Language of document : ECLI:EU:T:2006:190

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

6 de Julho de 2006 (*)

«Acesso aos documentos – Regulamento (CE) n.° 1049/2001 – Inquéritos do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) – Eurostat – Recusa de acesso – Actividades de inspecção e de inquérito – Processos judiciais − Direitos de defesa»

Nos processos apensos T‑391/03 e T‑70/04,

Yves Franchet e Daniel Byk, funcionários da Comissão das Comunidades Europeias, residentes no Luxemburgo (Luxemburgo), representados por G. Vandersanden e L. Levi, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por D. Maidani, J.‑F. Pasquier e P. Aalto, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que têm por objecto um pedido de anulação das decisões do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) e da Comissão que recusam aos recorrentes o acesso a certos documentos relativos a um inquérito respeitante ao Eurostat,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: M. Jaeger, presidente, V. Tiili e O. Czúcz, juízes,

secretário: I. Natsinas, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 15 de Setembro de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        Nos termos do artigo 255.° CE:

«1. Todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou colectivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, sob reserva dos princípios e condições a definir nos termos dos n.os 2 e 3.

2. Os princípios gerais e os limites que, por razões de interesse público ou privado, hão‑de reger o exercício do direito de acesso aos documentos serão definidos pelo Conselho, deliberando nos termos do artigo 251.°, no prazo de dois anos a contar da data da entrada em vigor do Tratado de Amesterdão.

[…]»

2        O Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43), define os princípios, as condições e os limites do direito de acesso aos documentos dessas instituições previsto no artigo 255.° CE. Este regulamento é aplicável desde 3 de Dezembro de 2001.

3        O artigo 2.°, n.os 1 e 3, do Regulamento n.° 1049/2001 dispõe:

«1. Todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou colectivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos das instituições, sob reserva dos princípios, condições e limites estabelecidos no presente regulamento.

[…]

3. O presente regulamento é aplicável a todos os documentos na posse de uma instituição, ou seja, aos documentos por ela elaborados ou recebidos que se encontrem na sua posse, em todos os domínios de actividade da União Europeia.»

4        Segundo o artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, relativo às excepções ao direito de acesso antes referido:

«[…]

2. As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a protecção de:

[…]

–      processos judiciais e consultas jurídicas,

–      objectivos de actividades de inspecção, inquérito e auditoria,

excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

[…]

6. Quando só algumas partes do documento pedido forem abrangidas por qualquer das excepções, as restantes partes do documento serão divulgadas.

[…]»

5        O artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1049/2001 prevê que «[…] [o] requerente não é obrigado a declarar as razões do pedido».

6        Segundo o artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1049/2001:

«Os pedidos confirmativos devem ser prontamente tratados. No prazo de 15 dias úteis a contar da data de registo do pedido, a instituição concederá acesso ao documento solicitado e facultará, dentro do mesmo prazo, o acesso ao mesmo nos termos do artigo 10.° ou, mediante resposta por escrito, indicará os motivos pelos quais recusa total ou parcialmente o acesso. No caso de a instituição recusar total ou parcialmente o acesso, deve informar o requerente das vias de recurso possíveis, ou seja, a interposição de recurso judicial contra a instituição e/ou a apresentação de queixa ao Provedor de Justiça Europeu, nos termos previstos, respectivamente, nos artigos 230.° e 195.° do Tratado CE.»

7        A Decisão 2001/937/CE, CECA, Euratom da Comissão, de 5 de Dezembro de 2001, que altera o seu regulamento interno (JO L 345, p. 94), revogou a Decisão 94/90/CECA, CE, Euratom da Comissão, de 8 de Fevereiro de 1994, relativa ao acesso do público aos documentos da Comissão (JO L 46, p. 58), que assegurava a aplicação, no que respeita à Comissão, do código de conduta em matéria de acesso do público aos documentos do Conselho e da Comissão (JO 1993, L 340, p. 41, a seguir «código de conduta»), aprovado pelo Conselho e pela Comissão em 6 de Dezembro de 1993.

8        O artigo 3.° do anexo da Decisão 2001/937 prevê:

«Processamento dos pedidos iniciais

[…]

O requerente é informado do seguimento dado ao seu pedido quer pelo director‑geral ou pelo chefe de serviço a que se destina o pedido, quer por um director designado para o efeito no âmbito do Secretariado‑Geral ou por um director designado no âmbito do OLAF [Organismo Europeu de Luta Antifraude], no caso de pedidos que incidam sobre documentos relativos às actividades do OLAF previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 2.° da Decisão 1999/352/CE, CECA, Euratom da Comissão, que institui o OLAF, ou ainda pelo funcionário que for designado para esse efeito.

Qualquer resposta, mesmo parcialmente negativa, deve informar o requerente do seu direito de apresentar, no prazo de quinze dias úteis após a recepção da resposta, um pedido confirmativo ao secretário‑geral da Comissão ou ao director do OLAF, quando o pedido confirmativo disser respeito a documentos relativos às actividades do OLAF previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 2.° da Decisão 1999/352/CE, CECA, Euratom.»

9        Além disso, no que respeita ao processamento dos pedidos confirmativos, o artigo 4.° do anexo da Decisão 2001/937 dispõe:

«Nos termos do artigo 14.° do regulamento interno da Comissão, o poder de decisão relativamente aos pedidos confirmativos é delegado no secretário‑geral. No entanto, quando o pedido confirmativo disser respeito a documentos relativos às actividades do OLAF previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 2.° da Decisão 1999/352/CE, CECA, Euratom, o poder de decisão é delegado no director do OLAF.

A direcção‑geral ou o serviço assiste o Secretariado‑Geral na preparação da decisão.

A decisão é tomada pelo secretário‑geral ou pelo director do OLAF após acordo do Serviço Jurídico.

A decisão é comunicada ao requerente por escrito, eventualmente por via electrónica, informando‑o do seu direito de interpor recurso para o Tribunal de Primeira Instância ou de apresentar queixa ao Provedor de Justiça Europeu.»

10      Nos termos do artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999, relativo aos inquéritos efectuados [pelo Organismo] Europeu de Luta Antifraude (OLAF) (JO L 136, p. 1):

«Confidencialidade e protecção de dados

[…]

2. As informações comunicadas ou obtidas no âmbito dos inquéritos internos, seja qual for a sua forma, ficam abrangidas pelo segredo profissional e beneficiam da protecção concedida pelas disposições aplicáveis às instituições das Comunidades Europeias.

Essas informações não podem ser comunicadas a outras pessoas além daquelas que, nas instituições das Comunidades Europeias ou nos Estados‑Membros, devam conhecê‑las em razão das suas funções, nem ser utilizadas para outros fins que não sejam os de assegurar a luta contra a fraude, contra a corrupção e contra qualquer outra actividade ilegal.»

11      O artigo 9.° do Regulamento n.° 1073/1999 dispõe:

«Relatório de inquérito e sequência dos inquéritos

1. No termo de qualquer inquérito realizado [pelo OLAF], [o organismo] elaborará, sob a autoridade do director, um relatório que incluirá nomeadamente os factos verificados, o prejuízo financeiro, se for caso disso, e as conclusões do inquérito, incluindo as recomendações do director [do OLAF] sobre o seguimento a dar ao mesmo.

2. Os relatórios serão elaborados tendo em conta os requisitos processuais exigidos pela legislação nacional do Estado‑Membro em causa. Os relatórios assim estabelecidos constituirão, nas mesmas condições e com o mesmo valor que os relatórios administrativos elaborados pelos inspectores administrativos nacionais, elementos de prova admissíveis nos processos administrativos ou judiciais do Estado‑Membro em que a sua utilização se revele necessária. Ficarão sujeitos às mesmas regras de apreciação que as aplicáveis aos relatórios administrativos elaborados pelos inspectores administrativos nacionais e terão idêntico valor.

3. Os relatórios elaborados na sequência dos inquéritos externos e todos os respectivos documentos úteis serão transmitidos às autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa, em conformidade com a regulamentação relativa aos inquéritos externos.

4. Os relatórios elaborados na sequência dos inquéritos internos e todos os respectivos documentos úteis serão enviados à instituição, órgão ou organismo em causa. As instituições, órgãos e organismos darão aos inquéritos internos o seguimento, designadamente a nível disciplinar e judicial, requerido pelos respectivos resultados e informarão o director [do OLAF], num prazo por este estabelecido nas conclusões do seu relatório, do seguimento dado ao inquérito.»

