Language of document : ECLI:EU:T:2018:940

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

13 de dezembro de 2018 (*)

«Auxílios de Estado — Serviços de assistência em escala — Injeções de capital efetuadas pela SEA a favor da Sea Handling — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno e que ordena a sua recuperação — Conceito de auxílio — Imputabilidade ao Estado — Critério do investidor privado — Princípio do contraditório — Direitos de defesa — Direito a uma boa administração — Confiança legítima»

No processo T‑167/13,

Comune di Milano (Itália), representada inicialmente por S. Grassani e A. Franchi e, em seguida, por S. Grassani, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Conte e D. Grespan, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido apresentado ao abrigo do disposto no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão (UE) 2015/1225 da Comissão, de 19 de dezembro de 2012, relativa aos aumentos de capital efetuados pela SEA SpA a favor da Sea [Handling] SpA [SA.21420 (C 14/10) (ex NN 25/10) (ex CP 175/06)] (JO 2015, L 201, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada),

composto por M. van der Woude, presidente, V. Kreuschitz (relator), I. S. Forrester, N. Półtorak e E. Perillo, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 28 de fevereiro de 2018,

profere o presente

Acórdão (1)

I.      Antecedentes do litígio

A.      Contexto geral

1        A SEA SpA é a sociedade gestora dos aeroportos de Milan‑Linate e de Milan‑Malpensa (Itália). Entre 2002 e 2010 (a seguir «período em causa»), o seu capital era detido quase exclusivamente por entidades públicas, designadamente, 84,56% pelo recorrente, o Comune di Milano (Itália), 14,56% pela Provincia di Milano (Itália), e 0,88% por outros acionistas públicos e privados. Em dezembro de 2011, o F2i — Fondi Italiani per le infrastrutture SGR SpA (a seguir «F2i») adquiriu, por conta dos dois fundos por si geridos, 44,31% do capital da SEA, incluindo uma parte do capital detido pelo recorrente (29,75%) e a totalidade do capital detido pela Provincia di Milano (14,56%).

2        Até 1 de junho de 2002, a SEA prestou ela própria os serviços de assistência em escala nos aeroportos de Milan‑Linate e de Milan‑Malpensa. Na sequência da entrada em vigor do Decreto Legislativo n.o 18/99, de 13 de janeiro de 1999 (Gazzetta ufficiale della Repubblica italiana n.o 28, de 4 de fevereiro de 1999), destinado à transposição para o direito italiano da Diretiva 96/67/CE do Conselho, de 15 de outubro de 1996, relativa ao acesso ao mercado da assistência em escala nos aeroportos da Comunidade (JO 1996, L 272, p. 36), a SEA procedeu, em conformidade com a obrigação prevista no artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva, à separação contabilística e jurídica entre as atividades ligadas à prestação de serviços de assistência em escala e as suas restantes atividades. Para este efeito, constituiu uma nova sociedade, inteiramente controlada por si e denominada Sea Handling SpA. A Sea Handling prestou serviços de assistência em escala aos aeroportos de Milan‑Linate e de Milan‑Malpensa a partir de 1 de junho de 2002.

B.      Procedimento administrativo

3        Por carta de 13 de julho de 2006, a Comissão das Comunidades Europeias recebeu uma denúncia relativa às alegadas medidas de auxílio concedidas à Sea Handling (a seguir «medidas em causa»).

4        Por carta de 6 de outubro de 2006, a Comissão solicitou às autoridades italianas para prestarem esclarecimentos sobre a denúncia. Depois de terem solicitado e obtido uma prorrogação do prazo para a resposta, as autoridades italianas prestaram os esclarecimentos pedidos por carta de 9 de fevereiro de 2007.

5        Por carta de 30 de maio de 2007, a Comissão informou o autor da denúncia de que não dispunha de informações suficientes para concluir pela existência de uma transferência de recursos estatais na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e que, por conseguinte, em conformidade com o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento (CE) no 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1), não havia fundamentos suficientes para analisar as medidas em causa. Por carta de 24 de julho de 2007, o autor da denúncia comunicou informações complementares à Comissão. Em seguida, esta última decidiu voltar a analisar a denúncia.

6        Por carta de 3 de março de 2008, a Comissão pediu às autoridades italianas que lhe enviassem uma cópia de um acordo sindical celebrado em 26 de março de 2002 (a seguir «acordo sindical de 26 de março de 2002»). Por carta de 10 de abril de 2008, as autoridades italianas enviaram o documento solicitado.

7        Por carta de 20 de novembro de 2008, as autoridades italianas enviaram à Comissão um outro acordo sindical celebrado em 13 de junho de 2008 (a seguir «acordo sindical de 13 de junho de 2008»).

8        Por carta de 23 de junho de 2010, a Comissão notificou as autoridades italianas da sua decisão de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE (a seguir «decisão de dar início ao procedimento») e convidou as autoridades italianas a facultarem‑lhe determinadas informações e dados necessários para apreciar a compatibilidade das medidas em causa com o mercado interno. Através da publicação da decisão de dar início ao procedimento no Jornal Oficial da União Europeia, em 29 de janeiro de 2011 (JO 2011, C 29, p. 10), a Comissão convidou os interessados a apresentar as suas observações sobre as medidas em causa no prazo de um mês após esta publicação.

9        Após terem solicitado e obtido uma prorrogação do prazo de resposta, as autoridades italianas apresentaram as observações do recorrente sobre a decisão de dar início ao procedimento em 20 de setembro de 2010.

10      Após terem solicitado e obtido uma prorrogação do prazo de resposta que lhes dizia respeito, a Sea Handling e a SEA apresentaram as suas observações sobre a decisão de dar início ao procedimento por carta de 21 de março de 2011.

11      Por carta de 7 de abril de 2011, a Comissão enviou as observações dos terceiros interessados às autoridades italianas e convidou‑as a apresentar as suas observações. Após terem solicitado e obtido uma prorrogação do prazo que lhes dizia respeito, as autoridades italianas apresentaram as suas observações em resposta às observações de terceiros e facultaram novos argumentos sob a forma de um estudo realizado por um gabinete de consultoria.

12      Por carta de 11 de julho de 2011, a Comissão pediu às autoridades italianas que lhe enviassem as informações que já tinha pedido na decisão de dar início ao procedimento. Depois de ter solicitado, por duas vezes, mas tendo obtido, apenas uma vez, uma prorrogação do prazo de resposta, as autoridades italianas apresentaram as informações solicitadas por carta de 15 de setembro de 2011.

13      Por carta de 21 de outubro de 2011, as autoridades italianas completaram as suas observações anteriores.

14      Em 19 de junho e 23 de novembro de 2012, realizaram‑se duas reuniões entre os serviços da Comissão e as autoridades italianas. Na sequência da primeira dessas reuniões, as autoridades italianas forneceram novos argumentos por cartas de 2 e 10 de julho de 2012.

C.      Decisão impugnada

15      Em 19 de dezembro de 2012, a Comissão adotou a Decisão (UE) 2015/1225, relativa aos aumentos de capital efetuados pela SEA a favor da Sea [Handling] [SA.21420 (C 14/10) (ex NN 25/10) (ex CP 175/06)], notificada sob o número C(2012) 9448 (JO 2015, L 201, p. 1, a seguir «decisão impugnada»).

16      No dispositivo da decisão recorrida, a Comissão considerou, nomeadamente, que «[o]s aumentos de capital efetuados pela SEA a favor da […] Sea Handling para cada um dos exercícios do período [de] 2002 [a] 2010 (no montante acumulado estimado em 359,644 milhões de [euros], excluindo juros de recuperação) constitu[ía]m auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o [TFUE]» (artigo 1.o) e que «estes auxílios de Estado, concedidos em violação do artigo 108.o, n.o 3, [TFUE], eram incompatíveis com o mercado interno» (artigo 2.o). Por conseguinte, ordenou que «[a República italiana] [fosse] obrigada a exigir ao beneficiário o reembolso dos auxílios referidos no artigo 1.o» (artigo 3.o, n.o 1).

II.    Tramitação processual e pedidos das Partes

17      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de março de 2013, o recorrente intentou o presente recurso.

18      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de março de 2013, o recorrente apresentou um pedido de medidas provisórias registado sob o número de processo T‑167/13 R. Tendo o recorrente desistido do seu pedido de medidas provisórias, o Processo T‑167/13 R foi cancelado do registo do Tribunal Geral por Despacho de 20 de junho de 2013, Comune di Milano/Comissão (T‑167/13 R, não publicado, EU:T:2013:331), tendo as despesas ficado reservadas para final.

19      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de maio de 2013, a F2i pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos do recorrente. Por Despacho de 4 de novembro de 2014, Comune di Milano/Comissão (T‑167/13, não publicado, EU:T:2014:936), o presidente da Quarta Secção do Tribunal Geral indeferiu este pedido de intervenção.

20      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de junho de 2013, a Comissão arguiu uma exceção de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.o do Regulamento de Processo do Tribunal de 2 de maio de 1991. O recorrente apresentou as suas observações sobre esta exceção em 22 de julho de 2013. Por despacho do Tribunal Geral de 9 de setembro de 2014, foi decidido conhecer da exceção juntamente com o mérito e as despesas foram reservadas a final.

21      Tendo sido alterada a composição das Secções do Tribunal Geral, nos termos do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o juiz relator foi afetado à Terceira Secção, à qual o presente processo foi, por conseguinte, atribuído.

22      Tendo um membro da Terceira Secção ficado impedido de compor o tribunal, o presidente do Tribunal Geral designou outro juiz para completar a Secção.

23      Sob proposta da Terceira Secção, o Tribunal Geral decidiu, nos termos do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o presente processo, bem como os processos T‑125/13, República Italiana/Comissão e T‑152/13, Sea Handling/Comissão, nos quais foi também pedida a anulação da decisão impugnada, para uma formação de julgamento alargada.

24      Devido ao impedimento de um membro da Terceira Secção mencionado no n.o 22, supra, o presidente do Tribunal Geral designou o vice‑presidente do Tribunal para completar a Terceira Secção Alargada.

25      Por Despacho do presidente da Terceira Secção Alargada do Tribunal Geral, de 21 de abril de 2017, ouvidas as partes principais, os processos T‑125/13, T‑152/13 e T‑167/13 foram apensados para efeitos da fase oral do processo bem como da decisão que põe termo à instância, em conformidade com o artigo 68.o do Regulamento de Processo.

26      Sob proposta do juiz relator, o Tribunal Geral (Terceira Secção Alargada) decidiu iniciar a fase oral do processo.

27      Nos termos do artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, o presidente da Terceira Secção Alargada do Tribunal Geral enviou à Secção as decisões sobre a separação dos processos T‑125/13, T‑152/13 e T‑167/13 para efeitos da fase oral do processo e da decisão que põe termo à instância e sobre o cancelamento do registo no Tribunal Geral do Processo T‑125/13.

28      Por despacho de 22 de janeiro de 2018, Itália e o./Comissão (T‑125/13, T‑152/13 e T‑167/13, não publicado, EU:T:2018:35), o Tribunal Geral, em primeiro lugar, desapensou os Processos T‑125/13, T‑152/13 e T‑167/13 para efeitos da fase oral e de pôr termo à instância, em conformidade com o artigo 68.o, n.o 3, do Regulamento de Processo; em segundo lugar, cancelou o Processo T‑125/13 do registo do Tribunal Geral; em terceiro lugar, constatou que já não havia lugar ao conhecimento do mérito do recurso interposto pela Sea Handling no Processo T‑152/13 e, em quarto lugar, reservou para final as despesas no Processo T‑167/13.

29      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 28 de fevereiro de 2018.

30      O recorrente concluiu pedindo que o Tribunal Geral se digne: anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, anular os artigos 3.o, 4.o e 5.o da decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

31      A Comissão concluiu pedindo que o Tribunal Geral se digne: negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto à admissibilidade

32      A Comissão contesta a admissibilidade do presente recurso alegando que a decisão recorrida não diz individualmente respeito ao recorrente e que o mesmo não justifica um «interesse específico e autónomo em agir».

