Language of document : ECLI:EU:T:2011:27

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

3 de Fevereiro de 2011 (*)

«Auxílios de Estado – Mecanismo temporário de defesa da construção naval – Alteração, prevista pelas autoridades italianas, de um regime de auxílios previamente autorizado pela Comissão – Decisão que declara o regime de auxílios incompatível com o mercado comum»

No processo T‑3/09,

República Italiana, representada por P. Gentili, avvocato dello Stato,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por E. Righini, C. Urraca Caviedes e V. Di Bucci, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2010/38/CE da Comissão, de 21 de Outubro de 2008, relativa ao auxílio estatal C 20/08 (ex N 62/08) que a Itália tenciona executar mediante uma alteração do regime de auxílios N 59/04 relativo a um mecanismo temporário de defesa do sector da construção naval (JO 2010, L 17, p. 50),

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: M. E. Martins Ribeiro, presidente, S. Papasavvas e N. Wahl (relator), juízes,

secretário: N. Rosner, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 16 de Junho de 2010,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 1.° do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.° CE] (JO L 83, p. 1) dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

b)      ‘Auxílios existentes’:

i)      […] qualquer auxílio que já existisse antes da entrada em vigor do Tratado no respectivo Estado‑Membro, isto é, os regimes de auxílio e os auxílios individuais em execução antes da data de entrada em vigor do Tratado e que continuem a ser aplicáveis depois dessa data;

ii)      o auxílio autorizado, isto é, os regimes de auxílio e os auxílios individuais que tenham sido autorizados pela Comissão ou pelo Conselho;

[…]

v)      os auxílios considerados existentes por se poder comprovar que não constituíam auxílios no momento da sua execução, tendo‑se subsequentemente transformado em auxílios devido à evolução do mercado comum e sem terem sido alterados pelo Estado‑Membro. Quando determinadas medidas se transformem em auxílios na sequência da liberalização de uma actividade provocada pela legislação comunitária, essas medidas não serão consideradas auxílios existentes depois da data fixada para a liberalização;

c)      ‘Novo auxílio’, quaisquer auxílios, isto é, regimes de auxílio e auxílios individuais, que não sejam considerados auxílios existentes, incluindo as alterações a um auxílio existente;

[…]»

2        O Regulamento (CE) n.° 794/2002 da Comissão, de 21 de Abril de 2004, relativo à aplicação do Regulamento (CE) n.° 659/1999 (JO L 140, p. 1), prevê, no seu artigo 4.°, n.° 1, o seguinte:

«Para efeitos da alínea c) do artigo 1.° do Regulamento […] n.° 659/1999, entende‑se por alteração de um auxílio existente qualquer modificação que não seja de natureza puramente formal ou administrativa destinada a não afectar a apreciação da compatibilidade da medida de auxílio com o mercado comum. Qualquer aumento até 20% do orçamento inicial de um regime de auxílios existente não é considerado como uma alteração de auxílio existente.»

3        Baseando‑se no artigo 87.°, n.° 3, alínea e), CE, o Conselho adoptou o Regulamento (CE) n.° 1177/2002, de 27 de Junho de 2002, relativo a um mecanismo temporário de defesa do sector da construção naval (JO L 172, p. 1). O referido regulamento autorizou esse mecanismo com vista a prestar assistência aos estaleiros navais comunitários que sofreram prejuízos graves causados pela concorrência desleal de estaleiros navais situados na Coreia (considerando 3 do regulamento). O artigo 2.°, n.os 2 e 3, deste regulamento precisava que os auxílios directos associados a determinados contratos de construção naval podiam ser considerados compatíveis com o mercado comum quando não excedessem 6% do valor do contrato e que o segmento de mercado em causa tivesse sofrido prejuízos graves causados pelas práticas desleais coreanas.

4        O artigo 3.° do Regulamento n.° 1177/2002 subordina a concessão do auxílio à sua notificação à Comissão, nos termos do artigo 88.° CE, devendo esta examiná‑lo e adoptar uma decisão sobre o auxílio em conformidade com o Regulamento n.° 659/1999.

5        O artigo 2.°, n.° 4, e os artigos 4.° e 5.° do Regulamento n.° 1177/2002 estão assim redigidos:

«Artigo 2.°

[…]

4.      O presente regulamento não se aplica a qualquer navio entregue mais de três anos após a data de assinatura do contrato final. A Comissão pode, todavia, conceder uma prorrogação do prazo de entrega de três anos quando tal for considerado justificado pela complexidade técnica do projecto de construção naval em questão ou por atrasos resultantes de perturbações inesperadas, substanciais e justificadas que afectem o programa de trabalho do estaleiro devido a circunstâncias excepcionais, imprevisíveis e externas à empresa.

[…]

Artigo 4.°

O presente regulamento aplica‑se aos contratos finais assinados após a entrada em vigor do regulamento e até ao seu termo de vigência, à excepção dos contratos finais assinados antes de a Comunidade ter publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias a informação de que deu início a um processo de resolução de litígios contra a Coreia, solicitando consultas de acordo com o Memorando de Entendimento sobre as regras e processos que regem a resolução de litígios da Organização Mundial do Comércio, e à excepção dos contratos finais assinados pelo menos um mês depois de a Comissão ter publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias a comunicação de encerramento ou suspensão desse processo de resolução de litígios, em virtude de a Comunidade considerar que a acta aprovada foi efectivamente executada.

Artigo 5.°

O presente regulamento entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias e caduca em 31 de Março de 2004.

[…]»

6        Com o Regulamento (CE) n.° 502/2004 do Conselho, de 11 de Março de 2004, que altera o Regulamento (CE) n.° 1177/2002 (JO L 81, p. 6), a data de caducidade do Regulamento n.° 1177/2002 prevista no artigo 5.° do referido regulamento foi adiada para 31 de Março de 2005.

 Antecedentes do litígio

7        Em 15 de Janeiro de 2004, a República Italiana notificou um regime de auxílios pelo qual tencionava aplicar o Regulamento n.° 1177/2002 através do artigo 4.°, n.° 153, da legge n.° 350 su disposizioni per la formazione del bilancio annuale e pluriennale dello Stato (legge finanziaria 2004) [Lei n.° 350 que aprova disposições relativas ao orçamento anual e plurianual do Estado (lei de finanças de 2004)], de 24 de Dezembro de 2003 (suplemento ordinário ao GURI n.° 299, de 27 de Dezembro de 2003, a seguir «Lei n.° 350/2003»), disposição essa que precisava o seguinte:

«Para permitir a aplicação do [Regulamento n.° 1177/2002], é concedida para 2004 a quantia de 10 milhões de euros. O decreto do Ministério das Infra‑Estruturas e dos Transportes fixa as modalidades de concessão do auxílio. A eficácia das disposições do presente ponto está subordinada, em conformidade com o artigo 88.°, n.° 3 [CE], à aprovação prévia da [Comissão].»

