Language of document : ECLI:EU:C:1999:574

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

23 de Novembro de 1999 (1)

«Política comercial — Acesso ao mercado dos produtos têxteis —

Produtos originários da Índia e do Paquistão»

No processo C-149/96,

República Portuguesa, representada por L. Fernandes, director do Serviço dos Assuntos Jurídicos da Direcção-Geral das Comunidades Europeias do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e C. Botelho Moniz, assistente da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de Portugal, 33, allée Scheffer,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por S. Kyriakopoulou, consultora jurídica, e I. Lopes Cardoso, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de A. Morbilli, director-geral da Direcção dos Assuntos Jurídicos do Banco Europeu de Investimento, 100, boulevard Konrad Adenauer,

recorrido,

apoiado por

República Francesa, representada por C. de Salins, subdirectora de direito internacional económico e de direito comunitário na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e G. Mignot, secretário dos Negócios Estrangeiros na mesma direcção, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de França, 8 B, boulevard Joseph II,

e por

Comissão das Comunidades Europeias, representada por M. de Pauw e F. de Sousa Fialho, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,

intervenientes,

que tem por objecto a anulação da Decisão 96/386/CE do Conselho, de 26 de Fevereiro de 1996, relativa à celebração de memorandos de acordo entre a Comunidade Europeia e a República Islâmica do Paquistão e entre a Comunidade Europeia e a República da Índia sobre acordos em matéria de acesso de produtos têxteis ao mercado (JO L 153, p. 47),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: J. C. Moitinho de Almeida, presidente das Terceira e Sexta Secções, exercendo funções de presidente, D. A. O. Edward, L. Sevón e R. Schintgen, presidentes de secção, P. J. G. Kapteyn (relator), C. Gulmann, J.-P. Puissochet, G. Hirsch, P. Jann, H. Ragnemalm e M. Wathelet, juízes,

advogado-geral: A. Saggio,


secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 30 de Junho de 1998,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 25 de Fevereiro de 1999,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por petição de recurso que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 3 de Maio de 1996, a República Portuguesa pediu, ao abrigo do primeiro parágrafo do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.°, primeiro parágrafo, CE), a anulação da Decisão 96/386/CE do Conselho, de 26 de Fevereiro de 1996, relativa à celebração de memorandos de acordo entre a Comunidade Europeia e a República Islâmica do Paquistão e entre a Comunidade Europeia e a República da Índia sobre acordos em matéria de acesso de produtos têxteis ao mercado (JO L 153, p. 47, a seguir «decisão impugnada»).

Enquadramento jurídico e matéria de facto

Os acordos internacionais multilaterais do Uruguay Round

2.
    Em 15 de Dezembro de 1993, o Conselho aprovou, por unanimidade, os termos do compromisso global com base no qual a Comunidade e os Estados-Membros aceitaram pôr termo às negociações comerciais multilaterais do Uruguay Round (a seguir «acordo de princípio»).

3.
    Na mesma data, em Genebra, o director-geral do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (a seguir «GATT»), P. Sutherland, declarou encerradas, no âmbito do comité das negociações multilaterais, as negociações do Uruguay Round. Apesar desta declaração de encerramento, convidou alguns participantes a prosseguir as negociações relativas ao acesso ao mercado para se chegar a um quadro de medidas «de acesso ao mercado» mais completo e equilibrado.

4.
    Depois deste encerramento, as negociações em matéria de acesso ao mercado dos produtos têxteis e de vestuário (a seguir «produtos têxteis») nomeadamente com a República da Índia (a seguir «Índia») e a República Islâmica do Paquistão (a seguir «Paquistão») foram continuadas pela Comissão, assistida pelo «comité do artigo 113.° — têxteis» do Conselho (a seguir «comité 'têxteis‘»), designado por esta última instituição para a coadjuvar no domínio da política comercial comum para o sector têxtil da Comunidade.

5.
    Em 15 de Abril de 1994, na reunião de Marraquexe (Marrocos), num momento em que as negociações com o Paquistão e a Índia sobre o acesso ao mercado dos produtos têxteis ainda não tinham desembocado em nenhum acordo, o presidente do Conselho e o membro da Comissão encarregado das relações externas procederam, em nome da União Europeia e sob reserva de aprovação posterior, à assinatura da acta final, que encerrou as negociações comerciais multilaterais do «Uruguay Round» (a seguir «acta final»), do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (a seguir «OMC»), bem como de todos os acordos e memorandos constantes dos anexos 1 a 4 do acordo que institui a OMC (a seguir «acordos OMC»).

6.
    Entre esses acordos, incluídos no anexo 1 A do acordo que institui a OMC, figuram o acordo sobre os têxteis e o vestuário (a seguir «ATV») e o acordo sobre os procedimentos em matéria de licenças de importação.

7.
    Na sequência desta assinatura, o Conselho adoptou a Decisão 94/800/CE, de 22 de Dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986-1994) (JO L 336, p. 1).

Os acordos celebrados com o Paquistão e a Índia

8.
    Após a assinatura dos acordos OMC, as negociações com a Índia e o Paquistão prosseguiram, sob a direcção da Comissão, apoiada pelo comité «têxteis».

