Language of document : ECLI:EU:C:2024:588

Edição provisória

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

4 de julho de 2024 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Artigo 181.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Direito institucional — Artigo 265.° TFUE — Ação por omissão — Plena aplicação das disposições do acervo de Schengen na Roménia — Obrigação de adotar uma decisão em conformidade com o artigo 4.° do Protocolo relativo às condições e regras de admissão da República da Bulgária e da Roménia à União — Recurso em parte manifestamente inadmissível e em parte manifestamente improcedente»

No processo C‑786/23 P,

que tem por objeto um recurso de um despacho do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 18 de dezembro de 2023,

Eugen Tomac, residente em Bruxelas (Bélgica), representado por R. Duta, avocat,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Conselho da União Europeia,

demandado em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, P. G. Xuereb (relator) e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: A. Calot Escobar,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por despacho fundamentado, nos termos do artigo 181.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1        Com o seu recurso, Eugen Tomac pede a anulação do Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 26 de outubro de 2023, Tomac/Conselho (T‑244/23, a seguir «despacho recorrido», EU:T:2023:685), pelo qual este negou provimento ao seu recurso interposto com base no artigo 265.° TFUE e que visava, por um lado, fazer declarar que o Conselho da União Europeia se absteve ilegalmente de realizar diligências para decidir da aplicação integral das disposições do acervo de Schengen na Roménia e, por outro, reconhecer‑lhe a qualidade de «autor privilegiado» e, por conseguinte, todos os direitos processuais inerentes a esta qualidade.

 Quadro jurídico

2        Nos termos do artigo 4.° do Ato relativo às condições de adesão da República da Bulgária e da Roménia e às adaptações dos tratados em que se funda a União Europeia (JO 2005, L 157, p. 203, a seguir «Ato de Adesão»), anexo ao Tratado entre os Estados‑Membros da União Europeia e a República da Bulgária e a Roménia relativo à adesão da República da Bulgária e da Roménia à União Europeia (JO 2005, L 157, p. 11), ao abrigo do artigo 2.°, n.° 2, deste tratado, que foi assinado em 25 de abril de 2005 e entrou em vigor em 1 de janeiro de 2007:

«1.      As disposições do acervo de Schengen integrado no âmbito da União Europeia [...] e os atos nele baseados ou de algum modo com ele relacionados, enumerados no Anexo II, bem como quaisquer outros atos adotados antes da data da adesão, vinculam a Bulgária e a Roménia e são aplicáveis nesses Estados a partir da data da adesão.

2.      As disposições do acervo de Schengen integrado no âmbito da União Europeia e os atos nele baseados ou de algum modo com ele relacionados não referidos no n.° 1, embora vinculem a Bulgária e a Roménia a partir da data da adesão, só são aplicáveis em cada um desses Estados por força de uma decisão do Conselho para o efeito, após verificação, segundo os procedimentos de avaliação de Schengen aplicáveis, do cumprimento nesse Estado das condições necessárias à aplicação de todas as partes do acervo em causa.

O Conselho toma a sua decisão, após consulta ao Parlamento Europeu, deliberando por unanimidade dos membros que representam os Governos dos Estados‐Membros relativamente aos quais as disposições referidas no presente número já tenham entrado em vigor e do representante do Governo do Estado‑Membro relativamente ao qual essas disposições devam entrar em vigor. [...]»

 Antecedentes do litígio

3        Os antecedentes do litígio foram expostos pelo Tribunal Geral nos n.os 2 a 23 do despacho recorrido e, para efeitos do presente processo, podem ser resumidos do seguinte modo.

4        O recorrente é um deputado europeu de nacionalidade romena.

5        Na sequência da sua adesão à União, em 1 de janeiro de 2007, a Roménia levou a cabo, entre 2009 e 2011, uma série de diligências no âmbito dos procedimentos de avaliação de Schengen, com o objetivo de cumprir os critérios necessários para a aplicação integral das disposições do acervo de Schengen.

