Language of document : ECLI:EU:C:2020:764

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

1 de outubro de 2020 (*)

«Reenvio prejudicial — Medicamentos para uso humano não sujeitos a receita médica obrigatória — Venda em linha — Publicidade do sítio Internet de uma farmácia de oficina — Limitações — Proibição de descontos no caso de uma encomenda que exceda uma determinada quantidade e de utilização de referenciação paga — Obrigação de o paciente preencher um questionário de saúde antes da validação da sua primeira encomenda no sítio Internet — Proteção da saúde pública — Diretiva 2000/31/CE — Comércio eletrónico — Artigo 2.o, alínea a) — Serviço da sociedade da informação — Artigo 2.o, alínea h) — Domínio coordenado — Artigo 3.o — Princípio do país de origem — Derrogações — Justificação — Proteção da saúde pública — Proteção da dignidade da profissão de farmacêutico — Prevenção do consumo abusivo de medicamentos»

No processo C‑649/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França), por Decisão de 28 de setembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de outubro de 2018, no processo

A

contra

Daniel B,

UD,

AFP,

B,

L,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Terceira Secção, L. S. Rossi, J. Malenovský (relator) e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: R. Șereș, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 3 de outubro de 2019,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação da A, por K. Nordlander, advokat, e A. Robert, avocate,

–        em representação de Daniel B, L, B, AFP e UD, por M. Guizard e S. Beaugendre, avocats,

–        em representação do Governo francês, por A.‑L. Desjonquères, R. Coesme e E. Leclerc, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo helénico, por V. Karra, A. Dimitrakopoulou e E. Tsaousi, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo espanhol, por L. Aguilera Ruiz, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo neerlandês, por K. Bulterman e L. Noort, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por F. Thiran, A. Sipos e S. L. Kalėda, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 27 de fevereiro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 34.o TFUE, do artigo 85.o‑C da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO 2001, L 311, p. 67), conforme alterada pela Diretiva 2011/62/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011 (JO 2011, L 174, p. 74) (a seguir «Diretiva 2001/83»), e do artigo 3.o da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o Comércio Eletrónico») (JO 2000, L 178, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe A, uma sociedade de direito neerlandês que explora uma farmácia de oficina estabelecida nos Países Baixos e um sítio Internet dirigido especificamente à clientela francesa, a Daniel B, UD, AFP, B e L (a seguir «Daniel B e o.»), que exploram farmácias de oficina e são associações que representam os interesses profissionais dos farmacêuticos estabelecidos em França, relativamente à promoção, por A, do referido sítio Internet, junto da clientela francesa, através de uma campanha de publicidade multiforme e de grande envergadura.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 98/34

3        O artigo 1.o, primeiro parágrafo, ponto 2, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO 1998, L 204, p. 37), conforme alterada pela Diretiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de julho de 1998 (JO 1998, L 217, p. 18) (a seguir «Diretiva 98/34»), prevê:

«Para efeitos da presente diretiva entende‑se por:

[…]

2)      “serviço”: qualquer serviço da sociedade da informação, isto é, qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços.»

 Diretiva 2000/31

4        Os considerandos 18 e 21 da Diretiva 2000/31 enunciam:

«(18)      Os serviços da sociedade da informação abrangem uma grande diversidade de atividades económicas. Tais atividades podem, nomeadamente, consistir na venda de mercadorias em linha. […]

[…]

(21)      O âmbito do domínio coordenado é definido sem prejuízo de futura harmonização comunitária em matéria de sociedade da informação e de futura legislação adotada a nível nacional conforme com o direito comunitário. O domínio coordenado abrange exclusivamente exigências respeitantes a atividades em linha, tais como a informação em linha, a publicidade em linha, as compras em linha e os contratos em linha […]»

5        O artigo 1.o, n.os 1 e 2, desta diretiva tem a seguinte redação:

«1.      A presente diretiva tem por objetivo contribuir para o correto funcionamento do mercado interno, garantindo a livre circulação dos serviços da sociedade da informação entre Estados‑Membros.

2.      A presente diretiva aproxima, na medida do necessário à realização do objetivo previsto no n.o 1, certas disposições nacionais aplicáveis aos serviços da sociedade da informação que dizem respeito ao mercado interno, ao estabelecimento dos prestadores de serviços, às comunicações comerciais, aos contratos celebrados por via eletrónica, à responsabilidade dos intermediários, aos códigos de conduta, à resolução extrajudicial de litígios, às ações judiciais e à cooperação entre Estados‑Membros.»

6        O artigo 2.o, alínea a), da referida diretiva define os «serviços da sociedade da informação» como os serviços na aceção do artigo 1.o, primeiro parágrafo, ponto 2, da Diretiva 98/34.

7        O artigo 2.o, alínea h), da Diretiva 2000/31 dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

h)      “Domínio coordenado”: as exigências fixadas na legislação dos Estados‑Membros, aplicáveis aos prestadores de serviços da sociedade da informação e aos serviços da sociedade da informação, independentemente de serem de natureza geral ou especificamente concebidos para esses prestadores e serviços:

i)      O domínio coordenado diz respeito às exigências que o prestador de serviços tem de observar, no que se refere:

–        ao exercício de atividades de um serviço da sociedade da informação, tal como os requisitos respeitantes às habilitações, autorizações e notificações,

–        à prossecução de atividade de um serviço da sociedade da informação, tal como os requisitos respeitantes ao comportamento do prestador de serviços, à qualidade ou conteúdo do serviço, incluindo as aplicáveis à publicidade e aos contratos, ou as respeitantes à responsabilidade do prestador de serviços;

ii)      O domínio coordenado não abrange exigências tais como as aplicáveis:

–        às mercadorias, enquanto tais,

–        à entrega de mercadorias,

–        aos serviços não prestados por meios eletrónicos.»

8        O artigo 3.o desta diretiva, sob a epígrafe «Mercado interno», dispõe:

«1.      Cada Estado‑Membro assegurará que os serviços da sociedade da informação prestados por um prestador estabelecido no seu território cumpram as disposições nacionais aplicáveis nesse Estado‑Membro que se integrem no domínio coordenado.

2.      Os Estados‑Membros não podem, por razões que relevem do domínio coordenado, restringir a livre circulação dos serviços da sociedade da informação provenientes de outro Estado‑Membro.