9.
    Em 15 de Outubro e 31 de Dezembro de 1994, a Comissão rubricou com o Paquistão e a Índia dois «Memorandums of Understanding» (a seguir «memorandos de acordo») entre a Comunidade Europeia, por um lado, e o Paquistão e a Índia, por outro, respeitantes às condições de acesso ao mercado dos produtos têxteis.

10.
    O memorando de acordo com o Paquistão contém uma série de compromissos, tanto por parte da Comunidade como por parte deste Estado terceiro. Mais precisamente, o Paquistão compromete-se a eliminar todas as restrições quantitativas aplicáveis a uma série de produtos têxteis especificamente enumerados no anexo II do memorando de acordo. Por seu lado, a Comissão compromete-se «a acolher favoravelmente os pedidos de flexibilidade excepcional que o Governo do Paquistão possa apresentar relativamente à gestão das actuais restrições em matéria de contingentes [pautais] (incluindo reportes, utilizações antecipadas e transferências entre categorias)» (n.° 6) e a dar início imediato aos procedimentos internos necessários para assegurar a supressão, «antes da entrada em vigor do acordo OMC... de todas as restrições que actualmente afectam a importação de produtos do artesanato e do folclore do Paquistão» (n.° 7).

11.
    O memorando de acordo com a Índia prevê que o Governo indiano consolidará os direitos aplicados aos produtos têxteis e de vestuário enumerados no anexo ao memorando de acordo e que «o Secretariado da OMC será notificado dessas taxas no prazo de 60 dias a contar da data de entrada em vigor do acordo OMC». Prevê, além disso, que o Governo indiano pode «introduzir direitos específicos alternativos para determinados produtos» e que o direito aplicável a esses produtos será indicado «como percentagem ad valorem ou como um montante expresso em rupias indianas (INR) por artigo/metro quadrado/kg, consoante o que for superior» (n.° 2). A Comunidade Europeia, por seu lado, aceita «suprimir, com efeitos desde 1 de Janeiro de 1995, todas as restrições actualmente aplicáveis às exportações de produtos do artesanato e do folclore da Índia, tal como referido no artigo 5.° do acordo CE-Índia sobre o comércio de produtos têxteis» (n.° 5). A Comunidade compromete-se a acolher favoravelmente os pedidos de «flexibilidade excepcional

que o Governo da Índia possa apresentar, para além das flexibilidades aplicáveis ao abrigo do acordo bilateral sobre têxteis, em relação a qualquer categoria ou a todas as categorias sujeitas a restrições» até às quantidades em relação a cada ano de contingentação indicadas no memorando de acordo para os anos de 1995 a 2004 (n.° 6).

12.
    Por proposta da Comissão de 7 de Dezembro de 1995, o Conselho adoptou, em 26 de Fevereiro de 1996, a decisão impugnada, que foi aprovada por maioria qualificada, com os votos contra do Reino de Espanha, da República Helénica e da República Portuguesa.

13.
    Os acordos com a Índia e o Paquistão foram assinados, respectivamente, em 8 e 27 de Março de 1996.

14.
    A decisão impugnada foi publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias em 27 de Junho de 1996.

A regulamentação comunitária

15.
    O Regulamento (CEE) n.° 3030/93 do Conselho, de 12 de Outubro de 1993, relativo ao regime comum aplicável às importações de certos produtos têxteis originários de países terceiros (JO L 275, p. 1), na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.° 3289/94 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994 (JO L 349, p. 85), define o regime de importação, na Comunidade, de produtos têxteis originários de países terceiros ligados à Comunidade por acordos, protocolos ou outros convénios, ou que sejam membros da OMC.

16.
    Assim, segundo o seu artigo 1.°, n.° 1, o Regulamento n.° 3030/93 aplica-se à importação dos produtos enunciados no Anexo I, originários de países terceiros, enumerados no Anexo II, com os quais a Comunidade tenha celebrado acordos bilaterais, protocolos ou outros convénios.

17.
    O artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3030/93 estabelece que a importação na Comunidade dos produtos têxteis enumerados no Anexo V, originários de um dos países fornecedores mencionados nesse anexo, está sujeita aos limites quantitativos anuais fixados nesse mesmo anexo. Nos termos do artigo 2.°, n.° 2, deste regulamento, a introdução em livre prática na Comunidade de produtos cuja importação está sujeita aos limites quantitativos referidos no Anexo V depende da apresentação de uma autorização de importação emitida pelas autoridades dos Estados-Membros nos termos do artigo 12.°

18.
    O artigo 3.°, n.° 1, deste mesmo regulamento estabelece que os limites quantitativos fixados no Anexo V não são aplicáveis aos produtos folclóricos e artesanais definidos nos Anexos VI e VIa que sejam acompanhados, na sua importação, de

um certificado de origem emitido em conformidade com o previsto nestes mesmos anexos e que preencham as restantes condições neles definidas.

19.
    Em 10 de Abril de 1995, em execução do acordado a este respeito no acordo de princípio (v. n.° 2 do presente acórdão), o Conselho, por proposta da Comissão, aprovou o Regulamento (CE) n.° 852/95, relativo a uma contribuição financeira a favor de Portugal para um programa específico de modernização da indústria dos têxteis e do vestuário (JO L 86, p. 10).