6        O presidente do Conselho elaborou dois projetos de decisão do Conselho sobre a aplicação integral das disposições do acervo de Schengen na Roménia, que foram seguidas pela adoção de várias resoluções do Parlamento exprimindo o seu apoio à adesão da Roménia ao Espaço Schengen e convidando o Conselho a tomar as medidas necessárias para o efeito. Não obstante, esses dois projetos não foram objeto de votação no Conselho.

7        Em 29 de novembro de 2022, a Presidência do Conselho elaborou o Projeto n.° 15218/22 de decisão do Conselho sobre a aplicação integral das disposições do acervo de Schengen na Bulgária e na Roménia (a seguir «Projeto n.° 15218/22»), com base no artigo 4.°, n.° 2, do Ato de Adesão.

8        Na sua reunião de 8 de dezembro de 2022, a formação «Justiça e Assuntos Internos» (JAI) do Conselho reuniu‑se para deliberar sobre o Projeto n.° 15218/22 incluído no ponto 3, alínea a), da ordem do dia da reunião, que previa a possibilidade de ser solicitada uma votação para efeitos de uma eventual adoção pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros. Perante a não obtenção de unanimidade entre os representantes, esse projeto não foi adotado.

9        Por mensagem de correio eletrónico de 15 de dezembro de 2022, o recorrente perguntou à diretora‑geral da JAI do Secretariado‑Geral do Conselho se lhe poderia comunicar os resultados da votação sobre o Projeto n.° 15218/22 e a ata da reunião do Conselho de 8 de dezembro de 2022 ou o respetivo relatório.

10      Por mensagem de correio eletrónico de 16 de dezembro de 2022, a diretora‑geral da JAI do Secretariado‑Geral do Conselho respondeu ao recorrente que o Projeto n.° 15218/22 não tinha sido efetivamente adotado nessa reunião e que, por força dos artigos 8.° e 9.° do Regulamento Interno do Conselho, os resultados das votações não eram divulgados por estarem em causa deliberações sobre um ato não legislativo não acessíveis ao público. Acrescentou que a ata da referida reunião também não era divulgada.

11      Por carta de 6 de fevereiro de 2023, o recorrente enviou a um ministro, membro da formação JAI do Conselho, um convite a agir dirigido ao Conselho, com fundamento no artigo 265.°, segundo parágrafo, TFUE, a fim de decidir da aplicação integral das disposições do acervo de Schengen na Roménia, em aplicação do artigo 4.°, n.° 2, do Ato de Adesão. Em apoio deste convite a agir, invocou, designadamente, a violação dos princípios da igualdade, da não discriminação e da cooperação leal entre os Estados‑Membros. Além disso, uma vez que ficou assente que a Roménia preenchia as condições do procedimento de avaliação, a sua integração não pode ser recusada com base na oposição injustificada de um Estado‑Membro e que o Conselho deveria ignorar uma oposição manifestamente injustificada, em particular, na aceção do artigo 4.° do Ato de Adesão.

12      Por carta de 13 de abril de 2023, o diretor‑geral encarregado da Política Geral e Institucional (GIP) do Conselho respondeu ao recorrente. Recordou‑lhe a condição de unanimidade prevista no artigo 4.°, n.° 2, do Ato de Adesão, cujo cumprimento é necessário para efeitos de adoção de uma decisão na aceção deste artigo. Em seguida, referiu que o Projeto n.° 15218/22 não tinha recebido a unanimidade da votação dos representantes dos Estados‑Membros em causa nas reuniões de 8 e 9 de dezembro de 2022 e que, por este motivo, as negociações sobre a aplicação integral das disposições do acervo de Schengen na Roménia prosseguiam, para se alcançar a unanimidade exigida pelo Ato de Adesão.

 Recurso para o Tribunal Geral e despacho recorrido

13      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de maio de 2023, o recorrente interpôs, com base no artigo 265.° TFUE, uma ação por omissão contra o Conselho, destinada a declarar, por um lado, o facto de este se ter abstido ilegalmente de realizar diligências para decidir da aplicação integral das disposições do acervo de Schengen na Roménia, por força do artigo 4.°, n.° 2, do Ato de Adesão, bem como, por outro, a reconhecer‑lhe a qualidade de «autor privilegiado» e todos os direitos processuais inerentes a esta qualidade.

