Language of document : ECLI:EU:C:2024:26

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

11 de janeiro de 2024 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Transporte aéreo — Roménia — Auxílio de emergência à TAROM — Orientações relativas aos auxílios de Estado de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade — Decisão da Comissão Europeia de não levantar objeções pelo facto de as medidas constituírem auxílios compatíveis com o mercado interno»

No processo C‑440/22 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral ao abrigo do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 4 de julho de 2022,

Wizz Air Hungary Légiközlekedési Zrt. (Wizz Air Hungary Zrt.), com sede em Budapeste (Hungria), representada por I.‑G. Metaxas‑Maranghidis, dikigoros, S. Rating, abogado, e E. Vahida, avocat,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por I. Barcew, V. Bottka e L. Flynn, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, exercendo funções de presidente de secção, S. Rodin (relator) e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, a Wizz Air Hungary Légiközlekedési Zrt. (Wizz Air Hungary Zrt.) (a seguir «Wizz Air») pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 4 de maio de 2022, Wizz Air Hungary/Comissão (TAROM; auxílio de emergência) (T‑718/20, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2022:276), através do qual o Tribunal Geral negou provimento ao seu recurso de anulação da Decisão C (2020) 1160 final da Comissão, de 24 de fevereiro de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.56244 (2020/N) — Roménia — Auxílio de emergência à TAROM (JO 2020, C 310, p. 3, a seguir «decisão controvertida»).

 Quadro jurídico

2        As Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade (JO 2014, C 249, p. 1, a seguir «Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação») preveem, no seu ponto 38, o seguinte:

«Quando se aprecia se auxílios notificados podem ser declarados compatíveis com o mercado interno, a Comissão irá ponderar se são respeitados todos os critérios seguintes:

a)      contribuição para um objetivo de interesse comum bem definido; uma medida de auxílio estatal deve visar um objetivo de interesse comum, de acordo com o artigo 107.o, n.o 3, do Tratado (secção 3.1);

[…]

f)      prevenção de efeitos negativos indesejados na concorrência e nas trocas comerciais entre Estados‑Membros: os efeitos negativos do auxílio devem ser suficientemente limitados para que o equilíbrio global da medida seja positivo (secção 3.6);

[…]»

3        A secção 3.1 das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação, intitulada «Contribuição para um objetivo de interesse comum», inclui um ponto 43 com a seguinte redação:

«Dada a importância da saída do mercado para o processo de aumento da produtividade, o mero ato de impedir uma empresa de sair do mercado não constitui uma justificação suficiente para a concessão de um auxílio. Devem ser apresentados elementos de prova claros de que esse auxílio persegue um objetivo de interesse comum, porque visa impedir dificuldades sociais ou colmatar uma falha de mercado (secção 3.1.1) ao restabelecer a viabilidade a longo prazo da empresa (secção 3.1.2).»

4        Na secção 3.1.1, intitulada «Demonstração de dificuldades sociais ou deficiência de mercado», o ponto 44 dessas Orientações prevê:

«Os Estados‑Membros devem demonstrar que a falha do beneficiário seria suscetível de acarretar dificuldades sociais graves ou uma falha de mercado grave, nomeadamente mostrando que:

[…]

b)      existe um risco de interrupção de um serviço importante, difícil de reproduzir e de ser facilmente assumido por um concorrente (por exemplo, um fornecedor nacional de infraestruturas);

[…]»

5        A secção 3.1.2 das referidas Orientações, intitulada «Plano de reestruturação e restauração da viabilidade a longo prazo», dispõe:

«45.      Um auxílio à reestruturação, no âmbito das presentes Orientações, não pode limitar‑se a uma ajuda financeira destinada a colmatar perdas anteriores, sem uma intervenção a nível das causas dessas perdas. Por conseguinte, no caso de auxílios à reestruturação, a Comissão [Europeia] exigirá que o Estado‑Membro em causa apresente um plano de reestruturação realista, coerente e de grande envergadura, destinado a restabelecer a viabilidade a longo prazo do beneficiário. A reestruturação pode incluir um ou mais dos seguintes elementos: a reorganização e racionalização das atividades do beneficiário numa base mais eficiente, que conduz normalmente ao abandono das atividades deficitárias, a reestruturação das atividades cuja competitividade pode ser restaurada e, por vezes, a diversificação para novas atividades rentáveis. Habitualmente, a restruturação implica também a reestruturação financeira sob a forma de injeções de capital por novos acionistas ou por acionistas existentes e uma redução da dívida por parte dos credores existentes.

46.      A concessão do auxílio deve, pois, depender da aplicação do plano de reestruturação que tem de ser aprovado pela Comissão em todos os casos de auxílios ad hoc.

47.      O plano de reestruturação deve restabelecer a viabilidade a longo prazo do beneficiário num prazo razoável e com base em hipóteses realistas quanto às futuras condições de exploração, que devem excluir outros auxílios estatais não abrangidos pelo plano de reestruturação. O período de reestruturação deve ser o mais curto possível. O plano de reestruturação tem de conter todos os pormenores relevantes e incluir, em especial, as informações mencionadas na presente secção (3.1.2) quando for apresentado à Comissão.