3.      Os n.os 1 e 2 não se aplicam aos domínios a que se refere o anexo.

4.      Os Estados‑Membros podem tomar medidas derrogatórias do n.o 2 em relação a determinado serviço da sociedade da informação, caso sejam preenchidas as seguintes condições:

a)      As medidas devem ser:

i)      Necessárias por uma das seguintes razões:

–        defesa da ordem pública, em especial prevenção, investigação, deteção e incriminação de delitos penais, incluindo a proteção de menores e a luta contra o incitamento ao ódio fundado na raça, no sexo, na religião ou na nacionalidade, e contra as violações da dignidade humana de pessoas individuais,

–        proteção da saúde pública,

–        segurança pública, incluindo a salvaguarda da segurança e da defesa nacionais,

–        defesa dos consumidores, incluindo os investidores;

ii)      Tomadas relativamente a um determinado serviço da sociedade da informação que lese os objetivos referidos na subalínea i), ou que comporte um risco sério e grave de prejudicar esses objetivos;

iii)      Proporcionais a esses objetivos;

b)      Previamente à tomada das medidas em questão, e sem prejuízo de diligências judiciais, incluindo a instrução e os atos praticados no âmbito de uma investigação criminal, o Estado‑Membro deve:

–        ter solicitado ao Estado‑Membro a que se refere o n.o 1 que tome medidas, sem que este último as tenha tomado ou se estas se tiverem revelado inadequadas,

–        ter notificado à Comissão [Europeia] e ao Estado‑Membro a que se refere o n.o 1 a sua intenção de tomar tais medidas.

[…]»

9        O artigo 8.o, n.o 1, da referida diretiva prevê que «[o]s Estados‑Membros assegurarão que a utilização de comunicações comerciais que constituam ou sejam parte de um serviço da sociedade da informação prestado por um oficial de uma profissão regulamentada seja autorizada mediante sujeição ao cumprimento das regras profissionais em matéria de independência, dignidade e honra da profissão, bem como do sigilo profissional e da lealdade para com clientes e outros membros da profissão».

 Diretiva 2001/83

10      Integrado no título VII‑A, sob a epígrafe «Vendas à distância ao público», da Diretiva 2001/83, o seu artigo 85.o‑C estabelece:

«1.      Sem prejuízo da legislação nacional que proíbe a oferta para venda à distância de medicamentos ao público através de serviços da sociedade da informação, os Estados‑Membros asseguram que os medicamentos sejam oferecidos para venda à distância através de serviços da sociedade da informação, tal como definidos na Diretiva [98/34], nas seguintes condições:

a)      A pessoa singular ou coletiva que oferece medicamentos para venda à distância é autorizada ou habilitada a dispensar medicamentos ao público, inclusivamente à distância, nos termos da legislação nacional do Estado‑Membro em que essa pessoa se encontra estabelecida;

b)      A pessoa a que se refere a alínea a) comunicou ao Estado‑Membro em que se encontra estabelecida, pelo menos, as seguintes informações:

[…]

c)      Os medicamentos cumpram a legislação nacional do Estado‑Membro de destino, nos termos do n.o 1 do artigo 6.o;

d)      Sem prejuízo das obrigações de informação previstas na Diretiva [2000/31], o sítio na Internet que oferece medicamentos para venda deve conter, pelo menos:

[…]

2.      Os Estados‑Membros podem impor condições, justificadas por razões de proteção da saúde pública, à venda a retalho no seu território de medicamentos oferecidos para venda à distância ao público através de serviços da sociedade da informação.

[…]

6.      Sem prejuízo do disposto na Diretiva [2000/31] e dos requisitos fixados no presente título, os Estados‑Membros devem igualmente tomar as medidas necessárias para assegurar que pessoas que não as referidas no n.o 1, que ofereçam medicamentos para venda à distância ao público através de serviços da sociedade da informação e que operem no seu território, sejam sujeitas a sanções eficazes, proporcionadas e dissuasivas.»

11      O título VIII, sob a epígrafe «Publicidade», e o título VIII‑A, sob a epígrafe «Informação e publicidade», da Diretiva 2001/83, contêm, respetivamente, os artigos 86.o a 88.o e os artigos 88.o‑A a 100.o da referida diretiva.

12      O artigo 88.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2001/83 prevê:

«Os Estados‑Membros proíbem a publicidade junto do público em geral dos medicamentos que:

a)      Só possam ser obtidos mediante receita médica, nos termos do título VI».

 Diretiva (UE) 2015/1535

13      A Diretiva (UE) 2015/1535 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de setembro de 2015, relativa a um procedimento de informação no domínio das regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO 2015, L 241, p. 1), revogou e substituiu, a partir de 7 de outubro de 2015, a Diretiva 98/34.

14      O artigo 1.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2015/1535 estipula:

«Para efeitos da presente diretiva, aplicam‑se as seguintes definições:

[…]

b)      “Serviço” significa qualquer serviço da sociedade da informação, isto é, qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços.»

15      Nos termos do artigo 10.o, segundo parágrafo, da Diretiva 2015/1535, as remissões para a Diretiva 98/34 entendem‑se como sendo feitas para aquela.

 Direito francês

 Código da Saúde Pública

16      O artigo R. 4235‑22 do code de la santé publique (Código da Saúde Pública) dispõe que «[é] proibido aos farmacêuticos atrair clientela com meios e procedimentos considerados contrários à dignidade da profissão».

17      O artigo R. 4235‑64 do mesmo código prevê que «[o] farmacêutico não deve, por qualquer meio ou procedimento, incitar os seus pacientes ao consumo abusivo de medicamentos».

 Decreto Relativo às Boas Práticas de Distribuição de Medicamentos

18      O ponto 7.1, sob a epígrafe «Conselho farmacêutico», da secção 7, intitulada «Regras complementares aplicáveis ao comércio eletrónico de medicamentos», do anexo ao Decreto de 28 de novembro de 2016, Relativo às Boas Práticas de Distribuição de Medicamentos em Farmácias de Oficina, Farmácias Mutualistas e Farmácias de Socorros Mineiros, Mencionadas no Artigo L. 5121‑5 do Código da Saúde Pública (JORF de 1 de dezembro de 2016, texto n.o 25; a seguir «Decreto Relativo às Boas Práticas de Distribuição de Medicamentos»), dispõe:

«O sítio Internet de comércio eletrónico de medicamentos é concebido de modo a que nenhum medicamento possa ser distribuído sem que seja possível uma relação interativa entre o paciente e o farmacêutico em causa, antes da validação da encomenda. Uma resposta automática a uma questão colocada pelo paciente não é, consequentemente, suficiente para assegurar uma informação e um aconselhamento adaptados ao caso específico do paciente.

O farmacêutico necessita de determinados dados pessoais relativos ao paciente para se assegurar da adequação do pedido ao estado de saúde do paciente e para poder detetar eventuais contraindicações. Assim, antes da validação da primeira encomenda, o farmacêutico põe em linha um questionário no qual são pedidas informações sobre a idade, o peso, a altura, o sexo, os tratamentos em curso, os antecedentes alérgicos, as contraindicações e, sendo caso disso, o estado de gravidez ou de amamentação da paciente. O paciente deve declarar a veracidade dessas informações.

O questionário é preenchido aquando da primeira encomenda, durante o processo de validação da mesma. Se o questionário não for preenchido, não pode ser entregue nenhum medicamento. Em seguida, o farmacêutico procede a uma validação do questionário, afirmando que tomou conhecimento das informações prestadas pelo paciente, antes de validar o pedido.

É proposta uma atualização do questionário em cada encomenda.