14      Em 26 de outubro de 2023, o Tribunal Geral, em aplicação do artigo 126.° do seu Regulamento de Processo, sem dar seguimento ao processo, negou provimento a esse recurso por ser manifestamente desprovido de fundamento jurídico.

15      No que diz respeito ao primeiro pedido, o Tribunal Geral observou, no n.° 30 do despacho recorrido, que o artigo 4.° do Ato de Adesão não fixava nenhum prazo no termo do qual a decisão do Conselho a que se refere este artigo deva ser tomada ou se deva considerar tomada.

16      Por outro lado, o Tribunal Geral salientou, no n.° 31 desse despacho, que resultava especialmente da votação prevista no artigo 4.° do Ato de Adesão, bem como da condição de unanimidade estabelecida por este artigo, que os representantes dos Governos dos Estados‑Membros em causa não são obrigados a adotar em todas as circunstâncias uma decisão na aceção dessa disposição, mas que, a este título, dispõem, pelo contrário, de um poder de apreciação discricionário que exclui o direito de os particulares lhes exigirem, e, nessa medida, ao Conselho, que tomem uma posição num determinado sentido quando das deliberações sobre um projeto de decisão.

17      Assim, o Tribunal Geral sublinhou, no n.° 32 do referido despacho, que o diretor‑geral encarregado da GIP do Conselho comunicou, com razão, que não podia licitamente ignorar que não houve unanimidade entre os representantes dos Estados‑Membros em causa, sob pena de violar os requisitos estabelecidos no artigo 4.°, n.° 2, do Ato de Adesão.

18      O Tribunal Geral concluiu, no n.° 33 do mesmo despacho, que, quando o recorrente dirigiu o convite a agir ao Conselho, não impendia sobre esta instituição nenhuma obrigação de adotar uma decisão ao abrigo do artigo 4.° do Ato de Adesão, mas pelo contrário, cabia ao Conselho agir no respeito do requisito de unanimidade expressamente previsto neste artigo.

19      Nos n.os 34 e 35 do despacho recorrido, o Tribunal Geral acrescentou que o Conselho não se absteve, no âmbito das suas competências, de agir no sentido de realizar, antes da propositura da ação, todas as diligências necessárias à adoção de uma decisão na aceção do artigo 4.° do Ato de Adesão, à luz da elaboração pelo presidente do Conselho de três projetos de decisão que visavam a aplicação integral das disposições do acervo de Schengen na Bulgária e na Roménia. Por conseguinte, o Conselho não se absteve ilegalmente de decidir na aceção do artigo 265.° TFUE.

20      No que diz respeito ao segundo pedido, o Tribunal Geral recordou, no n.° 37 do despacho recorrido, que, segundo o artigo 263.°, segundo parágrafo, TFUE, a qualidade de «autor privilegiado» é reconhecida de forma limitada aos Estados‑Membros, ao Parlamento, ao Conselho ou à Comissão Europeia e declarou assim que esta qualidade não podia ser concedida ao recorrente.

 Pedidos do recorrente e tramitação processual no Tribunal de Justiça

21      Com o seu recurso interposto em 18 de dezembro de 2023, o recorrente pede ao Tribunal de Justiça, essencialmente, que anule o despacho recorrido e devolva o processo a outra formação do Tribunal Geral para que este decida do pedido e, a título subsidiário, altere esse despacho.

 Quanto ao recurso

22      Nos termos do artigo 181.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, quando o recurso for, no todo ou em parte, manifestamente inadmissível ou manifestamente improcedente, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, sob proposta do juiz‑relator e ouvido o advogado‑geral, negar total ou parcialmente provimento a esse recurso em despacho fundamentado.

23      Há que aplicar esta disposição no presente processo.

24      O recorrente invoca dois fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, a um erro de direito na interpretação do prazo relativo à adoção de uma decisão por força do artigo 4.°, n.° 2, do Ato de Adesão e, o segundo, à violação, pelo Tribunal Geral, de certos princípios gerais de direito, como os princípios da segurança jurídica, da livre circulação de pessoas e de mercadorias, da não discriminação e da igualdade de tratamento, de «entreajuda» e de «fraternidade», bem como de cooperação leal entre os Estados‑Membros, e de um erro manifesto de apreciação.

