afeta o acórdão ou o despacho recorridos, se limita a repetir ou a reproduzir os fundamentos e os argumentos já apresentados no Tribunal Geral, incluindo os que se baseavam em factos expressamente rejeitados por este tribunal. Com efeito, esse recurso constitui, na realidade, um pedido de simples reapreciação da petição apresentada no Tribunal Geral, o que está excluído da competência do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 27 de abril de 2023, PL/Commission, C‑537/21 P, não publicado, EU:C:2023:363, n.o 125 e jurisprudência referida).

42      A este respeito, refira‑se que, embora os recorrentes aleguem que a sua argumentação desenvolvida no Tribunal Geral foi por este apresentada de forma errada no acórdão recorrido, não é menos verdade que esses mesmos recorrentes não identificam nenhum erro de direito decorrente dessa apresentação alegadamente errada e que viciem esse acórdão. (v., por analogia, Acórdão de 4 de junho de 2015, Andechser Molkerei Scheitz/Comissão, C‑682/13 P, EU:C:2015:356, n.o 59).

43      Em especial, como acertadamente observa a Comissão, os recorrentes não apresentam nenhum argumento para pôr em causa a consideração do Tribunal Geral, que figura no n.o 47 do acórdão recorrido e recordada no n.o 39 do presente acórdão, nem os princípios jurisprudenciais enunciados nos n.os 34 e 35 do acórdão recorrido.

44      Consequentemente, há que julgar a primeira parte do primeiro fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

2.      Quanto à segunda parte do primeiro fundamento

a)      Argumentação das partes

45      Na segunda parte do seu primeiro fundamento, os recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter cometido um erro ao concluir que o facto gerador do alegado dano material decorria da rescisão dos contratos celebrados entre a Planistat Europe e a Comissão durante o ano de 2003, quando resultava claramente da petição apresentada em primeira instância que esse dano consistia numa perda de valor das participações sociais dessa sociedade, bem como numa «asfixia» e num «quase desaparecimento de uma empresa florescente» que resultou do comportamento difamatório do OLAF e da Comissão. Entendem que esse dano é continuado, contrariamente ao dano instantâneo que resultou da resolução dos contratos. A confirmação pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação), em 15 de junho de 2016, do despacho de não pronúncia do juiz de instrução do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Grande Instância de Paris), através do qual foi confirmada a inocência de H‑P. Charlot, permite, a posteriori, qualificar de «ilícito» esse comportamento difamatório. Assim, os recorrentes sustentam que o Tribunal Geral devia ter analisado de forma totalmente diferente o seu pedido de indemnização, referido no n.o 24 do presente acórdão, nomeadamente no que respeita à prescrição da sua ação contra a União em matéria de responsabilidade extracontratual.

46      A Comissão contesta esta argumentação.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

47      Embora seja certo que, na petição em primeira instância, os recorrentes alegaram que os danos materiais que alegam ter sofrido consistiam numa perda de valor das participações sociais da Planistat Europe, bem como numa «asfixia» e num «quase desaparecimento de uma empresa florescente» que resultou do comportamento difamatório do OLAF e da Comissão, não é menos verdade que, segundo os próprios termos dessa petição, essa perda de valor resultou, por um lado, da suspensão e, depois, da execução dos contratos celebrados entre essa sociedade e a Comissão e, por outro, da resolução dos contratos celebrados com outros clientes. Por conseguinte, não se pode considerar que o Tribunal Geral desvirtuou a sua argumentação quanto a este ponto, pelo que, uma vez que é relativa a uma alegada desvirtuação da argumentação dos recorrentes, a segunda parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

48      Há ainda que observar que, no que respeita à resolução dos contratos celebrados entre essa sociedade e a Comissão, os recorrentes se limitam a criticar o Tribunal Geral por ter considerado, nos n.os 58 a 61 do acórdão recorrido, que esse dano material tinha caráter instantâneo, pelo que o pedido de indemnização desse dano tinha prescrito, sem contudo indicar, em violação da jurisprudência recordada nos n.os 40 e 41 do presente acórdão, em que medida esse raciocínio estava ferido de erro de direito, pretendendo essa parte do recurso, assim, por meio de uma repetição dos argumentos avançados em primeira instância, obter um reexame da sua petição no Tribunal Geral por meio de uma repetição dos argumentos apresentados em primeira instância, devendo, portanto, ser julgada inadmissível.