20.
    Em 20 de Dezembro de 1995, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 3053/95, que altera os Anexos I, II, III, V, VI, VII, VIII, IX e XI do Regulamento n.° 3030/93 (JO L 323, p. 1). Segundo o décimo quarto e o décimo sexto considerandos deste regulamento, o facto de o acordo com a Índia no domínio do acesso ao mercado prever a supressão das restrições quantitativas à importação de determinados produtos do artesanato e do folclore originários deste Estado terceiro constituía um dos elementos que justificavam a alteração desses anexos a partir de 1 de Janeiro de 1995.

21.
    Os quinto e sexto parágrafos do artigo 1.° do Regulamento n.° 3053/95, por um lado, substituem o Anexo VI do Regulamento n.° 3030/93 por um novo Anexo V do Regulamento n.° 3053/95 e, por outro, revogam o Anexo VIa daquele regulamento, a partir de 1 de Janeiro de 1995.

22.
    Como o Regulamento n.° 3053/95 estava ferido por um vício de forma, os quinto e sexto parágrafos do seu artigo 1.° foram revogados, com efeitos retroactivos a partir de 1 de Janeiro de 1995, pelo Regulamento (CE) n.° 1410/96 da Comissão, de 19 de Julho de 1996, relativo à revogação parcial do Regulamento n.° 3053/95 (JO L 181, p. 15, a seguir «regulamento de revogação»). Segundo o primeiro considerando do regulamento de revogação, as modificações previstas pelo artigo 1.°, quinto e sexto parágrafos, do Regulamento n.° 3053/95 tinham sido efectuadas numa data em que, nos termos do disposto no artigo 19.° do Regulamento n.° 3030/93, a Comissão não tinha ainda competência para o fazer, uma vez que o Conselho ainda não havia decidido celebrar ou aplicar a título provisório os convénios negociados pela Comissão com a Índia e o Paquistão em matéria de acesso ao mercado dos produtos têxteis.

23.
    Pelo Regulamento (CE) n.° 2231/96, de 22 de Novembro de 1996, que altera os Anexos I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX e XI do Regulamento n.° 3030/93 (JO L 307, p. 1), a Comissão adaptou o Regulamento n.° 3030/93 aos memorandos de acordo.

Quanto ao mérito

24.
    Em apoio do seu recurso, a República Portuguesa invocou, por um lado, violação de certas regras e de certos princípios fundamentais da OMC e, por outro, violação

de determinadas regras e de determinados princípios fundamentais da ordem jurídica comunitária.

Quanto à violação de regras e de princípios fundamentais da OMC

25.
    O Governo português alega que a decisão impugnada constitui uma violação de certas regras e de certos princípios fundamentais da OMC, designadamente os do GATT de 1994, do ATV e do acordo sobre os procedimentos em matéria de licenças de importação.

26.
    O Governo português sustenta, quanto a este ponto, que, segundo a jurisprudência, tem o direito de invocar estas regras e estes princípios fundamentais no Tribunal de Justiça.

27.
    Com efeito, se é verdade que o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho (C-280/93, Colect., p. I-4973, n.os 103 a 112), que as regras do GATT não têm efeito directo e que os particulares não podem invocá-las perante os órgãos jurisdicionais, também é verdade que o Tribunal declarou, neste mesmo acórdão, que isso já não acontece quando se está perante medidas de execução de obrigações assumidas no quadro do GATT ou quando um acto comunitário remete expressamente para disposições precisas do acordo geral. Nestes casos, como o Tribunal decidiu no n.° 111 deste acórdão, compete-lhe a ele controlar a legalidade do acto comunitário à luz das regras do GATT.

28.
    Ora, segundo o Governo português, é isso mesmo que acontece no presente caso, em que está em causa um acto — a decisão impugnada — que aprova os memorandos de acordo negociados com a Índia e o Paquistão a seguir ao encerramento do Uruguay Round, especialmente para efeitos de aplicação das regras constantes do GATT de 1994 e do ATV.

29.
    Por sua vez, o Conselho, apoiado pela República Francesa e pela Comissão, invoca as características particulares dos acordos OMC que justificam, segundo eles, a aplicação a estes acordos da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à inexistência de efeito directo e à impossibilidade de invocação, em princípio, das disposições do GATT de 1947.

30.
    O Conselho e os intervenientes em apoio deste alegam que decorre do carácter particular da decisão impugnada que esta não é análoga às regulamentações em causa nos acórdãos de 22 de Junho de 1989, Fediol/Comissão (70/87, Colect., p. 1781), e de 7 de Maio de 1991, Nakajima/Conselho (C-69/89, Colect., p. I-2069). Com efeito, não se trataria de regulamentação comunitária em matéria comercial destinada a «transpor» em direito comunitário disposições do ATV.

31.
    Ao que o Governo português responde que não é o GATT de 1947 que está em causa no presente processo, mas os acordos OMC, entre os quais figura o GATT

de 1994, o ATV e o acordo sobre os procedimentos em matéria de licenças de importação. Ora, os acordos OMC apresentam diferenças significativas em relação ao GATT de 1947, designadamente porque alteram profundamente o sistema de resolução dos litígios.

