Language of document : ECLI:EU:T:2024:301

Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

8 de maio de 2024 (*)

«Auxílios de Estado — Mercado alemão do transporte aéreo — Auxílio à reestruturação concedido pela Alemanha a favor de uma companhia aérea — Alteração das condições dos empréstimos concedidos pela Alemanha e anulação parcial de dívidas — Decisão de não levantar objeções — Recurso de anulação — Legitimidade — Admissibilidade — Salvaguarda dos direitos processuais — Dificuldades sérias — Artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE — Ponto 67 das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade — Repartição dos encargos»

No processo T‑28/22,

Ryanair DAC, com sede em Swords (Irlanda), representada por E. Vahida, S. Rating e I.‑G. Metaxas‑Maranghidis, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por I. Barcew, V. Bottka e J. Ringborg, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

República Federal da Alemanha, representada por J. Möller, P.‑L. Krüger e J. Buhl, na qualidade de agentes,

e por:

Condor Flugdienst GmbH, com sede em Neu‑Isenburg (Alemanha), representada por A. Rosenfeld, S. Lünenbürger, A. Birnstiel e S. Blazek, advogados,

intervenientes,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: A. Kornezov (relator), presidente, G. De Baere e K. Kecsmár, juízes,

secretário: S. Spyropoulos, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 22 de setembro de 2023,

profere o presente

Acórdão (1) 

1        Por meio do seu recurso, interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, a recorrente, Ryanair DAC, pede a anulação da Decisão C(2021) 5729 final da Comissão, de 26 de julho de 2021, relativa ao auxílio de Estado SA.63203 (2021/N) – Alemanha –Auxílio à reestruturação a favor da Condor (a seguir «decisão recorrida»).

 Antecedentes do litígio

[OMISSIS]

10      Por último, por meio da decisão impugnada, a Comissão autorizou, com fundamento no artigo 107.°, n.° 3, alínea c), TFUE e nas Orientações S&R, uma medida de auxílio destinada a apoiar a reestruturação e a prossecução das atividades da Condor (a seguir «medida em causa»), que comporta duas partes. A primeira parte consiste, por um lado, na alteração das condições dos empréstimos COVID‑19 de 2020 e, por outro, na anulação parcial do montante de 90 milhões de euros de dívidas resultante desses empréstimos. A segunda parte consiste na anulação de uma dívida no montante de 20,2 milhões de euros, que corresponde aos juros que a Condor devia reembolsar na sequência da decisão sobre o auxílio COVID‑19 de 2020 alterada.

 Pedidos das partes

11      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

12      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

13      A República Federal da Alemanha e a Condor concluem pedindo que seja negado provimento ao recurso e a condenação da recorrente nas despesas.

 Questão de direito

[OMISSIS]

 Quanto ao mérito

[OMISSIS]

 Quanto ao sexto indício, relativo ao facto de a Comissão não ter demonstrado a proporcionalidade da medida em causa

[OMISSIS]

202    Em segundo lugar, a recorrente sustenta que a Comissão violou o ponto 67 das Orientações S&R, uma vez que não examinou, na decisão recorrida, se a medida em causa previa modalidades que asseguravam ao Estado uma parcela razoável das futuras mais‑valias da Condor. Salienta que a Comissão devia ter procedido a esse exame, porque a medida em causa reforçava a posição de capital próprio da Condor, na aceção do referido ponto.

203    A Comissão sustenta, em substância, que não é obrigada a examinar, na decisão recorrida, se a República Federal da Alemanha beneficia de uma parcela razoável das futuras mais‑valias da Condor, na aceção do ponto 67 das Orientações S&R, uma vez que, em seu entender, esta exigência só se aplica quando, por um lado, a medida controvertida constitui uma injeção de capital e, por outro, o Estado‑Membro em causa detém uma participação no capital do beneficiário, o que não sucede no caso em apreço.

204    Resulta do ponto 65 das Orientações S&R que, quando o apoio estatal for concedido sob uma forma que reforce a posição de capital próprio do beneficiário, por exemplo, quando o Estado conceder subvenções, injetar capital ou anular a dívida, pode daí decorrer que os acionistas e os credores subordinados fiquem protegidos contra as consequências da sua escolha de investir no beneficiário. Esse apoio pode criar um risco moral e minar a disciplina do mercado. Consequentemente, os auxílios destinados a cobrir as perdas devem ser concedidos apenas em condições que impliquem uma repartição de encargos adequada por parte dos investidores existentes.