33      Estando em causa, em primeiro lugar, a questão de saber se a decisão recorrida diz individualmente respeito ao recorrente, importa recordar que decorre de jurisprudência constante que os sujeitos que não sejam os destinatários de uma decisão só podem alegar que ela lhes diz individualmente respeito se esta os prejudicar por determinadas qualidades que lhes são específicas ou por uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de forma idêntica à do destinatário (Acórdãos de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, EU:C:1963:17, p. 197; de 28 de janeiro de 1986, Cofaz e o./Comissão, 169/84, EU:C:1986:42, n.o 22, e de 13 de dezembro de 2005, Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, C‑78/03 P, EU:C:2005:761, n.o 33).

34      Resulta igualmente da jurisprudência que a posição jurídica de um organismo diferente de um Estado‑Membro, gozando de personalidade jurídica e tendo tomado uma medida qualificada de auxílio estatal numa decisão final da Comissão (a seguir «concedente do auxílio»), pode ser individualmente afetad[a] por esta decisão se a mesma o impedir de exercer, como pretende, as suas competências próprias que consistem nomeadamente na concessão do auxílio em causa (v. Acórdão de 17 de julho de 2014, Westfälisch‑Lippischer Sparkassen‑ und Giroverband/Comissão, T‑457/09, EU:T:2014:683, n.o 83 e jurisprudência referida).

35      Em substância, a Comissão considera que, apesar de as medidas em causa serem imputáveis ao recorrente, este não poderá ser considerado como o concedente do auxílio, na aceção da jurisprudência referida no n.o 34, supra.

36      O recorrente contesta os argumentos da Comissão que qualifica de contraditórios. Segundo o recorrente, se, na decisão recorrida, a Comissão considera que as medidas em causa lhe são imputáveis, então deverá logicamente ser considerado como concedente do auxílio.

37      Resulta do artigo 1.o da decisão impugnada que a Comissão considera que «[o]s aumentos de capital efetuados pela SEA a favor da sua filial Sea Handling […] constituem auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o […] TFUE» e, por conseguinte, que foi a SEA que executou as medidas em causa.

38      Não obstante, resulta dos considerandos 190 a 217 da decisão impugnada que a Comissão só pôde concluir pela existência de auxílios de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, com base na sua apreciação de que as medidas em causa, executadas pela SEA, são imputáveis ao recorrente e, por conseguinte, à República italiana.

39      Segundo jurisprudência constante, a imputabilidade ao Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, não pode ser deduzida do simples facto destas terem sido efetuadas por uma empresa pública controlada pelo Estado. Com efeito, embora o Estado possa controlar uma empresa pública e exercer uma influência dominante nas suas operações, o exercício efetivo deste controlo num caso concreto não deve ser automaticamente presumido. Há que examinar ainda se as autoridades públicas devem ser consideradas envolvidas, de uma forma ou outra, na adoção dessas medidas. A este respeito, não se pode exigir que seja demonstrado, com base em instruções precisas, que as autoridades públicas incitaram concretamente a empresa pública a adotar as medidas de auxílio em causa. Com efeito, deve aceitar‑se que a imputabilidade ao Estado de uma medida de auxílio adotada por uma empresa pública pode ser deduzida de um conjunto de indícios resultante das circunstâncias do caso concreto e do contexto em que essa medida ocorreu. Em especial, é relevante qualquer outro indício, no caso concreto, de um envolvimento ou da improbabilidade do não envolvimento das autoridades públicas na adoção de uma medida, atendendo igualmente ao alcance desta, ao seu conteúdo e às condições de que se reveste, ou o não envolvimento das referidas autoridades na adoção da dita medida (v. Acórdão de 17 de setembro de 2014, Commerz Nederland, C‑242/13, EU:C:2014:2224, n.os 31 a 33 e jurisprudência referida).

40      Ora, é forçoso constatar que, se for aceite, o argumento da Comissão segundo o qual a «simples» participação de uma autoridade local nas decisões de uma sociedade por ela controlada não basta para considerar que uma decisão que ordena a recuperação, como auxílio de Estado ilegal, de uma vantagem concedida por uma tal decisão diz individualmente respeito a essa entidade, não lhe teria sido possível concluir que, neste caso, as medidas em causa eram imputáveis ao Estado italiano. De facto, resulta da jurisprudência referida no n.o 39, supra que esta imputabilidade ao Estado pressupõe que o envolvimento das autoridades públicas seja caracterizado de tal forma que se assemelhe a uma instrução dada por estas autoridades. Daqui resulta que, ao considerar que as medidas em causa são imputáveis ao recorrente enquanto autoridade pública, a Comissão lhe atribui um papel decisivo no procedimento de adoção dessas medidas.

41      Nestas circunstâncias, justifica‑se que o recorrente critique como intrinsecamente contraditória a argumentação da Comissão segundo a qual, apesar de as medidas em causa serem imputáveis ao recorrente, este último não é o concedente do auxílio. Pelo contrário, se o recorrente é a autoridade pública que esteve envolvida na adoção das medidas em causa, de tal forma que lhe são imputáveis em conformidade com os critérios estabelecidos no n.o 39, supra, é o recorrente que deve ser considerado como concedente do auxílio (v. n.o 34, supra). Neste contexto, é irrelevante que estas medidas tenham sido executadas pela SEA, uma vez que, na própria opinião da Comissão, esta sociedade agia por instigação do recorrente.

42      O recorrente alega que a decisão recorrida tem um impacto significativo nas competências que lhe são reconhecidas pela Constituição italiana, sem que isso seja contestado pela Comissão. Enquanto autoridade local mais próxima das necessidades da população, incumbe‑lhe velar pelos seus interesses e o seu bem‑estar, nomeadamente evitar os impactos graves em matéria de emprego decorrentes da insolvência da Sea Handling e garantir a continuidade da atividade nos aeroportos de Milan‑Linate e de Milan‑Malpensa, enquanto elemento essencial da economia milanesa.

43      Assim, a decisão recorrida diz individualmente respeito ao recorrente na aceção da jurisprudência referida no n.o 34, supra, na medida em que o impede de exercer como entende as competências próprias que lhe são conferidas pela Constituição italiana, consistentes, no caso em apreço, em medidas destinadas a garantir a estabilidade financeira da Sea Handling e, portanto, por um lado, a preservar os empregos nesta empresa e, por outro, a garantir a continuidade da atividade aeroportuária no Milan‑Linate e no Milan‑Malpensa.

44      A exceção de inadmissibilidade da Comissão deve assim improceder na medida em que visa a declaração de que a decisão impugnada não diz individualmente respeito ao recorrente.

45      Estando em causa, em segundo lugar, o argumento da Comissão de que o recorrente não justifica um «interesse específico e autónomo para agir», resulta de jurisprudência constante que um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva só é admissível se essa pessoa tiver interesse na anulação do ato recorrido. Esse interesse pressupõe que a anulação desse ato possa, por si só, produzir consequências jurídicas e que, assim, o resultado do recurso possa proporcionar um benefício à parte que o interpôs. O interesse de um recorrente em agir deve ser efetivo e atual. Este interesse deve, tendo em conta o objeto do recurso, existir no momento em que o recurso é interposto, sob pena de inadmissibilidade, e perdurar até à prolação da decisão jurisdicional, sob pena de não conhecimento do mérito da causa (v. Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.os 55 a 57 e jurisprudência referida).

46      No entanto, nada na jurisprudência indica que um interesse em agir deva preencher não apenas os requisitos recordados no n.o 45, supra, mas também ser «específico e autónomo», como refere, todavia, a Comissão.

47      No caso concreto, em resposta a uma medida de organização do processo do Tribunal Geral, o recorrente salientou que a SEA e ele próprio foram citados judicialmente perante o Tribunale di Milano (Tribunal de Primeira Instância de Milão, Itália) por uma sociedade do setor dos serviços de assistência em escala. Esta sociedade reclamava uma indemnização pelos prejuízos alegadamente sofridos (no montante de cerca de 93 milhões de euros) devido às medidas tomadas pela SEA a favor da Sea Handling que são objeto da decisão impugnada. Na audiência, o recorrente referiu que este processo perante o Tribunale di Milano (Tribunal de Primeira Instância de Milão) estava «informalmente» suspenso a aguardar a decisão do Tribunal Geral no presente processo.

48      É forçoso constatar que a anulação da decisão recorrida no presente processo permitiria ao recorrente defender‑se perante o Tribunale di Milano (Tribunal de Primeira Instância de Milão), alegando que as medidas em causa não constituem auxílios de Estado incompatíveis com o mercado interno, como declarado pela Comissão nessa decisão. Assim, esta anulação é suscetível, por si mesma, de ter consequências jurídicas importantes para a defesa do recorrente perante o Tribunale di Milano (Tribunal de Primeira Instância de Milão), pelo que o presente recurso é suscetível de, pelo seu resultado, lhe proporcionar um benefício.

49      Por conseguinte, a exceção de inadmissibilidade da Comissão deve também improceder, na medida em que esta contesta a existência de um «interesse específico e autónomo para agir» por parte do recorrente.

B.      Quanto ao mérito

1.      Resumo dos fundamentos de anulação

50      O recorrente invoca quatro fundamentos de recurso.

51      O primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, na medida em que a Comissão declarou erradamente ter havido uma transferência de recursos estatais e que as medidas em causa eram imputáveis ao Estado italiano.

52      Com o segundo fundamento, o recorrente alega uma violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, na medida em que a Comissão ignorou o critério do investidor privado.

53      O terceiro fundamento é relativo ao não preenchimento dos requisitos de compatibilidade das medidas em causa com o mercado interno, nomeadamente na medida em que a Comissão violou as Orientações comunitárias relativas aos auxílios de Estado de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade (JO 1999, C 288, p. 2, a seguir «Orientações de 1999»), as Orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade (JO 2004, C 244, p. 2, a seguir «linhas orientadoras de 2004»), assim como as Orientações comunitárias relativas ao financiamento aeroportuário e aos auxílios de Estado ao arranque das companhias aéreas que operam a partir de aeroportos regionais (JO 2005, C 312, p. 1, a seguir «orientações relativas ao setor aeroportuário»).

54      Com o quarto fundamento, o recorrente alega uma violação dos princípios do contraditório e dos direitos de defesa, de «boa administração» e de proteção da confiança legítima.

2.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, por incumprimento dos critérios de transferência de recursos estatais e de imputabilidade das medidas em causa ao Estado, bem como uma violação do dever de fundamentação

a)      Alcance do fundamento

55      Com o seu primeiro fundamento, o recorrente considera que a Comissão violou o artigo 107.o, n.o 1, TFUE ao considerar, em substância, que as medidas em causa lhe eram imputáveis e, por conseguinte, de natureza estatal. Em especial, a Comissão não fez a prova exigida para demonstrar que as decisões da SEA para compensar as perdas sofridas pela Sea Handling eram imputáveis ao recorrente.

56      Segundo o recorrente, para demonstrar que o critério da imputabilidade ao Estado estava preenchido, é necessário provar o envolvimento em concreto do Estado na gestão das sociedades que controlava. Quando as provas são de natureza indiciária, devem basear‑se em «indícios precisos e relevantes à luz das circunstâncias do caso concreto». Se, como no caso em apreço, as medidas se referem a um período de vários anos, designadamente, o período em causa, a prova não pode ser feita por «indícios dispersos recolhidos nesse período». Incumbe à Comissão demonstrar a lógica e a coerência entre as diferentes medidas adotadas durante o período em causa. O envolvimento do Estado deveria ter sido provado à luz das medidas específicas que constituíram auxílios de Estado. O ónus da prova da Comissão era ainda mais importante porque, em maio de 2007, tinha encerrado a análise preliminar por falta de provas.

57      O recorrente considera, em especial, que nenhum dos indícios referidos na decisão recorrida, considerados isoladamente ou em conjunto, podem razoavelmente fundamentar a imputabilidade das medidas em causa ao Estado italiano. Pelo contrário, segundo o recorrente, a Comissão não apreciou devidamente os «contraindícios» que tinha avançado no decurso do procedimento administrativo, nomeadamente, a recusa reiterada da direção da SEA aos pedidos de acesso às informações apresentadas por determinados conselheiros municipais e defendidas pelo presidente do conselho municipal. Estas recusas demonstram a ausência de qualquer papel importante desempenhado pelo recorrente na SEA. Assim, a Comissão também não cumpriu o seu dever de fundamentação.

