Language of document : ECLI:EU:T:2018:830

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

22 de novembro de 2018 (*)

«FEAGA — Despesas excluídas do financiamento — Medidas específicas a favor das regiões ultraperiféricas — Artigo 12.°, alínea c), do Regulamento (CE) n.° 247/2006 — Assistência técnica — Ações de controlo — Garantias processuais — Confiança legítima»

No processo T‑31/17,

República Portuguesa, representada por L. Inez Fernandes, M. Figueiredo, J. Saraiva de Almeida e A. Tavares de Almeida, na qualidade de agentes,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por B. Rechena e A. Sauka, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido apresentado ao abrigo do disposto no artigo 263.° TFUE, de anulação da Decisão de Execução (UE) 2016/2018 da Comissão, de 15 de novembro de 2016, que exclui do financiamento da União Europeia determinadas despesas efetuadas pelos Estados‑Membros a título do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO 2016, L 312, p. 26), na parte em que exclui do financiamento, no que respeita à República Portuguesa, os montantes de 460 202,73 euros e de 200 000 euros (rubrica orçamental 6701),

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção),

composto por: S. Gervasoni, presidente, K. Kowalik‑Bańczyk (relatora) e C. Mac Eochaidh, juízes,

secretário: I. Dragan, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 3 de maio de 2018,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        No âmbito do programa de opções específicas para fazer face ao afastamento e à insularidade da Madeira e dos Açores (POSEIMA), as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira (Portugal) beneficiam, desde 1992, de medidas específicas a favor das produções agrícolas locais. A partir do exercício financeiro de 2007, essas medidas foram reunidas num programa de apoio estabelecido em conformidade com as disposições do artigo 9.° do Regulamento (CE) n.° 247/2006 do Conselho, de 30 de janeiro de 2006, que estabelece medidas específicas no domínio agrícola a favor das regiões ultraperiféricas da União (JO 2006, L 42, p. 1). Para o efeito, a República Portuguesa elaborou um projeto de programa global, que foi apreciado e aprovado pela Comissão Europeia em conformidade com o artigo 24.°, n.os 1 e 2, do mesmo regulamento (a seguir «programa global»).

2        Em 30 de setembro de 2008, a República Portuguesa apresentou à Comissão um projeto de alteração do programa global, ao abrigo do disposto no artigo 49.° do Regulamento (CE) n.° 793/2006 da Comissão, de 12 de abril de 2006, que estabelece normas de execução do Regulamento (CE) n.° 247/2006 (JO 2006, L 145, p. 1). Esse projeto, revisto em 27 de janeiro de 2009, previa, nomeadamente, a introdução, no âmbito do Subprograma da Região Autónoma dos Açores, de uma nova medida relativa ao financiamento de estudos, projetos de demonstração, ações de formação e de assistência técnica.

3        Através da Decisão C(2009) 1364 final, de 3 de março de 2009 (a seguir «Decisão de 3 de março de 2009»), a Comissão aprovou as alterações do programa global apresentadas pela República Portuguesa.

4        Em consequência, o anexo I do Subprograma da Região Autónoma dos Açores passou a incluir um ponto 4.6 com a seguinte redação:

«4.6 Financiamento de estudos, projetos de demonstração, formação e medidas de assistência técnica

Enquadramento legal

O Artigo 50.° do Regulamento [...] n.° 793/2006 [...] prevê o financiamento de estudos, projetos de demonstração, formação e medidas de assistência técnica [...]

Objetivos

Esta medida visa criar as condições para um desenvolvimento eficaz das atividades de preparação, coordenação, informação, gestão, controlo, acompanhamento e avaliação do Subprograma da Região Autónoma dos Açores.

Descrição

A medida deverá integrar as atividades elegíveis a executar pelas entidades com responsabilidades nas diferentes funções necessárias à boa gestão e execução do [Subprograma da Região Autónoma dos Açores].

[…]

Com base nesta disposição, pretende a Região Autónoma dos Açores obter os meios necessários para satisfazer as necessidades de todos os intervenientes no [Subprograma da Região Autónoma dos Açores].

Beneficiários

•      Autoridades de Gestão.

Despesas Elegíveis e Regime de Apoio

Serão considerados elegíveis e financiados a 100%, os custos relativos às despesas incorridas com:

•      Aquisição e manutenção de bens e equipamentos;

•      Aquisição de serviços;

•      Elaboração de estudos e auditorias;

•      Elaboração e difusão de informação e publicidade;

diretamente imputáveis às atividades de preparação, coordenação, informação, gestão, controlo, acompanhamento e avaliação do [Subprograma da Região Autónoma dos Açores].»