[…]»

6        Figurando na secção 3.6, intitulada «Efeitos negativos», a secção 3.6.1 das mesmas Orientações, relativa ao «Princípio do auxílio único», prevê o seguinte:

«70.      A fim de reduzir o risco moral, os incentivos relativos a uma excessiva assunção de riscos e as potenciais distorções da concorrência, os auxílios devem ser concedidos a empresas em dificuldade em relação a uma única operação de reestruturação. Trata‑se do chamado “princípio do auxílio único”. A necessidade de uma empresa que já beneficiou de um auxílio nos termos das presentes Orientações aumentar esses auxílios demonstra que as dificuldades da empresa são de natureza recorrente ou não foram tratadas adequadamente aquando da concessão do anterior auxílio. As intervenções repetidas do Estado são suscetíveis de conduzir a problemas de risco moral e distorções da concorrência que são contrárias ao interesse comum.

71.      Sempre que a Comissão for notificada de um projeto de auxílio de emergência ou à reestruturação, o Estado‑Membro deve especificar se a empresa em causa já beneficiou no passado de um auxílio de emergência, auxílio à reestruturação ou apoio temporário à reestruturação, incluindo quaisquer auxílios concedidos antes da entrada em vigor das Orientações e eventuais auxílios não notificados. Em caso afirmativo, e se tiverem decorrido menos de dez anos desde a concessão do auxílio, desde o termo do período de reestruturação ou desde que o plano de reestruturação deixou de ser executado (consoante a data que for posterior), a Comissão não autorizará a concessão de outros auxílios nos termos das Orientações.

[…]»

 Antecedentes do litígio e decisão controvertida

7        Os antecedentes do litígio, conforme resultam do acórdão recorrido, podem ser resumidos do seguinte modo.

8        A Compania Natională de Transporturi Aeriene TAROM SA (a seguir «Tarom») é uma companhia aérea romena que opera a partir de uma plataforma aeroportuária única, situada no Aeroporto Internacional OTP Henri‑Coandă de Bucareste (Roménia). A Tarom exerce a sua atividade, essencialmente, no domínio do transporte aéreo de passageiros, de carga e de correio. No início de 2020, a Tarom empregava 1 795 pessoas e possuía uma frota de 25 aeronaves. A Tarom explorava tanto linhas nacionais como internacionais.

9        Em 19 de fevereiro de 2020, a Roménia notificou à Comissão um plano de auxílio de emergência a conceder à Tarom, constituído por um empréstimo para financiar as necessidades de liquidez desta no montante de 175 952 000 leus romenos (RON) (cerca de 36 660 000 euros) reembolsável no prazo de seis meses, com possibilidade de reembolso parcial antecipado (a seguir «medida em causa»).

10      Em 24 de fevereiro de 2020, a Comissão adotou a decisão controvertida na qual declarou, nomeadamente, que a situação financeira da Tarom se tinha deteriorado significativamente ao longo dos cinco anos anteriores e sublinhou que os prejuízos acumulados no período 2004‑2019 ascendiam a 3 362 130 000 RON (cerca de 715 350 000 euros), ultrapassando, deste modo, mais de metade do montante do capital da Tarom.

11      A respeito da situação das redes de transportes na Roménia, a Comissão salientou que o estado geral e a fiabilidade das redes ferroviária e rodoviária romenas eram medíocres e que o transporte aéreo continuava a ser essencial para o desenvolvimento regional no país nomeadamente as ligações internas operadas pela Tarom.

12      A Comissão indicou ainda que, segundo a Roménia, a saída da Tarom do mercado não permitiria assegurar os voos relativos às reservas já efetuadas, não sendo possível aos concorrentes da Tarom assumir a curto prazo as ligações em causa, e que esta saída afetaria um grande número de empresas entre as quais, principalmente, os aeroportos domésticos.

13      No seu exame da medida em causa, em primeiro lugar, a Comissão considerou que tal medida constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

14      Em segundo lugar, a Comissão verificou se a medida em causa era compatível com o mercado interno com fundamento no artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE.

15      Primeiro, nos considerandos 52 a 57 da decisão controvertida, a Comissão considerou que a Tarom era uma empresa em dificuldade na aceção das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação.

16      Segundo, nos considerandos 58 a 65 da decisão controvertida, a Comissão salientou que as informações fornecidas pela Roménia demonstravam que a medida em causa preenchia a condição prevista nos pontos 43 a 52 das Orientações, segundo a qual um auxílio estatal deve contribuir para um objetivo de interesse comum.

17      Terceiro, nos considerandos 66 a 77 da decisão controvertida, a Comissão considerou que a medida em causa era adequada para alcançar o objetivo prosseguido, a saber, evitar a insolvência da Tarom.

18      Quarto, nos considerandos 78 a 85 da referida decisão, a Comissão considerou que a medida em causa era proporcional às necessidades de liquidez da Tarom durante um período de seis meses.

19      Quinto, nos considerandos 86 a 89 da decisão controvertida, a Comissão concluiu que o princípio do auxílio único, previsto nos pontos 70 a 74 das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação, tinha sido respeitado.

20      Por conseguinte, através da decisão controvertida, a Comissão decidiu não levantar objeções relativamente à medida em causa uma vez que esta era compatível com o mercado interno, em conformidade com o artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE.

 Recurso no Tribunal Geral e acórdão recorrido

21      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de dezembro de 2020, a Wizz Air interpôs um recurso de anulação da decisão controvertida.