 Quanto ao primeiro fundamento

25      No que respeita ao primeiro fundamento de recurso, relativo ao facto de que a obrigação de adotar uma decisão por força do artigo 4.°, n.° 2, do Ato de Adesão num prazo razoável decorre do artigo 3.°, n.os 2 e 3, TUE, bem como do artigo 4.°, n.° 2, TUE, há que referir que estas disposições não preveem nenhuma obrigação desta natureza relativamente ao Conselho e que, além disso, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito, no n.° 30 do despacho recorrido, ao declarar que o artigo 4.° do Ato de Adesão não previa um prazo no termo do qual a decisão do Conselho a que se refere este artigo deva ser tomada ou se deva considerar tomada.

26      Por conseguinte, o primeiro fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento

27      No que se refere ao segundo fundamento de recurso, o recorrente começa por sustentar que a não adoção de uma decisão, na aceção do artigo 4.°, n.° 2, do Ato de Adesão, viola certos princípios gerais de direito, como os apresentados no n.° 24 do presente despacho.

28      A este respeito, há que recordar que resulta do artigo 256.°, n.° 1, segundo parágrafo, TFUE, do artigo 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, do artigo 168.°, n.° 1, alínea d), e do artigo 169.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que um recurso de uma decisão do Tribunal Geral deve indicar de modo preciso os números dos elementos criticados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos que sustentam especificamente esse pedido, sob pena de inadmissibilidade do recurso ou do fundamento em causa (Acórdão de 10 de setembro de 2020, Hamas/Conselho, C‑386/19 P, EU:C:2020:691, n.° 31 e jurisprudência referida).

29      Ora, há que constatar, por um lado, que o recorrente não identifica os números dos elementos criticados do despacho recorrido no que se refere aos princípios mencionados no n.° 24 do presente despacho e, por outro, que não invoca nenhuma argumentação suscetível de pôr em causa o raciocínio do Tribunal Geral no n.° 33 do despacho recorrido, segundo o qual, quando o recorrente dirigiu o convite a agir ao Conselho, não impendia sobre esta instituição nenhuma obrigação de adotar uma decisão ao abrigo do artigo 4.° do Ato de Adesão, sob pena de violar designadamente a condição de unanimidade prevista neste artigo.

30      Por outro lado, quanto a um alegado tratamento discriminatório da Roménia em relação à República da Croácia, há que observar que o recorrente não explica em que medida tal diferença de tratamento, admitindo‑se demonstrada, terá tido influência na adoção da decisão, na aceção do artigo 4.°, n.° 2, do Ato de Adesão.

31      Por último, uma vez que o recorrente acusa, no essencial, o Tribunal Geral de não ter declarado que incumbia ao Conselho ignorar a condição de unanimidade ao decidirem pela maioria qualificada nos termos do artigo 31.°, n.° 2, primeiro travessão, TUE, há que declarar que esta disposição faz parte do capítulo 2 do título V do TUE que contém disposições específicas relativas à Política Externa e de Segurança Comum e, consequentemente, não é relevante para a interpretação do artigo 4.°, n.° 2, do Ato de Adesão.

32      Por conseguinte, o segundo fundamento de recurso também deve ser julgado improcedente.

33      Resulta do exposto que há que negar provimento ao presente recurso na totalidade por ser, em parte, manifestamente inadmissível e, em parte, manifestamente improcedente.

 Quanto às despesas

34      Nos termos do artigo 137.° do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.°, n.° 1, deste regulamento, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas no despacho que ponha termo à instância.

35      No caso em apreço, tendo o presente despacho sido proferido antes de o recurso ter sido notificado à outra parte no processo e, por conseguinte, antes de esta ter podido efetuar despesas, há que decidir que o recorrente suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso por ser, em parte, manifestamente inadmissível e, em parte, manifestamente improcedente.

2)      Eugen Tomac suporta as suas próprias despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.