58      A Comissão contesta os argumentos do recorrente.

59      A este respeito, devemos analisar, em primeiro lugar, a existência de uma transferência de recursos estatais, em segundo lugar, os argumentos do recorrente de que a Comissão não cumpriu o seu dever de demonstrar a lógica e a coerência entre os diferentes indícios que a Comissão considera que provam a imputabilidade ao Estado italiano do conjunto de medidas em causa e, em terceiro lugar, os argumentos de que a Comissão não fez a prova exigida para demonstrar que as decisões da SEA para compensar as perdas sofridas pela Sea Handling são imputáveis ao recorrente.

b)      Quanto à transferência de recursos estatais

60      Resulta de jurisprudência constante que, para que as vantagens possam ser qualificadas de auxílios na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, devem, por um lado, ser concedidas direta ou indiretamente através de recursos estatais e, por outro lado, ser imputáveis ao Estado (Acórdãos de 16 de maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, EU:C:2002:294, n.o 24, e de 19 de dezembro de 2013, Association Vent De Colère! e o., C‑262/12, EU:C:2013:851, n.o 16). Com efeito, resulta da jurisprudência que estas são condições distintas e cumulativas (v. Acórdão de 5 de abril de 2006, Deutsche Bahn/Comissão, T‑351/02, EU:T:2006:104, n.o 103 e jurisprudência referida).

61      O conceito de intervenção através de recursos estatais visa incluir, além das vantagens conferidas diretamente pelo Estado, as conferidas por intermédio de um organismo público ou privado, designado ou instituído por esse Estado com o objetivo de gerir o auxílio (v. Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Association Vent De Colère e o., C‑262/12, EU:C:2013:851, n.o 20 e jurisprudência referida). Com efeito, o direito da União não pode admitir que o simples facto de criar instituições autónomas encarregadas da distribuição dos auxílios permita contornar as regras relativas aos auxílios de Estado (Acórdão de 16 de maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, EU:C:2002:294, n.o 23).

62      Além disso, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE abrange todos os meios pecuniários que as autoridades públicas podem efetivamente utilizar para apoiar empresas, não sendo relevante que esses meios pertençam ou não de modo permanente ao património do Estado. Consequentemente, mesmo que as quantias correspondentes à medida em causa não se encontrem de modo permanente na posse do Tesouro Público, o facto de estarem constantemente sob controlo público, e, portanto, à disposição das autoridades nacionais competentes, é suficiente para que sejam qualificadas de recursos estatais (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, EU:C:2002:294, n.o 37; de 19 de dezembro de 2013, Association Vent De Colère e o., C‑262/12, EU:C:2013:851, n.o 21 e jurisprudência referida, e de 10 de maio de 2016, Alemanha/Comissão, T‑47/15, EU:T:2016:281, n.o 83).

63      No que respeita ao conceito de recursos estatais, depois de ter recordado o n.o 37 do Acórdão de 16 de maio de 2002, França/Comissão (C‑482/99, EU:C:2002:294) (considerando 190 da decisão impugnada; v. também o n.o 55 da decisão de dar início ao procedimento), a Comissão considerou que, no caso em apreço, «[o]s recursos utilizados para cobrir as perdas da Sea Handling [tinham] uma origem pública, uma vez que prov[inham] da SEA, cujo capital era detido em 99,12%, durante o período [em causa], pelo [recorrente] e [pela] [Provincia di Milano]» (considerando 191 da decisão impugnada, cujo conteúdo corresponde ao do n.o 56 da decisão de dar início ao procedimento). A este respeito, o considerando 25 da decisão impugnada clarifica, em substância, que a SEA é uma sociedade de direito privado (sociedade anónima) cujo capital era detido, durante o período em causa, quase exclusivamente por autoridades públicas, ou seja, 84,56% pelo recorrente, 14,56% pela Provincia di Milano, e 0,88% por outros acionistas públicos e privados.

64      O recorrente não apresenta nenhum argumento concreto que coloque em causa esta apreciação da Comissão, que não padece de qualquer erro.

65      Com efeito, à luz dos princípios jurisprudenciais mencionados nos n.os 60 a 62, supra, a Comissão salientou com razão que as participações sociais da SEA, a entidade concedente de todas as injeções de capital em litígio, era quase inteira e diretamente detida pelas entidades públicas, designadamente pelo recorrente e pela Provincia di Milano. Tal como na situação do processo que deu origem ao Acórdão de 16 de maio de 2002, França/Comissão (C‑482/99, EU:C:2002:294, n.o 34), daqui decorre que a SEA constitui uma «empresa pública» na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2006/111/CE da Comissão, de 16 de novembro de 2006, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados‑Membros e as empresas públicas, bem como à transparência financeira relativamente a certas empresas (JO 2006, L 318, p. 17), ou seja, «[uma] empresa em que os poderes públicos possam exercer, direta ou indiretamente, uma influência dominante em consequência da propriedade, da participação financeira ou das regras que a disciplinam». Com efeito, resulta do artigo 2.o, alínea b), subalínea i), da Diretiva 2006/111 que se presume «a existência de influência dominante quando os poderes públicos, direta ou indiretamente, relativamente à empresa […] tenham a maioria do capital subscrito da empresa», o que acontece no caso em apreço.

66      Além disso, de acordo com os critérios reconhecidos nos n.os 33 a 38 do Acórdão de 16 de maio de 2002, França/Comissão (C‑482/99, EU:C:2002:294), e nos considerandos 192 e 208 da decisão impugnada, a Comissão baseou‑se em elementos adicionais de controlo, constatando que, segundo as próprias afirmações das autoridades italianas, «[o recorrente] exercia o seu controlo sobre a SEA ao designar os membros do Conselho de Administração (Consiglio di amministrazione) e do Conselho Fiscal (Collegio sindacale)», cuja existência o recorrente não contesta. Ora, é forçoso concluir que resulta do poder do recorrente nomear, quer diretamente, quer por intermédio da sua maioria na Assembleia Geral, os membros do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal da SEA, bem como do facto de as participações sociais da SEA serem quase inteiramente detidas por autoridades públicas, que os meios financeiros concedidos pela SEA à Sea Handling se encontravam constantemente sob controlo destas autoridades e estavam assim à sua disposição na aceção do Acórdão de 16 de maio de 2002, França/Comissão (C‑482/99, EU:C:2002:294).

67      Por conseguinte, a Comissão concluiu acertadamente, na decisão impugnada, que as injeções de capital concedidas pela SEA à Sea Handling constituíam recursos estatais na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

c)      Quanto à lógica e à coerência entre os diferentes indícios

68      No que diz respeito à análise de todas as medidas em causa com o fim de apreciar o critério de imputabilidade ao Estado das medidas em causa, importa recordar que a decisão impugnada expõe, nos seus considerandos 211 a 216, essencialmente o seguinte:

«(211)      [A] Comissão considera que as medidas de apuramento das perdas sob a forma de aumentos de capital da Sea Handling não constituem medidas de gestão corrente, mas sim medidas excecionais. O caráter excecional das medidas reflete‑se tanto do ponto de vista económico, atendendo à importância dos montantes em causa (de facto, cada apuramento de perdas foi compensado por um aumento de capital de vários milhões de euros), como também do ponto de vista político, atendendo ao efeito esperado das medidas relativas à salvaguarda do emprego.

(212)            Atendendo ao seu caráter excecional, as medidas não foram, por conseguinte, tomadas de forma autónoma pelo Conselho de Administração da SEA, mas foram objeto de uma validação expressa pela Assembleia Geral, no seio da qual [o recorrente] é o acionista maioritário, e isto de acordo com os estatutos da SEA e os princípios fixados na matéria pelo Código Civil [italiano]. Não há assim qualquer dúvida de que [o recorrente] estava plenamente informado […] das medidas e que as aprovou, como provam as atas das assembleias gerais. [O recorrente] esteve não apenas na origem das medidas pela sua participação no acordo [sindical] de 26 de março de 2002, mas foi igualmente informado […] de cada medida de apuramento de perdas da Sea Handling, tendo dado sistematicamente o seu aval. Estas medidas excecionais são assim necessariamente imputáveis ao Estado.

[…]

(215)            No caso concreto, atendendo à importância das medidas em causa e aos outros elementos referidos na presente decisão, bem como na decisão de dar início ao procedimento, a Comissão considera suficientes os indícios que demonstram a imputabilidade das medidas em questão ao Estado [i]taliano, devido ao envolvimento [do recorrente] nas medidas de cobertura de perdas da Sea Handling ou à improbabilidade da falta de envolvimento das autoridades públicas na adoção destas medidas.

(216)            Daqui decorre que a Comissão deve refutar a afirmação das autoridades italianas segundo a qual a Comissão deveria analisar individualmente cada uma das intervenções sobre o capital da Sea Handling para verificar os requisitos para a existência do auxílio e, mais concretamente, a sua imputabilidade [ao recorrente]. A Comissão considera, com efeito, que todos os elementos expostos nos considerandos 174 a 186 (bem como a análise das medidas da perspetiva do investidor experiente) são suficientes para provar e demonstrar que a cobertura de perdas através de injeções de capital só pode ter resultado de uma estratégia única e do envolvimento das autoridades públicas ao longo do período [em causa]. De facto, as próprias autoridades italianas afirmaram que, embora as decisões de cobertura de perdas tivessem sido tomadas anualmente de modo formal, havia uma estratégia plurianual de cobertura de perdas durante o período necessário à reestruturação (considerandos 225 a 232).»

69      No que diz respeito à aplicação do critério do investidor privado, sob o título «Estratégia plurianual de cobertura de perdas», a Comissão recordou, nomeadamente, no considerando 222 da decisão recorrida, a argumentação das autoridades italianas e da SEA segundo a qual, «apesar de as decisões de cobertura de perdas terem sido tomadas anualmente de modo formal, a estratégia plurianual de cobertura de perdas adotada durante o período necessário à reestruturação não podia ser colocada em causa todos os anos e [segundo a qual] os resultados só podiam ser apreciados ao longo de um período plurianual». Além disso, no considerando 223 desta decisão, a Comissão interpretou esta argumentação como exprimindo que «a decisão de cobertura de perdas futuras foi tomada inicialmente em 2002, depois uma segunda vez em 2007, quando, não tendo os resultados esperados sido obtidos, a estratégia inicial que envolvia a cobertura de perdas foi reconsiderada, para ser finalmente prosseguida» e que, «[em substância, [as autoridades italianas e a SEA] parecem apresentar as medidas em causa como duas injeções de capital decididas em 2002 e 2007, a realizar em pagamento[s] anuais».

70      Resulta dos considerandos 225 a 232 da decisão recorrida que, para concluir que as medidas em causa são imputáveis às autoridades italianas, a Comissão efetuou uma análise global de todas estas medidas, constatando que os diferentes aumentos de capital estavam ligados uns aos outros e que, segundo a opinião das próprias autoridades italianas, eram objeto de uma estratégia única a longo prazo. Nestes é feita sistematicamente referência a estas «medidas» utilizando o plural e como sendo os corolários do acordo sindical de 26 de março de 2002 (v. nomeadamente os considerandos 211 e 212 da decisão recorrida). Segundo a Comissão, tendo em conta o seu caráter excecional, estas medidas não foram adotadas «de forma autónoma pelo Conselho de Administração da SEA, mas foram objeto de validação expressa pela Assembleia Geral» dos acionistas da SEA, com pleno conhecimento de causa, com a participação e o aval do recorrente, o seu acionista maioritário. Além disso, ao referir‑se aos factos que estabelecem, segundo ela, que a Sea Handling era uma empresa em dificuldade, na aceção das Orientações de 1999 e de 2004 (considerandos 174 a 186 da decisão recorrida), e às suas considerações expostas no âmbito da sua apreciação do critério do investidor privado (considerandos 222, 223 e 225 a 232 da decisão recorrida), a Comissão rejeitou explicitamente o argumento das autoridades italianas segundo o qual, para este fim, teria de analisar individualmente cada uma das medidas, uma vez que estas tinham resultado de uma «estratégia única e de um envolvimento das autoridades públicas ao longo de todo o processo de análise» (considerando 216 da decisão impugnada). De facto, as autoridades italianas admitiram elas próprias que existia uma «estratégia plurianual de cobertura de perdas durante o período necessário à reestruturação» (considerando 222 da decisão recorrida), cujas medidas estavam «estritamente ligadas umas às outras» e «vis[a]vam responder à mesma finalidade, ou seja, compensar as perdas da Sea Handling para permitir a [s]ua sobrevivência […] e o seu regresso à viabilidade » (considerando 231 da decisão impugnada).