8        As modalidades de concessão do auxílio foram fixadas pelo decreto ministeriale (ministro delle infrastrutture e dei trasporti), Attuazione del regolamento (CE) n.° 1177/2002 del 27 giugno 2002 del Consiglio, relativo ad un meccanismo difensivo temporaneo per la costruzione navale (decreto ministerial do Ministério das Infra‑Estruturas e dos Transportes que aprova as disposições relativas à aplicação do Regulamento n.° 1177/2002, GURI n.° 93, de 21 de Abril de 2004, a seguir «decreto ministerial de 2 de Fevereiro de 2004»).

9        Pela decisão de 19 de Maio de 2004, relativa ao regime de auxílios N 59/2004, respeitante a um mecanismo temporário de defesa do sector da construção naval, notificada com a referência C (2004) 1807 (a seguir «decisão de aprovação de 2004»), a Comissão aprovou o regime notificado por considerar que respeitava o disposto no Regulamento n.° 1177/2002 e que era compatível com o mercado comum (a seguir «regime de 2004»).

10      Por entender que a dotação inicial de 10 milhões de euros não era suficiente para cobrir a totalidade dos pedidos de auxílio apresentados antes da caducidade do Regulamento n.° 1177/2002, conforme alterado pelo Regulamento n.° 502/2004, a República Italiana notificou à Comissão, em 1 de Fevereiro de 2008, a sua intenção de atribuir, através do artigo 2.°, n.° 206, da legge n.° 244 su disposizioni per la formazione del bilancio annuale e pluriennale dello Stato (legge finanziaria 2008) [Lei n.° 244 que aprova disposições relativas ao orçamento anual e plurianual do Estado (lei de finanças de 2008)], de 24 de Dezembro de 2007 (suplemento ordinário ao GURI n.° 300, de 28 de Dezembro de 2007), mais 10 milhões de euros ao orçamento consagrado ao regime de 2004 (a seguir «medida notificada»).

11      Por carta de 30 de Abril de 2008, a Comissão informou a República Italiana da sua decisão de dar início ao procedimento previsto no n.° 2 do artigo 88.° CE, relativamente à medida notificada. A decisão de dar início ao procedimento foi, além disso, publicada no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2008, C 140, p. 20), onde a Comissão convidou todos os interessados a apresentarem as suas observações no prazo de um mês a contar da data da publicação.

12      Em 21 de Outubro de 2008, a Comissão adoptou a Decisão 2010/38/CE relativa ao auxílio estatal C 20/08 (ex N 62/08) que a Itália tenciona executar mediante uma alteração do regime de auxílios N 59/04 relativo a um mecanismo temporário de defesa do sector da construção naval (JO 2010, L 17, p. 50) (a seguir «decisão recorrida»), cujo artigo 1.° dispõe:

«O auxílio estatal que a Itália tenciona executar mediante uma alteração do regime de auxílios N 59/04 relativo a um mecanismo temporário de defesa do sector da construção naval, que implica um aumento de 10 milhões de [euros] do orçamento do regime [de 2004], é incompatível com o mercado comum.

Por esta razão, o referido auxílio não pode ser concedido.»

13      Na decisão recorrida, a Comissão considerou que a medida notificada constituía um novo auxílio na acepção do artigo 1.°, alínea c), do Regulamento n.° 659/1999 e do artigo 4.° do Regulamento n.° 794/2004 e que esse auxílio não podia ser considerado compatível com o mercado comum, dado que o Regulamento n.° 1177/2002 já não estava em vigor e não podia, por conseguinte, servir de base legal para a apreciação da medida notificada. A Comissão precisou também que a referida medida não podia ser considerada compatível com o mercado comum à luz do enquadramento dos auxílios estatais à construção naval (JO 2003, C 317, p. 11) e que também não era compatível com o mercado comum com base em qualquer outra disposição aplicável aos auxílios estatais.

14      Além disso, a Comissão observou que, após a entrada em vigor do Regulamento n.° 1177/ 2002, a República da Coreia submeteu ao Órgão de Resolução de Litígios (a seguir «ORL») da Organização Mundial do Comércio (OMC) a questão da legalidade do referido regulamento à luz das regras da OMC. Em 22 de Abril de 2005, um grupo de especialistas criado pelo ORL publicou um relatório no qual concluiu que o Regulamento n.° 1177/2002 e diversos regimes nacionais que aplicavam o referido regulamento – existentes no momento em que a República da Coreia iniciou o contencioso na OMC – infringiam determinadas regras desta organização. Em 20 de Junho de 2005, o ORL adoptou o relatório do grupo de especialistas que recomendava à Comunidade que adaptasse o Regulamento n.° 1177/2002 e os regimes nacionais às obrigações que lhes cabem com base nos acordos adoptados no âmbito da OMC.

 Tramitação processual e pedidos das partes

15      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de Janeiro de 2009, a República Italiana interpôs o presente recurso.

16      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne anular a decisão recorrida.

17      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

18      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Oitava Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo e, no quadro das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do seu Regulamento de Processo, convidou as partes a pronunciarem‑se sobre a conveniência de apensar o presente processo ao processo T‑584/08 no qual foi interposto um recurso com o mesmo objecto pela sociedade Cantiere navale De Poli SpA. Depois de as partes terem apresentado as suas observações, que não suscitaram nenhuma objecção, os processos foram apensos, por despacho do presidente da Oitava Secção de 2 de Junho de 2010, para efeitos da fase oral, em conformidade com o artigo 50.° do Regulamento de Processo.

19      Na audiência de 16 de Junho de 2010, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal.

 Questão de direito

20      Em apoio do seu recurso, a República Italiana invoca sete fundamentos relativos, respectivamente, à qualificação errada da medida notificada de novo auxílio, à violação do Regulamento n.° 1177/2002, à violação dos artigos 87.° CE e 88.° CE, à violação dos princípios da confiança legítima e da igualdade de tratamento, à violação do princípio do contraditório, à tomada em consideração das normas da OMC na apreciação da compatibilidade da medida notificada com o mercado comum e ao facto de a decisão recorrida se basear na comunicação da Comissão à OMC de 20 de Julho de 2005 (a seguir «comunicação à OMC»).

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à qualificação errada da medida notificada de novo auxílio

 Argumentos das partes

21      A República Italiana recorda que o Regulamento n.° 1177/2002 não previa nenhum limite nominal no que se refere ao montante total dos auxílios que cada Estado‑Membro podia conceder nos termos do Regulamento n.° 1177/2002. Do mesmo modo, o regime de 2004, conforme notificado à Comissão e aprovado por esta, não precisou nem limitou o orçamento global que devia ser afectado aos auxílios destinados aos construtores navais. A única limitação financeira contida no regime de 2004 foi a que está indicada no artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1177/2002, a saber «o limite de intensidade máximo de 6% do valor do contrato» antes da concessão do auxílio.

22      Por outras palavras, o compromisso da República Italiana, tal como previsto no artigo 4.°, n.° 153, da Lei n.° 350/2003 e no Decreto Ministerial de 2 de Fevereiro de 2004, foi ilimitado quanto ao montante total dos eventuais auxílios. Com efeito, a própria essência da estrutura do regime de 2004 implicou que o montante global dos auxílios fosse a priori indeterminável, dado que dependia do número e do valor dos contratos que sofressem os efeitos nefastos da concorrência desleal coreana durante o período visado pelo Regulamento n.° 1177/2002, conforme alterado pelo Regulamento n.° 502/2004.