[…]»

 Decreto Relativo às Regras Técnicas

19      A secção 1, sob a epígrafe «Funcionalidades dos sítios Internet do comércio eletrónico de medicamentos», do anexo do Decreto de 28 de novembro de 2016, Relativo às Regras Técnicas Aplicáveis aos Sítios Internet de Comércio Eletrónico de Medicamentos Previstas no Artigo L. 5125‑39 do Código da Saúde Pública (JORF de 1 de dezembro de 2016, texto n.o 26; a seguir «Decreto Relativo às Regras Técnicas»), dispõe que «[é] proibida a pesquisa de referenciação em motores de busca ou comparadores de preços mediante pagamento».

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

20      A, uma sociedade de direito neerlandês, está registada nos Países Baixos para o exercício de uma atividade de exploração de uma farmácia de oficina. Esta sociedade também vende em linha medicamentos e produtos de parafarmácia através de vários sítios Internet, um dos quais é especialmente dirigido aos consumidores franceses. Os medicamentos comercializados através desse sítio beneficiam, em França, de uma autorização de introdução no mercado e não estão sujeitos a receita médica obrigatória.

21      A levou a cabo uma campanha publicitária para a atividade de venda em linha de medicamentos dirigida aos consumidores franceses. Essa campanha contemplava a inserção de folhetos publicitários em encomendas expedidas para outros operadores de venda à distância (método denominado «asilage», em francês), bem como o envio de mensagens publicitárias postais. A procedeu igualmente à publicação, no referido sítio Internet, de ofertas promocionais que consistiam em conceder um desconto sobre o preço global da encomenda de medicamentos, quando este excedesse um determinado montante, bem como à compra de uma referenciação paga nos motores de busca.

22      Daniel B e o. demandaram A no tribunal de commerce de Paris (Tribunal de Comércio de Paris, França), pedindo, nomeadamente, a reparação do prejuízo que consideram ter sofrido devido à concorrência desleal de A ao retirar indevidamente um benefício do incumprimento da legislação francesa em matéria de publicidade e de venda em linha de medicamentos.

23      Por seu turno, A considera que esta legislação não lhe é aplicável, uma vez que está regularmente estabelecida nos Países Baixos para uma atividade de farmácia de oficina e vende os seus produtos aos consumidores franceses através do comércio eletrónico.

24      Por Sentença de 11 de julho de 2017, o tribunal de commerce de Paris (Tribunal de Comércio de Paris) declarou que o direito neerlandês regulava a criação do sítio Internet dirigido à clientela francesa. Todavia, segundo esse órgão jurisdicional, os artigos R. 4235‑22 e R. 4235‑64 do Código da Saúde Pública são aplicáveis às sociedades estabelecidas noutros Estados‑Membros que vendem medicamentos através da Internet aos pacientes franceses. Ora, A, ao distribuir mais de três milhões de folhetos publicitários fora da sua farmácia, atraiu a clientela francesa com meios indignos da profissão de farmacêutico, em violação destas disposições. O tribunal de commerce de Paris (Tribunal de Comércio de Paris) concluiu daí que a violação das referidas disposições, que conferiu a A uma vantagem económica relativamente aos outros operadores no mercado, era constitutiva de atos de concorrência desleal.

25      A interpôs recurso desta sentença para a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França), alegando que os artigos R. 4235‑22 e R. 4235‑64 do Código da Saúde Pública não lhe são aplicáveis. Estas disposições constituem entraves ao princípio de aplicação das regras do país de origem, previsto no artigo 3.o da Diretiva 2000/31 e no artigo 85.o‑C da Diretiva 2001/83, bem como à livre circulação de mercadorias garantida no artigo 34.o TFUE. Estes entraves não são justificados pela proteção da saúde pública.

26      Na cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris), Daniel B e o. pedem a confirmação da sentença do tribunal de commerce de Paris (Tribunal de Comércio de Paris), na medida em que este órgão jurisdicional aplicou o direito francês relativo à publicidade para a venda de medicamentos e qualificou de «ato de concorrência desleal» a publicidade maciça efetuada por A, por ser contrária à dignidade da profissão de farmacêutico e ao seu conteúdo incentivador do consumo abusivo de medicamentos. Daniel B e o. pretendem a reforma dessa sentença quanto ao restante, alegando que o Código da Saúde Pública e o Decreto Relativo às Boas Práticas de Distribuição de Medicamentos regulam igualmente o recurso por A à referenciação paga. Alegam que as restrições à publicidade para a venda em linha de medicamentos, que resultam do Código da Saúde Pública, são justificadas pelo objetivo de proteção da dignidade e da honra da profissão de farmacêutico. Essas restrições são proporcionadas à prossecução deste objetivo, ele próprio relacionado com a proteção da saúde pública.

27      Nestas condições, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«[A] regulamentação europeia, nomeadamente:

–        o artigo 34.o TFUE,

–        as disposições do artigo 85.o‑C da Diretiva [2001/83], [e]

–        a cláusula sobre o mercado interno do artigo 3.o da Diretiva [2000/31]

permit[e] a um Estado‑Membro da União [Europeia] impor, no seu território, aos farmacêuticos nacionais de outro Estado‑Membro da União, regras específicas relativas:

–        à proibição de atrair clientela [com] meios e procedimentos considerados contrários à dignidade da profissão na aceção do artigo R. 4235‑22 do Código da Saúde Pública […] atualmente em vigor[;]

–        à proibição de incitar os pacientes a um consumo abusivo de medicamentos na aceção do artigo R. 4235‑64 do Código da Saúde Pública […] atualmente em vigor[;]

–        à obrigação de cumprir as boas práticas de distribuição de medicamentos definidas pela autoridade pública do Estado‑Membro, ao exigir, além disso, a inclusão de um questionário de saúde no processo de encomenda em linha de medicamentos e ao proibir a utilização da referenciação paga, nos termos do Decreto [Relativo às Boas Práticas de Distribuição de Medicamentos e do Decreto Relativo às Regras Técnicas]?»

 Quanto à questão prejudicial

 Observações preliminares

28      Resulta da redação da questão submetida que esta diz respeito, em substância, à conformidade, com o direito da União, da legislação nacional, aplicada pelo Estado‑Membro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica ao prestador desse serviço estabelecido noutro Estado‑Membro.

29      Para responder a esta questão, há que, no caso em apreço, ter principalmente em conta as disposições da Diretiva 2000/31.

30      Com efeito, antes de mais, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 1.o desta diretiva, lidos em conjugação, esta tem por objetivo contribuir para o correto funcionamento do mercado interno, garantindo a livre circulação dos serviços da sociedade da informação entre os Estados‑Membros, aproximando, na medida do necessário, certas disposições nacionais aplicáveis aos referidos serviços.

31      Em seguida, o artigo 2.o, alínea a), desta diretiva, lido em conjugação com o artigo 1.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2015/1535, define o «serviço da sociedade da informação» como «qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços», entendendo‑se, como decorre do considerando 18 da Diretiva 2000/31, que estes serviços abrangem uma grande diversidade de atividades económicas realizadas em linha, como, designadamente, a venda de mercadorias em linha.