71      A este respeito, tal como a Comissão, devemos salientar que o Tribunal de Justiça já declarou que, dado que as intervenções estatais assumem formas diversas e devem ser analisadas em função dos seus efeitos, não se pode excluir que várias intervenções consecutivas do Estado devam, para efeitos da aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, ser encaradas como uma única intervenção. Tal pode ser nomeadamente o caso quando intervenções consecutivas apresentem, no que respeita, nomeadamente, à sua cronologia, à sua finalidade e à situação da empresa no momento dessas intervenções, nexos de tal forma estreitos entre elas que é impossível dissociá‑las (v., no que diz respeito ao critério da transferência de recursos estatais, Acórdãos de 19 de março de 2013, Bouygues e Bouygues Télécom/Comissão e o. e Comissão/França e o., C‑399/10 P e C‑401/10 P, EU:C:2013:175, n.os 103 e 104, e de 4 de junho de 2015, Comissão/MOL, C‑15/14 P, EU:C:2015:362, n.o 97; v. também, no que diz respeito à aplicação do critério do investidor privado, Acórdãos de 15 de setembro de 1998, BP Chemicals/Comissão, T‑11/95, EU:T:1998:199, n.os 171 e 179, e de 15 de janeiro de 2015, França/Comissão, T‑1/12, EU:T:2015:17, n.os 33 e 34).

72      No caso em apreço, é forçoso constatar que o recorrente não se contenta apenas em afirmar, sem fornecer uma explicação, que a Comissão não demonstrou a lógica e a coerência entre os indícios que apresentou para imputar o conjunto das medidas tomadas no período em causa ao Estado italiano, mas também contesta as observações das autoridades italianas e da SEA feitas no procedimento administrativo sobre este ponto e tal como recordadas no considerando 222 da decisão impugnada. De facto, resulta destas observações, que não foram contestadas pelo recorrente, que as decisões de investimento da SEA relativas à Sea Handling assentaram numa estratégia plurianual de cobertura de perdas durante o período necessário à reestruturação. Além disso, o caráter repetitivo, coerente e uniforme desta abordagem ao longo de um período de oito anos indica que estas decisões, e o aval do recorrente, assentavam efetivamente numa escolha estratégica feita previamente e que remonta ao ano de 2002.

73      Resulta do que foi exposto que a Comissão podia legitimamente considerar que as injeções de capital consecutivas, tais como as concedidas pela SEA à Sea Handling anualmente, ao longo do período em causa, apresentavam — no que respeita à sua cronologia, à sua finalidade e à situação análoga da empresa beneficiária, cujas perdas substanciais ultrapassavam regularmente um terço do seu capital social — nexos de tal forma estreitos entre si que era impossível, para efeitos de aplicação dos critérios de transferência de recursos de Estado e de imputabilidade, dissociá‑los, na aceção da jurisprudência referida no n.o 71, supra.

74      Por conseguinte, devem ser rejeitados os argumentos do recorrente segundo os quais a Comissão não cumpriu a sua obrigação de demonstrar a lógica e a coerência entre os diferentes indícios que justifica a sua tomada em consideração no seu conjunto para provar a imputabilidade ao Estado italiano de todas as medidas adotadas durante o período em causa.

d)      Quanto à imputabilidade das medidas em causa

75      Resulta de jurisprudência constante, desde o Acórdão de 16 de maio de 2002, França/Comissão (C‑482/99, EU:C:2002:294), que a imputabilidade de uma medida ao Estado não pode ser deduzida da mera circunstância de a medida ter sido adotada por uma empresa pública. Com efeito, embora o Estado possa controlar uma empresa pública e exercer uma influência dominante nas suas operações, o exercício efetivo deste controlo num caso concreto não deve ser automaticamente presumido. Uma empresa pública pode agir com maior ou menor independência, em função do grau de autonomia que lhe é deixado pelo Estado. Por conseguinte, o simples facto de uma empresa pública se encontrar sob controlo estatal não é suficiente para se imputar ao Estado as medidas por ela adotadas. Há ainda que examinar se as autoridades públicas devem ser consideradas implicadas, de uma forma ou de outra, na adoção dessas medidas. A este respeito, não pode exigir‑se que seja demonstrado, com base em instruções precisas, que as autoridades públicas incitaram concretamente a empresa pública a adotar as medidas de auxílio em causa. De facto, por um lado, atendendo ao facto de que as relações entre o Estado e as empresas públicas são, por natureza, estreitas, existe o risco real de que os auxílios de Estado sejam concedidos por intermédio dessas empresas, de forma pouco transparente e em violação do regime de auxílios de Estado previsto no Tratado. Por outro lado, regra geral, precisamente em virtude das relações privilegiadas entre o Estado e uma empresa pública, será difícil para terceiros demonstrar que, num caso concreto, foram efetivamente adotadas medidas de auxílio por uma daquelas empresas, na sequência de instruções dadas pelas autoridades públicas. Por estes motivos, deve aceitar‑se que a imputabilidade ao Estado de uma medida de auxílio adotada por uma empresa pública pode ser deduzida de um conjunto de indícios resultante das circunstâncias do caso concreto e do contexto no qual essa medida ocorreu. Além disso, no seu Acórdão de 16 de maio de 2002, França/Comissão (C‑482/99, EU:C:2002:294), o Tribunal de Justiça clarificou que qualquer outro indício, no caso concreto, de um envolvimento ou da improbabilidade do não envolvimento das autoridades públicas na adoção de uma medida, atendendo igualmente ao alcance desta, ao seu conteúdo e às condições de que se reveste, poderá, eventualmente, ser pertinente para se concluir pela imputabilidade ao Estado de uma medida adotada por uma empresa pública (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, EU:C:2002:294, n.os 51 a 56, e de 17 de setembro de 2014, Commerz Nederland, C‑242/13, EU:C:2014:2224, n.os 31 a 34; de 10 de novembro de 2011, Elliniki Nafpigokataskevastiki e o./Comissão, T‑384/08, não publicado, EU:T:2011:650, n.os 50 a 54, e de 28 de janeiro de 2016, Eslovénia/Comissão, T‑507/12, não publicado, EU:T:2016:35, n.os 65 a 69).

76      É pacífico que, nos considerandos 192 a 216 da decisão recorrida, tendo em conta os critérios pertinentes reconhecidos no Acórdão de 16 de maio de 2002, França/Comissão (C‑482/99, EU:C:2002:294), a Comissão baseou‑se num conjunto de indícios resultante das circunstâncias do caso concreto e do contexto no qual as medidas em causa ocorreram para concluir que eram imputáveis ao recorrente e, por conseguinte, ao Estado italiano. À luz da jurisprudência acima referida, é necessário avaliar se esses indícios têm suficiente força probatória, quer individualmente, quer no seu conjunto, para justificar essa conclusão.

1)      Quanto ao valor probatório dos principais elementos de prova (acordos sindicais)

77      É necessário avaliar, em primeiro lugar, os principais indícios de imputabilidade que a Comissão analisou nos considerandos 195 a 200 da decisão impugnada, em articulação com os n.os 43 a 48 e 62 a 66 da decisão de dar início ao procedimento (considerando 197 da decisão impugnada), designadamente, em especial, os acordos sindicais de 26 de março e de 4 de abril de 2002, para concluir que o recorrente estava «envolvido» na adoção das medidas em causa. De acordo com a avaliação da Comissão, é incontestável que o recorrente participou na negociação do acordo sindical de 26 de março de 2002 e que o assinou, embora alegue que esta assinatura pertencia a um representante que não tinha poderes para o obrigar em termos orçamentais. É também incontestável que este acordo sindical prevê uma obrigação clara e precisa da SEA de manter, nomeadamente, durante um período de cinco anos, «o equilíbrio custo/benefício e o quadro económico geral» da Sea Handling «preservando as [s]uas capacidades de gestão e melhorando sensivelmente as [s]uas possibilidades de operar nos mercados nacionais e internacionais». A Comissão concluiu, com razão, que em virtude desta obrigação, a SEA era obrigada a compensar eventuais perdas da Sea Handling que pudessem afetar a continuidade da sua atividade económica, o que é confirmado pelos termos ainda mais precisos do acordo sindical de 2002, no qual, sem dúvida, o recorrente não participou diretamente. De facto, segundo este último acordo, que faz expressamente referência ao acordo sindical de 26 de março de 2002, nomeadamente, «[A] SEA comprometeu‑se a […] apoiar […] a compensação de perdas, a fim de manter o equilíbrio financeiro e patrimonial da Sea Handling». Além disso, sempre segundo este acordo, estes compromissos são garantidos «pelo acordo subscrito pelo [recorrente] também na qualidade de acionista maioritário absoluto [da SEA], pelas injeções de capital efetuadas, pelos recursos financeiros não sujeitos às limitações legais transferíveis da SEA […] para a Sea Handling […] e pela solidez patrimonial e financeira da SEA» (considerando 196 da decisão recorrida) Além disso, o acordo sindical de 19 de junho de 2003, no qual o recorrente também não é uma parte contratante direta, reitera o conteúdo do acordo sindical de 4 de abril de 2002 salientando, nomeadamente, que «o equilíbrio económico da Sea Handling devia, em substância, ser mantido com o auxílio de uma ação concertada relativa às suas despesas e receitas», e «confirma a obrigação subscrita em 26 de março de 2002 relativa ao fornecimento das garantias necessárias de caráter societário e financeiro e a manutenção do emprego no que diz respeito aos funcionários da Sea Handling».

78      Daqui resulta que, nos termos do acordo sindical de 26 de março de 2002, havia uma obrigação para a SEA, como confirmado pelo acordo sindical de 4 de abril de 2002, de compensar eventuais perdas futuras da Sea Handling, pelo menos durante um período de cinco anos. O recorrente não pode colocar em causa esta constatação alegando que se tratava de documentos de natureza política e sindical de caráter vago e genérico. Além disso, atendendo às sucessivas injeções de capital efetuadas pela SEA a favor da Sea Handling durante o período em causa, para compensar as suas perdas, tornou‑se evidente que, na sua qualidade de único acionista da Sea Handling, a SEA interpretou efetivamente estes acordos como prevendo essa obrigação (v. n.o 92, supra). Apesar de a duração mínima do compromisso previsto no acordo sindical de 26 de março de 2002 ser apenas de cinco anos, é forçoso constatar que a SEA continuou a aplicá‑lo até 2010.

79      Assim, a Comissão podia legitimamente concluir que esta obrigação de compensação de perdas da Sea Handling, ao abrigo do acordo sindical de 26 de março de 2002, constituía a base contratual sobre a qual assentavam as medidas de recapitalização ulteriores. Por conseguinte, podia também salientar legitimamente, nos considerandos 198 e 200 da decisão impugnada, em substância, que «a intervenção das autoridades italianas, em especial na reunião de 26 de março de 2002, condicionou as decisões da SEA quanto à sua filial Sea Handling» e que o acordo sindical de 26 de março de 2002 teve uma influência determinante para este efeito, tal como confirmado pelos acordos sindicais de 4 de abril de 2002 e de 19 de junho de 2003, sem que fosse necessário que os representantes do recorrente tivessem participado pessoalmente na assinatura destes últimos acordos.