32.
    Além disso, segundo este governo, o presente processo não levanta o problema do efeito directo, mas a questão de saber em que circunstâncias é que um Estado-Membro pode invocar no Tribunal de Justiça os acordos OMC para apreciação da legalidade de um acto do Conselho.

33.
    Segundo o Governo português, esta apreciação é justificada quando se está perante actos, como a decisão impugnada, que aprovam acordos bilaterais que, nas relações entre a Comunidade e países terceiros, regulam matérias às quais se aplicam as regras da OMC.

34.
    Há que recordar liminarmente que, nos termos do direito internacional, as instituições comunitárias, que têm competência para negociar e celebrar acordos com países terceiros, podem acordar com estes os efeitos que as disposições de um acordo devem produzir na ordem jurídica interna das partes contratantes. Só se esta questão não tiver sido regulada pelo acordo é que cabe aos órgãos jurisdicionais competentes e, em especial, ao Tribunal de Justiça, no âmbito da sua competência decorrente do Tratado, decidi-la nos mesmos termos que qualquer outra questão de interpretação relativa à aplicação do acordo na Comunidade (v. acórdão de 26 de Outubro de 1982, Kupferberg, 104/81, Recueil, p. 3641, n.° 17).

35.
    Deve recordar-se igualmente que, segundo as regras gerais do direito internacional, qualquer acordo deve ser executado de boa fé pelas partes. Se cada parte contratante é responsável pelo integral cumprimento dos compromissos que assumiu, compete-lhe, em contrapartida, determinar, na sua ordem jurídica, os meios jurídicos adequados ao fim pretendido, salvo se o acordo, interpretado à luz do seu objecto e da sua finalidade, especificar, ele próprio, esses meios (acórdão Kupferberg, já referido, n.° 18).

36.
    Sendo embora verdade, como salienta o Governo português, que os acordos OMC apresentam diferenças significativas em relação às disposições do GATT de 1947, designadamente devido ao reforço do regime da cláusula de salvaguarda e do mecanismo de resolução dos litígios, nem por isso o sistema resultante destes acordos deixa de atribuir um papel importante à negociação entre as partes.

37.
    Embora o primeiro objectivo do mecanismo de resolução dos diferendos seja, em princípio, segundo o n.° 7 do artigo 3.° do memorando de entendimento sobre as regras e processos que regem a resolução dos litígios (anexo 2 do acordo OMC), a revogação das medidas em causa quando se verifique que são incompatíveis com as regras da OMC, este memorando prevê, no entanto, quando a sua revogação imediata for inexequível, a possibilidade de conceder uma compensação, a título provisório, enquanto se aguarda que a medida incompatível seja revogada.

38.
    É certo que, segundo o artigo 22.°, n.° 1, deste memorando, a compensação constitui uma medida temporária que pode ser adoptada no caso de as recomendações e as decisões do órgão de resolução dos diferendos, previsto no artigo 2.°, n.° 1, do mesmo memorando, não serem executadas num prazo razoável, e que este mesmo artigo prefere, como forma de tornar uma medida conforme aos acordos OMC, a execução completa de uma recomendação.

39.
    Este artigo prevê, porém, no seu n.° 2, que, se um membro faltar à sua obrigação de cumprimento, num prazo razoável, dessas recomendações e decisões, se prontificará, se tal lhe for pedido e o mais tardar no termo do prazo razoável fixado, a negociar com qualquer outra parte que tenha accionado os processos de resolução dos conflitos, a fim de encontrar uma compensação que seja aceitável por ambas as partes.

40.
    Nestas condições, impor aos órgãos jurisdicionais a obrigação de recusar a aplicação de regras de direito internas incompatíveis com os acordos OMC teria como consequência privar os órgãos legislativos ou executivos das partes contratantes da possibilidade, prevista no artigo 22.° do referido memorando, de encontrarem, ainda que a título temporário, soluções negociadas.

41.
    De onde resulta que os acordos OMC, interpretados à luz do seu objecto e da sua finalidade, não fixam os meios jurídicos adequados para garantir a sua execução de boa fé na ordem jurídica interna das partes contratantes.

42.
    No que diz respeito, mais especificamente, à aplicação dos acordos OMC no quadro da ordem jurídica comunitária, há que salientar que, nos termos do seu preâmbulo, o acordo que institui a OMC, incluindo os seus anexos, continua a basear-se, tal como o GATT de 1947, no princípio das negociações realizadas 'numa base de reciprocidade e de vantagens mútuas‘, distinguindo-se assim, no que se refere à Comunidade, dos acordos celebrados por esta com países terceiros que instauram uma certa assimetria das obrigações ou criam relações especiais de integração na Comunidade, como era o caso do acordo que foi objecto do acórdão Kupferberg, já referido.

43.
    Além disso, não sofre contestação que algumas partes contratantes, que, do ponto de vista comercial, se contam entre os mais importantes parceiros da Comunidade, concluíram, à luz do objecto e da finalidade dos acordos OMC, que estes não fazem parte das normas à luz das quais os respectivos órgãos jurisdicionais controlam a legalidade das normas jurídicas internas.