12      Nos termos do artigo 10.° do Regulamento n.° 1073/1999:

«Transmissão de informações [pelo OLAF]

1. Sem prejuízo do disposto nos artigos 8.°, 9.° e 11.° do presente regulamento e das disposições contidas no Regulamento (Euratom, CE) n.° 2185/96, [o OLAF] poderá transmitir a qualquer momento às autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa informações obtidas durante os inquéritos externos.

2. Sem prejuízo do disposto nos artigos 8.°, 9.° e 11.° do presente regulamento, o director [do OLAF] transmitirá às autoridades judiciárias do Estado‑Membro em causa as informações colhidas [pelo OLAF], aquando de inquéritos internos, sobre factos susceptíveis de processo penal. Sob reserva das necessidades do inquérito, informará simultaneamente o Estado‑Membro em causa.

3. Sem prejuízo do disposto nos artigos 8.° e 9.° do presente regulamento, [o OLAF] poderá transmitir a qualquer momento à instituição, órgão ou organismo em causa informações obtidas durante inquéritos internos.»

 Factos que deram origem ao litígio

13      Os recorrentes, Yves Franchet e Daniel Byk, são, respectivamente, o antigo director‑geral e o antigo director do Eurostat (Serviço de Estatística das Comunidades Europeias).

14      Várias auditorias internas do Eurostat puseram em evidência eventuais irregularidades na sua gestão financeira. Consequentemente, o OLAF instaurou vários inquéritos respeitantes, nomeadamente, aos contratos celebrados pelo Eurostat com as sociedades Eurocost, Eurogramme e Datashop – Planistat e às subvenções que lhes foram concedidas.

15      Em 4 de Julho de 2002, o OLAF enviou às autoridades judiciárias luxemburguesas, em conformidade com o disposto no artigo 10.° do Regulamento n.° 1073/1999, um processo relativo ao inquérito interno respeitante à Eurocost em que Y. Franchet era posto em causa, bem como um outro processo relativo ao inquérito externo respeitante à Eurogramme. Em 19 de Março de 2003, o OLAF enviou igualmente às autoridades judiciárias francesas um processo relativo ao assunto Datashop – Planistat em que os dois recorrentes eram postos em causa.

16      Em 21 de Maio de 2003, os recorrentes, a seu pedido, foram objecto de uma mutação.

17      Em 11 de Junho de 2003, a Comissão mandatou o serviço de auditoria interno (SAI) para examinar contratos celebrados e subvenções concedidas pelo Eurostat no contexto do seguimento do procedimento de quitação. O SAI elaborou três relatórios, o primeiro em 7 de Julho, o segundo em 24 de Setembro e o terceiro (a seguir «relatório final do SAI») em 22 de Outubro de 2003.

18      Em 9 de Julho de 2003, a Comissão decidiu instaurar um procedimento disciplinar aos recorrentes. Esse procedimento foi imediatamente suspenso devido ao facto de o inquérito do OLAF estar ainda em curso. A Comissão pôs igualmente em funcionamento uma task force multidisciplinar.

19      Por requerimento de 25 de Julho de 2003, os recorrentes pediram, invocando um princípio geral de transparência e um direito fundamental de acesso aos documentos, consagrado no artigo 42.° da Carta dos direitos fundamentais da União Europeia proclamada em 7 de Dezembro de 2000 em Nice (JO 2000, C 364, p. 1), bem como as disposições do Regulamento n.° 1049/2001 e a Decisão 2001/937, o acesso aos seguintes documentos:

«–      o ou os ofícios enviados pelo OLAF às autoridades judiciárias luxemburguesas relativos aos processos Eurocost e Eurogramme com os seus anexos e a lista desses anexos;

–      os ofícios enviados pelo OLAF às autoridades judiciárias francesas no processo Datashop‑Planistat com os seus anexos e a lista desses anexos. Está sobretudo em causa um ofício datado, provavelmente, de 19 de Março de 2003 (n.° 003441) com […] referência CMS n.° IO/2002/510 ‑ Eurostat/Datashop/Planistat;

–      a comunicação que o OLAF transmitiu à Comissão e referenciada num comunicado de imprensa com data de 19 de Maio de 2003 (IP/03/[709]);

–      Todas as outras comunicações do OLAF à Comissão».

20      O acesso foi recusado por ofício do OLAF de 18 de Agosto de 2003 (a seguir «decisão de 18 de Agosto de 2003»). Nos termos desse ofício:

«[…]

As excepções que se aplicam aos documentos que V. Ex.a pediu no primeiro e segundo requerimentos são as relativas à protecção dos processos judiciais e dos objectivos de actividades de inspecção, de inquérito e de auditoria. Os ofícios solicitados nos dois requerimentos são uma parte essencial do processo enviado pelo OLAF às autoridades judiciárias dos Estados‑Membros para os processos judiciais nacionais e dizem respeito a matérias ainda sob inquérito. Assim, estão protegidas pelas excepções supramencionadas.

No que respeita ao terceiro requerimento, a comunicação à qual é pedido acesso foi feita pelo OLAF à Comissão com base no artigo 10.°, [n.°] 3, do Regulamento [n.°] 1073/1999, de 25 de Maio de 1999, que permite ao OLAF, no quadro da sua missão de inquérito, informar a instituição. Como se trata de um documento enviado pelo OLAF no quadro do seu inquérito, está coberto pela excepção relativa à protecção dos objectivos das actividades de inspecção, inquérito e auditoria.

No que respeita ao quarto requerimento, o pedido de V. Ex.a carece de precisões. Infelizmente, não conseguimos identificar o ou os documentos em questão. Ficaria reconhecido, portanto, a V. Ex.a que envidasse esforços no sentido de fornecer informações complementares para precisar o seu pedido inicial.

[…]»

21      Em 8 de Setembro de 2003, os recorrentes apresentaram um pedido confirmativo.

22      O pedido confirmativo dos recorrentes foi indeferido por ofício de 1 de Outubro de 2003 do OLAF (a seguir «primeira decisão impugnada»). Aí se expõe o seguinte:

«[…]

Após exame aprofundado do requerimento de V. Ex.a e da resposta inicial que lhe foi transmitida pelo OLAF, confirmo pela presente que o OLAF não lhe pode comunicar nesta fase os documentos solicitados.

1. V. Ex.a afirma que os documentos identificados no quadro do primeiro e segundo requerimento foram, irregularmente, tornados públicos. Com efeito, esses documentos nunca foram legalmente tornados públicos.

V. Ex.a afirma que ‘Y. Franchet e D. Byk são directamente postos em causa nesses processos e, portanto, interessados em primeira linha em ter acesso a esses documentos’. O direito do público de aceder aos documentos com base no Regulamento [n.°] 1049/2001 deve distinguir‑se do direito de acesso ao processo por uma pessoa afectada. O primeiro é um direito garantido a qualquer pessoa singular ou colectiva e aplica‑se a todos os documentos conservados por uma instituição. Esta regulamentação não exige que o requerente faça prova de interesse para ser autorizado a aceder aos documentos. O acesso aos documentos deve ser autorizado salvo se estiverem cobertos por uma das excepções enumeradas no [artigo] 4.° do regulamento. No presente caso, o OLAF é de opinião, pelas razões a seguir expostas, que nenhum dos documentos objecto do pedido de acesso de V. Ex.a pode ser divulgado por força do Regulamento [n.°] 1049/2001.

Em contrapartida, uma pessoa afectada por processos judiciais nacionais e/ou disciplinares comunitários tem o direito de aceder ao processo que lhe diz respeito em conformidade com a regulamentação adequada.

Na medida em que inquéritos judiciais estão em curso em França e no Luxemburgo, o acesso ao processo rege‑se pelas regras de processos aplicáveis nesses dois países. É possível a V. Ex.a abordar as autoridades francesas e/ou luxemburguesas competentes, a fim de lhes pedir o direito de aceder ao processo que lhes foi enviado. Cabe‑lhes decidir quanto a isso, e o OLAF não levantará objecção à sua decisão.

V. Ex.a afirma que existe um interesse público superior para a colocação à disposição de D. Byk e Y. Franchet dos documentos relativos aos primeiros e segundo pedidos. No entanto, consideramos os direitos de defesa de Y. Franchet e D. Byk como interesses privados e não como interesses públicos superiores. Como se indicou, terão o direito de aceder à totalidade do processo em tempo útil no quadro dos eventuais procedimentos disciplinares ou judiciais.