80      Além disso, importa apreciar a questão de saber se a Comissão tinha razão para considerar que a mera participação ativa comprovada do recorrente na conclusão do acordo sindical de 26 de março de 2002 era suficiente para justificar que este também estivesse envolvido na concessão das medidas de recapitalização subsequentes em causa. A este respeito, importa recordar que a demonstração pela Comissão de semelhante implicação das autoridades públicas na concessão de um auxílio não exige o estabelecimento de uma prova positiva, mas é suficiente demonstrar a improbabilidade da não implicação na adoção da medida (Acórdão de 16 de maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, EU:C:2002:294, n.o 56), tendo em conta o risco real de serem contornadas as regras dos auxílios de Estado do Tratado por intermédio de empresas públicas ou controladas por entidades públicas (Acórdão de 16 de maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, EU:C:2002:294, n.os 53 e 57). Este risco de serem contornadas as regras e a necessidade de assegurar a eficácia das regras em matéria de auxílios de Estado foi também sublinhado pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 17 de setembro de 2014, Commerz Nederland (C‑242/13, EU:C:2014:2224, n.os 34 e 36).

81      Tal como salientou justificadamente a Comissão, a participação ativa do recorrente na negociação e na celebração do acordo sindical de 26 de março de 2002 constitui um elemento de prova fundamental do envolvimento das autoridades italianas na concessão das medidas em causa. Além do facto de os termos deste acordo criarem uma obrigação clara e precisa para a SEA de compensar, pelo menos durante um período de cinco anos, as perdas da Sea Handling (v. n.o 78, supra), é facto assente que, ao assinar este acordo como parte contratante, a administração do recorrente deu formalmente o seu aval, incluindo na sua qualidade de acionista maioritário da SEA, não apenas para estabelecer esta obrigação, mas também para o seu cumprimento e execução subsequentes pela SEA. Esta apreciação é confirmada pela redação do acordo sindical de 4 de abril de 2002, que faz explicitamente referência ao e assenta sobre o acordo sindical de 26 de março de 2002 fazendo, nomeadamente, referência ao facto de este acordo ter sido «subscrito pelo [recorrente] também na qualidade de acionista maioritário absoluto [da SEA]».

82      Nestas circunstâncias, o recorrente não pode alegar validamente que se limitou a agir como mediador, que a sua participação no acordo sindical de 26 de março de 2002 tinha uma natureza exclusivamente política, social e, portanto, não económica e que a sua qualidade de acionista maioritário da SEA era puramente acessória e secundária neste contexto. É também desprovido de força probatória o argumento segundo o qual a falta de envolvimento económico do recorrente seria confirmada, por um lado, pelo facto de a assinatura nele aposta ser a de M. M., vereador da Câmara Municipal com o pelouro do pessoal, do trabalho e do património, dispondo de delegações específicas em matéria de pessoal, de organização, de serviços estatísticos, de supervisão em matéria de trabalho e emprego, de aprovisionamento e de serviços de economato, e não a do vereador da Câmara Municipal com o pelouro do orçamento, do controlo de gestão e das privatizações ou do vereador da Câmara Municipal com o pelouro dos transportes e da mobilidade e, por outro lado, pela ausência de uma rubrica de autorização no seu orçamento.] Com efeito, uma tal argumentação não pode ser acolhida, sob pena de permitir às autoridades públicas envolvidas na concessão de um auxílio contornar a aplicação da interdição nos termos do artigo 107.o, n.o 1, TFUE através de medidas relativas à sua organização ou à sua contabilidade internas, na medida em que tais medidas podem igualmente influenciar o modo como participam em empresas públicas ou privadas. É precisamente por causa deste risco de evasão e do interesse na execução eficaz das regras em matéria de auxílios estatais que o Tribunal de Justiça decidiu que, quando, no momento da concessão do auxílio, um administrador atua irregularmente, na aceção da regulamentação nacional relevante, e não conforme com a vontade presumida da autoridade pública em causa, este facto não permite, só por si, excluir o envolvimento desta autoridade pública (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2014, Commerz Nederland, C‑242/13, EU:C:2014:2224, n.os 36 a 38). Este raciocínio impõe‑se, por maioria de razão, num caso em que, como no caso em apreço, um administrador agiu de forma regular, na aceção das disposições nacionais relevantes, e com o aval da autoridade pública em nome da qual ele se comprometeu em relação a terceiros. Com efeito, a este respeito, importa precisar que o recorrente não colocou em causa o caráter regular ou conforme à sua vontade das ações do seu representante por ocasião da negociação e da celebração do acordo sindical de 26 de março de 2002.

83      Daqui resulta que o acordo sindical de 26 de março de 2002, lido à luz da redação do acordo sindical de 4 de abril de 2002, constitui, por si só, um indício determinante para demonstrar o envolvimento do recorrente na decisão de conceder à Sea Handling as medidas de recapitalização em causa. Ao contrário do que alega o recorrente, este elemento de prova da imputabilidade adiciona‑se, de maneira decisiva, às relações orgânicas e de controlo que existiam entre o recorrente e a SEA, incluindo o facto de que o recorrente era o acionista largamente maioritário da SEA, detendo assim a maioria dos direitos de voto e tendo designado os membros do seu Conselho de Administração, o que criava por si só um risco ou uma certa probabilidade de ingerência nas decisões financeiras estratégicas da SEA. Daqui decorre também que a Comissão, longe de desvirtuar estes elementos de prova, fez uma apreciação correta dos mesmos e fundamentou‑os suficientemente nos considerandos 195 a 200 da decisão recorrida, conjugados com os n.os 43 a 48 e 62 a 66 da decisão de dar início ao procedimento, por forma a permitir ao recorrente contestá‑la e ao Tribunal verificar a legalidade da fundamentação (v., neste sentido, Acórdão de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o., C‑89/08 P, EU:C:2009:742, n.o 77).

2)      Quanto ao valor probatório dos elementos de prova complementares

84      Além disso, os elementos de prova complementares sobre os quais a Comissão se apoiou na decisão impugnada para concluir pela imputabilidade das medidas em causa ao Estado italiano reforçam o acerto desta conclusão.

85      Assim, em primeiro lugar, é efetivamente verdade que o conteúdo exato das atas das reuniões do Conselho de Administração da Sea Handling, e não da SEA, de 31 de maio e 13 de junho de 2008 (considerando 201 da decisão impugnada), que permanece controvertido entre as partes, tem um valor probatório reduzido. Não obstante, tendo em conta a existência de um acordo de vontades, com base no acordo sindical de 26 de março de 2002, entre o recorrente, a SEA e os sindicatos, sobre a cobertura de perdas da Sea Handling para os anos seguintes (v. n.os 78 a 83, supra) e as relações orgânicas e de controlo existentes entre o recorrente e a SEA, é coerente e credível a interpretação da Comissão segundo a qual a expressão italiana «è condiviso dall’azionista di maggioranza» que consta na última destas atas significa que o plano de desenvolvimento comercial para a Sea Handling para o período a partir de 2007 tinha o «acordo do acionista maioritário», ou seja, o recorrente. De qualquer forma, como alega a Comissão, parece pouco provável que a SEA apresente um plano de desenvolvimento comercial estratégico, e com uma importância vital para a sua filial, sem procurar previamente obter o aval do seu acionista maioritário. Ademais, esta constatação tende também a confirmar a apreciação da Comissão segundo a qual o recorrente continuou a estar envolvido nas decisões estratégicas relativas à Sea Handling mesmo na fase posterior a 2007.

86      Em segundo lugar, importa também rejeitar o argumento do recorrente que pretende reduzir a importância do facto — alegadamente apenas pontual, mas não contestado por ele enquanto tal — de que o presidente da Câmara de Milão tinha pedido e obtido a demissão do presidente do Conselho de Administração da SEA em 2006 (considerando 203 da decisão impugnada). A este respeito, o mero argumento do recorrente segundo o qual seria perfeitamente normal que o acionista maioritário tivesse o poder de exonerar das suas funções o presidente do Conselho de Administração é pouco convincente, porque, no caso em apreço, um tal facto tem tendência, ainda, a demonstrar a existência de uma ingerência proativa da parte do recorrente na gestão da SEA e constitui, por conseguinte, um indício de imputabilidade relevante que se vem juntar aos outros indícios.

87      Em terceiro lugar, o mesmo se aplica às cartas de demissão em branco que os membros do Conselho de Administração da SEA enviaram ao presidente da Câmara do recorrente (considerando 206 da decisão impugnada), um facto que o recorrente alega, erradamente, que só foi mencionado em artigos da imprensa e não foi provado pela Comissão. Com efeito, resulta de uma leitura conjugada dos considerandos 63, 98 e 206 da decisão recorrida que a SEA admitiu a existência destas cartas, embora contestando a sua relevância.

88      Em quarto lugar, ao contrário do que alega o recorrente, à luz das considerações precedentes, o considerando 210 da decisão impugnada expõe de forma convincente que as medidas em causa enquadravam‑se em «decisões importantes» ou que «as medidas de cobertura de perdas da Sea Handling faziam pelo menos parte integrante da estratégia do Grupo SEA». Em especial, nem a importância das diferentes injeções de capital anuais, que eram indispensáveis nos termos do artigo 2446.o do Código Civil italiano e asseguraram a sua sobrevivência económica durante o período em causa, nem a relevância desta caracterização para a apreciação do critério da imputabilidade, podem ser relativizadas.

3)      Quanto ao valor probatório dos alegados «contraindícios»

89      É forçoso constatar que os alegados «contraindícios» invocados pelo recorrente não são suscetíveis, seja individualmente, seja tomados no seu conjunto, de colocar em causa o valor probatório do conjunto de indícios de imputabilidade acima apreciados.

90      Assim, em primeiro lugar, em conformidade com o que foi exposto no considerando 209 da decisão recorrida e com o que foi alegado pela Comissão nas suas observações escritas, a recusa da SEA em conceder a um membro do Conselho Municipal do recorrente, por razões de confidencialidade, o acesso a certos documentos, incluindo o plano de desenvolvimento comercial do Grupo SEA para o período de 2005 a 2009 baseou‑se nos artigos 2422.o e 2429.o do Código Civil italiano e não foi dirigida contra um pedido do próprio recorrente, na sua qualidade de acionista maioritário. Com efeito, o membro do Conselho Municipal, autor deste pedido de acesso, era, à época, o coordenador da oposição. Além disso, este pedido foi dirigido ao serviço responsável pelo balanço, controlo de gestão e privatização do recorrente e não diretamente à SEA. Seguidamente, o diretor responsável do setor de programação e execução das privatizações do recorrente limitou‑se a transmitir o pedido à SEA, sem o fazer seu.

91      Em segundo lugar, a correspondência entre o recorrente e a SEA que é posterior a esta recusa de acesso, a saber, as cartas de 7, 9, 15, 20 e 27 de setembro e de 5 e 6 de outubro de 2005, diz respeito, sem dúvida, ao seguimento que foi dado ao pedido de acesso supramencionado de um membro do Conselho Municipal. Daqui resulta, nomeadamente, que o presidente do Conselho Municipal do recorrente se opôs à recusa de acesso expressa pela SEA com fundamento em que esta recusa era contrária à legislação municipal relevante e comunicou à SEA a sua intensão de a impugnar perante o Tribunal Administrativo Regional. Ora, mesmo supondo que este diferendo entre a administração municipal, em concreto, o presidente do Conselho Municipal, e a SEA possa ser qualificado como um elemento tendente a corroborar a gestão independente e autónoma pela SEA da sua atividade económica, é forçoso constatar que se trata de um aspeto pontual que, por si só, não é suscetível de colocar em causa o conjunto de provas da existência de uma influência decisiva por parte do recorrente sobre as questões estratégicas em geral e, em especial, sobre a de compensar anualmente as perdas da Sea Handling, o que corresponde, em substância, aos fundamentos expostos no considerando 209 da decisão recorrida.