44.
    É certo que a circunstância de os órgãos jurisdicionais de uma das partes considerarem que algumas disposições de um acordo celebrado pela Comunidade são directamente aplicáveis, enquanto o mesmo não é admitido pelos órgãos jurisdicionais da outra parte, não é, por si só e sem mais, susceptível de constituir

uma falta de reciprocidade na execução do acordo (v. acórdão Kupferberg, já referido, n.° 18).

45.
    Esta falta de reciprocidade dos parceiros comerciais da Comunidade no que diz respeito aos acordos OMC que se baseiam no «princípio da reciprocidade e das vantagens mútuas» e que, por aí, se distinguem dos acordos celebrados pela Comunidade a que foi feita referência no n.° 42 do presente acórdão pode, porém, levar a um desequilíbrio na aplicação das regras da OMC.

46.
    Com efeito, admitir que a tarefa de assegurar a conformidade do direito comunitário com estas regras incumbe directamente ao juiz comunitário equivaleria a privar os órgãos legislativos ou executivos da Comunidade da margem demanobra de que gozam os órgãos correspondentes dos parceiros comerciais da Comunidade.

47.
    Resulta deste conjunto de considerações que, tendo em atenção a sua natureza e a sua economia, os acordos OMC não figuram, em princípio, entre as normas tomadas em conta pelo Tribunal de Justiça para fiscalizar a legalidade dos actos das instituições comunitárias.

48.
    Esta interpretação corresponde, aliás, ao enunciado do último considerando do preâmbulo da Decisão 94/800, segundo o qual, «pela sua natureza, o Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio e seus anexos não pode ser invocado directamente nos tribunais da Comunidade e dos Estados-Membros».

49.
    Só no caso de a Comunidade ter decidido cumprir uma obrigação determinada assumida no quadro da OMC ou de o acto comunitário remeter, de modo expresso, para disposições precisas dos acordos OMC é que compete ao Tribunal de Justiça fiscalizar a legalidade do acto comunitário em causa à luz das regras da OMC (v., relativamente ao GATT de 1947, acórdãos Fediol/Comissão, n.os 19 a 22, e Nakajima/Conselho, n.° 31, já referidos).

50.
    Há que examinar, assim, se, como pretende o Governo português, é esse o caso presente.

51.
    Há que responder pela negativa a esta questão. Com efeito, a decisão impugnada não visa assegurar a execução, na ordem jurídica comunitária, de uma obrigação específica assumida no quadro da OMC e também não remete expressamente para disposições precisas dos acordos OMC. O seu objecto restringe-se à aprovação dos memorandos de acordo negociados pela Comunidade com o Paquistão e a Índia.

52.
    Resulta de quanto precede que não procede a alegação da República Portuguesa de que a decisão impugnada foi tomada em violação de certas regras e de certos princípios fundamentais da OMC.

Quanto à violação de regras e de princípios fundamentais da ordem jurídica comunitária

Quanto à violação do princípio da publicidade das normas comunitárias

53.
    O Governo português alega que houve violação deste princípio, porque a decisão impugnada e os memorandos de acordo aprovados por esta não foram publicados no Jornal Oficial das Comunidades Europeias. Na réplica, limita-se a afirmar que a validade da sua argumentação foi reconhecida, posto que a decisão impugnada foi publicada depois da interposição do recurso.

54.
    Quanto a este aspecto, basta salientar que a publicação tardia de um acto comunitário no Jornal Oficial das Comunidades Europeias não influencia a validade desse acto.

Quanto à violação do princípio da transparência

55.
    O Governo português alega que este princípio foi violado, pois a decisão impugnada aprova memorandos de acordo que não estão suficientemente estruturados e que estão redigidos em termos obscuros que impedem um leitor normal de se aperceber imediatamente de todas as suas implicações, designadamente no que diz respeito à sua aplicação retroactiva. Em apoio deste fundamento, invoca a resolução do Conselho, de 8 de Junho de 1993, relativa à qualidade de redacção da legislação comunitária (JO C 166, p. 1).

56.
    Há que declarar, como sustentou o Conselho, que esta resolução não tem carácter vinculativo e não obriga as instituições a seguir regras determinadas em matéria de redacção de actos legislativos.

57.
    Acresce que, como salientou o advogado-geral no n.° 12 das suas conclusões, a decisão é clara em todos os seus aspectos, tanto relativamente ao teor das suas disposições, referentes à celebração de dois acordos internacionais, como relativamente às normas contidas nos dois memorandos de acordo, que prevêem uma série de compromissos recíprocos das partes contratantes com vista à progressiva liberalização do mercado dos têxteis. Além disso, a acusação que o Governo português faz à decisão impugnada, por não indicar expressamente as disposições dos actos anteriores que modifica ou revoga, não é susceptível de enfermar esta decisão, visto que não constitui violação de nenhuma formalidade essencial que as instituições estejam obrigadas a observar sob pena de nulidade do acto em causa.

58.
    A República Portuguesa não tem, pois, razão ao alegar que a decisão impugnada foi tomada em violação do princípio da transparência.