5        No âmbito desta medida, as autoridades portuguesas efetuaram diversas despesas, financiadas pela União Europeia, no montante total de 460 202,73 euros, para o exercício financeiro de 2012, e de 200 000 euros, para o exercício financeiro de 2013.

6        No que respeita ao exercício financeiro de 2012, as despesas em causa eram relativas à aquisição de quatro veículos todo o terreno (94 407,56 euros), aos salários dos empregados que realizaram verificações no local (69 977,11 euros), a despesas com o sistema de informação, o sistema de acesso, o sistema de incêndio e um veículo todo o terreno (53 059,65 euros), à aquisição de 22 computadores e monitores e três computadores portáteis (14 446 euros) e, por último, à remuneração de onze técnicos e de um diretor de serviços (228 312,41 euros).

7        No que respeita ao exercício financeiro de 2013, as despesas em causa correspondiam à remuneração de dez técnicos e de um diretor de serviços (199 095,92 euros) e às ajudas de custo de deslocações em serviço desse diretor (904,08 euros).

8        Na sequência de um inquérito, a Comissão deu início a um procedimento de apuramento da conformidade ao abrigo do artigo 31.° do Regulamento (CE) n.° 1290/2005 do Conselho, de 21 de junho de 2005, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO 2005, L 209, p. 1).

9        Por ofício de 5 de dezembro de 2013 (a seguir «ofício de 5 de dezembro de 2013»), a Comissão comunicou às autoridades portuguesas as suas observações com fundamento no artigo 11.°, n.° 1, do seu Regulamento (CE) n.° 885/2006, de 21 de junho de 2006, que estabelece regras de execução do Regulamento n.° 1290/2005 do Conselho no respeitante à acreditação dos organismos pagadores e de outros organismos e ao apuramento das contas do FEAGA e do FEADER (JO 2006, L 171, p. 90). Nessa ocasião, a Comissão observou que a totalidade das despesas em causa tinha sido utilizada para financiar o pessoal e o equipamento necessários às inspeções efetuadas pelas autoridades portuguesas no âmbito do programa global. Por conseguinte, a Comissão considerou que, por não serem conformes com o artigo 13.° do Regulamento n.° 1290/2005, por um lado, nem com o artigo 12.°, alínea c), e o artigo 25.° do Regulamento n.° 247/2006, por outro, essas despesas não podiam ser suportadas pelo Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA).

10      Por ofício de 7 de abril de 2014, as autoridades portuguesas manifestaram o seu desacordo com a posição da Comissão, na medida em que, em seu entender, as despesas em causa eram elegíveis para financiamento da União ao abrigo do artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006.

11      Numa reunião bilateral que se realizou em 4 de junho de 2014, a Comissão e as autoridades portuguesas mantiveram as suas respetivas posições. Após essa reunião, a Comissão informou as autoridades portuguesas de que considerava que a Decisão de 3 de março de 2009 não podia ter‑lhes criado expectativas legítimas quanto à elegibilidade das despesas em causa.

12      Por ofício de 22 de dezembro de 2014, as autoridades portuguesas reiteraram o seu desacordo com a posição da Comissão.

13      Em 12 de julho de 2016, a Comissão comunicou formalmente as suas conclusões às autoridades portuguesas, em conformidade com o artigo 11.°, n.° 2, do Regulamento n.° 885/2006. Nessa ocasião, a Comissão concluiu novamente pela inelegibilidade das despesas em causa, baseando‑se no artigo 13.° do Regulamento n.° 1290/2005 e no artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006. Em consequência, propôs que fosse excluído do financiamento da União o montante total de 660 202,73 euros.

14      Em 15 de novembro de 2016, a Comissão adotou a Decisão de Execução (UE) 2016/2018, que exclui do financiamento da União Europeia determinadas despesas efetuadas pelos Estados‑Membros a título do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO 2016, L 312, p. 26, a seguir «decisão impugnada»). No que respeita à República Portuguesa, a Comissão excluiu, nomeadamente, do financiamento da União os montantes de 460 202,73 euros e de 200 000 euros (rubrica orçamental 6701), correspondentes às despesas em causa.

 Tramitação processual e pedidos das partes

15      A República Portuguesa interpôs o presente recurso por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de janeiro de 2017.

16      A Comissão apresentou contestação na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de março de 2017.

17      A República Portuguesa apresentou réplica em 16 de maio de 2017, e a Comissão apresentou tréplica em 28 de junho de 2017.