92      Em terceiro lugar, o recorrente invoca uma carta de 4 de novembro de 2003 que SEA dirigiu ao vereador da Câmara responsável pelos transportes e pela mobilidade do recorrente, em resposta à sua carta de 23 de setembro de 2003, que transmitia um pedido do conselheiro municipal M. O — segundo a Comissão, um membro do partido da oposição da refundação comunista — sobre uma «consulta dos funcionários da SEA». Neste ponto, a Comissão tem razão ao considerar que esta correspondência não constitui um «contraindício» relevante de imputabilidade pelo simples motivo de que, na parte introdutória desta carta, a SEA afirma que «o controlo legítimo pelo acionista sobre as sociedades nas quais detém uma participação já [era] exercido através da nomeação dos membros do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal, de modo que outras formas de controlo se [mostravam] estranhas a estas regras». Com efeito, nesta carta, a SEA rejeita a ideia de tal consulta aos funcionários, com fundamento de que o acordo sindical de 19 de junho de 2003 não o tinha previsto como condição da sua validade jurídica, o que confirma, pelo contrário, a existência de obrigações decorrentes ipso facto deste acordo, incluindo a de compensar as perdas da Sea Handling.

93      Em quarto lugar, a circunstância de que, no conselho municipal de 16 de junho de 2003, o vereador da Câmara responsável pelos transportes e pela mobilidade do recorrente ter informado os conselheiros municipais de que lhe tinha sido recusado pela SEA o pedido de lhe comunicar «indicações necessárias» relativas a uma negociação sindical, não se reveste de uma tal importância que possa, à luz de todos os indícios avaliados, colocar em causa a conclusão de imputabilidade a que chegou a Comissão.

94      Por conseguinte, tanto individualmente como tomados em conta no seu conjunto, os «contraindícios» invocados pelo recorrente não são suficientes para colocar em causa o valor probatório dos indícios de imputabilidade analisados nos n.os 77 e seguintes, supra. Por conseguinte, deve concluir‑se que a Comissão cumpriu o ónus de provar a imputabilidade das medidas em causa ao Estado italiano, apoiando‑se sobre um conjunto de indícios credíveis, precisos e concordantes.

95      Apesar de o recorrente alegar uma insuficiência de fundamentação a este respeito, daí também resulta que a Comissão obrigatoriamente, embora implicitamente, rejeitou o valor probatório destes «contraindícios» fornecendo uma fundamentação adequada e suficiente a este respeito no considerando 209 da decisão impugnada. Esta fundamentação permite ao recorrente, bem como ao Tribunal, conhecer as razões da Comissão quanto à imputabilidade das medidas em causa ao Estado italiano, incluindo no que diz respeito ao valor probatório que a Comissão atribui aos «contraindícios», e, por conseguinte, a este último apreciar a sua legalidade quanto ao mérito para efeitos de fiscalização jurisdicional (v., neste sentido, Acórdão de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o., C‑89/08 P, EU:C:2009:742, n.o 77).

96      Daqui resulta que o primeiro fundamento deve improceder.

3.      Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE por não preenchimento do critério do investidor privado

97      Na decisão impugnada, a Comissão considerou que um investidor privado não teria agido da mesma forma que a SEA para garantir o retorno à rentabilidade da sua filial Sea Handling. Com efeito, a Comissão considerou, em substância, que, em primeiro lugar, a «estratégia plurianual de cobertura de perdas» não refletia o comportamento de um investidor privado experiente» (considerando 225 da decisão impugnada), não assumindo este «um compromisso [juridicamente vinculativo] por diversos anos “às cegas”», mas reavaliando mais tarde a estratégia em função dos resultados das tentativas de recuperação antes de cada novo investimento de capital (considerando 226 da decisão impugnada); em segundo lugar, apesar da sua importância, os planos de desenvolvimento comercial da SEA e da Sea Handling nem mencionaram esta decisão de cobertura de perdas ao longo de vários anos, nem apresentaram uma análise de cenários alternativos que um investidor privado normalmente diligente teria exigido em semelhante situação, mas visaram apenas a vertente da reestruturação, e que, em todo o caso, um tal investidor não teria tomado uma tal decisão de investimento sem dispor pelo menos de uma estimativa prévia do montante de capital a investir ou de uma auditoria aprofundada (considerandos 228, 229, 268, 289 e 296 da decisão impugnada); em terceiro lugar, um tal investidor «teria avaliado o risco de que, a partir da primeira injeção de capital, estas medidas pudessem constituir auxílios de Estado ilegais e eventualmente incompatíveis e[,] por conseguinte, teria estudado o impacto de uma possível recuperação destes auxílios sobre a rentabilidade de seu investimento» (considerando 232 da decisão impugnada); em quarto lugar, um tal investidor «não teria efetuado as injeções de capital de 2002 sem um plano de negócios suficientemente detalhado e com base em hipóteses sérias e fiáveis, que descrevesse de forma detalhada as medidas necessárias à recuperação da viabilidade da empresa, analisando todos os cenários possíveis e demonstrando que o investimento teria gerado um retorno satisfatório para o investidor (tendo em conta o risco inerente), em termos de dividendos e de aumento do valor da sua participação ou outros benefícios» (considerando 236 da decisão impugnada); em quinto lugar, um tal investidor não se teria contentado com uma perspetiva de recuperação da rentabilidade no termo de um período de restruturação de quase dez anos sem dispor antecipadamente de uma «projeção que mostrasse que as expectativas de receitas geradas pela estratégia de cobertura de perdas a médio/longo prazo — em termos de dividendos, de aumento do valor da participação, de danos evitados em matéria de imagem de marca, etc. — são superiores aos fundos injetados para cobrir as perdas», em vez de proceder à «cessão da Sea Handling» ou adotar «disposições para reduzir o período de reestruturação para regressar ao caminho da rentabilidade dentro de um prazo razoável e limitar as perdas ao mínimo» (considerandos 290, 294 e 309 da decisão impugnada), e, em sexto lugar, na «ausência de qualquer estimativa de perda de imagem da SEA [relacionada com a transferência dos serviços de assistência em escala para um terceiro fornecedor] ou dos riscos de ser responsabilizado ou ainda perspetivas de retorno direto [à rentabilidade] a longo prazo», um investidor experiente ter‑se‑ia abstido de investir uma soma tão elevada como a que é objeto da ordem de recuperação (considerandos 292 e 293 da decisão impugnada).

98      O recorrente alega que as considerações expostas na decisão impugnada no que diz respeito à aplicação do critério do investidor privado não têm fundamento e que a Comissão não respeitou o ónus da prova que lhe incumbia a este respeito. Será necessário reconstituir as diversas fases do comportamento da SEA para avaliar o caráter economicamente racional à luz do critério do investidor privado tal como interpretado pela jurisprudência.

99      Segundo o recorrente, a escolha da SEA de proceder à cessão das atividades ligadas aos serviços de assistência em escala, confiando‑os a uma nova sociedade inteiramente controlada por si, tinha como objetivo, por um lado, respeitar as obrigações decorrentes do direito da União e, por outro lado, beneficiar das oportunidades oferecidas pela liberalização do setor que se tornou necessária pela Diretiva 96/67. Todavia, a Sea Handling teve inicialmente de enfrentar uma situação económica particularmente delicada. Para lhe fazer face, a SEA lançou um programa de saneamento do setor da assistência em escala apoiado em três pilares, a saber, em primeiro lugar, a procura de um parceiro estratégico, em segundo lugar, a progressiva redução de custos com pessoal, em terceiro lugar, o saneamento deste setor de um ponto de vista estritamente económico, implementando um plano de empresa da Sea Handling para o período de 2003 a 2007. Para implementar estas medidas, a SEA esperava poder recuperar a rentabilidade das suas atividades de assistência em escala no prazo de três anos ou, o mais tardar, antes de 2007. Os resultados obtidos durante os anos de 2003 e 2004 demonstraram a validade da ação da SEA.

100    Não obstante, de acordo com o recorrente, ocorreram diversos acontecimentos, alheios à vontade da SEA, que atrasaram a realização do objetivo de saneamento. As avaliações económicas efetuadas ao longo do período em causa indicaram, no entanto, que a estratégia da SEA era economicamente racional na medida em que permitia sanear a Sea Handling. O estudo económico de 1 de junho de 2011, intitulado «Sea Handling — Aplicação do princípio do investidor em economia de mercado» (a seguir «estudo económico invocado pelo recorrente»), confirma esta avaliação.

101    A Comissão contesta os argumentos do recorrente.

102    Os requisitos que uma medida deve preencher para se enquadrar no conceito de auxílio, na aceção do artigo 107.o TFUE, não estão preenchidos se a empresa beneficiária puder obter a mesma vantagem que a que foi colocada à sua disposição através de recursos do Estado, em circunstâncias correspondentes às condições normais do mercado, sendo esta apreciação feita, em princípio, pela aplicação do critério do investidor privado em economia de mercado (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF e o., C‑124/10 P, EU:C:2012:318, n.o 78; de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.o 70, e de 25 de junho de 2015, SACE e Sace BT/Comissão, T‑305/13, EU:T:2015:435, n.o 91).

103    A aplicação do critério do investidor privado visa assim determinar se a vantagem económica concedida, independentemente da sua forma, mediante recursos do Estado pode, devido aos seus efeitos, falsear ou ameaçar falsear a concorrência e afetar as trocas entre Estados‑Membros (Acórdão de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF e o., C‑124/10 P, EU:C:2012:318, n.o 89; v., também, Acórdão de 25 de junho de 2015, SACE e Sace BT/Comissão, T‑305/13, EU:T:2015:435, n.o 92 e jurisprudência referida). Mais concretamente, há que apreciar se, em circunstâncias semelhantes, um investidor privado em condições normais de uma economia de mercado, com uma dimensão que possa ser comparada à dos organismos que gerem o setor público, poderia ter sido levado a injetar os capitais em questão. Em especial, é pertinente averiguar se um investidor privado teria realizado a operação em causa nas mesmas condições (v., neste sentido, Acórdão de 6 de março de 2003, Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, T‑228/99 e T‑233/99, EU:T:2003:57, n.o 245 e jurisprudência referida).

104    Para averiguar se o Estado‑Membro ou a entidade pública em causa adotou o comportamento de um operador privado experiente numa economia de mercado, há que tomar como referência o contexto da época em que as medidas foram adotadas, a fim de avaliar a racionalidade económica do comportamento do Estado‑Membro ou da entidade pública e, portanto, abstrair de qualquer apreciação baseada numa situação posterior. A comparação entre os comportamentos dos operadores públicos e privados deve ser estabelecida tomando por referência a atitude que, em circunstâncias semelhantes, na operação em causa, teria tido um operador privado à luz das informações disponíveis e das evoluções previsíveis nesse momento, que são os únicos pertinentes para efeitos de aplicação do critério do investidor privado. Portanto, a verificação retrospetiva da rentabilidade efetiva da operação realizada pelo Estado‑Membro ou pela entidade pública em causa, ou as justificações posteriores da escolha do procedimento efetivamente adotado, não podem ser suficientes para este efeito e são irrelevantes. É o que sucede, em especial, quando, como no caso em apreço, a Comissão examina a existência de um auxílio de Estado em relação a medidas que não lhe foram notificadas e que já foram executadas pela entidade pública em causa no momento em que procede ao seu exame (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF e o., C‑124/10 P, EU:C:2012:318, n.os 85, 104 e 105; de 30 de novembro de 2016, Comissão/França e Orange, C‑486/15 P, EU:C:2016:912, n.os 139 e 140, e de 25 de junho de 2015, SACE e Sace BT/Comissão, T‑305/13, EU:T:2015:435, n.os 93 e 94 e jurisprudência referida).

105    A este respeito, a jurisprudência clarificou que, por um lado, quando a Comissão verificou se as condições de aplicabilidade e de aplicação do critério do investidor privado estavam preenchidas, só podia recusar analisar informações relevantes fornecidas sobre o Estado‑Membro em causa se os elementos de prova apresentados tivessem sido elaborados depois da adoção da decisão de efetuar o investimento em questão e, por outro lado, que as informações relativas a acontecimentos ocorridos no período anterior à data da adoção de uma medida estatal e que estivessem disponíveis nessa data pudessem revelar‑se relevantes na medida em que essas informações fossem suscetíveis de esclarecer a questão de saber se essa medida constituía uma vantagem, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 1 de outubro de 2015, Electrabel e Dunamenti Erőmű/Comissão, C‑357/14 P, EU:C:2015:642, n.os 103 a 105, e de 25 de junho de 2015, SACE e Sace BT/Comissão, T‑305/13, EU:T:2015:435, n.o 96 e jurisprudência referida).