22      Em apoio do seu recurso, a Wizz Air invocou quatro fundamentos, relativos, o primeiro, a um erro manifesto de apreciação da contribuição da medida em causa para um objetivo de interesse comum bem definido; o segundo, a um erro de direito e a um erro manifesto de apreciação, relativos ao respeito do princípio do auxílio único; o terceiro, à existência de dificuldades sérias que deveriam ter levado a Comissão a dar início ao procedimento formal de investigação; e, o quarto, a uma violação do dever de fundamentação, na aceção do artigo 296.o TFUE.

23      No acórdão recorrido, pronunciando‑se, a título preliminar, sobre a admissibilidade do recurso, o Tribunal Geral julgou que este era admissível porquanto a Wizz Air era uma parte interessada com interesse em assegurar a salvaguarda dos direitos processuais que lhe eram conferidos pelo artigo 108.o, n.o 2, TFUE, e visto que visava, nomeadamente através do terceiro fundamento do recurso, o respeito dos seus direitos processuais.

24      A este respeito, o Tribunal Geral considerou que estava habilitado a examinar os argumentos de mérito apresentados pela recorrente no âmbito dos dois primeiros fundamentos, para verificar se eram suscetíveis de corroborar este terceiro fundamento, expressamente apresentado pela recorrente para esse fim e relativo à existência de dúvidas que justificassem a abertura do procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

25      Depois de ter examinado e afastado, em primeiro lugar, o terceiro fundamento invocado pela Wizz Air, que remetia para os dois primeiros fundamentos, e, em segundo lugar, o quarto fundamento, o Tribunal de Geral negou integralmente provimento ao recurso.

 Pedidos das partes no presente recurso

26      Através do presente recurso, a Wizz Air conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        anular o acórdão recorrido;

–        a título principal, anular a decisão controvertida e condenar a Comissão nas despesas, ou

–        a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral e reservar para final a decisão quanto às despesas da primeira instância e do presente recurso.

27      A Comissão conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        negar provimento ao recurso e

–        condenar a Wizz Air nas despesas.

 Quanto ao recurso

28      A Wizz Air invoca sete fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo ao facto de o Tribunal Geral ter cometido um erro de direito quando considerou que está preenchida a condição da existência de um serviço importante que é complicado de reproduzir. O segundo fundamento é relativo a uma aplicação errada das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação no que respeita aos elementos de prova da existência de dificuldades para um concorrente assegurar um serviço em vez do beneficiário. O terceiro fundamento é relativo a uma desvirtuação manifesta dos elementos de prova na apreciação das capacidades disponíveis no mercado e da capacidade das companhias aéreas de baixo custo (a seguir «companhias de baixo custo») para assegurarem as ligações internas. O quarto fundamento é relativo a um erro de direito, uma vez que o Tribunal Geral considerou que os aumentos de capital não podiam dizer respeito a um plano de reestruturação. O quinto fundamento é relativo a uma desvirtuação manifesta dos elementos de prova no que respeita à duração do período de reestruturação da Tarom. O sexto fundamento é relativo a um erro de direito, dado que o Tribunal Geral considerou que a Comissão não tinha de verificar se um auxílio existente se tinha tornado num auxílio novo. O sétimo fundamento é relativo a um erro de direito no que respeita ao facto de não ter sido aberto um procedimento formal de investigação pela Comissão.

 Quanto ao primeiro fundamento

 Argumentos das partes

29      Com o seu primeiro fundamento, a Wizz Air sustenta, em substância, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando considerou, nos n.os 50 e 51 do acórdão recorrido, que, para apreciar se existe um risco de interrupção de um serviço importante que é complicado de reproduzir, na aceção do ponto 44, alínea b), das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação, a Comissão não era obrigada a ter em conta a dimensão do mercado em causa.

30      A recorrente considera que, contrariamente ao que considerou o Tribunal Geral, é necessário analisar a dimensão de um mercado e a parte da empresa beneficiária do auxílio nesse mercado para determinar se o serviço que corre o risco de ser interrompido pode ser qualificado de importante, pois esses elementos mostram a perda que provocaria a saída dessa empresa do referido mercado. A recorrente alega, além disso, que o n.o 51 do acórdão recorrido, uma vez que indica, por um lado, que não há que ter em conta a dimensão do mercado em causa e, por outro, que um serviço pode ser qualificado de importante mesmo quando é fornecido num mercado «relativamente limitado», padece de contradição.

31      Segundo a Comissão, o primeiro fundamento deve ser julgado, em parte, inadmissível e, quanto ao restante, improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

32      A título preliminar, importa salientar que resulta do ponto 1 das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação que estas enunciam as condições que devem ser preenchidas para que as medidas de auxílio de emergência e à reestruturação de empresas em dificuldade aí referidas possam ser consideradas compatíveis com o mercado interno com fundamento no artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE.

33      A adoção de tais Orientações inscreve‑se no exercício, pela Comissão, da sua competência exclusiva para apreciar a compatibilidade de medidas de auxílio com o mercado interno, ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, TFUE. A Comissão goza, a este respeito, de um amplo poder de apreciação (v., neste sentido, nomeadamente, Acórdãos de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.os 37 a 39, e de 15 de dezembro de 2022, Veejaam e Espo, C‑470/20, EU:C:2022:981, n.o 29).