49      Quanto aos danos materiais resultantes da resolução dos contratos celebrados com outros clientes, há que lembrar que, no n.o 62 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que os recorrentes não tinham apresentado nenhuma prova, nomeadamente, do momento preciso em que o dano se concretizou.

50      Ora, resulta de jurisprudência constante que, quando o Tribunal Geral apurou ou apreciou os factos, o Tribunal de Justiça só tem competência, ao abrigo do artigo 256.o TFUE, para fiscalizar a qualificação jurídica desses factos e as consequências jurídicas deles extraídas (Acórdão de 14 de outubro de 2021, NRW.Bank/CUR, C‑662/19 P, EU:C:2021:846, n.o 35, e jurisprudência referida). A apreciação dos factos não constitui, portanto, salvo em caso de desvirtuação dos elementos de prova apresentados ao Tribunal Geral, uma questão de direito submetida, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (Acórdão de 25 de março de 2021, Deutsche Telekom/Comissão, C‑152/19 P, EU:C:2021:238, n.o 68 e jurisprudência referida).

51      Uma vez que os recorrentes não alegam nenhuma desvirtuação dos factos ou dos elementos de prova, a sua argumentação também deve ser julgada inadmissível quanto a este ponto.

52      Por conseguinte, há que julgar a segunda parte do primeiro fundamento parcialmente improcedente e parcialmente inadmissível.

53      Por conseguinte, improcede integralmente o primeiro fundamento.

B.      Quanto ao segundo fundamento

54      O segundo fundamento, em que os recorrentes alegam erro de direito relativo à responsabilidade extracontratual da União, divide‑se em três partes, relativas, em substância, a primeira, a um erro cometido pelo Tribunal Geral relativamente à ilicitude do comportamento difamatório do OLAF e da Comissão em relação aos recorrentes; a segunda, a um erro relativo à ilicitude do comportamento do OLAF, dado que este último, na falta de indícios suficientes, transmitiu às autoridades francesas informações relativas a factos suscetíveis de receber uma qualificação penal; e, a terceira, a um erro relativo à ilicitude do comportamento da Comissão.

1.      Quanto à primeira alegação da segunda parte do segundo fundamento

a)      Argumentação das partes

55      Com a primeira alegação da segunda parte do seu segundo fundamento, os recorrentes sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que o OLAF não tinha cometido nenhum erro ao transmitir às autoridades judiciárias francesas informações relativas a factos suscetíveis de receber qualificação penal.

56      Por outro lado, os recorrentes sustentam, em substância, que a ilicitude em causa era a consequência de uma violação, pelo OLAF, do seu dever de diligência e que lhe competia verificar as informações que transmitia às autoridades nacionais.

57      Os recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro, nos n.os 82 a 92 do acórdão recorrido, quando considerou que resultava do artigo 10.o do considerando 13 do Regulamento n.o 1073/1999 que o OLAF pode recorrer à autoridade judiciária, incluindo antes do termo do inquérito externo, se considerar que dispõe de informações ou de elementos que possam justificar a abertura de um inquérito judiciário ou constituir elementos de prova úteis a esse inquérito. A esse respeito, o Tribunal Geral salientou, no n.o 88 desse acórdão, que o OLAF já dispunha, em 19 de março de 2003, das informações ou dos elementos que permitiam considerar que os factos em causa podiam ser objeto de qualificação penal. O Tribunal Geral concluiu erradamente, nos n.os 90 e 91 do referido acórdão, que o OLAF não tinha cometido nenhuma falta e, nomeadamente, que não tinha violado o princípio da boa administração nem o princípio do respeito do prazo razoável.

58      Segundo as recorrentes, ao transmitir informações falsas às autoridades francesas, o OLAF não tomou precauções suficientes, o que constitui uma violação do seu dever de verificação dos dados e, por conseguinte, do princípio da boa administração.

59      A Comissão alega que a primeira alegação da segunda parte do segundo fundamento deve ser julgada, em parte, manifestamente inadmissível e, em parte, improcedente.

60      Segundo a Comissão, os recorrentes procuram obter uma reapreciação dos factos, sem, porém, alegarem a sua desvirtuação nem identificarem o erro de direito que o Tribunal Geral terá cometido.