2. Afirma V. Ex.a que é inexacto sustentar que qualquer documento enviado pelo OLAF no quadro de um inquérito ficará ipso facto abrangido pela excepção relativa à protecção dos objectivos de actividades de instrução, inquérito e auditoria prevista pelo [artigo] 4.° do regulamento. Contudo, não foi isso que o OLAF sustentou.

Com efeito, invocámos essa excepção relativamente aos documentos específicos que V. Ex.a pediu, mais precisamente: os ofícios enviados às autoridades francesas e luxemburguesas e à Comissão. Esses ofícios dirigidos às autoridades judiciárias nacionais contêm um resumo dos resultados de inquéritos do OLAF. Se o OLAF disponibilizasse esses ofícios, iria prejudicar os processos judiciais nacionais na medida em que fazem parte integrante dos processos judiciais e não podem, por isso, ser comunicados antes de os processos nacionais o preverem.

A comunicação à Comissão contém igualmente um resumo dos resultados de inquérito que o OLAF julgou importantes para a Comissão, a fim de esta poder tomar todas as medidas necessárias para a protecção dos seus interesses. Por conseguinte, as razões pelas quais o OLAF recusou a divulgação dos documentos são específicas aos documentos pedidos e não constituem uma argumentação geral, como V. Ex.a sugeriu.

3. No que respeita ao quarto requerimento, identificámos 35 comunicações do OLAF ao secretário‑geral da Comissão relativas aos inquéritos respeitantes ao Eurostat, transmitidas entre 23 de Setembro de 1999 e 25 de Setembro de 2003. Todas essas comunicações contêm resultados de inquérito cuja divulgação prejudicaria os processos judiciais em curso em França e no Luxemburgo. Estão, por conseguinte, abrangidas pela excepção relativa às actividades de inspecção, inquérito e auditoria bem como pela excepção relativa aos processos judiciais.

[…]»

23      O relatório final respeitante à Eurogramme foi elaborado em Julho de 2002.

24      Em 25 de Setembro de 2003, o OLAF elaborou os relatórios finais de inquérito, na acepção do artigo 9.° do Regulamento n.° 1073/1999, nos processos Eurocost e Datashop – Planistat. Em 10 de Outubro de 2003, os recorrentes receberam cópia desses relatórios. Na mesma data, receberam, além disso, cópia do relatório intercalar do SAI de 7 de Julho de 2003, mas sem os seus anexos.

25      Por carta de 21 de Outubro de 2003, os recorrentes apresentaram novo pedido de acesso aos diferentes documentos, nomeadamente, ao relatório final SAI. Em 29 de Outubro de 2003, fizeram um pedido complementar que visava os anexos do relatório do SAI de 7 de Julho de 2003, relatório que lhes foi comunicado por ofício de 10 de Outubro de 2003.

26      Não tendo estes pedidos obtido resposta, os recorrentes apresentaram um pedido confirmativo em 2 de Dezembro de 2003.

27      Esse pedido confirmativo foi indeferido por decisão da Comissão de 19 de Dezembro de 2003 (a seguir «segunda decisão impugnada»). O indeferimento está fundamentado da seguinte forma:

«[…]

Lamento ter de informar V. Ex.a de que esses documentos não lhe podem ser comunicados. A sua divulgação prejudicaria, com efeito, o objectivo desse inquérito pois perturbaria a concretização das acções necessárias para lhe dar o seguimento adequado. Por isso, em conformidade com as disposições do artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento […] n.° 1049/2001, deve recusar‑se o acesso a esses documentos. Atenta a sensibilidade da matéria e a estrutura dos documentos, torna‑se impossível um acesso parcial, previsto no artigo 4.°, n.° 6, do referido regulamento. Por outro lado, não disponho de qualquer elemento que me permita concluir que, nesse caso concreto, o interesse público da divulgação das informações contidas nos documentos pedidos prime sobre a necessidade de proteger o objectivo do inquérito.

[…]»

 Tramitação processual

28      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 27 de Novembro de 2003, os recorrentes interpuseram o recurso T‑391/03 da decisão de 18 de Agosto de 2003 e da primeira decisão impugnada.

29      Por requerimento separado apresentado no mesmo dia, pediram que esse recurso fosse apreciado seguindo uma tramitação acelerada, em conformidade com o disposto no artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

30      A Quarta Secção do Tribunal de Primeira Instância, à qual foi atribuído então o processo, indeferiu o pedido de tramitação acelerada por decisão de 17 de Dezembro de 2003, notificada aos recorrentes em 22 de Dezembro de 2003.

31      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Fevereiro de 2004, os recorrentes interpuseram o recurso T‑70/04 da decisão tácita da Comissão de indeferimento dos seus pedidos de acesso a diferentes documentos apresentados em 21 e 29 de Outubro de 2003 bem como da segunda decisão impugnada.

32      Tendo a composição das secções do Tribunal de Primeira Instância sido modificada a partir do novo ano judicial, o juiz‑relator foi afectado à Terceira Secção, à qual o presente processo foi, por conseguinte, atribuído.

33      Por despacho do presidente da Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Julho de 2005, os processos T‑391/03 e T‑70/04 foram apensados para efeitos da fase oral e do acórdão, em conformidade com o disposto no artigo 50.° do Regulamento de Processo.

34      Com base em relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) decidiu abrir a fase oral do processo e, no quadro das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, colocou por escrito várias questões aos recorrentes e à Comissão. As partes aquiesceram nos prazos estabelecidos.

35      As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às questões que o Tribunal lhes colocou na audiência de 15 de Setembro de 2005.

36      Por despacho de 26 de Setembro de 2005, nos termos do disposto no artigo 65.°, alínea b), no artigo 66.°, n.° 1, e no artigo 67.°, n.° 3, terceiro parágrafo, do Regulamento de Processo, o Tribunal ordenou à recorrida que apresentasse os documentos controvertidos, prevendo contudo que esses documentos não seriam comunicados aos recorrentes no âmbito do presente processo. Esse pedido foi satisfeito.

37      A fase oral do processo terminou por decisão do presidente da Terceira Secção de 8 de Novembro de 2005.

 Pedidos das partes

38      No quadro do recurso T‑391/03, os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão de 18 de Agosto de 2003 bem como a primeira decisão impugnada;

–      condenar a Comissão na totalidade das despesas.

39      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        declarar os pedidos do recurso inadmissíveis na medida em que visam a anulação da decisão de 18 de Agosto de 2003;

–        negar provimento aos pedidos de anulação da primeira decisão impugnada;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

40      No quadro do recurso T‑70/04, os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão tácita da Comissão de indeferimento dos seus pedidos de acesso a diferentes documentos apresentados em 21 e 29 de Outubro de 2003 bem como a segunda decisão impugnada;

–        condenar a Comissão na totalidade das despesas.

41      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        declarar os pedidos do recurso inadmissíveis na medida em que visam a anulação da decisão tácita de indeferimento;

–        negar provimento aos pedidos apresentados de anulação da segunda decisão impugnada;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

 Argumentos das partes

42      No quadro do recurso T‑391/03, a Comissão considera que a decisão de 18 de Agosto de 2003 não é um acto definitivo e não pode, por isso, ser objecto de recurso de anulação.

43      Quanto ao recurso T‑70/04, a Comissão sustenta que o recurso interposto da decisão tácita de indeferimento dos pedidos de 21 e 29 de Outubro de 2003 é inadmissível, dado que não se trata de um acto definitivo.

44      Os recorrentes consideram que, à semelhança do procedimento pré‑contencioso da função pública, poderá considerar‑se que a fundamentação da primeira decisão impugnada completa a fundamentação da decisão de 18 de Agosto de 2003 e que esta constitui o acto impugnável. O mesmo argumento se aplicará ao acto tácito de indeferimento dos pedidos de 21 e 29 de Outubro de 2003.

45      Todavia, interrogados sobre esta questão pelo Tribunal na audiência, os recorrentes remeteram‑se ao entendimento do Tribunal.