205    Segundo o ponto 66 das Orientações S&R, uma repartição adequada dos encargos significará, em princípio, que os acionistas históricos e, se necessário, os credores subordinados devem suportar na íntegra as perdas passadas. Os credores subordinados devem contribuir para a absorção de perdas, quer pela conversão em fundos próprios, quer pela redução do valor do capital dos instrumentos relevantes. Por conseguinte, a intervenção do Estado só deve ocorrer após as perdas terem sido plenamente contabilizadas e atribuídas aos acionistas e detentores de dívida subordinada existentes.

206    Nos termos do ponto 67 das Orientações S&R, a repartição adequada de encargos significa também que todos os auxílios estatais que reforcem a posição de capital próprio do beneficiário devem ser concedidos em termos que deem ao Estado uma parcela razoável de futuras mais‑valias do beneficiário, atendendo ao montante de fundos próprios injetados pelo Estado em comparação com os fundos próprios remanescentes da empresa após contabilização das perdas.

207    A este propósito, importa desde já observar que, na decisão recorrida, a Comissão não examinou se a medida em causa era conforme com as exigências previstas no ponto 67 das Orientações S&R. Com efeito, nada na decisão recorrida permite concluir que a Comissão se debruçou sobre a questão de saber se a medida em causa tinha sido concedida segundo modalidades que assegurariam à República Federal da Alemanha uma parcela razoável da futura valorização da Condor.

208    Por conseguinte, há que examinar se, como sustenta a Comissão, esta podia, sem ter dúvidas, considerar que a medida em causa não era abrangida pelo âmbito de aplicação do ponto 67 das Orientações S&R, pelo que não era obrigada a examinar, na decisão recorrida, se a referida medida era conforme com a exigência prevista no referido ponto.

209    A este respeito, recorde‑se que a interpretação de uma disposição do direito da União exige que se tenham em conta não só os seus termos mas também o contexto no qual essa medida se inscreve, bem como os objetivos e a finalidade que prossegue o ato de que essa disposição faz parte (v. Acórdão de 22 de junho de 2023, Pankki S, C‑579/21, EU:C:2023:501, n.o 38 e jurisprudência referida).

210    A este respeito, primeiro, no que respeita à interpretação literal do ponto 67 das Orientações S&R, importa sublinhar que, segundo a redação do referido ponto, a exigência de prever modalidades que assegurem ao Estado uma parte razoável da futura avaliação do beneficiário é aplicável a «todos os auxílios estatais que reforcem a posição de capital próprio do beneficiário».

211    O ponto 65 das Orientações S&R fornece três exemplos de auxílios estatais que assumem «uma forma que reforce a posição de capital próprio do beneficiário», a saber, subvenções, injeções de capital e anulações de dívidas.

212    No caso em apreço, a medida em causa assume a forma, nomeadamente, de uma anulação parcial das dívidas, pelo que deve ser qualificada de «auxíli[o] estata[l] que refor[ça] a posição de capital próprio do beneficiário» na aceção do ponto 67 das Orientações S&R.

213    Assim, a redação da parte introdutória do ponto 67 das Orientações S&R, lido em conjugação com a do ponto 65 das mesmas, sugere que a medida em causa é abrangida pelo âmbito de aplicação do ponto 67 das Orientações S&R.

214    Daqui resulta que a interpretação preconizada pela Comissão, segundo a qual o ponto 67 das Orientações S&R só se aplica às injeções de capital e unicamente quando o Estado em causa detém uma participação no capital do beneficiário, colide com a redação da parte introdutória do referido ponto, lida em conjugação com o ponto 65 das Orientações S&R, do qual resulta que a exigência prevista no ponto 67 se destina a ser aplicada tanto às injeções de capital como às anulações das dívidas e, por conseguinte, tanto na hipótese de o Estado deter uma participação no capital do beneficiário como na hipótese em que é um credor.

215    No entanto, também é certo, como salienta a Comissão, que a frase «atendendo ao montante de fundos próprios injetados pelo Estado em comparação com os fundos próprios remanescentes da empresa após contabilização das perdas», que figura no ponto 67 in fine das Orientações S&R, faz referência apenas à hipótese de uma injeção de capital.