61      Quanto ao mérito, a Comissão sustenta que os argumentos apresentados pelos recorrentes são improcedentes. Quanto ao entendimento do Tribunal Geral de que, à data da transmissão da nota de 19 de março de 2003, o OLAF dispunha de informações suficientes para proceder a essa transmissão, o Tribunal Geral, nos n.os 87 e 89 do acórdão recorrido, teve corretamente em conta, por um lado, o facto de as informações contidas nessa nota serem o resultado de um inquérito iniciado em 1999 com base num relatório de auditoria realizado pelo Eurostat e, por outro, o facto de o inquérito OF/2002/0510 constituir a parte externa do inquérito interno IO/2000/4097.

62      Além disso, segundo a Comissão, o facto de os tribunais franceses terem chegado a uma conclusão diferente da do OLAF não pode pôr em causa o inquérito do OLAF nem permite, por si só, demonstrar que o OLAF cometeu uma falta constitutiva de uma violação do princípio da boa administração em relação aos recorrentes.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

1)      Quanto à admissibilidade

63      Há que observar que, embora a apresentação de alguns dos argumentos apresentados em apoio da primeira alegação da segunda parte do segundo fundamento pudesse ter sido mais clara, não é menos verdade que estes, em substância, não visam pôr em causa a apreciação, enquanto tal, dos factos pelo Tribunal Geral, mas sim a conclusão deste tribunal de que os factos apurados não permitiam considerar que o OLAF tivesse cometido qualquer falta ao transmitir às autoridades judiciárias francesas informações, por outras palavras, a qualificação jurídica desses factos pelo Tribunal Geral. Ora, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 50 do presente acórdão, a qualificação jurídica dos factos é uma questão de direito que pode ser suscitada em segunda instância e que faz parte da competência do Tribunal de Justiça.

64      Por conseguinte, há que considerar que a primeira alegação da segunda parte do segundo fundamento é admissível.

2)      Quanto ao mérito

65      Com a primeira alegação da segunda parte do segundo fundamento, os recorrentes alegam, em substância, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando considerou que o OLAF não violou o princípio da boa administração ao informar as autoridades judiciárias francesas antes de ter finalizado o relatório feito na sequência do inquérito externo.

66      Há que lembrar que, entre os pressupostos da responsabilidade extracontratual da União, nos termos do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, figura o pressuposto de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objeto conferir direitos aos particulares (Acórdão de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho, C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.o 29).

67      Esta violação fica demonstrada quando envolve uma violação manifesta e grave, pela instituição em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. Os elementos a tomar em consideração a esse respeito são o grau de clareza e de precisão da norma violada e o âmbito da margem de apreciação que a norma violada deixa à autoridade da União (Acórdão de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho, C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.o 30 e jurisprudência referida).

68      Como a advogada‑geral recordou no n.o 42 das suas conclusões, o direito a uma boa administração, consagrado no artigo 41.o da Carta, inclui um dever de diligência da administração da União, que deve agir com cuidado e prudência, constituindo a inobservância dessa obrigação uma violação de uma norma jurídica que tem por objeto conferir direitos aos particulares [v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Masdar (UK)/Comissão (C‑47/07 P, EU:C:2008:726, n.os 91 a 93].

69      No que respeita, mais especificamente, às implicações do princípio da boa administração e do dever de diligência que lhe é inerente, quanto à possibilidade de o OLAF transmitir informações às autoridades judiciárias nacionais, resulta do artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1073/1999 que «[o OLAF] pode transmitir a qualquer momento às autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa informações obtidas no decurso de inquéritos externos».

70      Resulta ainda do considerando 1 desse regulamento que esta faculdade deve ser exercida à luz dos objetivos de proteção dos interesses financeiros da União e de luta contra a fraude e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União.

71      Nos termos do considerando 5 deste regulamento, a responsabilidade do OLAF diz respeito, além da proteção dos interesses financeiros, ao conjunto das atividades relacionadas com a defesa dos interesses da União em relação a comportamentos irregulares, passíveis de processo administrativo ou penal. É, portanto, para atingir estes objetivos que o OLAF efetua inquéritos internos e externos, cujos resultados são, segundo o artigo 9.o do mesmo regulamento, apresentados num relatório de inquérito transmitido às autoridades competentes dos Estados‑Membros, no caso de inquérito externo, ou à instituição, órgão, organismo ou agência em causa, no caso de inquérito interno, nos termos, respetivamente, dos n.os 3 e 4 desse artigo.