Quanto à violação do princípio da cooperação leal nas relações entre a Comunidade e os Estados-Membros

59.
    O Governo português sustenta que os acordos bilaterais com a Índia e o Paquistão foram celebrados sem ter em conta a sua posição sobre as negociações com estes dois países, posições essas que afirmou claramente ao longo de todo o processo negocial, designadamente na reunião do Conselho de 15 de Dezembro de 1993, durante a qual foi decidida a adesão aos acordos OMC, e numa carta de 7 de Abril de 1994 dirigida ao Conselho pelo ministro dos Negócios Estrangeiros português.

60.
    O Governo português afirma que só deu o seu consentimento à assinatura da acta final da OMC e dos seus anexos sob condição, nomeadamente, de a obrigação de abertura dos respectivos mercados que recaía sobre a Índia e o Paquistão não poder, nas negociações com estes países, implicar, em relação aos Estados-Membros, outras contrapartidas para além das previstas no ATV.

61.
    Ao aprovar os memorandos de acordo, que previam uma aceleração do processo de abertura do mercado dos produtos têxteis em relação ao ATV e, consequentemente, o desmantelamento dos contingentes pautais comunitários para estes produtos, a decisão impugnada teria sido adoptada em violação do princípio da cooperação leal nas relações entre a Comunidade e os Estados-Membros, tal como este se infere dos termos do artigo 5.° do Tratado CE (actual artigo 10.° CE), devendo, portanto, ser anulada com este fundamento.

62.
    Este governo alega ainda que a assinatura da acta final exigia o acordo de todos os Estados-Membros e não uma maioria qualificada dos membros do Conselho. Qualquer modificação do equilíbrio que estava na base da assinatura dessa acta final exigia nova deliberação nas mesmas condições de voto, isto é, a unanimidade.

63.
    O Conselho considera que a posição defendida pelo Governo português, especialmente na carta do ministro dos Negócios Estrangeiros de 7 de Abril de 1994, tem natureza política e que, de resto, foi tida em conta uma vez que esteve na origem da adopção do Regulamento n.° 852/95, através do qual o Conselho concedeu uma série de subsídios a favor da indústria têxtil portuguesa.

64.
    O Conselho refuta igualmente a argumentação do Governo português, segundo a qual a aprovação dos dois memorandos de acordo devia ter sido decidida por unanimidade. Alega que, sendo a decisão impugnada um acto de política comercial, podia ser adoptada pela maioria qualificada dos membros do Conselho, nos termos do artigo 113.°, n.° 4, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 133.°, n.° 4, CE). Os dois memorandos teriam, por outro lado, sido adoptados com pleno respeito das disposições do Tratado e, designadamente, do seu artigo 113.°

65.
    A Comissão faz sua a argumentação do Conselho, acrescentando que, mesmo admitindo que a República Portuguesa exprimiu reservas à celebração do acordo final, o desrespeito deste não poderia justificar a anulação da decisão impugnada.

66.
    Há que declarar, em primeiro lugar, que a decisão impugnada é um acto de política comercial, que devia ser adoptado por maioria qualificada nos termos do artigo 113.°, n.° 4, do Tratado. Nestas condições, sendo pacífico que a decisão impugnada foi adoptada com observância do disposto neste artigo, o facto de uma minoria de Estados-Membros, entre os quais a República Portuguesa, se ter oposto a essa aprovação não é susceptível de viciar essa decisão e, portanto, de implicar a sua anulação.

67.
    Saliente-se, em segundo lugar, como fez o advogado-geral no n.° 32 das suas conclusões, que o princípio da cooperação leal entre as instituições da Comunidade e os Estados-Membros não tem incidência na escolha da base legal dos actos jurídicos comunitários e, consequentemente, no processo legislativo a seguir para a sua adopção.

68.
    A República Portuguesa não tem, por conseguinte, razão para sustentar que a decisão impugnada desrespeitou o referido princípio.

Quanto à violação do princípio da confiança legítima

69.
    O Governo português alega que, ao adoptar a decisão impugnada, o Conselho infringiu o princípio da confiança legítima dos operadores económicos que exercem a sua actividade no quadro da indústria têxtil portuguesa.

70.
    Com efeito, segundo o Governo português, esses operadores tinham o direito de esperar que o Conselho não introduziria alterações substanciais ao calendário e ao ritmo de abertura do mercado comunitário dos produtos têxteis à concorrência internacional, tal como estes tinham sido fixados nos acordos OMC, em particular pelo ATV, nem à regulamentação comunitária em vigor, designadamente o Regulamento n.° 3030/93, com as alterações nele introduzidas pelo Regulamento n.° 3289/94, que transpõe para o direito comunitário as regras constantes do ATV.

71.
    A aprovação da decisão impugnada implicaria uma forte aceleração do processo de liberalização do mercado comunitário e modificaria, endurecendo-o sensivelmente, o quadro normativo constituído pelo ATV. Esta alteração substancial e imprevisível das condições de concorrência no mercado comunitário dos produtos têxteis teria alterado, por conseguinte, o quadro em que os operadores económicos põem em prática as medidas de reestruturação que o próprio Conselho, ao adoptar o Regulamento n.° 852/95, considerou indispensáveis, o que prejudicaria a sua eficácia e causaria um grave prejuízo a esses operadores.