34      Ao estabelecer, através de orientações, as condições em que as medidas de auxílio podem ser consideradas compatíveis com o mercado interno, e ao anunciar, através da publicação destas orientações, que aplicará as regras contidas nestas, a Comissão limita‑se no exercício desse poder de apreciação, no sentido de que, se um Estado‑Membro notificar um projeto de auxílio de Estado que seja conforme com essas regras, a Comissão deve, em princípio, autorizar esse projeto. A Comissão não pode, em princípio, afastar‑se dessas regras, sob pena de poder ser sancionada, sendo caso disso, por violação de princípios gerais de direito, como a igualdade de tratamento ou a proteção da confiança legítima (Acórdãos de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 40, e de 31 de janeiro de 2023, Comissão/Braesch e o., C‑284/21 P, EU:C:2023:58, n.o 90).

35      No entanto, uma vez que, com o seu primeiro fundamento, a Wizz Air sustenta, em substância, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando considerou, nos n.os 50 e 51 do acórdão recorrido, que, para efeitos da aplicação do ponto 44, alínea b), das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação, a Comissão não era obrigada a ter em conta a dimensão do mercado em causa ou a parte do beneficiário do auxílio nesse mercado, importa salientar, por um lado, que, segundo esse ponto 44, alínea b), os Estados‑Membros devem demonstrar, nomeadamente, «que existe um risco de interrupção de um serviço importante que é complicado de reproduzir».

36      Por outro lado, como resulta da frase introdutória do ponto 44 dessas Orientações, a existência desse risco figura entre os elementos, enumerados de forma não exaustiva nesse ponto 44, alíneas a) a g), através dos quais os Estados‑Membros podem demonstrar dificuldades sociais graves ou uma deficiência de mercado que seria suscetível de provocar a falha do beneficiário do auxílio, sendo esta demonstração necessária para o reconhecimento de um objetivo de interesse comum prosseguido pelo auxílio.

37      Assim, embora a dimensão do mercado no qual o beneficiário do auxílio opera e a quota que este detém neste mercado possam ser fatores indicativos da importância do serviço que esse beneficiário assegura, não resulta do ponto 44, alínea b), dessas Orientações nem do seu contexto que a importância do serviço depende necessariamente desses fatores e que, nomeadamente, a falha do beneficiário do auxílio só é suscetível de provocar dificuldades sociais graves ou uma importante falha do mercado na condição de o mercado em que opera exceder uma certa dimensão.

38      Com efeito, como o Tribunal Geral salientou, em substância, no n.o 51 do acórdão recorrido, a circunstância de o mercado em causa ser relativamente limitado não obsta a que um serviço fornecido nesse mercado possa ser qualificado de importante na aceção das referidas Orientações. É o que sucede nas circunstâncias do caso em apreço, no qual, como o Tribunal Geral considerou no n.o 52 do acórdão recorrido, a cessação da atividade da Tarom, que implicava um risco concreto de interrupção de certos serviços de transporte aéreo de passageiros na Roménia, seria prejudicial para a «conectividade» das regiões romenas exclusivamente servidas por esta companhia bem como para a situação económica dessas regiões.

39      Daqui resulta que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito quando considerou, nos n.os 50 e 51 do acórdão recorrido, que, para apreciar se existe um risco de interrupção de um serviço importante que é complicado de reproduzir, na aceção do ponto 44, alínea b), das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação, a Comissão não era obrigada a ter em conta a dimensão do mercado em que a Tarom opera ou a quota que esta companhia detém nesse mercado.

40      Resulta do exposto que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento

 Argumentos das partes

41      Com o seu segundo fundamento, que visa os n.os 58, 63, 64 e 66 do acórdão recorrido, a Wizz Air sustenta, no essencial, que o Tribunal Geral cometeu erros de direito quando da apreciação dos critérios, previstos no ponto 44, alínea b), das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação, relativos ao risco de interrupção de um serviço importante e às dificuldades dos concorrentes em assegurar esse serviço em vez do beneficiário do auxílio.

42      A este propósito, no que respeita, primeiro, ao objeto da prova que a Comissão deve produzir na matéria, o Tribunal Geral considerou, em primeiro lugar, de forma errada, nos n.os 63 e 64 do acórdão recorrido, que, para ser justificado, o auxílio de emergência devia ter por objetivo evitar qualquer perturbação na prestação de um serviço importante, ao passo que o ponto 44, alínea b), destas Orientações impõe que o objetivo do auxílio seja evitar o risco «de interrupção» desse serviço, a qual necessita, além da simples perturbação, de uma rutura ou de uma cessação do serviço.

43      Em segundo lugar, o Tribunal Geral exigiu erradamente, no n.o 64 do acórdão recorrido, que os concorrentes da Tarom estivessem em condições de fornecer «facilmente» o serviço assegurado por esta companhia, quando este ponto 44, alínea b), das referidas Orientações prevê unicamente que não seja «difícil» aos concorrentes fornecer o serviço assegurado pela empresa em dificuldade.

44      No que respeita, em segundo lugar, aos elementos de prova que a Comissão deve apresentar, a Wizz Air sustenta que o Tribunal Geral, ao decidir, no n.o 58 do acórdão recorrido, que o interesse comercial das companhias de baixo custo em entrar no mercado para assegurar a totalidade das rotas era «supostamente baixo», recorreu a simples suposições, desrespeitando a obrigação de «demonstrar claramente» que o auxílio prossegue um objetivo de interesse comum, enunciado no ponto 43 das mesmas Orientações.