72      A esse respeito, resulta do n.o 2 do referido artigo que os relatórios elaborados pelo OLAF «constituirão, nas mesmas condições e com o mesmo valor que os relatórios administrativos elaborados pelos inspetores administrativos nacionais, elementos de prova admissíveis nos processos administrativos ou judiciais do Estado‑Membro em que a sua utilização se revele necessária».

73      Daqui resulta, como confirma o considerando 13 do Regulamento n.o 1073/1999, que as conclusões do OLAF contidas no relatório final não conduzem de forma automática à abertura de processos judiciais, dado que as autoridades nacionais são livres de decidir o seguimento a dar ao relatório final e, portanto, só as autoridades nacionais podem adotar decisões suscetíveis de afetar a situação jurídica das pessoas contra as quais o relatório possa ter recomendado a abertura desses processos.

74      Com efeito, como a advogada‑geral salientou no n.o 45 das suas conclusões, os elementos apresentados pelo OLAF podem ser completados e verificados pelas autoridades nacionais, que dispõem de um leque mais amplo de poderes de investigação do que esse organismo.

75      Resulta destas considerações que, embora seja certo que o OLAF tem não só a faculdade mas também a obrigação de transmitir às autoridades nacionais competentes, incluindo judiciárias, mesmo antes do encerramento do seu inquérito e da redação do relatório final, qualquer informação relevante, suscetível de justificar a adoção de medidas por essas autoridades, incluindo a abertura de inquérito penal, não deixa de ser verdade, como a advogada‑geral salientou, em substância, no n.o 47 das suas conclusões, quando toma a decisão de proceder a essa transmissão, o OLAF deve ter em conta o seu dever de diligência, evocado no n.o 68 do presente acórdão, e fazer uso de uma certa prudência, porquanto este organismo não atua como «qualquer denunciante», mas sim enquanto organismo dotado de poderes de inquérito, e que essa transmissão de informações ocorre entre duas autoridades dotadas de tais poderes. Isto é tanto mais assim quanto o facto de recorrer às autoridades nacionais pode servir de base à instauração de processos judiciais, civis e penais.

76      Daqui decorre que, para respeitar o seu dever de diligência, o OLAF, antes de, ao abrigo do Regulamento n.o 1073/1999, transmitir informações às autoridades nacionais, deve assegurar‑se, de acordo com o considerando 10 deste regulamento, de que essas informações têm suficiente grau de plausibilidade e de verosimilhança para justificar a adoção, por essas autoridades, de medidas da sua competência, incluindo a abertura, se for caso disso, de um inquérito judicial.

77      Daqui resulta, como a advogada‑geral referiu no n.o 49 das suas conclusões, que, quando, como no caso, o Tribunal Geral é chamado a determinar se o OLAF respeitou o seu dever de diligência quanto à transmissão de informações às autoridades nacionais, deve verificar se, no momento dessa transmissão, o OLAF dispunha de mais elementos do que uma simples dúvida, sem com isso exigir uma prova caracterizada que já não necessitasse de atos de inquérito.

78      Por conseguinte, no presente processo, cabia ao Tribunal Geral, por um lado, verificar a credibilidade e o conteúdo das informações ou dos elementos que figuravam na nota de 19 de março de 2003, bem como a intenção com que foi efetuada a transmissão dessas informações ou desses elementos às autoridades judiciárias francesas e, por outro, determinar se as referidas informações ou esses elementos podiam justificar a abertura de um inquérito judiciário ou constituir elementos de prova úteis para esse inquérito. Para o efeito, competia ao Tribunal Geral determinar se o OLAF dispunha de indícios materiais suficientemente precisos que demonstrassem a existência de razões plausíveis para considerar que as informações transmitidas continham factos suscetíveis de ter qualificação penal.

79      Ora, o Tribunal Geral constatou, no n.o 87 do acórdão recorrido, por um lado, que resultava da nota de 19 de março de 2003 que as informações nela contidas eram o resultado de um inquérito iniciado com base num relatório de auditoria interna do Eurostat datado de setembro de 1999, ou seja, quase três anos e meio antes, e, por outro, que essa nota expunha o quadro institucional em que se inscrevia, apresentava o historial dos factos objeto do inquérito partindo da criação da rede de datashops ao longo dos anos de 1995 e 1996, explicava as relações financeiras no âmbito dessa rede e especificava as constatações feitas durante o inquérito. No n.o 88 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu que, em 19 de março de 2003, o OLAF já dispunha de informações ou de elementos que permitiam considerar que os factos em causa eram suscetíveis de receber qualificação penal.