18      Através de medidas de organização do processo, adotadas com base no artigo 89.°, n.° 3, alíneas a) e d), do seu Regulamento de Processo, o Tribunal Geral colocou questões às partes e convidou‑as a apresentar documentos. As partes deram cumprimento a este pedido no prazo fixado.

19      A República Portuguesa conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada, na parte em que exclui do financiamento da União, no que lhe diz respeito, os montantes de 460 202,73 euros e de 200 000 euros;

–        condenar a Comissão nas despesas.

20      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar improcedente o recurso;

–        condenar a República Portuguesa nas despesas.

 Questão de direito

21      A República Portuguesa invoca três fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, à violação do princípio da proteção da confiança legítima; o segundo, à violação do artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006; e o terceiro, à violação do artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 885/2006.

22      O Tribunal Geral considera que há que examinar, antes de mais, o terceiro fundamento, que se prende com a preterição de formalidades essenciais, em seguida, o segundo fundamento, que é relativo à violação de uma norma substantiva do direito derivado da União, e, por último, o primeiro fundamento, que é relativo à violação de um princípio geral do direito da União.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 885/2006

23      A República Portuguesa alega que a Comissão violou o artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 885/2006 ao ter‑lhe enviado uma primeira comunicação escrita insuficientemente fundamentada. Com efeito, por um lado, considera que o ofício de 5 de dezembro de 2013 não expõe as razões pelas quais a Comissão entendeu que as despesas em causa tinham sido efetuadas para a realização de ações de controlo. Por outro lado, esse ofício não indica por que é que cada uma das despesas em causa, individualmente considerada, não pode beneficiar do financiamento do FEAGA.

24      A Comissão contesta os argumentos da República Portuguesa.

25      A título preliminar, há que esclarecer que, nos termos do artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento n.° 247/2006, as medidas específicas no domínio agrícola a favor das regiões ultraperiféricas, adotadas ao abrigo desse regulamento, constituem intervenções destinadas à regulação dos mercados agrícolas, na aceção do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1290/2005. Por conseguinte, as despesas financiadas pela União ao abrigo do Regulamento n.° 247/2006 incluem‑se nas despesas do FEAGA enumeradas no artigo 3.° do Regulamento n.° 1290/2005 e estão, portanto, sujeitas ao conjunto das disposições desse regulamento aplicáveis às despesas desse fundo.

26      Daqui resulta que, quando pretenda excluir do financiamento da União certas despesas efetuadas por um Estado‑Membro com base no Regulamento n.° 247/2006, a Comissão deve seguir o procedimento de apuramento da conformidade previsto no artigo 31.° do Regulamento n.° 1290/2005, cujas regras de execução são definidas no artigo 11.° do Regulamento n.° 885/2006.

27      A este respeito, há que recordar que a decisão final e definitiva relativa ao apuramento da conformidade deve tomada no seguimento de um processo contraditório específico no decurso do qual os Estados‑Membros em causa devem dispor de todas as garantias necessárias para apresentar o seu ponto de vista (v., por analogia, Acórdão de 14 de dezembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑245/97, EU:C:2000:687, n.° 47 e jurisprudência aí referida).

28      Assim, o artigo 11.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 885/2006 prevê que, quando, na sequência de um inquérito, a Comissão considerar que uma despesa não foi efetuada de acordo com as regras da União, comunicará ao Estado‑Membro em causa as suas verificações.

29      Segundo a jurisprudência, a comunicação escrita, na aceção desta disposição, deve dar ao Estado‑Membro em causa um conhecimento perfeito das reservas da Comissão, de modo a poder desempenhar a função de advertência atribuída pela dita disposição (v., por analogia, Acórdão de 3 de maio de 2012, Espanha/Comissão, C‑24/11 P, EU:C:2012:266, n.° 27 e jurisprudência aí referida).

30      Daí que o artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 885/2006 exija que a irregularidade imputada ao Estado‑Membro em causa conste com suficiente precisão da comunicação escrita prevista no primeiro parágrafo da referida disposição (v., por analogia, Acórdão de 3 de maio de 2012, Espanha/Comissão, C‑24/11 P, EU:C:2012:266, n.° 28).

31      Nestas condições, há que analisar se o ofício de 5 de dezembro de 2013 preenche as exigências do artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 885/2006 e constitui, por conseguinte, uma comunicação regular nos termos da referida disposição.