32      Por último, no que se refere, mais particularmente, aos serviços de venda em linha de medicamentos, decorre do artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 2000/31, que esta venda não figura entre as atividades excluídas da aplicação desta diretiva (v., por analogia, Acórdão de 2 de dezembro de 2010, Ker‑Optika, C‑108/09, EU:C:2010:725, n.o 27). Por sua vez, o artigo 85.o‑C da Diretiva 2001/83, relativo às vendas à distância ao público de medicamentos através de serviços da sociedade da informação, remete, nomeadamente, para as disposições da Diretiva 2000/31 e não proíbe a venda à distância de medicamentos não sujeitos a receita médica, que são os únicos objeto do litígio em causa no processo principal.

33      Daqui resulta que um serviço de venda em linha de medicamentos, como o que está em causa no processo principal, é suscetível de constituir um serviço da sociedade da informação, na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2000/31, e, por conseguinte, de ser abrangido pelo âmbito de aplicação desta diretiva no que se refere aos requisitos aplicáveis a esse serviço, que se inserem no «domínio coordenado», na aceção do artigo 2.o, alínea h), da referida diretiva.

34      Por outro lado, por força do artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31, os Estados‑Membros podem tomar medidas derrogatórias ao princípio da livre circulação dos serviços da sociedade da informação, em relação a um determinado serviço da sociedade da informação abrangido pelo domínio coordenado, caso estejam preenchidos os dois requisitos cumulativos das alíneas a) e b) desta disposição (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Airbnb Ireland, C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.os 83 e 84). Assim, uma interpretação do artigo 3.o, n.o 4, desta diretiva no sentido de que os Estados‑Membros podem justificar, a título do direito primário, um requisito que não cumpra as exigências previstas na referida disposição privaria de efeito útil esta última ao desautorizar definitivamente a harmonização seletiva por esta efetuada (v., por analogia, Acórdão de 16 de junho de 2015, Rina Services e o., C‑593/13, EU:C:2015:399, n.o 37). Nestas condições, não é necessário apreciar a legislação nacional em causa no processo principal à luz do direito primário, designadamente do artigo 34.o TFUE.

 Quanto à admissibilidade

35      Por um lado, o Governo francês invoca a inadmissibilidade da questão prejudicial na medida em que tem por objeto a interpretação das disposições da Diretiva 2000/31. Com efeito, uma entidade privada não pode opor as disposições de uma diretiva a outra entidade privada, no âmbito de um litígio de natureza horizontal, a fim de obstar à aplicação de uma legislação nacional contrária a essas disposições. Por conseguinte, considera que este aspeto da questão submetida tem natureza hipotética.

36      A este respeito, importa recordar que o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, nomeadamente, a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que essas questões sejam relativas à interpretação de uma regra de direito da União, o Tribunal é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 24, e de 7 de fevereiro de 2018, American Express, C‑304/16, EU:C:2018:66, n.o 31).

37      As questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação de uma regra da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdãos de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 25, e de 7 de fevereiro de 2018, American Express, C‑304/16, EU:C:2018:66, n.o 32).

38      É certo que é necessário salientar que, em caso de litígio entre particulares, o Tribunal de Justiça tem afirmado de modo constante que uma diretiva não pode, por si só, criar obrigações na esfera de um particular e não pode, por conseguinte, ser invocada como tal contra este. No entanto, o Tribunal de Justiça tem também decidido reiteradamente que a obrigação, decorrente de uma diretiva, de os Estados‑Membros alcançarem o resultado nela previsto bem como o dever de tomarem todas as medidas gerais ou especiais adequadas a assegurar o cumprimento dessa obrigação se impõem a todas as autoridades dos Estados‑Membros, incluindo, no âmbito das suas competências, às autoridades jurisdicionais (Acórdão de 19 de abril de 2016, DI, C‑441/14, EU:C:2016:278, n.o 30 e jurisprudência referida).

39      Ao aplicarem o direito nacional, os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a interpretá‑lo são, assim, designadamente, obrigados a tomar em consideração o conjunto das regras desse direito e a aplicar os métodos de interpretação reconhecidos por este, de modo a interpretá‑lo, tanto quanto possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva em causa, para alcançar o resultado por ela prosseguido e dar, assim, cumprimento ao artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE (Acórdão de 19 de abril de 2016, DI, C‑441/14, EU:C:2016:278, n.o 31 e jurisprudência referida).

40      Nestas condições, não é manifesto que a questão submetida, na medida em que diz respeito à Diretiva 2000/31, suscite um problema hipotético.

41      Por outro lado, A alega que a República Francesa não cumpriu a obrigação decorrente do artigo 3.o, n.o 4, alínea b), segundo travessão, da Diretiva 2000/31, de notificar as medidas restritivas que são objeto do processo principal.

42      A este respeito, há que salientar que, quando uma legislação nacional que prevê diferentes proibições ou obrigações impostas a um prestador de serviços da sociedade da informação restringe, assim, a liberdade dos serviços, o Estado‑Membro em causa deve, nos termos da referida disposição, ter previamente notificado a sua intenção de tomar as medidas restritivas em causa à Comissão e ao Estado‑Membro em cujo território o prestador do serviço referido está estabelecido (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Airbnb Ireland, C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.o 85).

43      Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que essa obrigação de notificação constitui um requisito processual de natureza substancial que justifica a inoponibilidade aos particulares das medidas não notificadas que restringem a livre circulação dos serviços da sociedade da informação (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Airbnb Ireland, C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.o 94).

44      Contudo, como resulta da jurisprudência referida no n.o 37 do presente acórdão, as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. Ora, esta presunção não pode ser ilidida pelo simples facto de uma das partes no processo principal contestar um determinado facto cuja existência compete ao órgão jurisdicional de reenvio, e não ao Tribunal de Justiça, verificar (v., neste sentido, Acórdãos de 5 dezembro de 2006, Cipolla e o., C‑94/04 e C‑202/04, EU:C:2006:758, n.o 26, e de 14 de abril de 2016, Polkomtel, C‑397/14, EU:C:2016:256, n.o 38).

45      Decorre do exposto que a questão prejudicial é admissível.

 Quanto ao mérito

46      À luz dos esclarecimentos prestados nos n.os 28 a 34 do presente acórdão e a fim de dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil à resolução do litígio que lhe é submetido, a questão que este apresenta deve ser entendida como visando saber, em substância, se a Diretiva 2000/31 deve ser interpretada no sentido de que se opõe à aplicação, pelo Estado‑Membro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica, ao prestador desse serviço estabelecido noutro Estado‑Membro, de uma legislação nacional que:

–        proíbe as farmácias que vendem esses medicamentos de atrair a clientela com determinados procedimentos e meios, nomeadamente os que consistem na distribuição em grande escala de mensagens publicitárias postais e de folhetos publicitários fora das suas farmácias de oficina;

–        proíbe essas farmácias de fazer ofertas promocionais que consistem em conceder um desconto sobre o preço global da encomenda de medicamentos, quando este exceda um determinado montante;

–        obriga as referidas farmácias a inserir um questionário de saúde no processo de encomenda em linha de medicamentos;

–        proíbe essas mesmas farmácias de utilizar uma referenciação paga em motores de busca e comparadores de preços.