45      A Comissão sustenta que o segundo fundamento deve ser julgado inadmissível ou, de qualquer modo, improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

46      No que respeita, em primeiro lugar, à parte do segundo fundamento dirigida contra o n.o58 do acórdão recorrido, importa salientar que, neste ponto, o Tribunal Geral declarou que, contrariamente ao que a recorrente tinha afirmado no âmbito da primeira parte do seu terceiro fundamento do recurso em primeira instância, a Comissão tinha apreciado, no considerando 61 da decisão controvertida, a eventualidade da substituição da Tarom pelos seus concorrentes sobre as ligações internas exclusivamente exploradas por esta. O Tribunal Geral referiu, nomeadamente, que a Comissão tinha, neste considerando, entendido que era improvável que as companhias aéreas concorrentes presentes no mercado romeno, que são principalmente companhias de baixo custo, assegurassem a totalidade destas ligações, cujo interesse comercial era para estas companhias «supostamente baixo».

47      Ora, não resulta desta descrição de um elemento de apreciação da Comissão que figura na decisão controvertida que o Tribunal Geral recorreu a meras suposições ou que cometeu um erro de direito no que respeita ao ónus da prova que incumbe à Comissão por força do ponto 43 das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação.

48      Por conseguinte, há que julgar improcedente esta parte do segundo fundamento.

49      Em segundo lugar, uma vez que a Wizz Air aponta ao Tribunal Geral, em substância, o facto de, nos n.os 63, 64 e 66 do acórdão recorrido, ter adotado critérios errados na aplicação do ponto 44, alínea b), destas Orientações, basta constatar que os fundamentos que figuram nestes números, para rejeitar a argumentação da recorrente relativa à probabilidade de uma substituição do serviço da Tarom pelos seus concorrentes, têm caráter meramente acessório.

50      Por conseguinte, esta parte do segundo fundamento deve ser julgada inoperante.

51      Resulta do exposto que há que julgar improcedente o segundo fundamento.

 Quanto ao terceiro fundamento

 Argumentos das partes

52      Com o seu terceiro fundamento, a Wizz Air acusa o Tribunal Geral de ter cometido uma desvirtuação manifesta dos elementos de prova na sua apreciação, no n.o 69 do acórdão recorrido, das capacidades de transporte de passageiros disponíveis no mercado romeno e da capacidade das companhias de baixo custo para operar em ligações internas.

53      Em primeiro lugar, o Tribunal Geral desvirtuou os elementos de prova ao aprovar a conclusão errada da Comissão quanto à indisponibilidade de capacidades suficientes de transporte de passageiros com o fundamento de, à data da decisão controvertida, «mais de metade dos aviões em terra […] pertencerem à Tarom».

54      Em seguida, quando considerou que a recorrente não explicava em que medida seria rentável para as companhias de baixo custo efetuar ligações internas que apenas dissessem respeito a um número limitado de passageiros, o Tribunal Geral reproduziu as afirmações que figuram no n.o 58 do acórdão recorrido, que se baseiam apenas numa simples presunção.

55      Por último, segundo a Wizz Air, nenhum elemento de prova permitia ao Tribunal Geral afirmar, no n.o 69 do acórdão recorrido, que as companhias aéreas concorrentes da Tarom eram todas companhias de baixo custo.

56      Segundo a Comissão, o terceiro fundamento é, em parte, inadmissível e, quanto ao restante, manifestamente improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

57      Recorde‑se que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, resulta do artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE e do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que o Tribunal Geral tem competência exclusiva, por um lado, para apurar os factos, salvo no caso de a inexatidão material das suas conclusões resultar dos elementos dos autos que lhe foram submetidos, e, por outro, para apreciar esses factos (Acórdão de 25 de junho de 2020, CSUE/KF, C‑14/19 P, EU:C:2020:492,n.o 103 e jurisprudência referida).

58      Daqui decorre que a apreciação dos factos não constitui, exceto em caso de desvirtuação dos elementos de prova apresentados no Tribunal Geral, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (Acórdão de 25 de junho de 2020, CSUE/KF, C‑14/19 P, EU:C:2020:492, n.o 104 e jurisprudência referida).

59      Quando alega uma desvirtuação de elementos de prova pelo Tribunal Geral, um recorrente deve, em aplicação do artigo 256.o TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, indicar de modo preciso os elementos que, em seu entender, foram desvirtuados por aquele e demonstrar os erros de análise que, na sua apreciação, conduziram o Tribunal Geral a essa desvirtuação. Por outro lado, é jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que uma desvirtuação deve resultar de modo manifesto dos documentos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (Acórdão de 25 de junho de 2020, CSUE/KF, C‑14/19 P, EU:C:2020:492, n.o 105 e jurisprudência referida).

60      No caso em apreço, há que constatar que a argumentação apresentada em apoio do terceiro fundamento não permite demonstrar que as conclusões do Tribunal Geral constantes do n.o 69 do acórdão recorrido, para rejeitar o argumento relativo a um alegado excesso de capacidade existente na Roménia à data da decisão controvertida, assentam numa desvirtuação dos elementos de prova apresentados em primeira instância, uma vez que esta argumentação visa, assim, na realidade, pôr em causa a apreciação soberana dos factos que o Tribunal Geral efetuou para esse efeito.

61      Por conseguinte, o terceiro fundamento deve ser julgado inadmissível.

 Quanto ao quarto fundamento

 Argumentos das partes

62      Com o seu quarto fundamento, a Wizz Air sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, no n.o 103 do acórdão recorrido, que os aumentos de capital não constituíam um elemento do plano de reestruturação de uma empresa em dificuldade.