 Apreciação do Tribunal

46      É de jurisprudência constante que só as medidas que produzem efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os interesses de um recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, constituem actos susceptíveis de ser objecto de um recurso de anulação na acepção do artigo 230.° CE. Quando se trate de actos ou de decisões cuja elaboração se efectua em várias fases, nomeadamente no termo de um processo interno, só constituem, em princípio, actos susceptíveis de serem objecto de um recurso de anulação as medidas que fixam definitivamente a posição da instituição no termo desse processo, com exclusão das medidas intermédias cujo objectivo é preparar a decisão final (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 10, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Maio de 1996, AITEC/Comissão, T‑277/94, Colect., p. II‑351, n.° 51).

47      Resulta claramente da aplicação conjugada dos artigos 3.° e 4.° do anexo da Decisão 2001/937 bem como do artigo 8.° do Regulamento n.° 1049/2001 que a resposta ao pedido inicial constitui apenas uma primeira tomada de posição, que confere aos recorrentes a possibilidade de convidar o secretário‑geral da Comissão ou o director do OLAF a reexaminar a posição em causa.

48      Por conseguinte, apenas a medida adoptada pelo secretário‑geral da Comissão ou pelo director do OLAF, uma vez que tem a natureza de uma decisão e substitui na íntegra a tomada de posição antecedente, é susceptível de produzir efeitos jurídicos que podem afectar os interesses dos recorrentes, e, consequentemente, ser objecto de recurso de anulação com base no artigo 230.° CE (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Outubro de 2003, Co‑Frutta/Comissão, T‑47/01, Colect., p. II‑4441, n.° 31).

49      Assim, o recurso T‑391/03, na parte em que diz respeito à decisão de 18 de Agosto de 2003, e o recurso T‑70/04, na parte em que diz respeito à decisão tácita de indeferimento dos pedidos dos recorrentes de 21 e 29 de Outubro de 2003, são inadmissíveis.

 Quanto ao mérito

 Argumentos das partes

50      Em apoio dos seus recursos, os recorrentes invocam um fundamento único relativo à violação dos artigos 2.° e 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, à violação do «direito fundamental de acesso aos documentos», a um erro manifesto de apreciação, à violação do princípio da proporcionalidade bem como ao carácter erróneo e contraditório da fundamentação das decisões impugnadas.

51      Alegam que o OLAF interpretou extensivamente as excepções ao direito de acesso aos documentos, que visam a protecção de processos judiciais e dos objectivos das actividades de inspecção, inquérito e auditoria. Lembram que as excepções ao direito de acesso aos documentos devem ser interpretadas restritivamente, de forma a não pôr em causa a aplicação do princípio geral que consiste em conferir ao público o mais amplo acesso possível aos documentos.

52      Os recorrentes consideram que a interpretação da Comissão conduz a um resultado em que os documentos que relevam das actividades do OLAF estariam, por natureza, excluídos do direito de acesso. Ora, esta abordagem viola a interpretação restritiva de que devem ser objecto as excepções, sobretudo quando se trate de excepções a um direito fundamental.

53      A esse propósito, os recorrentes sustentam que a Comissão não teve razão ao considerar que o OLAF beneficiava de um regime particular, ou mesmo derrogatório das regras respeitantes ao acesso aos documentos. Esta derrogação não encontrava justificação nem no Regulamento n.° 1049/2001 nem na regulamentação orgânica do OLAF. Os recorrentes consideram que nem a exigência de confidencialidade dos inquéritos nem a independência do OLAF pode conduzir a que todo o pedido de acesso aos documentos seja recusado.

54      No que respeita à excepção relativa à protecção dos processos judiciais, os recorrentes consideram, referindo‑se ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Dezembro de 1999, Interporc/Comissão (T‑92/98, Colect., p. II‑3521, a seguir «acórdão Interporc II»), que essa excepção não se aplica no presente processo. Com efeito, essa excepção diz respeito somente a documentos elaborados na pendência de um processo judicial. Ora, as comunicações do OLAF apenas se destinam a informar as autoridades judiciárias ou as instituições de factos susceptíveis de dar origem a procedimentos penais ou disciplinares. Assim, surgem fora dos processos judiciais em curso. A este propósito, os recorrentes lembram que o OLAF é um serviço administrativo da Comissão que constitui processos administrativos e elabora relatórios administrativos. São as instituições e as autoridades nacionais que dão aos inquéritos o seguimento, nomeadamente disciplinar e judicial, que os seus resultados reclamam.

55      Os recorrentes alegam que o OLAF também não pode fugir às obrigações da regulamentação relativa ao direito de acesso do público aos documentos, considerando que o acesso aos seus documentos deve ser apreciado segundo as regras nacionais ou as que integram o procedimento disciplinar.

56      No que respeita aos documentos que o OLAF transmitiu às autoridades francesas e luxemburguesas, os recorrentes consideram igualmente que o OLAF cometeu, por uma dupla razão, um erro manifesto de apreciação ao desrespeitar a sua obrigação de consultar as autoridades nacionais sobre a questão de saber se se opunham à divulgação dos documentos em questão. Baseando‑se no acórdão Interporc II e no acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2000, Países Baixos e van der Wal/Comissão (C‑174/98 P e C‑189/98 P, Colect., p. I‑1, a seguir «acórdão van der Wal»), consideram que a Comissão deveria ter questionado as autoridades judiciárias nacionais cuja intervenção tinha solicitado para apreciar não apenas se essa divulgação era prejudicial mas também se constituía uma infracção ao direito nacional.

57      No que respeita aos documentos que o OLAF transmitiu à Comissão, os recorrentes consideram que a recusa de acesso a esses documentos também não se justificava. Observam que não cabia ao OLAF apreciar os interesses da Comissão e o seu grau de protecção eventual, mas somente interrogar a Comissão sobre esse aspecto, como se indica no acórdão van der Wal.

58      No que respeita à excepção relativa à protecção dos objectivos das actividades de inspecção, inquérito e auditoria, os recorrentes contestam que esta excepção fosse aplicável no caso em apreço, já que a Comissão não aduziu qualquer elemento a esse título para justificar a recusa de divulgação.

59      Os recorrentes alegam que o OLAF devia ter indicado as razões específicas pelas quais as excepções se aplicavam no caso em apreço e examinar em relação a cada documento solicitado se o seu conteúdo impedia a sua divulgação. Os recorrentes sustentam que, segundo a jurisprudência, a excepção não pode aplicar‑se, mesmo que o documento contenha informações relativas a um inquérito, se a divulgação não o prejudicar. Ora, o OLAF não examinou, em relação a cada documento pedido, se o seu conteúdo se opunha à sua divulgação, tendo justificado a recusa de acesso de forma geral. Por outro lado, não é certo que ainda haja inquéritos em curso.

60      Os recorrentes sustentam que o OLAF não verificou, contrariamente às exigências do princípio da proporcionalidade, se era possível uma divulgação parcial dos documentos. Referem‑se ao acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 2004, Mattila/Conselho e Comissão (C‑353/01 P, Colect., p. I‑1073), e alegam que a decisão de recusa de acesso aos documentos deve ser anulada se a Comissão não tiver examinado a possibilidade de um acesso parcial aos documentos.

61      Os recorrentes afirmam igualmente que a fundamentação da decisão de 18 de Agosto de 2003 e da primeira decisão impugnada é contraditória. Quanto aos documentos que o OLAF transmitiu às autoridades judiciárias luxemburguesas e francesas, o OLAF justificou a recusa de acesso indicando que os documentos pedidos continham um resumo dos resultados de inquéritos do OLAF. Ora, em 3 de Abril de 2003, isto é, em data posterior à comunicação dos documentos às autoridades nacionais, o OLAF informara o secretário‑geral de que os inquéritos estavam em curso. Os recorrentes sublinham, a este propósito, que foi só a 25 de Setembro de 2003 que o OLAF apresentou os seus relatórios finais de inquéritos.

62      Além disso, os recorrentes consideram que a referência que a Comissão fez ao despacho do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 2003, Gómez‑Reino/Comissão (T‑215/02, ColectFP, p. I‑A‑345 e II‑1685), não é aqui pertinente. Alegam que a solução constante desse despacho torna, na realidade, ineficaz e inútil o direito fundamental do respeito dos direitos de defesa. Com efeito, segundo os recorrentes, resulta desse despacho que os actos adoptados pelo OLAF no quadro das suas actividades não constituem actos que causam prejuízo, mas simplesmente actos preparatórios, só a decisão final eventualmente vincula a instituição podendo apresentar as características de um acto que causa prejuízo. Conclui‑se que o conjunto da actividade do OLAF escapa à fiscalização jurisdicional.