23      O montante inicial de 10 milhões de euros, previsto no artigo 4.°, n.° 153, da Lei n.° 350/2003, mais não foi do que uma simples dotação orçamental de natureza puramente indicativa para o ano de 2004, sem afectar o alcance do compromisso e a obrigação legal da República Italiana relativamente aos construtores navais italianos que enfrentavam a concorrência desleal coreana. Por outro lado, a apreciação da compatibilidade do regime de 2004 com o mercado comum devia ter sido baseada unicamente nas disposições do Decreto Ministerial de 2 de Fevereiro de 2004, que não continha, à semelhança do Regulamento n.° 1177/2002, nenhum limite financeiro. Com efeito, ao adoptar a decisão de aprovação de 2004, a Comissão não atribuiu nenhuma importância à dotação financeira de 10 milhões de euros.

24      Consequentemente, a quantia final e global da despesa pública não fez parte da estrutura do regime de auxílios notificado à Comissão pela República Italiana em 2004. Pelo contrário, esta última reservou‑se a faculdade de aumentar a dotação nos anos seguintes.

25      Em apoio da sua tese de que o alcance do regime de 2004 era independente da cobertura financeira desse mesmo regime, a República Italiana alega que o orçamento afectado ao referido regime já tinha sido aumentado em 1 milhão de euros em 2005 sem que a Comissão tivesse levantado qualquer objecção.

26      Consequentemente, por considerar que o montante inicial de 10 milhões de euros fazia parte integrante do regime de 2004, a Comissão apreciou erradamente os factos do caso em apreço.

27      Por outro lado, este erro levou a Comissão a aplicar incorrectamente diversas disposições do direito da União Europeia, nomeadamente, o artigo 87.°, n.° 1, CE, o artigo 88.°, n.° 3, CE, o artigo 1.°, alínea c), do Regulamento n.° 659/1999 e o artigo 4.° do Regulamento n.° 794/2004.

28      Segundo a República Italiana, a medida notificada não pode ser considerada uma alteração do regime 2004, uma vez que a nova dotação foi apenas uma operação de natureza contabilística e não afectou de forma alguma o âmbito do compromisso e a obrigação da República Italiana relativamente aos construtores navais italianos que enfrentavam a concorrência desleal coreana. Por conseguinte, foi sem razão que a Comissão concluiu que a medida notificada constituía um novo auxílio na acepção do artigo 1.°, alínea c), do Regulamento n.° 659/1999.

29      A referida dotação constituiu, na realidade, uma alteração de natureza meramente administrativa na acepção do artigo 4.° do Regulamento n.° 794/2004. Neste contexto, a República Italiana afirma que, ao aumentar o orçamento atribuído ao regime de 2004, não alterou as condições que regem a aplicação desse regime nem ampliou a sua aplicação no tempo.

30      O facto de o legislador italiano ter considerado oportuno notificar a Comissão da nova dotação não é pertinente para decidir a questão de saber se se trata de um novo auxílio, uma vez que uma disposição nacional não prevalece sobre as normas da União.

31      A Comissão conclui pela improcedência do presente fundamento defendendo, no essencial, que o orçamento inicial de 10 milhões de euros atribuído ao regime de 2004 fazia parte integrante do referido regime.

 Apreciação do Tribunal Geral

32      Há que observar que todas as alegações formuladas pela República Italiana no âmbito do primeiro fundamento são baseadas na premissa de que a Comissão não considerou, na sua decisão de aprovação de 2004, e não podia considerar, que o regime de 2004, tal como notificado pela República Italiana, implicava um limite financeiro de 10 milhões de euros. Daí decorre que a medida notificada, isto é, a dotação suplementar de 10 milhões de euros em 2008, não constitui a alteração de um auxílio existente.

33      As pretensões da República Italiana a este respeito articulam‑se, no essencial, em torno de dois argumentos, o primeiro relativo à especificidade do Regulamento n.° 1177/2002, e o segundo decorrente da forma como as autoridades italianas tinham definido as modalidades de aplicação do Regulamento n.° 1177/2002 na legislação nacional.

34      Em primeiro lugar, relativamente ao argumento de que o Regulamento n.° 1177/2002 não previa nenhum limite nominal no que se refere ao montante total dos auxílios que cada Estado‑Membro podia conceder por força do referido regulamento, há que assinalar a ausência de dois elementos fundamentais no raciocínio da República Italiana.

35      A este respeito, deve‑se salientar que o Regulamento n.° 1177/2002 se baseia no artigo 87.°, n.° 3, alínea e), CE. Consequentemente, os auxílios a que se refere constituem apenas uma categoria de auxílios que «podem ser considerados compatíveis com o mercado comum». Aliás, o artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1177/2002 reproduz fielmente essa redacção.

36      Consequentemente, embora esses auxílios possam ser considerados compatíveis com o mercado comum, daí não se infere que o sejam necessariamente (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 1996, IJssel‑Vliet, C‑311/94, Colect., p. I‑5023, n.os 26 a 28).

37      Com efeito, incumbe à Comissão, nos termos do artigo 88.°, n.° 3, CE, verificar se esses auxílios satisfazem todas as condições para serem compatíveis com o mercado comum. Isto é recordado no artigo 3.° do Regulamento n.° 1177/2002, que prevê expressamente que o artigo 88.° CE e o Regulamento n.° 659/1999 são aplicáveis aos auxílios em causa.

38      Além disso, deve‑se salientar que o Regulamento n.° 1177/2002 se inscreve numa longa série de medidas adoptadas pelo Conselho, ao abrigo do artigo 87.°, n.° 3, alínea e), CE, para fazer face aos problemas de competitividade e de sobrecapacidade com que se depararam os estaleiros navais da União. Essas medidas prosseguiram sempre um duplo objectivo, a saber, colmatar a diferença concorrencial que separa os estaleiros navais europeus dos seus rivais internacionais, por um lado, e garantir condições justas e uniformes de concorrência intracomunitária, por outro [v., a título de exemplo, os considerandos 2 e 6 da Directiva 87/167/CEE do Conselho, de 26 de Janeiro de 1987, relativa aos auxílios à construção naval (JO L 69, p. 55), os considerandos 5 e 9 e artigo 4.°, n.° 5, da Directiva 90/684/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1990, relativa aos auxílios à construção naval (JO L 380, p. 27), e os considerandos 3 e 6, bem como o artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 1540/98 do Conselho, de 29 de Junho de 1998, que estabelece novas regras de auxílio à construção naval (JO L 202, p. 1)].

39      Resulta do exposto que, contrariamente ao que a República Italiana pretende, a Comissão podia integrar na sua apreciação da compatibilidade do regime de 2004 com o mercado comum o orçamento atribuído pela República Italiana ao referido regime, uma vez que isso lhe permitia fiscalizar as condições de concorrência intracomunitária no sector da construção naval.