 Quanto à primeira parte da questão submetida

47      Com a primeira parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se a Diretiva 2000/31 deve ser interpretada no sentido de que se opõe à aplicação, pelo Estado‑Membro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica, ao prestador desse serviço estabelecido noutro Estado‑Membro, de uma legislação nacional que proíbe as farmácias de atrair a sua clientela com determinados procedimentos e meios, nomeadamente os que consistem na distribuição em grande escala de mensagens publicitárias postais e de folhetos publicitários fora das suas farmácias de oficina.

48      No presente processo, resulta da decisão de reenvio que o prestador de serviços em causa no processo principal realiza uma campanha de publicidade multiforme e de grande envergadura para os seus serviços de venda em linha, tanto por meio de suportes físicos, nomeadamente mensagens publicitárias postais e folhetos, como através do seu sítio Internet.

49      Para responder à primeira parte da questão submetida, é importante observar, desde logo, que não devem ser tidos em conta os títulos VIII e VIII‑A da Diretiva 2001/83, relativos à publicidade dos medicamentos.

50      Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 52 das suas conclusões, os artigos 86.o a 100.o da Diretiva 2001/83, que estão contidos naqueles títulos, destinam‑se a regulamentar o conteúdo da mensagem publicitária e as modalidades da publicidade para determinados medicamentos, mas não regulam a publicidade dos serviços de venda em linha de medicamentos.

51      Por conseguinte, é necessário verificar, em primeiro lugar, se a atividade publicitária, conforme descrita no n.o 48 do presente acórdão, é abrangida pela Diretiva 2000/31, consoante essa atividade seja realizada por meio de suportes físicos ou de suportes eletrónicos.

52      A este respeito, o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 prevê que cada Estado‑Membro assegurará que os serviços da sociedade da informação prestados por um prestador estabelecido no seu território cumpram as disposições nacionais aplicáveis nesse Estado‑Membro que se integrem no «domínio coordenado», na aceção do artigo 2.o, alínea h), desta diretiva.

53      De acordo com esta última disposição, o «domínio coordenado» abrange apenas os requisitos aplicáveis aos serviços prestados por via eletrónica e, em especial, como resulta do considerando 21 da mesma diretiva, os requisitos relativos à publicidade em linha.

54      Ora, a publicidade em causa no processo principal é realizada, em parte, por meio de suportes físicos.

55      No entanto, há que salientar que essa publicidade visa, no seu todo e independentemente do procedimento pelo qual é efetivamente realizada, atrair potenciais consumidores para o sítio Internet de uma farmácia e promover a venda em linha dos seus produtos.

56      Essa publicidade realizada pelo prestador de serviços afigura‑se, assim, como um elemento acessório e indissociável do seu serviço de venda em linha de medicamentos, do qual deriva todo o seu significado económico.

57      Nestas circunstâncias, seria artificial considerar que a parte da publicidade efetuada em linha é abrangida pelo «domínio coordenado» e excluir desse domínio a parte da publicidade efetuada por meio de suportes físicos.

58      De resto, essa interpretação é confirmada pelo artigo 2.o, alínea h), i), da Diretiva 2000/31, que prevê que o «domínio coordenado» diz respeito às exigências ligadas à prossecução de atividade de um serviço da sociedade da informação, tal como os requisitos respeitantes ao comportamento do prestador de serviços, à qualidade ou conteúdo do serviço, «incluindo as aplicáveis à publicidade».

59      Decorre do exposto que, independentemente do suporte físico ou eletrónico por meio do qual seja exercida, uma atividade publicitária como a que está em causa no processo principal constitui um elemento acessório e indissociável do serviço de venda em linha e, como tal, é abrangida, na sua totalidade, pelo «domínio coordenado», na aceção da Diretiva 2000/31.

60      Nestas condições, importa recordar, em segundo lugar, que o Estado‑Membro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica não pode, em princípio, por força do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2000/31, restringir a livre circulação dos serviços da sociedade da informação provenientes de outro Estado‑Membro, no que diz respeito a essa atividade.

61      No caso vertente, uma proibição como a que está em causa no processo principal, imposta por um Estado‑Membro, é suscetível de restringir a possibilidade de uma farmácia estabelecida noutro Estado‑Membro se dar a conhecer aos seus potenciais clientes desse primeiro Estado‑Membro e promover o serviço de venda em linha dos seus produtos que oferece a estes últimos.

62      Por conseguinte, deve considerar‑se que tal proibição implica uma restrição à livre prestação de serviços da sociedade da informação.

63      Não obstante, em terceiro lugar, nos termos do artigo 3.o, n.o 4, alínea a), da Diretiva 2000/31, os Estados‑Membros podem, em relação a determinado serviço da sociedade da informação, tomar medidas derrogatórias do n.o 2 desse artigo, desde que as mesmas, antes de mais, sejam necessárias para garantir a ordem pública, a proteção da saúde pública, a segurança pública ou a defesa dos consumidores, em seguida, sejam tomadas relativamente a um serviço da sociedade da informação que efetivamente lese esses objetivos ou comporte um risco sério e grave de os prejudicar, e, por último, sejam proporcionais aos referidos objetivos.

64      Quanto às condições da necessidade e da proporcionalidade, previstas no artigo 3.o, n.o 4, alínea a), da Diretiva 2000/31, há que ter em conta, como salientou o advogado‑geral no n.o 122 das suas conclusões, a jurisprudência relativa aos artigos 34.o e 56.o TFUE, a fim de avaliar a conformidade da legislação nacional em causa com o direito da União, na medida em que essas condições coincidem em grande medida com aquelas a cujo cumprimento está sujeito qualquer entrave às liberdades fundamentais garantidas por esses artigos do Tratado FUE.

65      A este respeito, o Governo francês alega que a proibição de as farmácias que vendem em linha medicamentos sem receita médica atraírem a sua clientela com procedimentos e meios como os que estão em causa no processo principal, utilizados em grande escala e intensivamente, é justificada à luz da proteção da dignidade da profissão de farmacêutico.

66      Ora, tendo em conta a importância da relação de confiança que deve prevalecer entre um profissional de saúde e o seu paciente, a proteção da dignidade de uma profissão regulamentada, refletida também no artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31, pode constituir uma razão imperiosa de interesse geral, abrangida pelo âmbito de proteção da saúde pública, suscetível de justificar uma restrição à livre prestação de serviços (v., neste sentido, Acórdão de 4 de maio de 2017, Vanderborght, C‑339/15, EU:C:2017:335, n.os 67 e 68).

67      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou, nomeadamente, que o uso intensivo de publicidade ou a escolha de mensagens promocionais agressivas são suscetíveis de prejudicar a proteção da saúde e comprometer a dignidade de uma profissão de saúde (v., por analogia, Acórdão de 4 de maio de 2017, Vanderborght, C‑339/15, EU:C:2017:335, n.o 69).