72.
    Em primeiro lugar, o Conselho alega que os operadores portugueses no sector dos têxteis não podiam ter confiança legítima na manutenção de uma situação que era objecto de negociações em curso. Se os operadores esperavam que a abertura dos mercados da Índia e do Paquistão se efectuasse sem qualquer contrapartida, esta

esperança não podia ser caracterizada como confiança legítima por não resultar de qualquer compromisso jurídico assumido pelo Conselho.

73.
    Em segundo lugar, o Conselho sustenta que a adopção dos dois memorandos de acordo não põe minimamente em causa os resultados do Uruguay Round. Nestes memorandos, não há qualquer disposição que altere o nível das restrições em vigor ou o coeficiente de crescimento aplicado em virtude dos acordos bilaterais com a Índia e o Paquistão. Os memorandos limitar-se-iam a consignar a disponibilidade da Comissão para acolher favoravelmente os pedidos de flexibilidade excepcionais (nomeadamente os reportes, as utilizações antecipadas e as transferências entre categorias) apresentados pelo Paquistão ou pela Índia, e isto no quadro das restrições existentes e sem exceder, por cada contingente anual, os montantes fixados em cada memorando. Esta flexibilidade excepcional, e em especial a possibilidade da sua utilização antecipada, não alterariam as restrições em vigor e, sobretudo, não teriam como efeito modificar o calendário de integração das categorias em causa no âmbito do GATT de 1994.

74.
    Segundo a Comissão, a República Portuguesa não pode invocar violação do princípio da confiança legítima dos operadores económicos pelo facto de, por um lado, não ter um interesse directo e pessoal na protecção da confiança legítima dos operadores e, por outro, porque se absteve de avisar esses operadores económicos, embora os dados na sua posse mostrassem clara e suficientemente que a Comunidade, para chegar a um acordo, seria provavelmente obrigada a fazer determinadas concessões suplementares.

75.
    Há que recordar, quanto a este aspecto, que, segundo jurisprudência constante, o princípio do respeito da confiança legítima não pode servir para justificar a intangibilidade de uma regulamentação, e isto, em especial, em sectores — como o da importação dos têxteis — em que é necessário e, consequentemente, razoavelmente prevísivel que as regras em vigor sejam continuamente adaptadas às variações da conjuntura económica (v., neste sentido, acórdão de 29 de Janeiro de 1998, Lopex Export, C-315/96, Colect., p. I-317, n.os 28 a 30).

76.
    Acresce que, pelas razões expostas pelo advogado-geral no n.° 33 das suas conclusões, não foram criadas diferenças significativas de tratamento entre os produtos indianos e paquistaneses, por um lado, e os provenientes dos outros Estados que aderiram à OMC, por outro, e, em qualquer caso, essas diferenças, se existem, não são susceptíveis de prejudicar as expectativas dos operadores em causa.

77.
    Resulta do que precede que não merece acolhimento a alegação da República Portuguesa de que a decisão impugnada foi adoptada em violação do princípio do respeito da confiança legítima.

Quanto ao princípio da não retroactividade das normas jurídicas

78.
    O Governo português alega que o princípio da não retroactividade das normas jurídicas foi violado, posto que o regime dos memorandos de acordo aprovados pela decisão impugnada tem efeito retroactivo e se aplica a situações passadas, sem que a necessidade de derrogar o princípio de que as normas jurídicas só vigoram para o futuro tenha sido fundamentado.

79.
    Com efeito, quando foram rubricados, respectivamente, em 15 de Outubro e 31 de Dezembro de 1994, e aprovados só em 26 de Fevereiro de 1996 pelo Conselho, os memorandos de acordo celebrados com a Índia e o Paquistão teriam admitido a aplicação de um regime de flexibilidades excepcionais que entrava em vigor, segundo o n.° 6 de cada um dos memorandos, a partir de 1994 no caso do Paquistão e de 1995 no caso da Índia.

80.
    A este respeito, basta declarar que, nos termos do artigo 19.° do Regulamento n.° 3030/93, a Comissão tinha que dar cumprimento em direito comunitário a estes compromissos internacionais através de medidas de alteração dos anexos deste mesmo regulamento.

81.
    Por conseguinte, o efeito retroactivo eventual destas medidas só podia ser impugnado no quadro de um recurso contra a sua adopção.

82.
    Improcede, pois, a alegação da República Portuguesa de desrespeito, pela decisão impugnada, do princípio da não retroactivdade das normas jurídicas.

Quanto à violação do princípio da coesão económica e social

83.
    O Governo português sustenta que a decisão impugnada foi adoptada em violação do princípio da coesão económica e social consagrado nos artigos 2.° e 3.°, alínea j), do Tratado CE [que passaram, após alteração, a artigos 2.° CE e 3.°, n.° 1, alínea k), CE] e nos artigos 130.°-A do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 158.° CE), 130.°-B, 130.°-C do Tratado CE (actuais artigos 159.° CE e 160.° CE), 130.°-D e 130.°-E do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 161.° CE e 162.° CE). Afirma que o próprio Conselho se referiu a este princípio nos considerandos do Regulamento n.° 852/95, entendendo que a adopção deste regulamento se tinha tornado necessária devido à aprovação de um regime jurídico que agravava as desigualdades e atentava contra a coesão económica e social da Comunidade.