40      Em segundo lugar, há que rejeitar desde já o argumento de que o regime de 2004 decorria efectivamente apenas do Decreto ministerial de 2 de Fevereiro de 2004, que não previa nenhum limite orçamental. Com efeito, a norma nacional de hierarquia superior que constitui a Lei n.° 350/2003, que prevê a adopção de uma norma inferior, no caso em apreço o Decreto Ministerial de 2 de Fevereiro de 2004, não pode ser ignorada na apreciação da base legal do regime de 2004.

41      Por outro lado, é pacífico que a Lei n.° 350/2003, que precisa que o orçamento inicial do regime de auxílios ascendia a 10 milhões de euros, fazia parte dos elementos que a República Italiana tinha submetido à apreciação da Comissão no âmbito do procedimento que deu origem à decisão de aprovação de 2004.

42      Neste contexto, há que considerar que o argumento da República Italiana de que a Comissão não atribuiu nenhuma importância à quantia de 10 milhões de euros na decisão de aprovação de 2004 não pode ser acolhido. É incontestável que a Comissão aprovou o regime de 2004 nos termos em que lhe foi notificado pela República Italiana. Deste modo, como foi referido acima e como resulta, por outro lado, do considerando 11 da decisão de aprovação de 2004, o orçamento inicial de 10 milhões de euros fazia parte dos parâmetros que a República Italiana tinha submetido à apreciação da Comissão. Com efeito, na carta que transmitiu a medida em questão, afirma‑se que o orçamento é limitado a 10 milhões de euros tanto para 2004 como para o montante total atribuído.

43      Consequentemente, a República Italiana não pode validamente alegar que o orçamento inicial atribuído ao regime de 2004 não era um elemento pertinente para decidir se a medida notificada constituía ou não um novo auxílio.

44      Além disso, o facto de a República Italiana ter atribuído em 2005 1 milhão de euros suplementares ao orçamento do regime de 2004 não é pertinente para determinar se foi com razão que a Comissão, na decisão recorrida, considerou que a medida notificada constituía um novo auxílio. Com efeito, o aumento do orçamento efectuado pela República Italiana em 2005 nunca foi notificado à Comissão e pode, em qualquer caso, considerar‑se abrangido pela derrogação prevista no artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 794/2004, segundo a qual um aumento até 20% de um orçamento existente não é considerado uma alteração de um auxílio existente.

45      Por último e por mera cautela, importa observar que a eventual compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado comum não é, enquanto tal, susceptível de afectar a definição da alteração de um auxílio existente e, assim, a obrigação da sua notificação prévia à Comissão, nos termos do artigo 88.°, n.° 3, CE (v. neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Julho de 2005, Xunta de Galicia, C‑71/04, Colect., p. I‑7419, n.os 26 a 31). Por conseguinte, o facto de a República Italiana ter podido notificar e, mesmo eventualmente obter, a aprovação em 2004 de um orçamento global de 20 milhões de euros não afecta a conclusão de que a Comissão podia validamente considerar a medida notificada como um novo auxílio.

46      Resulta do exposto que a premissa em que o presente fundamento se baseia, a saber a independência do regime de 2004 relativamente ao orçamento inicial de 10 milhões de euros está errada. Assim, não se pode acusar a Comissão de ter considerado que a medida notificada constituía um novo auxílio na acepção das disposições do direito da União, como o artigo 1.°, alínea c), do Regulamento n.° 659/1999 e o artigo 4.° do Regulamento n.° 794/2004.

47      Tendo em conta tudo o que precede há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do Regulamento n.° 1177/2002

 Argumentos das partes

48      A República Italiana destaca a afirmação da Comissão que figura no considerando 26 da decisão recorrida, de que o Regulamento n.° 1177/2002 não podia servir de base legal para a apreciação da medida notificada, dado que este regulamento já não estava em vigor no momento da notificação da referida medida.

49      Na sua opinião, resulta de uma leitura correcta dos artigos 2.° a 5.° do Regulamento n.° 1177/2002, conforme alterado pelo Regulamento n.° 502/2004, que a data de caducidade que este prevê, a saber, 31 de Março de 2005, implica apenas que os contratos assinados depois dessa data não são susceptíveis de beneficiar do regime instituído pelo Regulamento n.° 1177/2002. Em contrapartida, nenhuma disposição do referido regulamento implica que não pudesse ser aplicado depois de 31 de Março de 2005 a contratos regularmente assinados antes dessa data. Pelo contrário, decorre do artigo 2.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1177/2002 que o pagamento dos auxílios concedidos ao abrigo do referido regulamento podia ser efectuado até 31 de Março de 2008 ou, na hipótese de uma prorrogação em casos especiais, até 31 de Março de 2011.

50      A este respeito, a República Italiana recorda que a medida notificada tinha sido adoptada em 24 de Dezembro de 2007 e tinha entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2008. Esta medida teve por objectivo permitir, de um ponto de vista administrativo e contabilístico, o pagamento dos auxílios a favor de todos os contratos de construção naval assinados antes de 31 de Março de 2005. Esses contratos estavam obrigados a respeitar todas as outras condições do Regulamento n.° 1177/2002, incluindo a de que a entrega devia ser efectuada nos três anos seguintes à assinatura do contrato, salvo se esse prazo fosse prorrogado por três anos devido a um dos motivos previstos no referido regulamento. Consequentemente, é evidente que a medida notificada constituía uma aplicação exacta do Regulamento n.° 1177/2002 e que a Comissão cometeu um erro de direito por não ter tomado em conta o referido regulamento na decisão recorrida. Este erro de direito justifica, por si só, a anulação da decisão recorrida.

51      A República Italiana rejeita o argumento da Comissão de que o contexto concorrencial que deu origem à adopção do Regulamento n.° 1177/2002 já não existia quando a decisão recorrida foi adoptada. A este respeito, sustenta, em primeiro lugar, que o argumento da Comissão é inadmissível, uma vez que implica uma limitação substancial na execução do Regulamento n.° 1177/2002 e não consta da decisão recorrida nem da decisão de aprovação de 2004.

52      Em segundo lugar, sustenta que o argumento da Comissão é improcedente, uma vez que esta instituição não apresentou nenhum elemento concreto susceptível de corroborar a afirmação de que, em 2008, as empresas de construção naval da União que tinham celebrado contratos antes de 31 de Março de 2005 já não sofriam, no que se refere a esses contratos, as consequências do dumping coreano.

53      A Comissão contesta os argumentos da República Italiana.

 Apreciação do Tribunal Geral

54      No âmbito deste fundamento, há que decidir se o Regulamento n.° 1177/2002 podia ser aplicado depois de 31 de Março de 2005, data da sua caducidade, a fim de apreciar a compatibilidade da medida notificada com o mercado comum.

55      É pacífico que, na decisão recorrida, a Comissão considerou que o Regulamento n.° 1177/2002 não podia servir de base jurídica para a apreciação da medida notificada, porque tinha caducado em 31 de Março de 2005 (considerandos 11, 25 e 26 da decisão recorrida).

56      Relativamente à aplicação no tempo de uma regra de direito na ausência de disposições transitórias, deve‑se distinguir, no caso vertente, as regras de competência das regras de direito material.