106    Em conformidade com os princípios relativos ao ónus da prova em matéria de auxílios de Estado, cabe à Comissão apresentar a prova da existência de um auxílio. A este respeito, a Comissão está obrigada a conduzir o procedimento de investigação das medidas em causa de uma forma diligente e imparcial, de modo a dispor, aquando da adoção de uma decisão final que demonstra a existência e, se for caso disso, a incompatibilidade ou ilegalidade do auxílio, dos elementos mais completos e fiáveis possíveis. No que diz respeito ao nível de prova exigido, a natureza das provas que devem ser apresentadas pela Comissão depende, em larga medida, da natureza da medida estatal em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de abril de 2014, França/Comissão, C‑559/12 P, EU:C:2014:217, n.os 63 e 66, e de 25 de junho de 2015, SACE e Sace BT/Comissão, T‑305/13, EU:T:2015:435, n.o 95 e jurisprudência referida).

107    Além disso, o exame pela Comissão da questão de saber se determinadas medidas podem ser qualificadas de auxílios de Estado, pelo facto de as autoridades públicas não terem agido do mesmo modo que um investidor privado, exige que se proceda a uma apreciação económica complexa. Ora, no âmbito da fiscalização que o juiz da União exerce sobre as apreciações económicas complexas feitas pela Comissão, no domínio dos auxílios de Estado, não lhe compete substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação económica (v. Acórdão de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.os 74 e 75 e jurisprudência referida; Acórdãos de 21 de março de 2013, Comissão/Buczek Automotive, C‑405/11 P, não publicado, EU:C:2013:186, n.os 48 e 49; de 30 de novembro de 2016, Comissão/França e Orange, C‑486/15 P, EU:C:2016:912, n.o 91, e de 20 de setembro de 2017, Comissão/Frucona Košice, C‑300/16 P, EU:C:2017:706, n.os 62 e 63), e deve limitar a sua fiscalização à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, da exatidão material dos factos tidos em consideração, da inexistência de erro manifesto na apreciação desses factos ou da inexistência de desvio de poder (v. Acórdãos de 15 de janeiro de 2015, França/Comissão, T‑1/12, EU:T:2015:17, n.o 35 e jurisprudência referida, e de 16 de março de 2016, Frucona Košice/Comissão, T‑103/14, EU:T:2016:152, n.os 144 a 146 e jurisprudência referida).

108    Para demonstrar que a Comissão cometeu um erro manifesto na apreciação dos factos suscetíveis de justificar a anulação da decisão impugnada, os elementos de prova apresentados pelos recorrentes devem ser suficientes para retirar plausibilidade às apreciações dos factos tomados em consideração na decisão (v. Acórdão de 9 de dezembro de 2015, Grécia e Ellinikos Chrysos/Comissão, T‑233/11 e T‑262/11, EU:T:2015:948, n.o 82 e jurisprudência referida).

109    O juiz da União deve verificar não só a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem todos os dados relevantes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles se retiram (v. Acórdão de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.o 76 e jurisprudência referida; Acórdãos de 21 de março de 2013, Comissão/Buczek Automotive, C‑405/11 P, não publicado, EU:C:2013:186, n.o 50; de 30 de novembro de 2016, Comissão/França e Orange, C‑486/15 P, EU:C:2016:912, n.o 91; e de 20 de setembro de 2017, Comissão/Frucona Košice, C‑300/16 P, EU:C:2017:706, n.o 64).

110    O Tribunal de Justiça precisou ainda que, na aplicação do critério do credor privado, cabia à Comissão efetuar uma apreciação global que levasse em conta todos os elementos relevantes para o caso, que lhe permitiam determinar se a empresa beneficiária não teria manifestamente obtido facilidades comparáveis de um credor privado. A este respeito, por um lado, deve ser considerada relevante qualquer informação suscetível de influenciar de forma não despicienda o processo decisório de um credor privado normalmente prudente e diligente, que se encontrasse na situação mais próxima possível da situação do credor público e que tentasse obter o pagamento das quantias que lhe são devidas por um devedor com dificuldades de pagamento. Por outro lado, para efeitos da aplicação do critério do credor privado, só são relevantes, os elementos disponíveis e as evoluções previsíveis no momento em que foi tomada a decisão (v. Acórdão de 20 de setembro de 2017, Comissão/Frucona Košice, C‑300/16 P, EU:C:2017:706, n.os 59 a 61 e jurisprudência referida). Com efeito, a Comissão não é obrigada a analisar uma informação se os elementos de prova apresentados tiverem sido estabelecidos depois da adoção da decisão de efetuar o investimento em questão e estes não dispensam o Estado‑Membro em causa de fazer uma avaliação prévia adequada da rentabilidade do seu investimento, antes de o realizar (v., neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2017, SACE e Sace BT/Comissão, C‑472/15 P, não publicado, EU:C:2017:885, n.o 107 e jurisprudência referida).

111    À luz destes critérios jurisprudenciais, importa analisar se a Comissão tinha o direito de considerar que um investidor privado na situação da SEA em 2002 teria assumido um compromisso de forma análoga para garantir a sobrevivência económica da sua filial Sea Handling e permitir o seu regresso à rentabilidade.

112    A este respeito, deve salientar‑se que as autoridades italianas tentaram, evidentemente, demonstrar o cumprimento do critério do investidor privado, apresentando exaustivamente e de forma iterativa a sua complexa estratégia de reestruturação a longo prazo da Sea Handling no interior do Grupo SEA, sustentada por diversos planos de desenvolvimento comercial e de reestruturação, pelo estudo económico invocado pelo recorrente, bem como por investimentos que oferecem, segundo estas, uma perspetiva de rentabilidade a longo prazo na aceção do Acórdão de 21 de março de 1991, Itália/Comissão (C‑303/88, EU:C:1991:136, n.os 21 e 22). Para este efeito, salientaram a necessidade de preservar a imagem do Grupo SEA, nomeadamente, assegurando a qualidade dos serviços, a necessidade de maximizar o resultado global, a probabilidade de obter um lucro indireto significativo do destacamento do setor dos serviços de assistência em escala e cedê‑lo nas melhores condições económicas.

113    Em contrapartida, tal como a Comissão, importa constatar que as autoridades italianas não apresentaram manifestamente durante o procedimento administrativo, por um lado, previsões e estimativas de valores das necessidade em capital da Sea Handling, do ponto de vista de um investidor que se encontrasse na situação de 2002, pelo menos para o primeiro período de cinco anos, bem como os potenciais benefícios que um tal investidor privado pudesse razoavelmente esperar no sentido de um «retorno do investimento» que seriam suscetíveis de ser comparados com as despesas ocasionadas pelas medidas de capitalização em causa. Por outro lado, não conseguiram demonstrar a falta de racionalidade económica de eventuais soluções de substituição, tais como a liquidação ou a subcontratação (total ou parcial) do setor de assistência em escala, que não foram suficientemente avaliados, com o apoio de valores e cálculos concretos, nem os potenciais custos e benefícios. Daqui decorre necessariamente que as autoridades italianas, a SEA e a Sea Handling renunciaram também a efetuar e apresentar à Comissão uma comparação dos rácios «custo‑benefício» apresentados por cada um dos diferentes cenários alternativos de comportamento de um investidor privado.

114    Assim, em primeiro lugar, o estudo económico invocado pelo recorrente com base no plano comercial para o período de 2003 a 2007 (designadamente, o «plano de negócios 2003‑2007»), limita‑se a apresentar resumidamente eventuais cenários alternativos, incluindo a liquidação da Sea Handling, e a afirmar que semelhante abordagem iria gerar «custos de alienação consideráveis» sem os tentar quantificar e comparar com os custos ocasionados pelas medidas de recapitalização em causa, apesar de ter sido salientado que um investidor privado experiente teria procedido a semelhante comparação. Estas afirmações lapidares e contraditórias no estudo económico invocado pelo recorrente testemunham a ausência de uma análise pela SEA e pelas autoridades italianas, em 2002, de qualquer outra opção economicamente racional do que a da recapitalização incondicional da Sea Handling no Grupo SEA, como a escolhida pela SEA, em primeiro lugar, para um período de cinco anos, que seria, de seguida, prosseguida mesmo após 2007. Além disso, como constatou corretamente a Comissão no considerando 308 da decisão recorrida, este estudo é a única análise verdadeira de um terceiro, «perito económico», que foi solicitado pelas autoridades italianas, mas que foi elaborado depois da adoção das medidas em causa. Ora, a data em que deve ser apreciada a racionalidade económica de uma medida à luz do critério do investidor privado é a da sua adoção (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF e o., C‑124/10 P, EU:C:2012:318, n.os 85, 104 e 105; de 30 de novembro de 2016, Comissão/França e Orange, C‑486/15 P, EU:C:2016:912, n.os 139 e 140; e de 25 de junho de 2015, SACE e Sace BT/Comissão, T‑305/13, EU:T:2015:435, n.os 93 e 94 e jurisprudência referida). O estudo económico invocado pelo recorrente não pode, portanto, proporcionar‑lhe uma justificação «retroativa» com base na melhoria da situação económica da SEA Handling constatada em 2011. Com efeito, as autoridades italianas, incluindo o recorrente, não contestaram, nem no procedimento administrativo (considerando 308 in fine da decisão recorrida), nem no decorrer da instância que, em 2002 ou, pelo menos, antes da alegada data da cisão de 2007, tenham procedido a uma auditoria sobre a situação financeira da Sea Handling (considerandos 268 e 289 da decisão recorrida) ou pedido para efetuar uma análise económica análoga, desta vez prospetiva, para verificar a racionalidade económica do seu comportamento.

115    Em segundo lugar, esta apreciação é confirmada pelos planos de desenvolvimento comercial e de reestruturação da SEA e da SEA Handling, designadamente o «plano de negócios consolidado 2002‑2006» (Business Plan Consolidato 2002‑2006), o «plano de negócios 2003‑2007», o «plano estratégico 2007‑2012», o «plano estratégico 2009‑2016» e o «plano de negócios 2011‑2013» (considerandos 269 a 296 da decisão recorrida). Como salientou a Comissão, em substância, nos considerandos 226, 229 e 290 da decisão impugnada, sem que tenha sido contestada a este respeito pelo recorrente, os diferentes planos não mencionam a estratégia de recapitalização da SEA, apesar de ter sido indispensável para o sucesso da pretendida reestruturação da Sea Handling, assegurando provisoriamente a sua sobrevivência económica, mas focando‑se apenas sobre a vertente da reestruturação destinada ao seu regresso à rentabilidade. Como foi resumido no considerando 290 da decisão impugnada, ao não ter em consideração as medidas de recapitalização em causa, estes planos também não previam uma estimativa ou uma projeção a médio ou longo prazo dos seus custos totais (que atingiram finalmente o montante total de recapitalização de cerca de 360 milhões de euros) e dos seus eventuais lucros, quando aplicável em termos de dividendos, de manutenção ou aumento do valor da participação, e de danos evitados em matéria de marcas.

116    Do mesmo modo, resulta dos considerandos 292 e 293 da decisão recorrida que as autoridades italianas e a SEA não quantificaram o alegado prejuízo ligado à perda da imagem que a SEA podia ter sofrido no caso de transferência dos serviços de assistência em escala a um terceiro fornecedor que não garantisse o mesmo nível de qualidade, apesar de a SEA «[ter] ela própria admitido que uma tal perda podia facilmente ser confirmada por meio de um estudo de mercado». Com efeito, limitaram‑se a apresentar um cálculo dos custos de subcontratação, cujo fundamento a Comissão colocou em causa, nos considerandos 257 a 259 da decisão impugnada.