32      No caso vertente, há que observar que, como alega a Comissão, em primeiro lugar, o ofício de 5 de dezembro de 2013 cita os textos a cuja aplicação procede, a saber, o artigo 13.° do Regulamento n.° 1290/2005, por um lado, e o artigo 12.°, alínea c), e o artigo 25.° do Regulamento n.° 247/2006, por outro. Em segundo lugar, esse ofício recorda o objeto da medida prevista no ponto 4.6 do anexo I do Subprograma da Região Autónoma dos Açores, bem como as categorias de despesas elegíveis para financiamento da União, enumeradas nessa medida. Em terceiro lugar, esse ofício identifica as despesas examinadas pela Comissão, indicando, para cada uma dessas despesas, o exercício financeiro em causa, a autoridade responsável pela despesa, bem como o objeto e o montante dessa despesa. Em quarto lugar, o referido ofício constata que «a totalidade das despesas [em causa] foi utilizada para financiar o pessoal e o equipamento necessários para as inspeções efetuadas [pelas autoridades portuguesas] relacionadas com o programa [de apoio]». Em quinto lugar, o ofício explica que as despesas efetuadas pelas autoridades dos Estados‑Membros no âmbito das suas obrigações administrativas e de controlo se prendem com a atividade principal dos organismos pagadores, de modo que essas despesas não podem ser pagas pelo FEAGA. Em sexto lugar, esse ofício conclui pela inelegibilidade das despesas em causa para financiamento do FEAGA, por não serem conformes com as disposições do artigo 13.° do Regulamento n.° 1290/2005, por um lado, e do artigo 12.°, alínea c), e do artigo 25.° do Regulamento n.° 247/2006, por outro.

33      Nestas condições, o ofício de 5 de dezembro de 2013 expõe com suficiente precisão a natureza e os fundamentos da irregularidade imputada à República Portuguesa e dá a esse Estado‑Membro um perfeito conhecimento das reservas da Comissão. Por conseguinte, cumpre, no caso vertente, a sua função de advertência no âmbito do procedimento de apuramento da conformidade.

34      Esta conclusão não é suscetível de ser posta em causa pelas duas alegações especificamente formuladas pela República Portuguesa a respeito do ofício de 5 de dezembro de 2013.

35      Com efeito, por um lado, quanto à alegação de que esse ofício não expõe as razões pelas quais a Comissão entendeu que as despesas em causa tinham sido efetuadas para a realização de ações de controlo, há que salientar que resulta da própria descrição de uma das despesas em causa — a saber, o montante de 69 977,11 euros correspondente aos «salários dos empregados que realizam verificações no local» pagos durante o exercício de 2012 — que essa despesa era relativa à realização de ações de controlo. Além disso, na medida em que a República Portuguesa conhecia perfeitamente a natureza das despesas em causa e reconheceu posteriormente, nomeadamente na reunião bilateral de 4 de junho de 2014, que essas despesas tinham sido efetuadas no âmbito da sua atividade de controlo, a falta de explicações mais pormenorizadas no ofício de 5 de dezembro de 2013, nomeadamente quanto aos montantes que não o montante suprarreferido de 69 977,11 euros, de modo nenhum impediu, no caso vertente, a República Portuguesa de apresentar o seu ponto de vista e contestar o mérito da correção financeira proposta pela Comissão.

36      Por outro lado, no que se refere à alegação de que o ofício de 5 de dezembro de 2013 não indica por que é que cada uma das despesas em causa, individualmente considerada, não podia beneficiar do financiamento do FEAGA, importa responder que, quando a mesma causa de inelegibilidade é oposta a uma categoria ou a um grupo de despesas, a Comissão pode limitar‑se a uma fundamentação global para todas as despesas em causa (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 15 de fevereiro de 2007, BVBA Management, Training en Consultancy, C‑239/05, EU:C:2007:99, n.° 37). Ora, há que salientar que, no ofício de 5 de dezembro de 2013, a Comissão considerou que as despesas em causa tinham, na sua totalidade, por objeto financiar o pessoal e o equipamento necessários à realização de ações de controlo e que, na medida em que essas despesas faziam parte da atividade principal das autoridades nacionais, não eram elegíveis para financiamento da União. Nestas condições e atendendo ao facto de que, segundo o ofício de 5 de dezembro de 2013, as despesas em causa têm todas o mesmo objeto, não se pode censurar a Comissão por ter fundamentado de forma global as suas reservas quanto ao financiamento dessas despesas pela União.