63      No que respeita ao relatório final do SAI bem como aos anexos do relatório do SAI de 7 de Julho de 2003, os recorrentes acrescentam que a fundamentação da segunda decisão impugnada, como não comporta qualquer elemento de informação próprio a este caso e não explica as razões pelas quais a comunicação dos documentos pedidos apenas ao recorrente era prejudicial, é demasiado geral. A fundamentação também era insuficiente em relação à questão de saber se um acesso parcial era possível. Além disso, a fundamentação não era plausível, dado que os três relatórios do SAI foram objecto de ampla difusão. Os recorrentes sublinham que a Comissão lhes deu acesso aos dois primeiros relatórios do SAI sem explicar as razões pelas quais o acesso ao relatório final do SAI e aos anexos do relatório do SAI de 7 de Julho de 2003 devia ser tratado de forma diferente.

64      Contestam, além disso, a aplicação da excepção relativa à protecção dos objectivos das actividades de inspecção, inquérito e auditoria ao relatório final do SAI alegando que, no momento da adopção da segunda decisão impugnada, as actividades de auditoria do SAI estavam terminadas. Assim, a Comissão podia opor‑se indefinidamente a um pedido de acesso abstendo‑se de determinar o destino que devia ser dado a um inquérito.

65      Finalmente, os recorrentes sustentam que os direitos de defesa representam um interesse público superior, a que se refere o artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1049/2001, e alegam que, embora os direitos de defesa protejam em primeiro lugar um interesse privado, trata‑se também de direitos superiores que constituem o fundamento do Estado de Direito e da democracia. Em particular, estava em causa o acesso à justiça e a uma protecção jurisdicional efectiva. Acrescentam que a Comissão não ponderou os interesses em causa.

66      A Comissão observa que o recurso visa a anulação da recusa de acesso a documentos que foram pedidos exclusivamente com base na regulamentação relativa ao direito de acesso do público aos documentos. Por consequência, o pedido dos recorrentes devia ser tratado como um pedido de acesso proveniente de um qualquer representante do público.

67      Sublinha que a especificidade das funções do OLAF deve ser tomada em conta no exame do pedido de acesso aos documentos em questão, lembrando, no entanto, que o OLAF não beneficia, enquanto tal, de um regime especial ou derrogatório das regras respeitantes ao acesso aos documentos. Considera que resulta do conjunto das disposições do Regulamento n.° 1073/1999 que as funções do OLAF não podem reduzir‑se às de um serviço puramente administrativo, que elabora processos ou documentos administrativos como os evocados no acórdão Interporc II ou elaborados por qualquer outra direcção‑geral no quadro das funções habituais da Comissão. Alega que os inquéritos levados a cabo pelo OLAF são susceptíveis de ter implicações disciplinares ou penais. Assim, requerem um elevado grau de confidencialidade, como resulta do artigo 8.°, n.° 2, e do artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1073/1999, e estão abrangidos, devido à sua própria natureza, pela excepção que visa a protecção dos inquéritos. Considera igualmente que, na medida em que inquéritos em curso, ou mesmo terminados, possam ter ligações com processos judiciais instaurados ou a instaurar, a excepção que visa a protecção dos processos judiciais acresce inevitavelmente à relativa às actividades de inquérito.

68      A Comissão lembra que, no caso em apreço, os processos submetidos às autoridades luxemburguesas são actualmente objecto de instrução e os submetidos às autoridades francesas foram remetidos a um juiz.

69      Considera que as duas excepções em causa abrangem obrigatoriamente não só os documentos que formam os processos do OLAF ou os transmitidos a autoridades judiciárias mas também as comunicações trocadas a esse respeito entre o OLAF e as instituições.

70      Sustenta que a exigência de confidencialidade proíbe encarar a hipótese do acesso do público a qualquer documento que inclua a parte essencial de um inquérito do OLAF, mesmo encerrado, pelo menos enquanto as autoridades judiciárias competentes ou a autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN») não tiverem tomado uma decisão definitiva. Baseia‑se na interpretação analógica do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Dezembro de 2001, Petrie e o./Comissão (T‑191/99, Colect., p. II‑3677). Considera que a exigência de confidencialidade é tanto mais justificada quanto se sabe que os inquéritos do OLAF podem conduzir à acusação de pessoas a nível penal ou disciplinar e que, caso seja instaurado um procedimento penal ou disciplinar, essas pessoas têm o direito ao respeito da presunção de inocência.

71      Alega que, no caso em apreço, o acesso aos documentos pedidos foi recusado, nomeadamente, por abrangerem uma parte essencial dos inquéritos do OLAF e por estes não terem dado lugar a qualquer decisão definitiva nem das autoridades judiciárias competentes nem da AIPN. Se isso tivesse acontecido, a análise da Comissão poderia ter sido outra. Com efeito, os documentos em causa poderiam ter sido comunicados nos termos do Regulamento n.° 1049/2001, eventualmente omitindo o nome das pessoas singulares ou colectivas mencionadas.

72      A Comissão acrescenta que, no despacho Gómez‑Reino/Comissão, já referido, o Tribunal considerou que o OLAF não era obrigado a conceder a um funcionário comunitário, pretensamente afectado por um inquérito interno, antes da ocorrência de uma decisão final da AIPN que lhe cause prejuízo, o acesso aos documentos objecto desse inquérito ou elaborados pelo OLAF. Segundo a Comissão, se esse acesso pode ser recusado em relação a um funcionário interessado, deve ser admitida uma recusa em relação a um pedido de acesso a documentos de inquérito formulado de harmonia com o disposto no Regulamento n.° 1049/2001.

73      A Comissão considera que não há incoerência ou contradição na fundamentação das decisões e que os recorrentes confundem os inquéritos externos e internos conduzidos pelo OLAF. Ora, a divergência dos termos constantes das decisões impugnadas resultam do facto de as autoridades judiciárias nacionais terem sido chamadas a conhecer, em Julho de 2002 e em Março de 2003, resultados de inquéritos externos que são independentes do prosseguimento dos inquéritos internos levados a cabo pelo OLAF. Além disso, em 18 de Agosto de 2003, os inquéritos internos do OLAF estavam ainda em curso. Em contrapartida, em 1 de Outubro de 2003, esses inquéritos estavam terminados, o que explica os termos diferentes da primeira decisão impugnada.

74      Quanto à suficiência da fundamentação, a Comissão sustenta que deve tomar‑se em conta tanto a fundamentação da decisão de 18 de Agosto de 2003 como a da primeira decisão impugnada bem como as outras informações que os recorrentes tiveram à sua disposição. Lembra que, segundo o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Março de 1997, WWF UK/Comissão (T‑105/95, Colect., p. II‑313), a Comissão nem sempre tem a possibilidade de indicar as razões que justificam a confidencialidade de um documento sem divulgar o seu conteúdo e, portanto, privar a excepção da sua finalidade essencial.

75      A Comissão considera que o princípio da proporcionalidade também não foi violado. Pensa que, para assegurar a protecção das investigações e dos inquéritos bem como dos processos judiciais, nem mesmo um acesso parcial aos diferentes documentos pedidos podia ser concedido ao público sem privar as excepções em causa do seu efeito útil.

76      Quanto aos documentos objecto do recurso T‑70/04, a Comissão alega que aplicou correctamente a excepção constante do artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 dado que, embora as actividades de auditoria do SAI estivessem terminadas, o inquérito e a respectiva análise pela Comissão estavam ainda em curso e esses relatórios podiam ainda ser explorados pelo OLAF no quadro dos seus próprios inquéritos.

77      A Comissão lembra que os documentos que o secretário‑geral da Comissão comunicou aos recorrentes em anexo à sua resposta de 10 de Outubro de 2003 o foram a título de informação geral respeitante a um procedimento disciplinar instaurado contra eles e imediatamente suspenso, e não em resposta a um pedido de acesso nos termos do disposto no Regulamento n.° 1049/2001, e que o acesso a esses documentos, pedido de harmonia com o disposto no Regulamento n.° 1049/2001, lhes foi recusado.