63      Em especial, a interpretação adotada pelo Tribunal Geral, que exclui que um auxílio à reestruturação que inclui vertentes financeiras, como aumentos de capital, possa ser considerada um elemento de um plano de reestruturação, está em contradição flagrante com o ponto 45 das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação, segundo o qual uma reestruturação financeira na forma de injeções de capital pode fazer parte de um plano de reestruturação, da mesma forma que as alterações operacionais, como a reorganização e a racionalização das atividades do beneficiário.

64      Esta interpretação, que não é acompanhada de nenhuma referência jurisprudencial, está também em contradição com a exposta no n.o 96 do acórdão recorrido.

65      A Comissão considera que o quarto fundamento é inoperante e, de qualquer modo, improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

66      Importa salientar, a título preliminar, que o quarto fundamento, tal como os fundamentos quinto e sexto do recurso, é dirigido contra alguns dos motivos pelos quais o Tribunal Geral, nos n.os 79 a 110 do acórdão recorrido, julgou improcedente a segunda parte do terceiro fundamento invocado pela Wizz Air em apoio do seu recurso em primeira instância. Esta remetia para o segundo fundamento desse recurso, relativo, em substância, ao facto de que, ao autorizar a medida em causa, quando a Tarom tinha beneficiado de uma série de aumentos de capital até 2019 em execução de um auxílio à reestruturação concedido antes da adesão da Roménia à União Europeia (a seguir «auxílio à reestruturação da Tarom»), a Comissão tinha violado o princípio do auxílio único, previsto no ponto 70 das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação.

67      Segundo este princípio, como o Tribunal Geral salientou nos n.os 79 e 80 do acórdão recorrido, os auxílios devem, em princípio, ser concedidos a empresas em dificuldade apenas para uma única operação de reestruturação. O ponto 71 dessas Orientações precisa, neste contexto, nomeadamente, que, se a empresa já tiver beneficiado de um auxílio de emergência, de um auxílio à reestruturação ou de um apoio temporário à reestruturação, o que cabe ao Estado‑Membro indicar, a Comissão não autorizará um novo auxílio em conformidade com as referidas Orientações, se tiverem decorrido menos de dez anos desde a concessão do auxílio, desde o termo do período de reestruturação ou desde que a execução do plano de reestruturação tiver cessado.

68      Dado que, com o seu quarto fundamento, a Wizz Air sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao ter considerado erradamente, no n.o 103 do acórdão recorrido, que os aumentos de capital não constituíam um elemento do plano de reestruturação de uma empresa em dificuldade, há que observar que esta argumentação assenta numa leitura errada do acórdão recorrido.

69      Com efeito, neste n.o 103 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral apenas procede a uma descrição e a uma interpretação dos pontos 45 a 47 das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação, para concluir, no n.o 104 desse acórdão, sem cometer nenhum erro de direito, que estas distinguem o conceito de «execução de uma medida de auxílio» do de «execução de um plano de reestruturação», e para afastar, nomeadamente no n.o 105 do referido acórdão, a argumentação da recorrente segundo a qual o plano de reestruturação da Tarom tinha durado até ao fim da execução do auxílio à reestruturação da Tarom, em 2019.

70      Assim, contrariamente ao que a Wizz Air alega no âmbito do seu quarto fundamento, o Tribunal Geral não decidiu, no n.o 103 do seu acórdão, que as componentes financeiras de um auxílio à reestruturação, como os aumentos de capital, nunca podiam ser consideradas como fazendo parte de um plano de reestruturação.

71      Consequentemente, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao quinto fundamento

 Argumentos das partes

72      Com o seu quinto fundamento, a Wizz Air sustenta que o Tribunal Geral cometeu, nos n.os 85 e 99 do acórdão recorrido, uma desvirtuação manifesta dos elementos de prova quando apreciou a duração do período de reestruturação da Tarom.

73      Para este efeito, a Wizz Air alega, em primeiro lugar, que a conclusão do Tribunal Geral, no n.o 85 do acórdão recorrido, segundo a qual as garantias de empréstimos concedidas pela Roménia à Tarom foram todas executadas imediatamente após a sua concessão, é contrariada pelas afirmações da Comissão contidas nos considerandos 25 e 88 da decisão controvertida.

74      Em segundo lugar, o Tribunal Geral desvirtuou os elementos de prova ao considerar, no n.o 99 do acórdão recorrido, que a recorrente não tinha apresentado nenhum elemento de prova ou indício de que o período de reestruturação, conforme definido no n.o 98 desse acórdão, terminou posteriormente ao ano de 2005. Deste modo, o Tribunal Geral ignorou certos elementos de prova que a Wizz Air forneceu e, consequentemente, confirmou a conclusão errada da Comissão no que respeita ao fim do período de reestruturação.

75      Segundo a Comissão, o quinto fundamento é inoperante e, de qualquer modo, improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

76      Embora, com o seu quinto fundamento, a Wizz Air tenha invocado uma desvirtuação dos factos cometida pelo Tribunal Geral, nos n.os 85 e 99 do acórdão recorrido, ao apreciar, para efeitos da aplicação do princípio do auxílio único, por um lado, a data pertinente da concessão do auxílio à reestruturação da Tarom e, por outro, a do fim do período de reestruturação, não apresentou nenhuma argumentação jurídica específica suscetível de demonstrar, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 59 do presente acórdão, uma desvirtuação manifesta dos factos e dos elementos de prova pelo Tribunal Geral.