68      Na medida em que a proibição em causa no processo principal prossegue, assim, um objetivo de proteção da saúde pública, previsto no artigo 3.o, n.o 4, alínea a), da Diretiva 2000/31, bem como, de resto, no artigo 85.o‑C, n.o 2, da Diretiva 2001/83, é necessário, em seguida, apreciar se esta proibição é adequada a garantir a realização desse objetivo.

69      A este respeito, uma legislação como a que está em causa no processo principal, que proíbe o prestador de serviços de realizar uma campanha publicitária em grande escala e intensivamente, incluindo fora da farmácia de oficina e por meio de suportes físicos e eletrónicos, afigura‑se adequada a alcançar o objetivo de proteção da dignidade da profissão de farmacêutico e, em última análise, o objetivo de proteção da saúde pública.

70      Com efeito, como alega corretamente o Governo espanhol, essa prática apresenta um risco de equiparação dos medicamentos a bens de consumo corrente, como os que são objeto do método denominado «asilage», em francês, a que se recorre. Além disso, a distribuição em grande escala de folhetos publicitários transmite uma imagem comercial e mercantil da profissão de farmacêutico, suscetível de alterar a perceção desta profissão pelo público.

71      No que diz respeito à necessidade de uma restrição como a que está em causa no processo principal, há que recordar que a saúde e a vida das pessoas ocupam o primeiro lugar entre os bens e interesses protegidos pelo Tratado FUE e que cabe, em princípio, aos Estados‑Membros decidir o nível a que pretendem assegurar a proteção da saúde pública e  o modo como esse nível deve ser alcançado. Dado que este nível pode variar de um Estado‑Membro para outro, há que reconhecer aos Estados‑Membros uma margem de apreciação (Acórdão de 18 de setembro de 2019, VIPA, C‑222/18, EU:C:2019:751, n.o 71).

72      No entanto, o Tribunal de Justiça já decidiu que, não obstante essa margem de apreciação, a restrição que resulta da aplicação de uma legislação nacional que proíbe de modo geral e absoluto qualquer forma de publicidade utilizada por profissionais de saúde para promover as suas atividades de saúde vai além do necessário para proteger a saúde pública e a dignidade de uma profissão regulamentada (v., neste sentido, Acórdão de 4 de maio de 2017, Vanderborght, C‑339/15, EU:C:2017:335, n.os 72 e 75).

73      À luz dessa jurisprudência, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a proibição em causa no processo principal não leva a impedir o prestador de serviços em causa no processo principal de efetuar qualquer publicidade fora da sua farmácia, independentemente do seu suporte ou dimensão. Se assim fosse, essa proibição iria além do necessário para garantir a realização dos objetivos prosseguidos.

74      Resulta de todas as considerações precedentes que há que responder à primeira parte da questão submetida que a Diretiva 2000/31 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe à aplicação, pelo Estado‑Membro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica, ao prestador desse serviço estabelecido noutro Estado‑Membro, de uma legislação nacional que proíbe as farmácias de atraírem os seus clientes com determinados procedimentos e meios, em especial os que consistem na distribuição em grande escala de mensagens publicitárias postais e de folhetos publicitários fora das suas farmácias de oficina, desde que, no entanto, isso não impeça o prestador de serviços em causa de efetuar qualquer publicidade fora da sua farmácia de oficina, independentemente do seu suporte ou dimensão, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto à segunda parte da questão submetida

75      Com a segunda parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se a Diretiva 2000/31 deve ser interpretada no sentido de que se opõe à aplicação, pelo Estado‑Membro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica, ao prestador desse serviço estabelecido noutro Estado‑Membro, de uma legislação nacional que proíbe as farmácias de fazerem ofertas promocionais destinadas a conceder um desconto sobre o preço global da encomenda de medicamentos, quando esse preço exceda um determinado montante.

76      No caso em apreço, uma proibição como a que está em causa no processo principal, imposta por um Estado‑Membro, é suscetível de restringir a possibilidade de uma farmácia estabelecida noutro Estado‑Membro atrair os interessados residentes nesse primeiro Estado‑Membro e tornar mais atraente o serviço de venda em linha que propõe.

77      Daqui resulta que essa proibição deve ser considerada no sentido de que implica uma restrição à livre prestação de serviços da sociedade da informação, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2000/31.

78      Por conseguinte, é necessário, nos termos do artigo 3.o, n.o 4, alínea a), da mesma diretiva, examinar se essa proibição prossegue um objetivo previsto nesta disposição, se é adequada a garantir esse objetivo e não vai além do necessário para o alcançar.

79      Antes de mais, o Governo francês indica que a proibição em causa no processo principal visa prevenir o consumo excessivo ou inadequado de medicamentos.

80      A este respeito, resulta da jurisprudência que esse objetivo contribui para a realização de um nível elevado de proteção da saúde pública (v., neste sentido, Acórdão de 19 de maio de 2009, Apothekerkammer des Saarlandes e o., C‑171/07 e C‑172/07, EU:C:2009:316, n.os 32 a 34).

81      Em seguida, dado que as ofertas promocionais como as que estão em causa no processo principal são suscetíveis de incitar os interessados a comprar e, se for caso disso, ao consumo excessivo de medicamentos, há que considerar que a proibição dessas ofertas é adequada a garantir o objetivo de proteção da saúde pública.

82      Por último, quanto à necessidade dessa proibição, A entende que esta última equivale, de facto, a considerar que qualquer desconto de preço é suscetível de incitar o consumo abusivo de medicamentos, uma vez que não estabelece nenhum limiar a partir do qual se deve considerar que uma oferta promocional leva a um consumo excessivo. Por outro lado, a referida proibição abrange igualmente os produtos parafarmacêuticos.

83      A este respeito, e na medida em que o Tribunal de Justiça não dispõe de informações suficientes sobre a eventual existência de condições mais precisas que enquadrem a aplicação da proibição de ofertas promocionais e, designadamente, sobre se essa proibição se prende unicamente com a promoção de medicamentos ou se também abarca produtos parafarmacêuticos, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar como é aplicada, na prática, a proibição em causa e se essa aplicação, eventualmente, vai além do necessário para proteger a saúde pública.

84      Resulta das considerações precedentes que há que responder à segunda parte da questão submetida que a Diretiva 2000/31 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe à aplicação, pelo Estado‑Membro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica, ao prestador desse serviço estabelecido noutro Estado‑Membro, de uma legislação nacional que proíbe as farmácias de fazerem ofertas promocionais destinadas a conceder um desconto sobre o preço global da encomenda de medicamentos, quando esse preço exceda um determinado montante, desde que, no entanto, essa proibição seja suficientemente circunscrita e, em particular, dirigida apenas aos medicamentos e não a simples produtos parafarmacêuticos, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto à terceira parte da questão submetida

85      Com a terceira parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2000/31 deve ser interpretada no sentido de que se opõe à aplicação, pelo Estado‑Membro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica, ao prestador desse serviço estabelecido noutro Estado‑Membro, de uma legislação nacional que impõe às farmácias que vendem esses medicamentos a obrigação de incluir um questionário de saúde no processo de encomenda em linha de medicamentos.