78      A Comissão sublinha que foi na sequência de duas resoluções do Parlamento Europeu que a Comissão encarregou o SAI, por decisão de 11 de Junho de 2003, de examinar a legalidade e a regularidade dos contratos celebrados e das subvenções concedidas pelo Eurostat ou por outra direcção‑geral a pedido do Eurostat, com a finalidade de responder ao pedido do Parlamento mas também de detectar eventuais irregularidades ou anomalias e daí extrair as consequências. Os relatórios que o SAI elaborou, nesse quadro, são, portanto, documentos sensíveis, tanto pelo seu objecto como pelo seu conteúdo. A Comissão contesta que esses documentos tenham sido amplamente difundidos. Pelo contrário, foram objecto de uma difusão particularmente restrita. O público nunca teve acesso a esses documentos.

79      A Comissão observa que reconhecer razão aos recorrentes equivale a tornar os documentos acessíveis a toda a gente.

80      Finalmente, a Comissão considera que, tendo em conta a especificidade do presente processo, nenhum interesse público superior pode justificar a divulgação ao público dos documentos relativos aos inquéritos do OLAF. Sublinha que o Regulamento n.° 1049/2001 não visa regular o acesso aos processos das pessoas eventualmente afectadas por um inquérito do OLAF com vista a permitir‑lhes assegurar a sua defesa.

 Apreciação do Tribunal

–       Observações preliminares

81      Há que observar, a título preliminar, que os presentes processos devem ser examinadas à luz do Regulamento n.° 1049/2001. Com efeito, não se contesta que as decisões impugnadas foram adoptadas com fundamento no referido regulamento.

82      Importa recordar que, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1049/2001, o requerente não é obrigado a justificar o seu pedido e, portanto, não tem que demonstrar qualquer interesse para ter acesso aos documentos pedidos (v., no tocante à aplicação da Decisão 94/90, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Fevereiro de 1998, Interporc/Comissão, T‑124/96, Colect., p. II‑231, n.° 48, e Interporc II, n.° 44). Conclui‑se que o pedido dos recorrentes deve ser examinado da mesma forma que o seria um pedido emanado de qualquer outra pessoa.

83      Há que recordar igualmente que o acesso aos documentos das instituições representa o princípio e que uma decisão de recusa só é válida se tiver por base uma das excepções previstas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001.

84      Em conformidade com jurisprudência constante, estas excepções devem ser interpretadas e aplicadas de forma restritiva, a fim de não porem em causa a aplicação do princípio geral consagrado nesse regulamento (v. acórdão van der Wal, n.° 27, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Fevereiro de 2002, Kuijer/Conselho, T‑211/00, Colect., p. II‑485, n.° 55 e jurisprudência aí indicada).

85      No quadro do recurso T‑391/03, a Comissão considera que a divulgação dos documentos controvertidos não deve ter lugar por duas razões, isto é, por um lado, porque se trata de documentos ligados a actividades de inquérito, inspecção e auditoria e, por outro, porque se trata, ao mesmo tempo, de documentos redigidos para efeitos de um processo judicial. Assim, a Comissão invoca, na primeira decisão impugnada, as excepções previstas no artigo 4.°, n.° 2, segundo e terceiro travessões, do Regulamento n.° 1049/2001 para recusar aos requerentes o acesso aos documentos solicitados.

86      No quadro do recurso T‑70/04, os recorrentes pedem para ter acesso ao relatório final do SAI e aos anexos do relatório intercalar do SAI de 7 de Julho de 2003. A Comissão suscita, a este propósito, apenas a excepção relativa à protecção dos objectivos de actividades de inquérito, inspecção e auditoria, prevista no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

87      É à luz da jurisprudência referida no n.° 84 que se deve examinar a aplicação que a Comissão fez das excepções do artigo 4.°, n.° 2, segundo e terceiro travessões, do Regulamento n.° 1049/2001.

–       Quanto à excepção relativa à protecção de processos judiciais

88      A expressão «processos judiciais» foi interpretada pelo Tribunal de Primeira Instância, no quadro da aplicação da Decisão 94/90, no sentido de que a protecção do interesse público se opõe à divulgação do conteúdo de documentos redigidos unicamente para efeitos de um processo judicial particular (acórdão Interporc II, n.° 40).

89      Tendo, assim, o conceito de «processos judiciais» já sido interpretado, no contexto do direito de acesso do público aos documentos das instituições, deve considerar‑se que essa definição também é pertinente no âmbito do Regulamento n.° 1049/2001.

90      Da mesma forma, o Tribunal de Primeira Instância já declarou que a expressão «documentos redigidos apenas para efeitos de um processo judicial particular» deve ser entendida no sentido de abranger os articulados ou requerimentos apresentados, os documentos internos respeitantes à instrução do processo em curso, as comunicações relativas ao processo entre a direcção‑geral em causa e o Serviço Jurídico ou um gabinete de advogados. Esta delimitação do âmbito de aplicação da excepção tem por objectivo garantir, por um lado, a protecção do trabalho interno da Comissão e, por outro, a confidencialidade e a salvaguarda do princípio do segredo profissional dos advogados (acórdão Interporc II, n.° 41).

91      Em contrapartida, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a excepção relativa à protecção do interesse público (processos judiciais) constante do código de conduta não pode permitir à Comissão subtrair‑se à obrigação de comunicar documentos que foram elaborados no quadro de um dossier meramente administrativo. Este princípio deve ser respeitado mesmo que a produção desses documentos num processo perante o tribunal comunitário possa ser prejudicial à Comissão. O facto de um recurso de anulação ter sido interposto da decisão adoptada no termo do processo administrativo é irrelevante a este propósito (acórdão Interporc II, n.° 42).

92      Há que examinar, à luz dessa jurisprudência, se os documentos que o OLAF comunicou às autoridades luxemburguesas e francesas e os que comunicou à Comissão são documentos que foram redigidos unicamente para efeitos de um processo judicial particular.

93      Resulta do considerando 1 do Regulamento n.° 1073/1999 que os inquéritos do OLAF têm por finalidade a protecção dos interesses financeiros das Comunidades e a luta contra a fraude e todas as outras actividades ilegais lesivas dos interesses financeiros comunitários. Nos termos do considerando 5 desse regulamento, a responsabilidade do OLAF diz respeito, para além da protecção dos interesses financeiros, ao conjunto das actividades relacionadas com a defesa dos interesses comunitários em relação a comportamentos irregulares, susceptíveis de dar ensejo a processos administrativos ou penais. É, portanto, para atingir esses objectivos que o OLAF efectua os inquéritos internos e externos cujos resultados são apresentados num relatório de inquérito, nos termos do artigo 9.° do Regulamento n.° 1073/1999, e que transmite informações às autoridades nacionais e às instituições, em conformidade com o disposto no artigo 10.° do Regulamento n.° 1073/1999.

94      Em conformidade com o artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999, os relatórios do OLAF constituem, nas mesmas condições e com o mesmo valor que os relatórios administrativos elaborados pelos inspectores administrativos nacionais, elementos de prova admissíveis em procedimentos administrativos ou judiciais do Estado‑Membro em que a sua utilização se revele necessária.

95      O seguimento que as autoridades nacionais competentes ou as instituições dão aos relatórios e informações transmitidos pelo OLAF é, no entanto, da exclusiva e inteira responsabilidade dessas autoridades [despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 2005, Tillack/Comissão, C‑521/04 P(R), Colect., p. I‑3103, n.° 32].

96      Assim, pode acontecer que uma comunicação feita pelo OLAF às autoridades nacionais, por força do artigo 10.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1073/1999, ou a uma instituição, por força do artigo 10.°, n.° 3, do mesmo regulamento, não conduza à abertura de um processo judicial a nível nacional ou de um procedimento disciplinar ou administrativo a nível comunitário.

97      Considerar, nestas circunstâncias, que os diferentes documentos comunicados pelo OLAF foram redigidos somente para efeitos de um processo judicial não corresponde à interpretação que a jurisprudência fez dessa excepção e colide com a obrigação de interpretar e aplicar as excepções de forma restritiva (v. n.° 84, supra).

98      Além disso, o respeito das regras de processo nacionais está suficientemente garantido se a instituição se certificar de que a divulgação dos documentos não constitui uma infracção ao direito nacional. Assim, em caso de dúvida, o OLAF deveria consultar o órgão jurisdicional nacional e só devia recusar o acesso se este se opusesse à divulgação dos referidos documentos (acórdão van der Wal, n.° 28).

99      Ora, resulta claramente dos autos que essa consulta não teve lugar, o que, de resto, a Comissão admitiu na audiência ao responder a uma questão colocada pelo Tribunal.