216    Assim, parece existir uma certa incoerência na redação do ponto 67 das Orientações S&R, uma vez que, por um lado, a sua parte introdutória indica que o mesmo se destina a ser aplicado a «todos os auxílios estatais que reforcem a posição de capital próprio do beneficiário», a saber, subvenções, injeções de capitais e anulações de dívidas, ao passo que, por outro, a sua parte final se refere aos «fundos próprios injetados pelo Estado».

217    A este respeito, importa notar ainda assim que esta última frase surge imediatamente a seguir à exigência de assegurar ao Estado uma «parcela razoável» da futura valorização do beneficiário. Assim, pode ser entendido como uma indicação do que constituiria, em termos quantitativos, uma «parcela razoável», o que deve ser determinado com base na proporção que representa o montante pago pelo Estado em relação ao montante dos fundos próprios do beneficiário remanescente após a tomada em conta das perdas. Esta interpretação permite assim conciliar a parte introdutiva e a parte final do ponto 67 das Orientações S&R. 

218    De qualquer modo, há que observar que a incoerência na redação do ponto 67 das Orientações S&R, assinalada no n.° 215, supra, que é, aliás, imputável à Comissão, autora das referidas Orientações, deveria ter suscitado dúvidas no espírito desta quanto à questão de saber se a medida em causa era abrangida pelo âmbito de aplicação do ponto 67 das Orientações S&R e tê‑la levado a examinar de forma mais aprofundada esta disposição à luz do contexto em que se inscrevia e das finalidades que prosseguia, o que a Comissão não fez.

219    Com efeito, quando a redação de uma disposição do direito da União apresenta dificuldades de interpretação, há que examinar essa disposição à luz das finalidades do ato de que a mesma faz parte e, se esta for suscetível de várias interpretações, dar prioridade à que é adequada para salvaguardar o seu efeito útil (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de fevereiro de 2000, Comissão/França, C‑434/97, EU:C:2000:98, n.° 21 e jurisprudência referida, e de 4 de outubro de 2001, Itália/Comissão, C‑403/99, EU:C:2001:507, n.° 28).

220    Assim, segundo, no que se refere à interpretação contextual do ponto 67 das Orientações S&R, constate‑se que este ponto faz parte da secção 3.5.2.2 destas orientações, intitulada «Repartição de encargos». Esta secção é introduzida pelo ponto 65, o qual, como recordado no n.° 204, supra, visa, sem nenhuma distinção, as subvenções, as injeções de capital e a anulação de dívida enquanto formas de auxílio estatal que reforcem a posição de capital próprio do beneficiário.

221    Do mesmo modo, nada na redação do ponto 66 das Orientações S&R, que figura na mesma secção das referidas Orientações e nos termos do qual, em substância, a intervenção do Estado só deve ocorrer após as perdas terem sido plenamente contabilizadas e atribuídas aos acionistas e detentores de dívida subordinada existentes, sugere apenas que esta regra só se destina a ser aplicada a certas formas de auxílio estatal, com exclusão de outras. Pelo contrário, a referência em termos gerais a uma intervenção estatal («a intervenção do Estado só deve ocorrer após») e a ausência de qualquer outra precisão em sentido contrário indicam que o ponto 66 é aplicável a qualquer que seja a forma que essa intervenção assuma.

222    Assim, a parte introdutória do ponto 67 das Orientações S&R, na medida em que visa «todos os auxílios estatais que reforcem a posição de capital próprio do beneficiário», está em concordância com os âmbitos de aplicação dos pontos 65 e 66 das referidas Orientações.

223    Além disso, há que observar que a exigência prevista no ponto 67 das Orientações S&R acresce às previstas nos pontos 65 e 66 das referidas Orientações, como demonstra a precisão segundo a qual «[a] repartição adequada de encargos significa também». É igualmente importante salientar que os Estados‑Membros e a Comissão não dispõem de nenhuma margem de apreciação quanto à sua obrigação de cumprir a exigência prevista no ponto 67 das Orientações S&R, uma vez que o referido ponto prevê que «todos» os auxílios estatais que reforcem a posição de capital próprio do beneficiário «devem» ser concedidos em termos que deem ao Estado uma parcela razoável de futuras mais‑valias do beneficiário. Esta interpretação é confirmada pelo ponto 68 das Orientações S&R, o qual prevê derrogações a esta aplicação integral das exigências previstas no ponto 66 destas, mas não à que figura no ponto 67. Assim, o facto de, num caso determinado, as exigências previstas nos pontos 65 e 66 das Orientações S&R estarem preenchidas não dispensa os Estados‑Membros e a Comissão de assegurarem que a prevista no ponto 67 das referidas Orientações o esteja igualmente.