57      No que se refere às regras que regulam a competência das instituições da União Europeia, resulta da jurisprudência que a disposição constitutiva da base jurídica de um acto e que habilita a instituição da União a adoptar o acto em causa deve estar em vigor no momento da adopção deste (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 2000, Comissão/Conselho, C‑269/97, Colect., p. I‑2257, n.° 45).

58      No caso em apreço, é o artigo 88.° CE que constitui a base jurídica que confere à Comissão a competência para adoptar decisões em matéria de auxílios de Estado e que a habilita de forma permanente, desde 1968, a decidir sobre a compatibilidade das medidas de auxílios com o mercado comum à luz do artigo 87.° CE.

59      Quanto às regras de direito material, estas regulam, a partir da sua entrada em vigor, todos os efeitos futuros de situações nascidas na vigência da legislação anterior. Consequentemente, as regras de direito material não se aplicam aos efeitos produzidos anteriormente à sua entrada em vigor, a não ser que estejam reunidas as condições excepcionais da aplicação retroactiva (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Abril de 1970, Brock, 68/69, Recueil, p. 171, n.° 6, Colect. 1969‑1970, p. 315; de 29 de Janeiro de 2002, Pokrzeptowicz‑Meyer, C‑162/00, Colect., p. I‑1049, n.° 49, e de 24 de Setembro de 2002, Falck e Acciaierie di Bolzano/Comissão, C‑74/00 P e C‑75/00 P, Colect., p. I‑7869, n.° 119; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Fevereiro de 2007, Simões Dos Santos/IHMI, T‑435/04, n.° 100, e de 12 de Setembro de 2007, González y Díez/Comissão, T‑25/04, Colect., p. II‑3121, n.° 70).

60      Relativamente aos auxílios notificados e não pagos, no âmbito do sistema de fiscalização da União dos auxílios de Estado, a data em que os efeitos do auxílio previsto são estabelecidos coincide com o momento em que a Comissão adopta a decisão pronunciando‑se sobre a compatibilidade do auxílio com o mercado comum. Com efeito, as regras, os princípios e os critérios de apreciação da compatibilidade dos auxílios de Estado vigentes na data em que a Comissão adopta a sua decisão podem, em princípio, ser considerados melhor adaptados ao contexto concorrencial (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Dezembro de 2008, Comissão/Freistaat Sachsen, C‑334/07 P, Colect., p. I‑9465, n.os 50 a 53). Isto deve‑se ao facto de o auxílio em questão só dar lugar a vantagens ou a desvantagens reais no mercado comum a partir da data em que a Comissão decide ou não autorizá‑lo.

61      Em contrapartida, relativamente aos auxílios pagos ilegalmente sem notificação prévia, as regras de direito material aplicáveis são as vigentes no momento em que o auxílio foi pago, uma vez que as vantagens e desvantagens suscitadas por esse auxílio se materializaram durante o período no decurso do qual o auxílio em questão foi pago (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Abril de 2008, SIDE/Comissão, T‑348/04, Colect., p. II‑625, n.os 58 a 60).

62      Daqui resulta que, no caso em apreço, a Comissão não pode ser censurada por não ter aplicado o Regulamento n.° 1177/2002 dado que o auxílio previsto tinha sido notificado e não foi pago. Com efeito, as vantagens e desvantagens efectivas da medida notificada no mercado comum não eram susceptíveis de se materializar antes da adopção da decisão recorrida, que foi tomada depois da data de caducidade do Regulamento n.° 1177/2002, a saber, 31 de Março de 2005.

63      O argumento de que o artigo 4.° do Regulamento n.° 1177/2002 previa que este se aplicava aos contratos celebrados antes de 31 de Março de 2005 não invalida a conclusão segundo a qual o Regulamento n.° 1177/2002 não era aplicável à medida notificada. Com efeito, o artigo 4.° do Regulamento n.° 1177/2002 precisa, como o artigo 2.° do referido regulamento, as condições materiais que devem estar preenchidas para que a Comissão possa, ao abrigo desse regulamento, tomar uma decisão que declare o auxílio em causa compatível com o mercado comum. Contudo, a aplicação no tempo do referido regulamento é regulada pelo seu artigo 5.° e pelos princípios expostos nos n.os 57 a 60, supra.

64      É verdade que o facto de a data que determina as regras de direito material aplicáveis coincidir, relativamente a um auxílio notificado e não pago, com a adopção pela Comissão de uma decisão que se pronuncia sobre a compatibilidade do referido auxílio leva a que esta instituição possa, ao adaptar a duração do exame da medida de auxílio notificada, provocar a aplicação de uma regra de direito material que entrou em vigor depois da notificação da referida medida à Comissão. No entanto, esta hipótese, que, de resto, não se verifica no caso em apreço, dado que a medida foi notificada após a data de caducidade do Regulamento n.° 1177/2002, não pode justificar uma derrogação ao princípio segundo o qual as novas regras de direito material regulam a partir da sua entrada em vigor todos os efeitos futuros de situações constituídas na vigência das regras anteriores.

65      A este respeito, importa observar que a possibilidade de a Comissão optar pela aplicação da nova regra ou da anterior está circunscrita e é contrabalançada, por um lado, pelo facto de os Estados‑Membros disporem de um poder discricionário quanto à data em que notificam as medidas de auxílios e, por outro, pelo facto de o artigo 4.° do Regulamento n.° 659/1999 convidar a Comissão, em conformidade com o princípio da boa administração, a agir com diligência (v., neste sentido acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Novembro de 2004, Ferriere Nord/Comissão, T‑176/01, Colect., p. II‑3931, n.° 62 e jurisprudência referida).

66      O facto de os Estados‑Membros deverem, para beneficiarem da aplicação do Regulamento n.° 1177/2002, notificar as medidas de auxílios previstas antes da caducidade do referido regulamento e antes de todos os contratos elegíveis serem assinados não é susceptível de pôr em causa a aplicação ao sistema de fiscalização da União dos auxílios de Estado, dos princípios que regulam a aplicação no tempo das regras de direito material. Com efeito, é inerente ao sistema de fiscalização prévia das medidas de auxílios de Estado que as notificações devem necessariamente conter estimativas relativamente aos montantes globais dos auxílios previstos. Isto é particularmente válido no que se refere a uma medida que visa auxílios operacionais, como os que estão em causa no caso em apreço.

67      À luz do que precede e na falta de disposições transitórias que ampliem o âmbito de aplicação temporal do Regulamento n.° 1177/2002, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação dos artigos 87.° CE, 88.° CE e 253.° CE

 Argumentos das partes

68      A República Italiana afirma que, mesmo na hipótese de a medida notificada ser considerada um novo auxílio, uma vez que não está abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1177/2002, a Comissão violou os artigos 87.°, n.os 2 e 3, CE e 88.°, n.° 3, CE, na medida em que não examinou efectivamente, na decisão recorrida, se a medida notificada podia ser considerada compatível com o mercado comum por força de uma das derrogações previstas no artigo 87.°, n.os 2 e 3, CE, em especial as precisadas no artigo 87.°, n.° 3, alíneas b) e c), CE.