100    Com efeito, a primeira decisão impugnada expõe somente a esse respeito:

«Na medida em que inquéritos judiciais estão em curso em França e no Luxemburgo, o acesso ao processo rege‑se pelas regras de processos aplicáveis nesses dois países. É possível a V. Ex.a abordar as autoridades francesas e/ou luxemburguesas competentes, a fim de lhes pedir o direito de aceder ao processo que lhes foi enviado. Cabe‑lhes decidir quanto a isso, e o OLAF não levantará objecção à sua decisão.»

101    Esta abordagem não está em conformidade com o que o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão van der Wal (n.° 29). Segundo o Tribunal de Justiça, um procedimento em que a instituição consulta o órgão jurisdicional nacional em caso de dúvida evita que o recorrente tenha que se dirigir, em primeiro lugar, ao órgão jurisdicional competente e, a seguir, à Comissão, caso este entenda que o direito nacional não obsta à divulgação dos documento solicitados, mas considere que a aplicação das regras comunitárias pode levar a uma solução diferente. Corresponde, pois, também, às exigências de uma boa administração.

102    Por consequência, há que declarar que a primeira decisão impugnada está afectada por erro na medida em que aí se declarou que os documentos pedidos no quadro do recurso T‑391/03 estão abrangidos pela excepção relativa à protecção dos processos judiciais na acepção do Regulamento n.° 1049/2001.

103    Todavia, tendo o OLAF também invocado outra excepção para recusar o acesso a esses documentos, há que examinar se o acesso podia ser recusado com fundamento no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

–       Quanto à excepção relativa à protecção dos objectivos de actividades de inspecção, inquérito e auditoria

104    Há que de imediato reconhecer que as partes não contestaram que todos os documentos aos quais foi pedido o acesso têm a ver, efectivamente, com essas actividades.

105    Ora, a circunstância de um documento respeitar a uma actividade de inspecção não basta, por si só, para justificar a aplicação da excepção invocada. Segundo a jurisprudência, qualquer excepção ao direito de acesso aos documentos da Comissão deve ser interpretada e aplicada em termos estritos (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Setembro de 2000, Denkavit Nederland/Comissão, T‑20/99, Colect., p. II‑3011, n.° 45).

106    A este propósito, há que recordar que, no que respeita aos documentos em causa no recurso T‑391/03, as actividades de inquérito do OLAF já estavam terminadas no momento da adopção da primeira decisão impugnada, em 1 de Outubro de 2003. Com efeito, o relatório final do inquérito no processo Eurogramme foi elaborado em Julho de 2002. Além disso, em 25 de Setembro de 2003, o OLAF elaborou os relatórios finais de inquérito na acepção do artigo 9.° do Regulamento n.° 1073/1999 respeitantes aos processos Eurocost e Datashop ‑ Planistat. Os recorrentes receberam, enquanto pessoas indiciadas nesses relatórios, uma sua cópia por ofício de 10 de Outubro de 2003.

107    Além disso, no que respeita ao recurso T‑70/04, o inquérito do SAI terminou com o relatório final de 22 de Outubro de 2003.

108    Assim, no caso em apreço, importa verificar se os documentos relacionados com actividades de inspecção, inquérito e auditoria estavam abrangidos pela excepção referida no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, porquanto as inspecções, inquéritos ou auditorias particulares tinham terminado, tendo redundado na elaboração de relatórios finais, embora o seguimento a dar a esses relatórios não estivesse ainda decidido.

109    Segundo o Tribunal de Primeira Instância, o artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 deve ser interpretado no sentido de que esta disposição, que visa proteger «os objectivos de actividades de inspecção, inquérito e auditoria», só é aplicável se a divulgação dos documentos em questão puder pôr em perigo a conclusão das actividades de inspecção, inquérito ou auditoria.

110    Na verdade, resulta da jurisprudência que os diferentes actos de inquérito, ou de inspecção podem ficar abrangidos pela excepção relativa à protecção de actividades de inspecção, inquérito e auditoria enquanto as actividades de inquérito ou de inspecção prosseguem, mesmo que esteja terminado o inquérito ou a inspecção particular que deu lugar ao relatório ao qual o acesso é pedido (v., neste sentido, acórdão Denkavit Nederland/Comissão, já referido, n.° 48).

111    Todavia, admitir que os diferentes documentos relativos a actividades de inspecção, inquérito ou auditoria estão abrangidos pela excepção constante do artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 enquanto o seguimento a dar a esses procedimentos não estiver decidido equivale a submeter o acesso aos referidos documentos a um acontecimento aleatório, futuro e eventualmente longínquo, dependente da celeridade e da diligência das diferentes autoridades.

112    Esta solução colide com o objectivo que consiste em garantir o acesso do público aos documentos relativos a eventuais irregularidades cometidas na gestão dos interesses financeiros, com a finalidade de dar aos cidadãos a possibilidade de controlar de forma mais efectiva a legalidade do exercício do poder público (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Outubro de 2000, JT’s Corporation/Comissão, T‑123/99, Colect., p. II‑3269, n.° 50).

113    Assim, importa verificar se, no momento da adopção das decisões impugnadas, estavam ainda em curso actividades de inspecção e inquérito, que poderiam ter sido postas em causa pela divulgação dos documentos pedidos, e se a prossecução dessas actividades ocorreu num prazo razoável.

114    A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a legalidade do acto individual impugnado deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data de adopção do acto (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, Colect., p. 145, n.° 7, e de 17 de Maio de 2001, IECC/Comissão, C‑449/98 P, Colect., p. I‑3875, n.° 87).

115    Além disso, segundo jurisprudência constante, o exame que se exige para o tratamento de um pedido de acesso a documentos deve revestir carácter concreto. Com efeito, por um lado, a simples circunstância de um documento respeitar a um interesse protegido por uma excepção não basta para justificar a aplicação desta última (v., neste sentido, acórdão Denkavit Nederland/Comissão, já referido, n.° 45). Por outro lado, o risco de ser prejudicado um interesse protegido deve ser razoavelmente previsível e não puramente hipotético. Por conseguinte, o exame ao qual deve proceder a instituição a fim de aplicar uma excepção deve ser efectuado de forma concreta e deve resultar dos fundamentos da decisão (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 2000, Kuijer/Conselho, T‑188/98, Colect., p. II‑1959, n.° 38, e de 13 de Abril de 2005, Verein für Konsumenteninformation/Comissão, T‑2/03, Colect., p. II‑1121, a seguir «acórdão VKI », n.os 69 e 72).

116    Este exame concreto deve, além disso, ser realizado para cada documento a que se refere o pedido. Com efeito, decorre do Regulamento n.° 1049/2001 que todas as excepções mencionadas nos n.os 1 a 3 do seu artigo 4.° são enunciadas como devendo ser aplicadas «a um documento» (acórdão VKI, n.° 70).

117    Um exame concreto e individual de cada documento é também necessário uma vez que, mesmo na hipótese de ser claro que um pedido de acesso se refere a documentos abrangidos por uma excepção, apenas este exame pode permitir à instituição apreciar a possibilidade de conceder um acesso parcial ao requerente, em conformidade com o disposto no artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1049/2001. De resto e no quadro da aplicação do código de conduta, o Tribunal de Primeira Instância já rejeitou como sendo insuficiente uma apreciação de documentos efectuada por categorias e não com base nos elementos de informação concretos que comportavam estes documentos, devendo o exame que se exige a uma instituição permitir‑lhe apreciar concretamente se uma excepção invocada se aplica realmente ao conjunto das informações constantes dos referidos documentos (acórdãos JT’s Corporation/Comissão, já referido, n.° 46, e VKI, n.° 73).

118    Cabe, portanto, à instituição examinar, em primeiro lugar, se o documento pedido integra o âmbito de uma das excepções previstas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, em segundo lugar, em caso de resposta afirmativa, se a necessidade de protecção relativa à excepção em causa é real e, em terceiro lugar, se se aplica a todo o documento.

119    O Tribunal deve, portanto, examinar se as decisões impugnadas foram adoptadas em conformidade com as regras que acabam de ser expostas.

120    No que respeita aos documentos transmitidos às autoridades francesas e luxemburguesas, há que recordar que o inquérito levado a cabo pelo OLAF estava terminado e não se contesta que, no momento da adopção da primeira decisão impugnada, nem as autoridades luxemburguesas nem as autoridades francesas tinham decidido do seguimento a dar às informações transmitidas pelo OLAF ao abrigo do artigo 10.° do Regulamento n.° 1073/1999.