37      Resulta do exposto que o ofício de 5 de dezembro de 2013 cumpre as exigências do artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 885/2006.

38      Por conseguinte, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006

39      A República Portuguesa alega que a decisão impugnada viola o artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006, que autoriza o financiamento de ações de assistência técnica ligadas à aplicação de um programa de apoio. Ora, as ações de controlo, por um lado, constituem um tipo de ações de assistência técnica e, por outro, são necessárias para a aplicação de qualquer programa de apoio. Entende que daí resulta que, por derrogação ao artigo 13.° do Regulamento n.° 1290/2005, as despesas relativas aos custos administrativos e de pessoal, efetuadas pelas autoridades nacionais, são elegíveis para financiamento da União quando, como no caso vertente, forem efetuadas a título de uma atividade de controlo e no âmbito de um programa de apoio.

40      A Comissão contesta os argumentos da República Portuguesa.

41      A título preliminar, há que observar que é pacífico entre as partes que as despesas em causa foram efetuadas para financiar o pessoal e o equipamento necessários à realização, pelas autoridades portuguesas, de ações de controlo, que consistiram, nomeadamente, em inspeções efetuadas no âmbito do Subprograma da Região Autónoma dos Açores. Por outro lado, resulta tanto dos autos, nomeadamente do ofício de 5 de dezembro de 2013 e do ofício das autoridades portuguesas de 7 de abril de 2014, como das explicações orais das partes na audiência que as autoridades portuguesas que realizaram essas ações de controlo e que beneficiaram das despesas em causa não eram o organismo pagador situado em Lisboa (Portugal), mas sim outras autoridades administrativas presentes nos Açores.

42      Assim, o debate entre as partes não incide sobre a natureza e o objeto das despesas em causa, mas unicamente sobre a questão, puramente jurídica, de saber se essas despesas são elegíveis para financiamento da União com base no artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006.

43      A este respeito, importa recordar que os Regulamentos n.os 247/2006 e 793/2006 estabelecem medidas específicas no domínio da agricultura a favor das regiões ultraperiféricas.

44      Em particular, há que salientar, desde logo, que o artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006 dispõe que os programas de apoio comportarão, nomeadamente, «[u]ma descrição das medidas previstas, nomeadamente os regimes de ajuda para a execução do programa, bem como, se for caso disso, informações sobre as necessidades de estudos, de projetos de demonstração e de ações de formação e de assistência técnica ligadas à preparação, aplicação ou adaptação das medidas em causa».

45      Em seguida, o artigo 25.°, terceiro travessão, do Regulamento n.° 247/2006 prevê a adoção de normas de execução desse regulamento para «os estudos, os projetos de demonstração, as ações de formação e de assistência técnica a que se refere a alínea c) do artigo 12.° [do referido regulamento]».

46      Por último, o artigo 50.° do Regulamento n.° 793/2006, que estabelece as normas de execução do artigo 25.°, terceiro travessão, do Regulamento n.° 247/2006, enuncia que «[o] montante necessário para o financiamento dos estudos, projetos de demonstração, formação e medidas de assistência técnica previstos num programa aprovado em conformidade com o n.° 2 do artigo 24.° do Regulamento [...] n.° 247/2006 [...] não pode exceder 1% do montante total do financiamento atribuído a cada programa».

47      Resulta do conjunto destas disposições que os estudos, os projetos de demonstração, as ações de formação e as ações de assistência técnica referidos no artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006 e previstos num programa de apoio a favor de uma região ultraperiférica são, em princípio, elegíveis para financiamento da União, sob reserva, nomeadamente, de estarem ligados à preparação, aplicação ou adaptação das medidas de apoio.

48      Contudo, não se pode deixar de observar que os Regulamentos n.os 247/2006 e 793/2006 não contêm qualquer disposição que defina os diferentes tipos de ações que mencionam. Em particular, estes regulamentos não esclarecem se as «ações [...] de assistência técnica ligadas à [...] aplicação [de] medidas [de apoio]» previstas no artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006 incluem ou não as ações de controlo realizadas pelas autoridades nacionais.

49      Nestas condições, há que examinar se, como sustenta a República Portuguesa e contesta a Comissão, as ações de controlo como as efetuadas pelas autoridades portuguesas constituem ações de assistência técnica ligadas à aplicação de uma medida de apoio, na aceção do artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006.

50      Em primeiro lugar, importa examinar se, para atenuar a imprecisão dos Regulamentos n.os 247/2006 e 793/2006, é possível aplicar no presente litígio uma disposição do direito da União que contenha uma definição do conceito de «assistência técnica» ou, pelo menos, extrair desse direito uma definição geral e transversal desse conceito, suscetível de ser transposta para este litígio.