117    Em terceiro lugar, no que se refere mais concretamente aos montantes exigidos de injeções de capital do ponto de vista do investidor privado experiente que se encontrasse na situação de 2002, é forçoso constatar que o recorrente não forneceu mais detalhes no decurso da instância. Com efeito, para além da decisão de recapitalização tomada sob a forma do acordo sindical de 26 de março de 2002, não existe qualquer informação, nem que seja uma estimativa prospetiva, relativa aos montantes que, nessa fase, a SEA e as autoridades italianas tivessem, se necessário, projetado investir na Sea Handling durante o primeiro período de cinco anos. O estudo económico invocado pelo recorrente confirma que, em 2002, uma tal projeção só foi feita até 2005, ou seja, na data da recuperação de rentabilidade prevista no «plano de negócios de 2003‑2007». Pelo contrário, o recorrente limita‑se a tecer considerações vagas e gerais relacionadas com uma estratégia global de reestruturação e a alegada necessidade de sanear a Sea Handling no Grupo SEA para permitir o seu regresso à rentabilidade. Ora, a necessidade de prever um plano específico com uma estimativa realista da rentabilidade das sucessivas recapitalizações era ainda mais necessária devido ao caráter plurianual dos compromissos previstos pelo acordo sindical de 26 de março de 2002. A Comissão considerou então corretamente que a decisão de recapitalização de 2002 tinha sido tomada de forma incondicional e independente de previsões concretas das eventuais necessidades de capital pela SEA Handling durante um determinado período de tempo, com base unicamente nas perdas e na necessidade anual da sua cobertura no futuro, independentemente do seu volume, bem como da modalidade, duração e objetivo específico de reestruturação da Sea Handling. Além disso, também após a cisão ocorrida em 2006/2007, devido à decisão de «de‑hubbing» da Alitalia, da SEA e da Sea Handling, não especificaram se, e em que medida, a continuação da estratégia de recapitalização era efetivamente suscetível de permitir vender a Sea Handling, num determinado momento, nas melhores condições, de salvaguardar a imagem do Grupo SEA no seu conjunto ou de oferecer, pelo menos durante um período transitório, as melhores garantias em termos de fornecimento destes serviços devido à manutenção da intervenção vertical.

118    Em quarto lugar, o recorrente afirmou que, além da vertente das pesadas intervenções de reestruturação, os planos de desenvolvimento comercial e de reestruturação em causa visavam também a vertente da recapitalização. Assim, o recorrente apenas alegou, em substância, que a vertente da reestruturação tinha sido submetida, ao longo dos anos e em função das alterações de circunstâncias relevantes, das modificações substanciais alegadamente imprevisíveis, sem no entanto alegar um argumento análogo no tocante às medidas de recapitalização, cujo alcance dependia necessariamente do volume das perdas anuais sofridas pela Sea Handling.

119    Ora, nestas condições, a argumentação do recorrente relativa exclusivamente à reestruturação bem como aos alegados erros e omissões que a Comissão teria cometido neste contexto não pode demonstrar a existência de erros manifestos na sua apreciação do incumprimento do critério do investidor privado quanto às medidas de recapitalização em causa que assentam sobre uma decisão de princípio tomada em 2002, nem colocar em causa o fundamento da tese da Comissão segundo a qual a SEA tinha podido adotar e aplicar um plano de reestruturação mais rigoroso ou mais curto para limitar as perdas da Sea Handling a um nível mínimo (considerandos 247, 290, 294 e 309 da decisão recorrida).

120    Tendo em conta as considerações precedentes, a Comissão podia, sem cometer um erro manifesto de apreciação, fazer as constatações referidas no n.o 97, supra.

121    Nenhum dos argumentos alegados pelo recorrente permite afastar esta conclusão.

122    Em primeiro lugar, no que diz respeito à ausência de outras soluções, incluindo a cessão do ramo dos serviços de assistência em escala, resulta dos considerandos 248 a 255 da decisão impugnada que a Comissão rejeitou as objeções da SEA como sendo essencialmente não circunstanciadas, sem credibilidade e, em parte, inoperantes. Por um lado, a Comissão também rejeitou a afirmação segundo a qual os terceiros operadores só estariam interessados em determinados serviços mais rentáveis, o que, para além do facto de dois processos de venda parcial terem falhado, não estava comprovado «por qualquer elemento concreto, apesar de uma pluralidade de operadores [estar]em habilitados a oferecer os seus serviços em Itália, nomeadamente nos aeroportos de Malpensa e Linate» (considerandos 248 a 250 da decisão impugnada). Por outro lado, quanto à capacidade dos terceiros operadores, a Comissão questionou a operacionalidade e a credibilidade, nomeadamente, «[d]as considerações bastante vagas sobre a situação económica alegadamente negativa dos outros fornecedores ativos nas escalas milanesas ou [sobre] o nível dos seus recursos efetivamente em atividade nos mesmos», e da «afirmação segundo a qual nenhum operador teria os recursos necessários», apesar de, «[de]acordo com a SEA, 84 fornecedores estarem habilitados a servir Linate e Malpensa». A Comissão salientou, além disso, a falta de provas concretas de «que um terceiro operador não seria capaz de satisfazer os requisitos de qualidade considerados essenciais para o bom funcionamento do modelo de negócio da SEA» (considerandos 251, 252 e 254 da decisão impugnada). Por último, a Comissão censurou a SEA por não ter demonstrado a «impossibilidade de subcontratar uma parte das atividades em vez da totalidade» (considerandos 253 e 254 da decisão impugnada).

123    A esta análise detalhada, o recorrente opõe apenas afirmações vagas e não fundamentadas. Com efeito, limita‑se a afirmar, de forma não circunstanciada, que não existiam operadores que pudessem apresentar uma oferta global de serviços de assistência em escala e que os serviços que os operadores de assistência em escala presentes nos aeroportos milaneses podiam oferecer tinham baixa fiabilidade e qualidade. Assim, limita‑se a repetir os argumentos já avançados durante o procedimento administrativo que a Comissão rejeitara legitimamente na decisão recorrida.

124    Em segundo lugar, no que diz respeito ao caráter inapropriado da subcontratação dos serviços oferecidos pela Sea Handling, resulta do resumo dos argumentos das autoridades italianas, indicados no considerando 81 da decisão recorrida, o seguinte:

«Existem também outras considerações para além de retirar uma vantagem material indireta da cobertura de perdas da SEA Handling, entre as quais: a) a possibilidade de obter vantagens económicas indiretas graças às suas relações comerciais com a sua filial; b) as dificuldades que resultam de uma subcontratação no contexto nacional de referência, tanto do ponto de vista dos custos económicos como da responsabilidade assumida pelo grupo perante as autoridades públicas; c) a preocupação de preservar a imagem do Grupo e d) o cumprimento das obrigações para com o Estado que lhe são impostas nos termos da lei e convenção.»

125    Do mesmo modo, durante o procedimento administrativo, a SEA afirmou, de acordo com o resumo exposto no considerando 115 da decisão impugnada, que «o abandono das atividades de assistência em escala resultaria num aumento das suas despesas devido à obrigação que lhe incumbia de fornecer os serviços de gestão de urgências e imprevistos» e que considerava, «[a] título indicativo, […] que a economia realizada pela SEA, devido às economias de escala resultantes da possibilidade de utilizar os custos marginais do pessoal da Sea Handling para a atividade de segurança, em vez de incorrer em custos de constituição e manutenção de uma equipa especializada, foi de 10,7 milhões de [euros] em 2003 e de 8,7 milhões de [euros] em 2010».

126    Resulta dos considerandos 256 a 260 da decisão impugnada que a Comissão questionou o mérito dos cálculos dos custos de subcontratação apresentados pela SEA, com fundamento em que estes se baseavam num fator multiplicador «arbitrário» e num cálculo do número de funcionários equivalentes a tempo inteiro (ETI) «irrealista». Neste contexto, a Comissão salienta a ausência de uma estimativa mais realista baseada num cálculo do custo efetivo que a Sea Handling teria normalmente faturado à SEA pelos seus serviços e do número de ETI efetivamente suportados em média durante um ano. Além disso, a Comissão criticou a SEA por não ter comparado os alegados custos de subcontratação aos relacionados com as medidas de recapitalização em causa (cobertura de perdas), «que podiam ter sido evitados pela subcontratação de determinadas atividades ou de todas as atividades de assistência em escala a um operador mais competitivo».

127    Nas suas observações escritas perante o Tribunal Geral, o recorrente limitou‑se, em substância, a recordar os argumentos já avançados pelas autoridades italianas durante o procedimento administrativo, tal como recordados no considerando 81 da decisão impugnada (v. n.o 124, supra), sem, no entanto, avançar argumentos específicos suscetíveis de colocar em causa a apreciação efetuada pela Comissão na decisão impugnada. Em especial, importa recordar que as autoridades italianas, a SEA ou a Sea Handling nunca especificaram quais teriam sido os custos e ganhos hipotéticos de uma subcontratação e, por conseguinte, do fornecimento dos serviços de assistência em escala por um terceiro operador, nem apresentaram uma comparação de um tal balanço custo‑benefício com os custos e ganhos relacionados tanto com as medidas de recapitalização em causa como com a manutenção da solução de integração vertical da Sea Handling no Grupo SEA.

128    Além disso, tal como é especificado no considerando 293 da decisão impugnada, que não foi contestado pelo recorrente enquanto tal, as autoridades italianas e a SEA abstiveram‑se de especificar, no procedimento administrativo, sustentado em valores concretos, o alcance da alegada perda de imagem em detrimento do Grupo SEA em caso de subcontratação dos serviços de assistência em escala, uma vez que o nível de qualidade requerido não seria garantido ou controlado pela SEA (considerando 292 da decisão recorrida; v. n.o 116, supra).

129    Em terceiro lugar, no que diz respeito ao argumento segundo o qual os efeitos das opções empresariais da SEA só poderiam ser avaliados a longo prazo, para que a SEA pudesse renunciar à sua escolha sem ter esperado o tempo necessário para avaliar o resultado desta, é suficiente constatar que a questão relevante à luz do critério do investidor privado não é saber se a SEA devia renunciar a determinadas opções sem conhecer o seu impacto a longo prazo, mas se tinha procedido às estimativas de custos e benefícios no momento da decisão do aumento de capital a favor da sua filial Sea Handling, o que não aconteceu manifestamente no caso em apreço (v. n.os 112 a 116, supra). Do mesmo modo, os resultados realizados pela Sea Handling, por mais positivos que possam ser a partir de 2008, posteriores à decisão de investimento de 2002, não podem nem ser tidos em consideração para efeitos de análise do cumprimento do critério do investidor privado (v. n.os 104 e 110, supra), nem sanar a falta de avaliação ex ante dos custos e benefícios da estratégia escolhida pela SEA.

130    Em quarto lugar, o facto de a estratégia de saneamento da Sea Handling não ter comprometido a estabilidade financeira da SEA e de que esta última tenha oferecido dividendos não é suficiente para demonstrar que os aumentos de capital efetuados tenham sido conformes aos do investidor privado e são, por conseguinte, inoperantes.

131    Em quinto e último lugar, o estudo económico invocado pelo recorrente não demonstra que os aumentos de capital estejam de acordo com o critério do investidor privado. Tal como foi recordado no n.o 114, supra, este estudo limita‑se a invocar de forma breve eventuais cenários alternativos, incluindo a liquidação da Sea Handling, e a alegar que tal abordagem teria gerado «custos de alienação consideráveis», sem tentar quantificá‑los e compará‑los com os custos ocasionados pelas medidas em causa, não obstante ter sido salientado que um investidor privado teria procedido a uma tal comparação.

132    Por conseguinte, o recorrente não demonstrou que a Comissão tivesse cometido um erro de apreciação manifesto ao rejeitar o argumento segundo o qual o critério do investidor privado tinha sido cumprido no caso em apreço. Consequentemente, o segundo fundamento deve improceder.

[omissis]

IV.    Quanto às despesas

212    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento do Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrente ficado vencido, deve ser condenado nas despesas, incluindo as referentes ao processo de medidas provisórias, de acordo com os pedidos da Comissão.

Por estes motivos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

Decide que:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O Comune di Milano é condenado nas despesas, incluindo as referentes ao processo de medidas provisórias.

Van der Woude

Kreuschitz

Forrester

Półtorak

 

      Perillo

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de dezembro de 2018.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.


1      Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.