121    As informações transmitidas às autoridades nacionais destinavam‑se a fornecer‑lhes os elementos que o OLAF considerava serem passíveis de demonstrar diferentes irregularidades e que, em conformidade com o disposto no artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999, podiam constituir elementos de prova que as primeiras podiam aceitar.

122    Permitir o acesso a esses documentos, mesmo parcial, podia comprometer a utilização efectiva desses elementos pelas autoridades nacionais, dado que as pessoas implicadas nas eventuais irregularidades podiam ter agido de maneira a impedir o bom desenrolar dos diferentes procedimentos ou inquéritos que essas autoridades podiam decidir encetar. Com efeito, os documentos transmitidos comportavam, nomeadamente, relatórios de auditoria de empresas, actas das audições dos funcionários do Eurostat, relatórios de controlo de despesas bem como relatórios de inspecção cuja divulgação podia informar as pessoas afectadas sobre os actos que as autoridades nacionais iam realizar.

123    Além disso, no momento da adopção da primeira decisão impugnada, ou seja, em 1 de Outubro de 2003, ainda não tinha decorrido um prazo razoável para efeitos da decisão do seguimento a dar às informações transmitidas pelo OLAF, já que a transmissão às autoridades luxemburguesas só teve lugar em 4 de Julho de 2002 e a às autoridades francesas em 19 de Março de 2003.

124    Conclui‑se que a Comissão não cometeu erros de direito nem erros de apreciação ao considerar que, no momento da adopção da primeira decisão impugnada, o acesso aos documentos transmitidos às autoridades francesas e luxemburguesas devia ser recusado pois a divulgação desses documentos punha em causa a protecção dos objectivos de actividades de inspecção, inquérito e auditoria.

125    O mesmo se deve concluir a respeito do relatório final do SAI. No momento da adopção da segunda decisão impugnada, ou seja, em 19 de Dezembro de 2003, o inquérito respeitante ao Eurostat ainda não estava terminado e a Comissão ainda não tinha decidido das consequências do relatório final do SAI. Assim, a divulgação do referido relatório, mesmo numa versão tornada anónima, podia dar às pessoas em causa a possibilidade de tentar influenciar o resultado dos inquéritos, das inspecções ou das auditorias seguintes.

126    No tocante à comunicação do OLAF à Comissão a que se refere o comunicado de imprensa de 19 de Maio de 2003, o Tribunal pôde verificar que também contém informações de tal forma precisas sobre o desenrolar dos diferentes inquéritos respeitantes ao Eurostat que a recusa da sua divulgação, por prejudicar a protecção dos objectivos de actividades de inspecção, inquérito e auditoria pelas razões expostas supra, se justificava quando foi adoptada a primeira decisão impugnada.

127    Quanto às outras comunicações do OLAF à Comissão, a primeira decisão impugnada expõe que «todas essas comunicações contêm resultados de inquérito cuja divulgação prejudicaria os processos judiciais em curso em França e no Luxemburgo».

128    Resulta destas considerações vagas e gerais que o OLAF se pronunciou in abstracto sobre o risco que a divulgação dos documentos em causa podia acarretar para as medidas que a Comissão considerava necessárias para a protecção dos seus interesses e para os processos judiciais em curso em França e no Luxemburgo, sem demonstrar de forma bastante que a divulgação desses documentos prejudicaria concretamente a protecção dos objectivos de actividades de inspecção, inquérito e auditoria e que a excepção em causa se aplicava realmente ao conjunto das informações contidas nos referidos documentos.

129    Por consequência, há que salientar não estar demonstrado, no presente caso, que as actividades de inquérito ou de inspecção seriam concretamente postas em causa pela divulgação das outras comunicações do OLAF à Comissão que não aquela a que se refere o comunicado de imprensa de 19 de Maio de 2003.

130    Por outro lado, o OLAF não indicou na primeira decisão impugnada se os riscos que descrevia se aplicavam realmente ao conjunto das informações que se encontram nos referidos documentos. Resulta da primeira decisão impugnada que o OLAF baseou as suas apreciações na natureza dos documentos pedidos em vez de as basear nos elementos de informação que se encontram realmente nos documentos em questão. Ora, trata‑se de uma erro de direito que impõe a anulação da decisão impugnada (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2001, Conselho/Hautala, C–353/99 P, Colect., p. I‑9565, n.° 31).

131    Por consequência, não ficou suficientemente demonstrado que a excepção relativa à protecção dos objectivos de actividades de inspecção e de inquérito, a supô‑la aplicável no caso em apreço, se aplicava ao conjunto das comunicações do OLAF à Comissão que não aquela a que se refere o comunicado de imprensa de 19 de Maio de 2003.

132    O Tribunal pôde verificar que pelo menos uma parte desses documentos de modo algum parecia integrar a excepção consagrada no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

133    Ora, não cabe ao Tribunal substituir a Comissão e indicar os documentos a que devia ter sido permitido um acesso total ou parcial, sendo a instituição obrigada, na execução do presente acórdão, a tomar em consideração os fundamentos que a este respeito nele figuram.

134    As mesmas conclusões se aplicam aos anexos do relatório do SAI de 7 de Julho de 2003 cujo acesso foi recusado pela Comissão pelo simples motivo de o inquérito e a apreciação a que devia proceder para dele retirar as respectivas consequências ainda estavam em curso e de os relatórios poderem ainda ser explorados pelo OLAF no quadro dos seus próprios inquéritos.

–       Quanto à existência de um interesse público superior

135    Há que examinar ainda se existe um interesse público superior susceptível de justificar a divulgação dos documentos transmitidos às autoridades francesas e luxemburguesas, da comunicação do OLAF à Comissão a que se refere o comunicado de imprensa de 19 de Maio de 2003 bem como do relatório final do SAI.

136    A este propósito, deve recordar‑se que, por força do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1049/2001, os beneficiários do direito de acesso aos documentos das instituições são «[t]odos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou colectivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro». Conclui‑se que este regulamento se destina a garantir o acesso de todos aos documentos públicos e não apenas o acesso do requerente aos documentos que a ele se refiram.

137    Por consequência, o interesse particular que um sujeito possa invocar para ter acesso a um documento que lhe diz pessoalmente respeito não pode ser tomado em consideração.

138    O interesse geral que os recorrentes invocam reside nos direitos de defesa. É, por certo, verdade que a própria existência dos direitos de defesa tem interesse geral. Todavia, o facto de esses direitos aqui se manifestarem através do interesse subjectivo dos recorrentes em se defenderem implica que o interesse que os recorrentes invocam não é um interesse geral, mas um interesse privado.

139    Por consequência, a Comissão não cometeu erro de direito ao considerar que os direitos de defesa que os recorrentes invocam como um interesse superior não constituíam um interesse público superior que justifique a divulgação dos documentos pedidos.

140    De tudo o que precede conclui‑se que há que anular a primeira decisão impugnada, na medida em que aí se recusa o acesso ao conjunto das comunicações do OLAF à Comissão que não aquela a que se refere o comunicado de imprensa de 19 de Maio de 2003, bem como a segunda decisão impugnada na medida em que aí se recusa o acesso aos anexos do relatório do SAI de 7 de Julho de 2003.

 Quanto às despesas

141    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas. Nas circunstâncias do caso em apreço, há que decidir que a Comissão suportará um terço das despesas dos recorrentes. As partes suportarão o resto das suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)      Os pedidos de anulação da decisão de 18 de Agosto de 2003 bem como da decisão tácita de indeferimento dos pedidos dos recorrentes de 21 e 29 de Outubro de 2003 são julgados inadmissíveis.

2)      É anulada a decisão do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) de 1 de Outubro de 2003, na medida em que aí se recusa o acesso ao conjunto das comunicações do OLAF à Comissão que não aquela a que se refere o comunicado de imprensa de 19 de Maio de 2003, bem como a decisão da Comissão, de 19 de Dezembro de 2003, na medida em que aí se recusa o acesso aos anexos do relatório do serviço de auditoria interno I de 7 de Julho de 2003.

3)      Quanto ao mais, é negado provimento aos recursos.

4)      A Comissão suportará um terço das despesas dos recorrentes. As partes suportarão o resto das suas próprias despesas.

Jaeger

Tiili

Czúcz

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de Julho de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      M. Jaeger


* Língua do processo: francês.