69      Com efeito, a Comissão considerou que a medida notificada era incompatível com o mercado comum pelo simples facto de o Regulamento n.° 1177/2002 ter caducado e por não estar abrangida por nenhuma das hipótese previstas nas secções 3.1 e 3.2 do enquadramento dos auxílios estatais à construção naval, referido no n.° 12, supra.

70      Na opinião da República Italiana, resulta da jurisprudência que a Comissão deve sempre examinar oficiosamente a eventual compatibilidade do auxílio na acepção do artigo 87.°, n.os 2 e 3, CE, salvo no caso de se verificarem circunstâncias evidentes que não permitam ao regime em questão qualquer justificação possível. Esta hipótese não se verifica no caso vertente, uma vez que a medida notificada consistia apenas no refinanciamento de um regime de auxílios que já tinha sido declarado compatível com o mercado comum e cujas demais condições tinham permanecido inalteradas.

71      Em qualquer caso, a República Italiana acrescenta que, durante o procedimento administrativo, tentou chamar a atenção da Comissão para o facto de a medida notificada ser necessária para alcançar uma igualdade concorrencial entre todos os operadores susceptíveis de beneficiarem do auxílio. Salienta, também, que a falta do auxílio pode conduzir ao encerramento dos estaleiros navais. Contudo, na decisão recorrida, a Comissão não forneceu nenhuma resposta adequada a estas propostas.

72      Por outro lado, a República Italiana pede ao Tribunal que aprecie ele próprio a medida notificada e a declare compatível com o mercado comum.

73      Além disso, a República Italiana afirma, pelas mesmas razões expostas nos n.os 68 a 71, supra, que os fundamentos apresentados no considerando 26 da decisão recorrida são insuficientes, o que equivale, na sua opinião, a uma violação do artigo 253.° CE. A este respeito, remete para a jurisprudência segundo a qual, para respeitar o seu dever de fundamentação, a Comissão deve invocar circunstâncias específicas e não gerais.

74      Por último, alega que a decisão recorrida enferma também de falta de fundamentação, na medida em que a Comissão se limitou a examinar a medida notificada sem ter em conta, na sua análise, o regime de 2004, para o qual remetia a medida notificada.

75      A Comissão conclui pela improcedência deste fundamento.

 Apreciação do Tribunal Geral

76      A título preliminar há que declarar inadmissível o pedido da República Italiana no sentido de o Tribunal declarar a medida notificada compatível com o mercado comum. Com efeito, na medida em que a fiscalização do juiz ao abrigo do artigo 230.° CE incide exclusivamente sobre a legalidade da decisão recorrida, não pode conduzir a que o Tribunal reforme a decisão recorrida ou adopte uma nova decisão que a substitua (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, Colect., p. I‑10505, n.° 141). Daqui decorre que, no caso em apreço, o Tribunal se deve limitar a examinar a legalidade da decisão recorrida à luz das alegações precisamente invocadas pela República Italiana contra essa decisão.

77      De resto, na hipótese de o pedido acima referido dever ser entendido como solicitando a anulação da decisão recorrida pelo facto de esta violar os princípios da igualdade de tratamento e da protecção da confiança legítima, essa situação será tratada no âmbito da apreciação do quarto fundamento.

78      Relativamente à alegação de que o considerando 26 da decisão recorrida enferma de insuficiência de fundamentação, deve recordar‑se que, segundo jurisprudência assente, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e evidenciar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao juiz comunitário exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas directa e individualmente afectadas pelo acto podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 230.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 2008, Chronopost/UFEX e o, C‑341/06 P e C‑342/06 P, Colect., p. I‑4777, n.° 88 e jurisprudência referida).

79      No caso em apreço, não se pode deixar de observar que tanto a República Italiana como o Tribunal estão, tendo em conta os argumentos expostos nos considerandos 11 e 25 a 35 da decisão recorrida, em condições de perceber o raciocínio da Comissão sobre o exame da compatibilidade da medida notificada com o mercado comum. Com efeito, decorre dos considerandos 11 e 26 da decisão recorrida que a Comissão considerou que o Regulamento n.° 1177/2002 tinha caducado em 31 de Março de 2005 e que não era aplicável à medida notificada. Nos considerandos 29 e 30 da decisão recorrida, a Comissão afastou, por não serem pertinentes, os princípios da protecção da confiança legítima e da igualdade de tratamento pelo facto de não ter fornecido, através da decisão de aprovação de 2004, nenhuma garantia relativamente a um eventual e posterior aumento do orçamento atribuído ao regime de 2004. Por último, nos considerandos 31 e seguintes da decisão recorrida, a Comissão expôs de forma exaustiva as razões pelas quais considerava que a jurisprudência invocada pela República Italiana não era aplicável ao caso vertente.

80      Face à jurisprudência referida no n.° 78, supra e, atendendo aos considerandos 11 e 25 a 35 da decisão recorrida e ao facto de que, no caso em apreço, incumbia à República Italiana demonstrar que a medida notificada era compatível com o mercado comum (v. n.os 83 a 85 infra), há que julgar improcedente a alegação da recorrente relativa à insuficiência de fundamentação.

81      Quanto à afirmação de que a Comissão se limitou a examinar a medida notificada sem incluir na sua análise o regime de 2004, há que a julgar improcedente. Decorre da decisão recorrida que a Comissão considerou efectivamente que o orçamento inicial de 10 milhões de euros fazia parte integrante do regime de 2004, uma vez que concluiu que o aumento desse orçamento constituía uma alteração do auxílio existente (considerandos 7 a 9 e 11 da decisão recorrida). Caso esta alegação deva ser interpretada no sentido de que visa contestar a referida conclusão, há que observar que o Tribunal já a aprovou no âmbito do primeiro fundamento.

82      Relativamente à alegação de que a Comissão cometeu um erro por não apreciar se a medida notificada podia ser considerada compatível com o mercado comum ao abrigo de uma das derrogações previstas no artigo 87.°, n.os 2 e 3, CE, em especial, as precisadas no artigo 87.°, n.° 3, alíneas b) e c), CE há também que a julgar improcedente.

83      Com efeito, segundo jurisprudência assente, quando a Comissão decide dar início ao procedimento formal previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, compete ao Estado‑Membro e ao beneficiário potencial do auxílio estatal apresentarem os seus argumentos destinados a demonstrar que o projecto de auxílio corresponde às excepções previstas por aplicação do Tratado, uma vez que o objecto do procedimento formal é precisamente o de esclarecer a Comissão sobre todos os dados do processo. Embora a Comissão esteja obrigada a formular claramente as suas dúvidas sobre a compatibilidade do auxílio quando dá início a um procedimento formal, a fim de permitir que o Estado‑Membro e os interessados lhe respondam o melhor possível, não é menos exacto que é a quem solicitou o auxílio que compete dissipar tais dúvidas e comprovar que o projecto de auxílio satisfaz a condição de concessão (v. acórdão Ferriere Nord/Comissão, n.° 65 supra, n.os 93 e 94 e jurisprudência referida).