224    Daqui resulta que os pontos 66 e 67 das Orientações S&R preveem duas exigências autónomas cujo conteúdo e aplicação no tempo diferem. Por um lado, a exigência do ponto 66 diz respeito à absorção das perdas do beneficiário pelos acionistas e detentores de títulos de dívida subordinada existentes, que deve ser executada antes da intervenção do Estado. Por outro lado, o ponto 67 visa uma situação futura, a saber, a de futuras mais‑valias do beneficiário, e prevê que, nessa perspetiva, o Estado deve obter uma parcela razoável dessas mais‑valias.

225    Ora, nada indica que os pontos 65, 66 e 67 das Orientações S&R devam ter âmbitos de aplicação diferentes uns em relação aos outros, em função da forma que assume o apoio estatal, desde que esse apoio reforce a posição de capital próprio do beneficiário. Em especial, a economia das exigências previstas nos pontos 66 e 67 das Orientações S&R e o seu caráter cumulativo tendem a sugerir que se destinam a ser aplicadas, tal como o ponto 65 das referidas Orientações, a qualquer auxílio estatal que tenha por objeto tal reforço. Com efeito, a obrigação de absorver as perdas antes da intervenção do Estado e o imperativo de assegurar a este uma parcela razoável de futuras mais‑valias do beneficiário reforçam‑se e completam‑se mutuamente, uma vez que a gestão das perdas do beneficiário e o apoio do Estado são uma condição indispensável para assegurar posteriormente o regresso à viabilidade do beneficiário e, desse modo, à sua rendibilidade. Assim, nenhuma razão legítima parece poder justificar a exclusão de certas formas de auxílio do âmbito de aplicação da obrigação prevista no ponto 67 das Orientações S&R.

226    Terceiro, no que se refere à interpretação teleológica do ponto 67 das Orientações S&R, resulta nomeadamente dos seus pontos 9, 11, 65, 87 e 90 que as disposições relativas à repartição adequada dos encargos visam, nomeadamente, prevenir o risco moral. Assim, como foi salientado no n.° 204, supra, segundo o ponto 65 dessas Orientações, quando o apoio estatal for concedido sob uma forma que reforce a posição de capital próprio do beneficiário, por exemplo quando o Estado fornecer subvenções, injetar capital ou anular a dívida, pode daí decorrer que os acionistas e os credores subordinados fiquem protegidos contra as consequências da sua escolha de investir no beneficiário. Esse apoio pode criar um risco moral e minar a disciplina do mercado.

227    Ora, a Comissão não adianta nenhum elemento suscetível de demonstrar que o risco moral existe apenas quando um Estado‑Membro injeta capitais no beneficiário, mas não quando anula dívidas deste ou quando concede uma subvenção ao referido beneficiário. Na realidade, nenhum trecho das Orientações S&R permite inferir tal conclusão. Pelo contrário, segundo o ponto 65 das Orientações S&R, esse risco existe para qualquer apoio estatal que assuma uma forma que reforce a posição de capital próprio do beneficiário, como as subvenções, as injeções de capitais e a anulação de dívidas.

228    Além disso, há que recordar, como resulta nomeadamente do ponto 9 das Orientações S&R, que o risco moral consiste no facto de as empresas que se encontram em situação de emergência e reestruturação prováveis em caso de dificuldades poderem ter tendência para adotar estratégias comerciais insustentáveis excessivamente arriscadas. Ora, tanto a exigência do ponto 66 das Orientações S&R, relativa à absorção das perdas do beneficiário pelos seus acionistas e credores subordinados existentes, como a do ponto 67 das referidas Orientações, relativa à obrigação de assegurar ao Estado uma parte dos futuros lucros do beneficiário, contribuem para reduzir os incentivos que uma empresa pode ter para assumir riscos excessivos com o objetivo de gerar mais lucros.

229    Daqui resulta que o objetivo subjacente ao ponto 67 das Orientações S&R não poderia ser plenamente alcançado se devessem ser excluídos do seu âmbito de aplicação certos tipos de medidas de auxílio, como a anulação de dívidas, ainda que estas reforcem a posição de capital próprio do beneficiário e façam correr o mesmo risco moral que o que resulta de uma injeção de capitais.