80      Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral não verificou a credibilidade e o conteúdo das informações ou dos elementos que figuram na nota de 19 de março de 2003, nem a intenção com que foi efetuada a transmissão dessas informações ou desses elementos às autoridades judiciárias francesas, nem se as referidas informações ou esses elementos podiam justificar a abertura de um inquérito judiciário ou constituir elementos de prova úteis para esse inquérito. Nesta medida, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

81      Por conseguinte, há que julgar procedente a primeira alegação da segunda parte do segundo fundamento.

2.      Quanto à primeira parte do segundo fundamento

a)      Argumentação das partes

82      Na primeira parte do segundo fundamento, os recorrentes alegam que o Tribunal Geral devia ter reconhecido a existência da denúncia caluniosa cometida pelo OLAF e pela Comissão, que se integra no conceito de difamação e constitui, simultaneamente, uma infração penal e um ilícito civil em 25 dos 27 países da União. Entendem que o Tribunal Geral cometeu um erro quando considerou, nos n.os 74 e 76 do acórdão recorrido, que os recorrentes, para alegarem a existência de uma denúncia caluniosa, se basearam em disposições do direito penal francês, na jurisprudência dos tribunais franceses e na doutrina francesa. Segundo os recorrentes, o Tribunal Geral deveria ter analisado os argumentos dos recorrentes à luz do direito à vida privada e do direito a uma boa administração, respetivamente consagrados no artigo 7.o e no artigo 41.o da Carta. A este respeito, a jurisprudência francesa relativa à denúncia caluniosa só foi invocada a título de exemplo, para demonstrar que essa falta viola os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros.

83      A Comissão considera que estes argumentos são inadmissíveis por não terem sido invocados em primeira instância. Com efeito, entende que, na petição no Tribunal Geral, os recorrentes alegaram a existência de uma denúncia caluniosa por referência expressa ao Código penal francês e à jurisprudência nacional a ele relativa. Na sua petição não consta nenhuma argumentação relativa à existência de uma difamação que tenha violado um princípio geral do direito da União. Além disso, essa petição não permite identificar nenhuma argumentação relativa à existência de uma difamação em violação de uma disposição ou de um princípio geral de direito da União. Entende que, de qualquer modo, os referidos argumentos não têm fundamento, uma vez que a denúncia caluniosa pressupõe que os factos cuja falsidade o autor conheça sejam revelados com a intenção de lesar, o que os recorrentes não demonstraram no caso presente.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

84      Quanto à admissibilidade da primeira parte do segundo fundamento, há que lembrar que, segundo jurisprudência constante, permitir a uma parte invocar pela primeira vez no Tribunal de Justiça um fundamento que não apresentou no Tribunal Geral equivaleria a permitir‑lhe submeter ao Tribunal de Justiça, cuja competência em segunda instância é limitada, um litígio com um objeto mais amplo do que aquele de que o Tribunal Geral conheceu. Com efeito, em segunda instância, a competência do Tribunal de Justiça é limitada à apreciação da solução jurídica dada aos fundamentos debatidos no Tribunal Geral (Acórdão de 27 de abril de 2023, Casa Regina Apostolorum della Pia Società delle Figlie di San Paolo/Comissão, C‑492/21 P, EU:C:2023:354, n.o 100 e jurisprudência referida).

85      Contudo, no caso, há que observar que, ao contrário do que sustenta a Comissão, os recorrentes alegaram, na petição em primeira instância, que a denúncia caluniosa resultante da transmissão das informações em causa às autoridades judiciárias francesas era acompanhada de uma comunicação difamatória devido às fugas para a imprensa relativas a essa transmissão e que, a esse respeito, alegaram expressamente, entre outros, uma violação do direito a uma boa administração, conforme consagrado no artigo 41.o da Carta, bem como a violação dos direitos de defesa, do direito à presunção de inocência e do dever de confidencialidade, que estão igualmente consagrados por esta.

86      Por conseguinte, há que julgar improcedentes as alegações da Comissão de admissibilidade da primeira parte do segundo fundamento.