84.
    O Conselho recorda que a Comunidade, para reforçar a sua coesão económica e social, adoptou o Regulamento n.° 852/95 a favor da indústria portuguesa. Lembra igualmente que a obrigação da Comunidade de integrar no quadro do GATT de 1994 produtos têxteis e de vestuário, em conformidade com o disposto no ATV e no Regulamento n.° 3289/94, que altera o Regulamento n.° 3030/93, não foi afectada pelos compromissos constantes dos dois memorandos de acordo.

85.
    A Comissão alega que, contrariamente ao que sustenta a República Portuguesa, o Tratado CE não erige a coesão económica e social em princípio fundamental da ordem jurídica comunitária cujo respeito se imporia de forma absoluta às instituições a ponto de provocar a anulação automática de qualquer medida susceptível de ter um impacto negativo em certas regiões desfavorecidas da Comunidade.

86.
    É necessário salientar que, se decorre dos artigos 2.° e 3.° do Tratado bem como dos artigos 130.°-A a 130.°-E do mesmo Tratado que o reforço da coesão económica e social é um dos objectivos da Comunidade e, consequentemente, constitui um elemento importante designadamente na interpretação do direito comunitário em matéria económica e social, estas disposições têm, no entanto, natureza programática, de modo que a prossecução do objectivo de coesão económica e social deve ser o resultado das políticas e das acções da Comunidade e dos Estados-Membros.

87.
    Não tem, pois, fundamento a alegação da República Portuguesa de que a decisão impugnada foi adoptada em violação do princípio da coesão económica e social.

Quanto à violação do princípio da igualdade entre os operadores económicos

88.
    O Governo português alega ainda que a decisão impugnada favorece os produtos de lã em relação aos produtos de algodão, dado que as medidas de abertura dos mercados da Índia e do Paquistão instituídas pelos memorandos de acordo beneficiam de um modo praticamente exclusivo os produtores comunitários do sector «lã». Os produtores do sector «algodão» — no qual se concentra o essencial da capacidade exportadora da indústria portuguesa — seriam, assim, duplamente penalizados.

89.
    Ao que o Conselho responde que as negociações com a Índia e o Paquistão tinham como objectivo melhorar o acesso aos mercados indiano e paquistanês. Se as ofertas destes dois países foram susceptíveis de melhor satisfazer uma parte dos operadores económicos, os do sector «lã», tal não pode constituir uma violação do princípio da igualdade entre os operadores económicos, visto que os memorandos não tiveram minimamente como objectivo discriminá-los.

90.
    A Comissão salienta que a circunstância de a Índia e o Paquistão terem proposto para os produtos do sector «lã» um tratamento mais favorável do que o reservado aos produtos do sector «algodão» (o que a República Portuguesa não demonstra), criando, assim, uma certa desigualdade de tratamento entre diferentes categorias de operadores têxteis, não pode ser imputada ao Conselho como uma discriminação estabelecida por ele. De resto, mesmo supondo que lhe pudesse ser imputada, esta desigualdade justificar-se-ia pela natureza do acto em causa e pelo objectivo prosseguido pelo Conselho ao aprovar os memorandos de acordo, isto é, melhorar, no interesse comum, o acesso de todos os produtos de origem comunitária aos mercados indiano e paquistanês.

91.
    Deve recordar-se, neste contexto, que o princípio da não discriminação impõe ao legislador comunitário que «situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente, a menos que uma diferenciação se justifique objectivamente» (v., designadamente, acórdão Alemanha/Conselho, já referido, n.° 67).

92.
    No presente caso, como salientou o advogado-geral no n.° 35 das suas conclusões, os operadores do sector têxtil actuam em dois mercados distintos, o da lã e o do algodão, e, por isso, um eventual prejuízo económico de uma das duas categorias de produtores não implica violação do princípio da não discriminação.

93.
    Por conseguinte, não procede igualmente a alegação da República Portuguesa de que a decisão impugnada foi adoptada em violação do princípio da igualdade entre os operadores económicos.

94.
    Por tudo o exposto, improcedem as alegações da República Portuguesa de que a decisão impugnada foi adoptada em violação de determinadas regras e de determinados princípios fundamentais da ordem jurídica comunitária e, portanto, o recurso deve ser rejeitado na íntegra.

Quanto às despesas

95.
    Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido. Tendo o Conselho pedido a condenação da República Portuguesa nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas. Nos termos do artigo 69.°, n.° 4, do mesmo regulamento, os Estados-Membros e as instituições intervenientes suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

1.
    Negar provimento ao recurso.

2.
    Condenar a República Portuguesa nas despesas.

3.
    Deixar a cargo da República Francesa e da Comissão das Comunidades Europeias as suas próprias despesas.

Moitinho de Almeida            Edward            Sevón
Schintgen

    Kapteyn

Gulmann
                Puissochet

Hirsch            Jann                Ragnemalm

Wathelet

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 23 de Novembro de 1999.

O secretário

O presidente

R. Grass

G. C. Rodríguez Iglesias


1: Língua do processo: português.