77      Com efeito, essa desvirtuação nem pode resultar da alegada contradição entre o n.o 85 do acórdão recorrido e certas indicações contidas na decisão controvertida, nem do facto de o Tribunal Geral ter ignorado elementos de prova apresentados pela recorrente em primeira instância ou recusado atribuir‑lhes valor probatório, ao declarar, no n.o 99 do acórdão recorrido, que esta não tinha provado que o período de reestruturação tinha terminado, de qualquer modo, menos de dez anos antes da concessão da medida em causa.

78      Assim, o quinto fundamento visa, na realidade, pôr em causa a apreciação soberana dos factos e dos elementos de prova que o Tribunal Geral efetuou nos n.os 85 e 99 do acórdão recorrido e deve, por conseguinte, ser julgado inadmissível.

 Quanto ao sexto fundamento

 Argumentos das partes

79      Com o seu sexto fundamento, a Wizz Air sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando considerou, no n.o 89 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha de verificar se o auxílio à reestruturação da Tarom, por si qualificado como auxílio existente, se tinha tornado num auxílio novo. Em seu entender, atentas as informações alarmantes de que a Comissão dispunha, relativas às perdas acumuladas da Tarom no período compreendido entre o ano de 2004 e o ano de 2019, o Tribunal Geral devia ter considerado, em conformidade com o Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Tempus Energy e Tempus Energy Technology (C‑57/19 P, EU:C:2021:663), que a Comissão era obrigada a investigar tendo em conta os elementos de informação que estavam efetivamente na sua posse. A Wizz Air alega que, além disso, as Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação impunham à Comissão uma obrigação reforçada de apresentar elementos de prova claros.

80      Daqui resulta que a apreciação do Tribunal Geral, no n.o 89 do acórdão recorrido, segundo a qual a recorrente não tinha apresentado nenhum elemento de prova ou indício que demonstrasse que as condições acordadas na fase de concessão das garantias de empréstimos concedidas no âmbito do auxílio à reestruturação da Tarom tinham sido alteradas durante o período de execução dessas garantias, estava viciada por um erro de direito.

81      Segundo a Comissão, o sexto fundamento é manifestamente improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

82      Importa salientar que os fundamentos do acórdão recorrido visados pelo sexto fundamento se inscrevem na apreciação, pelo Tribunal Geral, da argumentação da recorrente em primeira instância relativa às dúvidas que a Comissão deveria ter tido quanto ao respeito do prazo de, pelo menos, dez anos, previsto no ponto 71 das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação desde a concessão do auxílio à reestruturação da Tarom. A recorrente sustentava, mais especificamente, que este auxílio tinha sofrido alterações, nomeadamente para que as dívidas da Tarom resultantes dos pagamentos efetuados pelo Estado romeno, em aplicação das garantias de empréstimos, fossem convertidas em aumento de capital a favor deste Estado.

83      Neste contexto, o Tribunal Geral, por um lado, no n.o 88 do acórdão recorrido, declarou que a recorrente não contestava a afirmação da Comissão segundo a qual as condições de execução das garantias de empréstimos, concedidas no âmbito do referido auxílio, bem como a conversão das dívidas resultantes dos pagamentos efetuados pelo Estado romeno, em aplicação destas garantias, em aumento do capital estavam previstas em diferentes decisões e despachos proferidos entre o ano de 1997 e o ano de 2003, antes mesmo da adesão da Roménia à União.

84      Por outro lado, o Tribunal Geral, no n.o 89 do acórdão recorrido, precisou que a recorrente se limitava, a este respeito, a sustentar que a Comissão se devia ter assegurado de que a execução das garantias tinha sido efetuada nas condições inicialmente acordadas quando da sua concessão, mas que não tinha apresentado nenhum elemento de prova ou indício de que essas condições teriam sido alteradas durante o período de execução dessas diferentes garantias.

85      Ora, deste modo, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito no que respeita à repartição do ónus da prova.

86      Com efeito, como resulta da jurisprudência recordada no n.o 43 do acórdão recorrido, para o qual o Tribunal Geral remeteu no n.o 89 desse acórdão, a prova da existência de dúvidas sobre a compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno, que deve ser procurada tanto nas circunstâncias da adoção da decisão de não levantar objeções como no seu conteúdo, deve ser apresentada pelo requerente da anulação dessa decisão, a partir de um conjunto de indícios concordantes (Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Tempus Energy e Tempus Energy Technology, C‑57/19 P, EU:C:2021:663, n.o 40).

87      A este respeito, contrariamente ao que a Wizz Air parece sugerir, esta repartição do ónus da prova não pode variar em função do tipo de auxílio em causa e aplica‑se, nomeadamente, aos auxílios de emergência ou à reestruturação como a medida em causa.

88      Daqui resulta que o sexto fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao sétimo fundamento

 Argumentos das partes

89      Com o seu sétimo fundamento, a Wizz Air invoca um erro de direito, dado que o Tribunal Geral não examinou o terceiro fundamento do recurso em primeira instância, relativo à violação dos seus direitos processuais ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e à existência de dificuldades sérias que justificavam a abertura do procedimento formal de investigação.

90      A este respeito, primeiro, embora a Wizz Air tenha sustentado que as insuficiências identificadas nos primeiro e segundo fundamentos demonstravam a existência de dificuldades sérias que exigiam a abertura de um procedimento formal de investigação, o Tribunal Geral examinou esses fundamentos apenas na perspetiva da apreciação do mérito, ou seja, tendo em conta a existência de um erro manifesto de apreciação dos factos ou de um erro de direito.