230    Além disso, há que salientar que tanto as Orientações S&R como a Comunicação COM(2012) 209 final da Comissão, de 8 de maio de 2012, relativa à modernização da política da União no domínio dos auxílios estatais, para a qual remetem as referidas Orientações, sublinham a importância do princípio da eficácia ou da eficiência das despesas públicas. Além disso, a referida comunicação acentua a importância da utilização judiciosa dos recursos públicos, da melhor utilização do dinheiro dos contribuintes e da consolidação orçamental, bem como da necessidade de evitar o desperdício de recursos públicos. A concessão ao Estado de uma parcela razoável de futuras mais‑valias do beneficiário é coerente com esses objetivos quando este concede um auxílio à reestruturação, quer através de uma subvenção, de uma injeção de capital ou de uma anulação de dívidas.

231    Além disso, contrariamente ao que sustentou a Comissão na audiência, é incorreto afirmar que um Estado só pode obter uma «parcela razoável de futuras mais‑valias do beneficiário», como prevê o ponto 67 das Orientações S&R, quando detiver uma participação neste. Com efeito, como a recorrente acertadamente salienta mesmo quando o Estado não detém uma participação no capital do beneficiário e é, deste modo, apenas credor deste último, poderia, não obstante, beneficiar de futuras mais‑valias ou de futuros lucros do beneficiário, gerados, pelo menos em parte, graças ao auxílio, ao prever, por exemplo, no caso de uma anulação parcial das dívidas, como a do caso presente, uma taxa de juros variável sobre a parte não anulada do seu crédito que aumenta à medida que o valor ou os lucros do beneficiário aumentam. Outro mecanismo pelo qual um Estado que tenha anulado uma parte dos seus créditos em relação a um beneficiário poderia participar em futuras mais‑valias ou nos futuros lucros deste último é, por exemplo, o de uma promessa pelo beneficiário de reembolsar a totalidade ou uma parte das suas dívidas anuladas em caso de «regresso a melhor sorte».

232    Por último, importa rejeitar o argumento da Condor segundo o qual se poderia considerar que o futuro reembolso da parte remanescente das dívidas que resulta dos empréstimos COVID‑19 de 2020 garante ao Estado uma «parcela razoável de futuras mais‑valias» da Condor, na aceção do ponto 67 das Orientações S&R. Com efeito, por um lado, basta observar que nada na decisão recorrida sugere que a Comissão tenha considerado que apenas o reembolso eventual da parte não anulada das dívidas asseguraria ao Estado uma «parcela razoável de futuras mais‑valias» da Condor, na aceção do ponto 67 das Orientações S&R. Ora, segundo jurisprudência constante, a fundamentação da decisão recorrida não pode ser completada na pendência da instância (v., neste sentido, Acórdão de 15 de dezembro de 2021, Oltchim/Comissão, T‑565/19, EU:T:2021:904, n.° 275 e jurisprudência referida). Por outro lado, e de qualquer modo, o argumento da Condor não pode prosperar, sob o risco de esvaziar de qualquer efeito a exigência prevista no ponto 67 das Orientações S&R. Com efeito, pela sua própria natureza, uma anulação parcial das dívidas implica o reembolso da parte não anulada destas. Este argumento equivale a excluir de facto a anulação parcial das dívidas do âmbito de aplicação do ponto 67 das Orientações S&R, o que, porém, colidiria com a interpretação literal, contextual e teleológica deste ponto.

233    Daqui resulta que, tendo em conta a interpretação literal, contextual e teleológica do ponto 67 das Orientações S&R, a Comissão não podia, sem ter dúvidas, concluir que a medida em causa não era abrangida pelo âmbito de aplicação do referido ponto e não examinar se a referida medida era conforme com as exigências previstas nesse ponto.

234    Portanto, há que concluir que a recorrente fez prova bastante de que a Comissão devia ter tido dúvidas quanto à questão de saber se a medida em causa satisfazia a exigência prevista no ponto 67 das Orientações S&R.

[OMISSIS]

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      A Decisão C(2021) 5729 final da Comissão, de 26 de julho de 2021, relativa ao auxílio de Estado SA.63203 (2021/N) – Alemanha – Auxílio à reestruturação a favor da Condor, é anulada.

2)      A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas, bem como as despesas da Ryanair DAC.

3)      A República Federal da Alemanha e a Condor Flugdienst GmbH suportarão as suas próprias despesas.

Kornezov

De Baere

Kecsmár

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de maio de 2024.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.


1 Apenas são reproduzidos os números do presente Acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.