84      Ainda segundo essa jurisprudência, embora o artigo 88.°, n.° 2, CE imponha à Comissão que, antes de tomar a sua decisão, recolha as observações das partes interessadas, não proíbe que esta instituição conclua, face à inexistência de tais observações, que um auxílio é incompatível com o mercado comum. Em especial, a Comissão também não pode ser censurada por não ter tido em conta eventuais elementos de facto ou de direito que lhe teriam podido ser apresentados durante o procedimento administrativo, mas que não o foram, não estando a Comissão obrigada a examinar oficiosamente os elementos que por suposição lhe poderiam ter sido fornecidos (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Janeiro de 2004, Fleuren Compost/Comissão, T‑109/01, Colect., p. II‑127, n.os 48 e 49 e jurisprudência referida).

85      Na medida em que a legalidade de uma decisão em matéria de auxílios de Estado deve ser apreciada em função dos elementos de informação de que a Comissão podia dispor no momento em que a tomou, ninguém pode invocar no tribunal da União elementos que não foram alegados no decurso do procedimento pré‑contencioso previsto no artigo 88.° CE (v., neste sentido, acórdão Fleuren Compost/Comissão, n.° 84, supra, n.° 51 e jurisprudência referida).

86      No caso em apreço, a Comissão afirmou, nos considerandos 26 e 27 da decisão recorrida, que a República Italiana se referiu durante o procedimento administrativo ao Regulamento n.° 1177/2002 e aos princípios da protecção da confiança legítima e da igualdade de tratamento para basear o seu pedido de autorização da medida notificada. Por outro lado, decorre dos considerandos 25 a 35 da decisão recorrida que a Comissão examinou e contestou efectivamente os argumentos e a jurisprudência invocados a este respeito pela República Italiana.

87      Na audiência, a República Italiana foi convidada pelo Tribunal a precisar elementos pertinentes adicionais que teria apresentado à Comissão durante o procedimento administrativo, mas que esta se tinha recusado examinar. Ora, há que concluir que a República Italiana não conseguiu indicar outros argumentos para além dos examinados e contestados pela Comissão na decisão recorrida.

88      Face ao exposto, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação dos princípios da protecção da confiança legítima e da igualdade de tratamento

 Argumentos das partes

89      A República Italiana sustenta que, mesmo admitindo que a medida notificada fosse incompatível com o mercado comum, decorre da jurisprudência que a Comissão a devia aprovar, em conformidade com os princípios da protecção da confiança legítima e da igualdade de tratamento.

90      Com efeito, uma vez que a decisão de aprovação de 2004 não atribuiu nenhuma importância ao orçamento afectado aos auxílios destinados aos construtores navais, a República Italiana e os destinatários finais do regime de auxílios podiam legitimamente esperar que a Comissão aprovasse a medida notificada, dado que esta se inscrevia no regime de 2004, porquanto se limitou a aumentar o orçamento global sem proceder a mais nenhuma alteração às condições de aplicação do referido regime.

91      A Comissão violou também o princípio da igualdade de tratamento, na medida em que a decisão recorrida implica que determinados estaleiros navais não tenham podido beneficiar do regime de auxílios, apesar de se encontrarem numa situação de facto e de direito igual à dos beneficiários efectivos do regime de auxílios.

92      Com a medida notificada, a República Italiana visava precisamente restabelecer o princípio da igualdade de tratamento. Aumentou o orçamento global atribuído ao regime de auxílios em causa de forma a que nenhum construtor naval que tenha celebrado um contrato de construção naval susceptível de beneficiar do referido regime de auxílios seja privado do seu direito por causa de uma cobertura financeira insuficiente.

93       A Comissão conclui pela improcedência deste fundamento.

 Apreciação do Tribunal Geral

94      A título preliminar, deve‑se salientar que a premissa em que parcialmente se baseia o fundamento da República Italiana, a saber que a decisão de aprovação de 2004 não atribuiu nenhuma importância ao orçamento afectado aos auxílios destinados aos construtores navais, já foi rejeitada no n.° 42, supra.

95      Assim, a afirmação de que a Comissão violou o princípio da confiança legítima não pode ser acolhida, na medida em que ninguém pode invocar uma violação desse princípio na ausência de garantias precisas que lhe tenham sido dadas pela instituição em causa (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Março de 2003, Innova Privat‑Akademie/Comissão, T‑273/01, Colect., p. II‑1093, n.° 26).

96      De resto, há que constatar que o Regulamento n.° 1177/2002 não contém disposições que dispensem os Estados‑Membros da sua obrigação de notificação nos termos do artigo 88.°, n.° 3, CE, nem disposições que alterem a definição dos conceitos com ela relacionados, como o conceito de alteração de um auxílio existente. Pelo contrário, esse regulamento sujeita a sua aplicação ao respeito do disposto no artigo 88.° CE e no Regulamento n.° 659/1999. Consequentemente, a decisão de aprovação de 2004, que se baseia no Regulamento n.° 1177/2002, não podia de forma alguma ser susceptível de criar uma confiança legítima para além do que estava explicitamente exposto na referida decisão, a saber a autorização de a República Italiana conceder auxílios num montante global de 10 milhões de euros.

97      Quanto ao argumento relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento, importa observar que o mesmo é manifestamente improcedente. O facto de o Regulamento n.° 1177/2002 não ser aplicável à medida notificada decorre de uma regra de direito e não do exercício de uma margem de apreciação. Assim, a razão pela qual os contratos visados pela medida notificada não beneficiam de auxílios ao abrigo do Regulamento n.° 1177/2002 está unicamente relacionada com o carácter temporário desse mesmo regulamento e com facto de a República Italiana não ter notificado a medida em causa, de modo a poder ser tomada uma decisão pela Comissão antes da caducidade do referido regulamento.

98      Por conseguinte, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do princípio do contraditório

 Argumentos das partes

99      A República Italiana censura a Comissão por, na decisão recorrida, ter tido em consideração a recomendação do ORL relativa ao Regulamento n.° 1177/2002, sem antes ter instaurado um debate contraditório com as autoridades italianas a esse respeito durante o procedimento administrativo. Portanto, na opinião da República Italiana, a Comissão não podia basear a sua decisão no procedimento perante o ORL e nos seus resultados. O facto de ter suscitado durante o procedimento administrativo a questão do procedimento no seio do ORL não é pertinente, uma vez que o fez por mera cautela, para salientar que este último procedimento não tinha qualquer efeito suspensivo na aplicação do Regulamento n.° 1177/2002, nem tão‑pouco na medida notificada.

100    A Comissão conclui pela improcedência do fundamento.

 Apreciação do Tribunal Geral

101    Há que recordar que, na sua carta de 7 de Julho de 2008, a República Italiana informou a Comissão de que considerava que o procedimento no ORL relativo ao Regulamento n.° 1177/2002 não podia impedir os estaleiros navais que apresentaram um pedido de auxílio antes do termo do referido procedimento de beneficiarem do auxílio ao abrigo do Regulamento n.° 1177/2002 e do regime de 2004.