91      Ora, enquanto único fundamento destinado à salvaguarda dos seus direitos processuais, o terceiro fundamento do seu recurso tinha, segundo a Wizz Air, um conteúdo autónomo em relação aos dois primeiros fundamentos do recurso, visto que o critério de exame é diferente para efeitos da demonstração da existência de dificuldades sérias, que deveria ter conduzido à abertura de um procedimento formal de investigação.

92      Segundo, o Tribunal Geral não pode presumir que, uma vez que tinha examinado os dois primeiros fundamentos do recurso, o terceiro fundamento deste estava esvaziado do seu objeto declarado. Com efeito, em todos os pontos do acórdão recorrido em que o Tribunal Geral rejeitou a existência de um erro manifesto de apreciação da Comissão, a existência de dificuldades sérias poderia, no entanto, ser demonstrada com base, nomeadamente, em omissões e lacunas no raciocínio da decisão controvertida.

93      A Comissão sustenta que o sétimo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

94      Recorde‑se que um recorrente, quando pede a anulação de uma decisão da Comissão de não levantar objeções a respeito de um auxílio de Estado, põe essencialmente em causa o facto de esta decisão ter sido adotada sem que esta instituição abra um procedimento formal de investigação, violando assim os seus direitos processuais. Para que o seu pedido de anulação proceda, o recorrente pode invocar qualquer fundamento suscetível de demonstrar que a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispôs, no âmbito da fase preliminar de análise da medida notificada, devia ter suscitado dúvidas quanto à respetiva compatibilidade com o mercado interno. A utilização destes argumentos não pode, porém, ter por consequência transformar o objeto do recurso nem alterar os seus requisitos de admissibilidade. Pelo contrário, a existência de dúvidas sobre essa compatibilidade é precisamente a prova que deve ser apresentada para demonstrar que a Comissão era obrigada a dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE e no artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9) (v., neste sentido, Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 59 e jurisprudência referida).

95      Cabe ao autor de um pedido de anulação de uma decisão de não levantar objeções demonstrar que existiam dúvidas sobre a compatibilidade da medida de auxílio com o mercado interno, pelo que a Comissão era obrigada a dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE. Essa prova deve ser procurada tanto nas circunstâncias da adoção dessa decisão como no seu conteúdo, a partir de um conjunto de indícios concordantes (v., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Tempus Energy e Tempus Energy Technology, C‑57/19 P, EU:C:2021:663, n.o 40 e jurisprudência referida).

96      O caráter insuficiente ou incompleto do exame levado a cabo pela Comissão no procedimento de investigação preliminar constitui um indício de que esta instituição foi confrontada com sérias dificuldades para apreciar a compatibilidade da medida notificada com o mercado interno, o que a deveria ter levado a dar início ao procedimento formal de investigação (v., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Tempus Energy e Tempus Energy Technology, C‑57/19 P, EU:C:2021:663, n.o 41 e jurisprudência referida).

97      No caso em apreço, há que observar, como o Tribunal Geral salientou, a título preliminar, no n.o 26 do acórdão recorrido, que o terceiro fundamento do recurso em primeira instância da Wizz Air era explicitamente relativo à violação dos seus direitos processuais ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, uma vez que a Comissão tinha sido confrontada com sérias dificuldades para apreciar a compatibilidade da medida em causa com o mercado interno.

98      Todavia, como o Tribunal Geral considerou, em substância, no n.o 28 do acórdão recorrido, a existência de tais dificuldades pode ser procurada, designadamente, nas apreciações da Comissão e pode, em princípio, ser demonstrada através dos fundamentos ou dos argumentos apresentados por um recorrente para contestar o mérito da decisão de não levantar objeções, ainda que o exame desses fundamentos ou argumentos não leve à conclusão de que as apreciações sobre o mérito feitas pela Comissão estão erradas de facto ou de direito (v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 2009, Bouygues e Bouygues Télécom/Comissão, C‑431/07 P, EU:C:2009:223, n.os 63 e 66 e jurisprudência referida).

99      A este respeito, resulta do recurso em primeira instância da Wizz Air que, em apoio do terceiro fundamento desse recurso, a recorrente remeteu, no essencial, para os primeiro e segundo fundamentos do referido recurso alegando que as insuficiências e erros identificados nestes fundamentos demonstravam a existência de dificuldades sérias que deveriam ter justificado a abertura de um procedimento formal de investigação, uma vez que estas insuficiências ou erros viciam a apreciação da Comissão tendo em conta os pontos 43 e 44 das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação e o princípio do auxílio único.

100    Ora, resulta da leitura do acórdão recorrido, nomeadamente dos seus n.os 75 e 109, que o Tribunal Geral examinou efetivamente essas alegações na perspetiva da existência de dificuldades sérias que deveriam ter levado a Comissão a ter dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno e a dar início a um procedimento formal de investigação.

101    Resulta do que precede que o sétimo fundamento deve ser julgado improcedente.

102    Uma vez que nenhum dos fundamentos invocados pela recorrente foi acolhido, há que negar integralmente provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

103    Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas.

104    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do mesmo regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisões do Tribunal Geral por força do seu 184.o, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida e tendo a Comissão pedido a sua condenação, há que condená‑la a suportar a totalidade das despesas relativas ao presente recurso.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Wizz Air Hungary Légiközlekedési Zrt. (Wizz Air Hungary Zrt.) suportará, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.