86      Neste caso, a legislação nacional em causa sujeita a validação da primeira encomenda de medicamentos efetuada por um paciente no sítio Internet de uma farmácia de oficina ao preenchimento prévio de um questionário de saúde em linha.

87      A este respeito, há que salientar que, nos termos do artigo 2.o, alínea h), i), da Diretiva 2000/31, o «domínio coordenado» engloba os requisitos relativas ao exercício de atividades de um serviço da sociedade da informação, tais como, nomeadamente, os requisitos respeitantes ao conteúdo do serviço, incluindo em matéria de contrato.

88      Uma vez que a medida em causa no processo principal regula as condições em que pode ser celebrado um contrato de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica e a forma como a atividade de venda e de aconselhamento do farmacêutico deve ser exercida em linha, deve considerar‑se que a referida medida é abrangida pelo «domínio coordenado», na aceção da Diretiva 2000/31.

89      Por conseguinte, é aplicável o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2000/31, segundo o qual o Estado‑Membro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não pode, em princípio, restringir a livre circulação dos serviços da sociedade da informação provenientes de outro Estado‑Membro.

90      Ora, uma medida como a que está em causa no processo principal é claramente suscetível de ter um efeito dissuasor em pacientes que pretendam adquirir medicamentos em linha e, consequentemente, constitui uma restrição daquela liberdade.

91      Por conseguinte, há que examinar, nos termos do artigo 3.o, n.o 4, alínea a), da referida diretiva, se essa medida prossegue um objetivo previsto nesta disposição e se é adequada a garantir esse objetivo e não vai além do necessário para o alcançar.

92      Antes de mais, para justificar essa medida, o Governo francês invoca o objetivo de prestar aconselhamento personalizado ao paciente, com vista a protegê‑lo de uma utilização inadequada de medicamentos.

93      A este respeito, há que salientar que o Tribunal de Justiça já reconheceu que esse objetivo relativo à proteção da saúde pública é legítimo (v., neste sentido, Acórdão de 11 de dezembro de 2003, Deutscher Apothekerverband, C‑322/01, EU:C:2003:664, n.o 106).

94      É certo que o consumo de medicamentos não sujeitos a receita médica não apresenta, em princípio, riscos análogos aos que se associam ao consumo de medicamentos sujeitos a receita médica (v., neste sentido, Acórdão de 11 de junho de 2020, ratiopharm, C‑786/18, EU:C:2020:459, n.o 36). No entanto, não se pode excluir que certos riscos também estão associados à utilização de medicamentos não sujeitos a receita médica.

95      A medida em causa no processo principal prossegue, assim, um objetivo de proteção da saúde pública, previsto no artigo 3.o, n.o 4, alínea a), da Diretiva 2000/31.

96      O Governo francês alega que um questionário médico como o que está em causa no processo principal é necessário porque o farmacêutico em causa não atende o paciente na sua farmácia de oficina e, portanto, não pode falar diretamente com ele. Consequentemente, não lhe pode prestar aconselhamento por sua própria iniciativa. Nestas circunstâncias, deve considerar‑se que este questionário permite ao farmacêutico conhecer melhor o paciente em questão e, ao detetar eventuais contraindicações, assegurar‑lhe a distribuição de medicamentos mais adequada.

97      Com efeito, essas considerações permitem considerar que a medida em causa no processo principal é adequada a proteger a saúde do paciente.

98      Por último, no que diz respeito à necessidade dessa medida, A alega que o Decreto Relativo às Boas Práticas de Distribuição de Medicamentos já garante aos pacientes a possibilidade de beneficiarem de aconselhamento personalizado, ao exigir que as farmácias em linha lhes proporcionem a possibilidade de um contacto interativo à distância com um farmacêutico. Além disso, A observa que as quantidades encomendadas de medicamentos por um interessado, através do seu sítio Internet, são controladas caso a caso, com base em vários parâmetros, entre os quais o historial das encomendas feitas pelo interessado. Alega que essas verificações são suficientes para prevenir o risco de utilização inadequada de medicamentos. Por conseguinte, a medida em causa no processo principal vai além do necessário.

99      No entanto, o Tribunal de Justiça já decidiu que a multiplicação dos elementos interativos existentes na Internet que devem ser utilizados pelo cliente antes de ele poder efetuar uma compra de medicamentos é uma medida aceitável, menos prejudicial à liberdade de circulação de mercadorias do que uma proibição da venda em linha de medicamentos, igualmente eficaz para alcançar o objetivo de reduzir o risco de utilização incorreta de medicamentos adquiridos em linha (v., neste sentido, Acórdão de 11 de dezembro de 2003, Deutscher Apothekerverband, C‑322/01, EU:C:2003:664, n.os 112 a 114).

100    À luz desta jurisprudência e da margem de apreciação conferida aos Estados‑Membros e recordada no n.o 71 do presente acórdão, não se afigura que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal vá além do necessário para garantir a realização do objetivo prosseguido.

101    Além disso, como salientou o advogado‑geral no n.o 148 das suas conclusões, a possibilidade de o paciente consultar um farmacêutico antes de efetuar a sua encomenda, mesmo que associada a um controlo das quantidades compradas pelo interessado, não constitui um meio tão eficaz como um controlo efetuado através da recolha prévia de informações por parte do paciente.

102    Daqui resulta que há que responder à terceira parte da questão submetida que a Diretiva 2000/31 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe à aplicação, pelo Estado‑Membro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica, ao prestador desse serviço estabelecido noutro Estado‑Membro, de uma legislação nacional que impõe às farmácias que vendem esses medicamentos a obrigação de incluir um questionário de saúde no processo de encomenda em linha de medicamentos.

 Quanto à quarta parte da questão submetida

103    Com a quarta parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se a Diretiva 2000/31 deve ser interpretada no sentido de que se opõe à aplicação, pelo Estado‑Membro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica, ao prestador desse serviço estabelecido noutro Estado‑Membro, de uma legislação nacional que proíbe as farmácias que vendem esses medicamentos de utilizarem referenciação paga nos motores de busca e nos comparadores de preços.

104    Tal legislação é suscetível de restringir o leque de possibilidades de uma farmácia se dar a conhecer a uma potencial clientela residente noutro Estado‑Membro e promover o serviço de venda em linha que propõe a essa clientela.

105    Nestas condições, deve considerar‑se que a referida legislação comporta uma restrição à livre prestação de serviços da sociedade da informação que derroga a proibição de princípio decorrente do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2000/31.

106    Por conseguinte, é necessário examinar, nos termos do artigo 3.o, n.o 4, alínea a), daquela diretiva, se a proibição em causa no processo principal prossegue um objetivo previsto nesta disposição e se é adequada a garantir esse objetivo e não vai além do necessário para o alcançar.

107    Como afirmou na audiência no Tribunal de Justiça, o Governo francês parece justificar a proibição de utilização de referenciação paga nos motores de busca e nos comparadores de preços pelo risco do impacto na distribuição equilibrada das farmácias de oficina por todo o território nacional, uma vez que essa referenciação é suscetível de concentrar a comercialização dos medicamentos nas mãos de farmácias de oficina de grande dimensão.