87      Quanto ao mérito da mesma, refira‑se que, no n.o 74 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que os recorrentes se basearam em disposições de direito penal francês, na jurisprudência dos tribunais franceses, bem como na doutrina francesa na matéria. Considerou, porém, o n.o 75 desse acórdão, que, embora seja verdade que os órgãos jurisdicionais da União têm competência exclusiva para conhecer das ações de indemnização por danos imputáveis às instituições da União, a interpretação e o enquadramento jurídico no direito penal francês dos factos alegados pelos recorrentes não se inserem no âmbito da competência do juiz da União. Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral, no n.o 76, do referido acórdão, julgou inoperantes os argumentos dos recorrentes relativos à existência de uma denúncia caluniosa.

88      Como a advogada‑geral referiu, em substância, no n.o 83 das suas conclusões, este raciocínio do Tribunal Geral resulta de uma leitura manifestamente errada da petição apresentada em primeira instância. Com efeito, resulta desse articulado, como já foi indicado no n.o 85 do presente acórdão, que os recorrentes invocaram, em apoio da sua argumentação relativa à ilegalidade do comportamento do OLAF e da Comissão devido a uma denúncia caluniosa, princípios gerais de direito da União, em particular, o direito a uma boa administração consagrado no artigo 41.o da Carta. Se os recorrentes invocaram o direito francês em apoio dessa argumentação, foi claramente só a título de exemplo.

89      Daqui resulta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando julgou inoperante essa argumentação.

90      Por conseguinte, há que julgar procedente a primeira parte do segundo fundamento.

91      Assim, sem que seja necessário conhecer da segunda alegação da segunda parte e da terceira parte desse fundamento nem do terceiro fundamento, há que anular o acórdão recorrido, uma vez que, nesse acórdão, o Tribunal Geral julgou improcedente a ação, na parte em que tinha por objeto a indemnização dos danos morais alegadamente sofridos por H‑P. Charlot em razão do processo penal aberto contra ele junto das autoridades judiciárias francesas. Deve ser negado provimento ao presente recurso no restante.

VI.    Quanto à remessa do processo ao Tribunal Geral

92      Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral. Pode, neste caso, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

93      No caso, como se constata no âmbito da análise da primeira alegação da segunda parte do segundo fundamento, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, nos n.os 82 a 92 e 104 do acórdão recorrido, ao não ter examinado nem a credibilidade e o conteúdo das informações e dos elementos que figuram na nota de 19 de março de 2003 nem a intenção com que foi efetuada a transmissão dessas informações ou desses elementos às autoridades judiciárias francesas, nem se as referidas informações ou esses elementos podiam justificar a abertura de um inquérito judicial ou constituir elementos de prova úteis para esse inquérito. Por outro lado, resulta do exame da primeira parte do segundo fundamento que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, nos n.os 74 a 76 do acórdão recorrido, quando julgou inoperante a argumentação dos recorrentes que acusava o OLAF e a Comissão de terem efetuado uma denúncia caluniosa.

94      Ora, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu pela inexistência de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma do direito da União, sem ter procedido ao exame dos outros pressupostos cumulativos necessários à responsabilidade extracontratual da União. [v., neste sentido, Acórdãos de 19 de abril de 2007, Holcim (Deutschland)/Comissão, C‑282/05 P, EU:C:2007:226, n.o 57, e de 10 de setembro de 2019, HTTS/Conselho, C‑123/18 P, EU:C:2019:694, n.o 108].

95      Nestas condições, o Tribunal de Justiça considera que o presente litígio sobre o pedido de indemnização dos danos morais alegadamente sofridos por H.‑P. Charlot por causa do processo penal aberto contra ele junto das autoridades francesas não está em condições de ser julgado e que o processo deve ser remetido ao Tribunal Geral, para que este possa proceder a novo exame da eventual existência de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma de direito da União para dar origem à responsabilidade extracontratual da União. Se esse exame revelar a existência dessa violação, incumbirá ao Tribunal Geral proceder à análise dos demais pressupostos necessários para a responsabilidade extracontratual da União.

VII. Quanto às despesas

96      Uma vez que o processo é remetido ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas do presente recurso.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) decide:

O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 6 de abril de 2022, Planistat Europe e Charlot/Comissão (T735/20, EU:T:2022:220), é anulado, na medida em que, nesse acórdão, o Tribunal Geral julgou improcedente a ação, na parte dirigida à indemnização pelos danos morais sofridos por HervéPatrick Charlot por causa do processo penal aberto contra ele junto das autoridades judiciárias francesas.É negado provimento ao presente recurso quanto ao restante.O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia.Reservase para final a decisão quanto às despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.