102    Nos considerandos 35 a 37 da decisão recorrida, a Comissão respondeu a esta afirmação. A este respeito, sustentou que decorria da jurisprudência que o Regulamento n.° 1177/2002 devia ser interpretado, tanto quanto possível, à luz das obrigações da Comunidade no quadro da OMC. Seguidamente, afirmou que o procedimento no ORL, a que a República Italiana tinha feito referência na sua carta de 7 de Julho de 2008, tinha levado o ORL, em 20 de Junho de 2005, a concluir que o Regulamento n.° 1177/2002 e os diversos regimes nacionais que o aplicavam violavam as regras da OMC. A Comissão afirmou depois que em 20 de Julho de 2005 tinha informado a OMC de que o Regulamento n.° 1177/2002 tinha caducado em 31 de Março de 2005 e que os Estados‑Membros já não podiam conceder auxílios ao abrigo do referido regulamento. A Comissão concluiu, a este respeito, que a comunicação à OMC constituía um compromisso da Comunidade face à OMC de não aplicar mais o Regulamento n.° 1177/2002.

103    À luz destes factos, não se pode acusar a Comissão de ter violado o princípio do contraditório. Pelo contrário, ao responder a uma afirmação da República Italiana, a Comissão respeitou os seus direitos de defesa, em especial, o seu direito de audição. O facto de essa resposta conter a conclusão que a Comissão tirava do resultado do procedimento no ORL não põe em causa esta consideração, uma vez que foi a República Italiana que abordou, na sua carta de 7 de Julho de 2008, a questão das implicações do referido procedimento na aplicação do Regulamento n.° 1177/2002.

104    Improcede, portanto, o quinto fundamento.

 Quanto ao sexto fundamento, relativamente à tomada em consideração das normas da OMC na apreciação da compatibilidade da medida notificada com o mercado comum

 Argumentos das partes

105    Com este fundamento, a República Italiana sustenta que, ao apreciar a compatibilidade da medida notificada com as normas da OMC, a Comissão cometeu um erro de direito. Com efeito, ao apreciar um projecto de auxílio de Estado nos termos do artigo 88.°, n.° 3, CE, como o visado no caso em apreço, a Comissão não podia basear a sua avaliação em considerações diferentes das previstas no artigo 87.° CE.

106    A República Italiana salienta também que a questão de saber se um regime de auxílios é potencialmente incompatível com as regras da OMC deve ser decidida pelo Tribunal de Justiça no âmbito do procedimento previsto no artigo 226.° CE.

107    Resulta do exposto que a Comissão, ao ter avaliado a compatibilidade da medida notificada com as normas da OMC, agiu fora do âmbito da sua competência e violou o artigo 88.°, n.° 3, CE e os artigos 87.° CE e 226.° CE.

108    A Comissão contesta a alegação de que examinou a compatibilidade da medida notificada com as normas da OMC.

 Apreciação do Tribunal Geral

109    Há que reconhecer que decorre do considerando 26 da decisão recorrida que a Comissão considerou que a medida notificada era incompatível com o mercado comum à luz, por um lado, do facto de o Regulamento n.° 1177/2002 ter caducado e, por outro, do facto de não existir outra base legal em que a decisão de compatibilidade se pudesse basear.

110    No considerando 37 da decisão recorrida, a Comissão afirmou, em resposta ao argumento da República Italiana exposto no considerando 35 da decisão recorrida, que a Comunidade tinha informado a OMC, em 20 de Julho de 2005, do facto de o Regulamento n.° 1177/2002 ter caducado em 31 de Março de 2005 e de os Estados‑Membros não poderem assim conceder mais auxílios ao abrigo do referido regulamento. A Comissão concluiu, a este respeito, que a comunicação à OMC constituía um compromisso da parte da Comunidade face à OMC de não aplicar mais o Regulamento n.° 1177/2002.

111    Portanto, uma leitura conjugada dos considerandos 26 e 37 da decisão recorrida demonstra que, nessa decisão a Comissão considerou que a eventual aprovação da medida notificada seria não só incompatível com o mercado comum, como estaria também em contradição com os compromissos da Comunidade face à OMC, dado que a conclusão relativa à incompatibilidade da medida notificada com o mercado comum era uma apreciação distinta, autónoma e prévia sobre as responsabilidades da Comunidade face à OMC.

112    Daqui resulta que o fundamento invocado pela recorrente não procede.

 Quanto ao sétimo fundamento, relativo ao facto de a decisão recorrida se basear na comunicação à OMC

 Argumentos das partes

113    A República Italiana alega que a decisão recorrida enferma de ilegalidade na medida em que se baseia na comunicação à OMC para declarar que os Estados‑Membros já não podem conceder auxílios ao abrigo do Regulamento n.° 1177/2002, dado que este caducou em 31 de Março de 2005.

114    A este respeito, em primeiro lugar, a República Italiana afirma que nunca foi informada da comunicação à OMC, o que devia ter impedido Comissão de a ter em consideração no momento da adopção da decisão recorrida.

115    Em segundo lugar, a República Italiana alega que, em todo o caso, a referida comunicação não permitia à Comissão recusar a autorização da medida notificada. Com efeito, através da comunicação à OMC, a Comissão apenas declarou que não ia prorrogar o Regulamento n.° 1177/2002. Portanto, os Estados‑Membros ficavam obrigados a não conceder auxílios às empresas que celebraram contratos de construção naval depois de 31 de Março de 2005. Consequentemente, a comunicação à OMC não os dispensou da obrigação de respeitarem os direitos adquiridos das empresas aos auxílios com base em contratos assinados antes de 31 de Março de 2005.

116     A Comissão conclui pela improcedência deste fundamento.

 Apreciação do Tribunal Geral

117    Deve‑se observar que o artigo 1.° da decisão recorrida precisa que a medida notificada não pode ser aplicada, uma vez que é incompatível com o mercado comum.

118    Como salientado no n.° 111, supra, a referência na decisão recorrida à comunicação à OMC não tinha outro objectivo a não ser indicar, em resposta às interrogações da República Italiana e por mera cautela, que a eventual aprovação da medida notificada estaria, além disso, em contradição com os compromissos da Comunidade em relação à OMC. Com efeito, decorre do considerando 26 da decisão recorrida que, ao concluir que a medida notificada era incompatível com o mercado comum, a Comissão não se baseou de forma alguma na comunicação à OMC.

119    Daqui resulta que, em qualquer caso, a comunicação à OMC não teve qualquer influência no dispositivo da decisão recorrida.

120    Há, pois, que concluir que o sétimo considerando também não pode proceder.

121    Por conseguinte, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

122    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a República Italiana sido vencida, há que condená‑la nas despesas, nos termos do pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República Italiana é condenada nas despesas.

Martins Ribeiro

Papasavvas

Wahl

Assinaturas

Índice

Quadro jurídico

Antecedentes do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à qualificação errada da medida notificada de novo auxílio

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do Regulamento n.° 1177/2002

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação dos artigos 87.° CE, 88.° CE e 253.° CE

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação dos princípios da protecção da confiança legítima e da igualdade de tratamento

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do princípio do contraditório

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto ao sexto fundamento, relativamente à tomada em consideração das normas da OMC na apreciação da compatibilidade da medida notificada com o mercado comum

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto ao sétimo fundamento, relativo ao facto de a decisão recorrida se basear na comunicação à OMC

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto às despesas


* Língua do processo: italiano.