108    A este respeito, o Tribunal de Justiça já reconheceu que o objetivo de assegurar um abastecimento seguro e de qualidade de medicamentos à população pode justificar uma restrição às trocas comerciais entre os Estados‑Membros, na medida em que contribui para a proteção da saúde e da vida das pessoas (v., neste sentido, Acórdão de 18 de setembro de 2019, VIPA, C‑222/18, EU:C:2019:751, n.o 68 e jurisprudência referida).

109    Uma vez que a proibição em causa no processo principal prossegue, assim, o objetivo de proteção da saúde pública, previsto no artigo 3.o, n.o 4, alínea a), da Diretiva 2000/31, há que apreciar se é adequada a garantir a realização deste objetivo e se não vai além do necessário para esse efeito.

110    O Tribunal de Justiça já declarou que, quando subsistam incertezas quanto à existência ou à importância de riscos para a saúde das pessoas, importa que o Estado‑Membro em causa possa tomar medidas de proteção sem ter de aguardar que seja plenamente demonstrada a realidade desses riscos. Além disso, o Estado‑Membro em causa pode tomar as medidas que reduzam, tanto quanto possível, um risco para a saúde pública, incluindo para o abastecimento seguro e de qualidade de medicamentos à população (Acórdão de 18 de setembro de 2019, VIPA, C‑222/18, EU:C:2019:751, n.o 72 e jurisprudência referida).

111    No entanto, cabe aos Estados‑Membros, em cada caso concreto, nomeadamente, apresentar provas da aptidão e da necessidade da medida derrogatória de uma liberdade fundamental que adotem (v., neste sentido, Acórdão de 18 de setembro de 2019, VIPA, C‑222/18, EU:C:2019:751, n.os 69 e 70 e jurisprudência referida).

112    Ora, há que salientar que o Governo francês não fundamentou a sua afirmação geral, mencionada no n.o 107 do presente acórdão, com qualquer prova específica. Essa afirmação não pode, pois, cumprir o requisito de prova especificado no número anterior.

113    Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio examinar objetivamente se os elementos de prova que venham a ser apresentados pelo Estado‑Membro em causa permitem razoavelmente considerar que os meios escolhidos são aptos a realizar os objetivos prosseguidos e se é possível alcançá‑los através de medidas menos restritivas (v., por analogia, Acórdão de 18 de setembro de 2019, VIPA, C‑222/18, EU:C:2019:751, n.o 70 e jurisprudência referida).

114    Daqui resulta que há que responder à quarta parte da questão submetida que a Diretiva 2000/31 deve ser interpretada no sentido de que se opõe à aplicação, pelo Estado‑Membro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica, ao prestador desse serviço estabelecido noutro Estado‑Membro, de uma legislação nacional que proíbe as farmácias que vendem esses medicamentos de utilizarem referenciação paga nos motores de busca e nos comparadores de preços, a menos que seja devidamente demonstrado perante o órgão jurisdicional de reenvio que essa legislação é adequada a garantir a realização de um objetivo de proteção da saúde pública e não vai além do necessário para alcançar este objetivo.

115    À luz de todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que a Diretiva 2000/31 deve ser interpretada no sentido de que:

–        não se opõe à aplicação, pelo Estado‑Membro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica, ao prestador desse serviço estabelecido noutro Estado‑Membro, de uma legislação nacional que proíbe as farmácias de atraírem a sua clientela com determinados procedimentos e meios, em especial os que consistem na distribuição em grande escala de mensagens publicitárias postais e de folhetos publicitários fora das suas farmácias de oficina, desde que isso não impeça o prestador de serviços em causa de efetuar qualquer publicidade fora da sua farmácia de oficina, independentemente do seu suporte ou dimensão, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar;

–        não se opõe à aplicação, pelo Estado‑Membro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica, ao prestador desse serviço estabelecido noutro Estado‑Membro, de uma legislação nacional que proíbe as farmácias de fazerem ofertas promocionais destinadas a conceder um desconto sobre o preço global da encomenda de medicamentos, quando esse preço exceda um determinado montante, desde que, no entanto, essa proibição seja suficientemente circunscrita e, em particular, dirigida apenas aos medicamentos e não a simples produtos parafarmacêuticos, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar;

–        não se opõe à aplicação, pelo Estado‑Membro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica, ao prestador desse serviço estabelecido noutro Estado‑Membro, de uma legislação nacional que impõe às farmácias que vendem esses medicamentos a obrigação de incluir um questionário de saúde no processo de encomenda em linha de medicamentos;

–        se opõe à aplicação, pelo Estado‑Membro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica, ao prestador desse serviço estabelecido noutro Estado‑Membro, de uma legislação nacional que proíbe as farmácias que vendem esses medicamentos de utilizarem referenciação paga nos motores de busca e nos comparadores de preços, a menos que seja devidamente demonstrado perante o órgão jurisdicional de reenvio que essa legislação é adequada a garantir a realização de um objetivo de proteção da saúde pública e não vai além do necessário para alcançar este objetivo.

 Quanto às despesas

116    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

A Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o Comércio Eletrónico»), deve ser interpretada no sentido de que:

–        não se opõe à aplicação, pelo EstadoMembro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica, ao prestador desse serviço estabelecido noutro EstadoMembro, de uma legislação nacional que proíbe as farmácias de atraírem a sua clientela com determinados procedimentos e meios, em especial os que consistem na distribuição em grande escala de mensagens publicitárias postais e de folhetos para fins publicitários fora das suas farmácias de oficina, desde que isso não impeça o prestador de serviços em causa de efetuar qualquer publicidade fora da sua farmácia de oficina, independentemente do seu suporte ou dimensão, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar;

–        não se opõe à aplicação, pelo EstadoMembro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica, ao prestador desse serviço estabelecido noutro EstadoMembro, de uma legislação nacional que proíbe as farmácias de fazerem ofertas promocionais destinadas a conceder um desconto sobre o preço global da encomenda de medicamentos, quando esse preço exceda um determinado montante, desde que, no entanto, essa proibição seja suficientemente circunscrita e, em particular, dirigida apenas aos medicamentos e não a simples produtos parafarmacêuticos, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar;

–        não se opõe à aplicação, pelo EstadoMembro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica, ao prestador desse serviço estabelecido noutro EstadoMembro, de uma legislação nacional que impõe às farmácias que vendem esses medicamentos a obrigação de incluir um questionário de saúde no processo de encomenda em linha de medicamentos;

–        se opõe à aplicação, pelo EstadoMembro de destino de um serviço de venda em linha de medicamentos não sujeitos a receita médica, ao prestador desse serviço estabelecido noutro EstadoMembro, de uma legislação nacional que proíbe as farmácias que vendem esses medicamentos de utilizarem referenciação paga nos motores de busca e nos comparadores de preços, a menos que seja devidamente demonstrado perante o órgão jurisdicional de reenvio que essa legislação é adequada a garantir a realização de um objetivo de proteção da saúde pública e não vai além do necessário para alcançar este objetivo.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.