51      A este respeito, a República Portuguesa refere‑se, por um lado, ao artigo 5.°, alínea a), do Regulamento n.° 1290/2005 e, por outro, ao artigo 186.° do Regulamento Delegado (UE) n.° 1268/2012 da Comissão, de 29 de outubro de 2012, sobre as normas de execução do Regulamento (UE, Euratom) n.° 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União (JO 2012, L 362, p. 1). Segundo a República Portuguesa, resulta destas disposições que o conceito de «assistência técnica» inclui as ações de controlo necessárias para a execução de um programa de apoio.

52      Todavia, embora seja verdade que cada uma das duas disposições invocadas pela República Portuguesa traz esclarecimentos sobre o conceito de «assistência técnica» e refere, nomeadamente, as atividades de controlo, nenhuma destas duas disposições é aplicável no presente litígio.

53      Com efeito, por um lado, o artigo 5.°, alínea a), do Regulamento n.° 1290/2005, embora seja relativo a ações de assistência técnica financiadas pelo FEAGA e pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), rege unicamente as ações de assistência técnica financiadas de forma centralizada por iniciativa da Comissão ou por conta desta. Daqui decorre que essa disposição não se pode aplicar a ações de assistência técnica como as previstas no ponto 4.6 do anexo I do Subprograma da Região Autónoma dos Açores, que, tendo sido executadas por iniciativa dos Estados‑Membros, são financiadas de forma descentralizada pelo FEAGA.

54      Por outro lado, o artigo 186.° do Regulamento Delegado n.° 1268/2012 tem exclusivamente por objeto definir, no contexto da adjudicação de contratos públicos e da concessão de subvenções pela União, os conceitos de «subvenções [e] contratos de assistência técnica […] celebrados com o [Banco Europeu de Investimento (BEI)] ou com o Fundo Europeu de Investimento [(FEI)]» e de «subvenções […] [concedidas] […] ao BEI ou ao [FEI] para ações de assistência técnica», que figuram, respetivamente, no artigo 101.°, n.° 3, e no artigo 125.°, n.° 7, do Regulamento (UE, Euratom) n.° 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União e que revoga o Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002 (JO 2012, L 298, p. 1). Daqui resulta que esta disposição é alheia ao financiamento, pelo FEAGA, das despesas de assistência técnica efetuadas pelos Estados‑Membros no contexto do Regulamento n.° 247/2006.

55      Nestas condições, a eventual inclusão das ações de controlo nas ações de assistência técnica previstas no artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006 não pode resultar da mera aplicação do artigo 5.°, alínea a), do Regulamento n.° 1290/2005 ou do artigo 186.° do Regulamento Delegado n.° 1268/2012.

56      Acresce que o exame das duas disposições invocadas pela República Portuguesa e do artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006 revela a existência, no direito da União, de disposições que descrevem de forma diferente as ações abrangidas pela assistência técnica.

57      Em particular, resulta da comparação entre essas diferentes disposições que as ações de controlo não são sistematicamente referidas entre as abrangidas pela assistência técnica.

58      Assim, embora o artigo 186.° do Regulamento Delegado n.° 1268/2012 defina em concreto o conceito de «assistência técnica» e refira expressamente, a esse título, as atividades de avaliação, de auditoria e de controlo necessárias à execução de um programa ou de uma ação, o mesmo não sucede com o artigo 5.° do Regulamento n.° 1290/2005 nem com o artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006.

59      Com efeito, primeiro, o artigo 5.° do Regulamento n.° 1290/2005, que tem por epígrafe «Outros financiamentos incluindo a assistência técnica», limita‑se a enumerar diferentes tipos de ações, sem definir expressamente o conceito de «assistência técnica». Por outro lado, este artigo tem por objeto tanto as «ações de preparação, acompanhamento, apoio administrativo e técnico» como as ações de «avaliação, auditoria e controlo». Além disso, o referido artigo menciona, na alínea a), tanto as ações relativas à «assistência técnica e administrativa» como as relativas à «implementação de sistemas de controlo». Assim, o artigo 5.° do Regulamento n.° 1290/2005 não só não menciona expressamente as ações de controlo entre as ações abrangidas pela assistência técnica, mas, pelo contrário, apresenta, por duas vezes, as ações de assistência técnica, interpretadas no sentido restrito de ações de apoio administrativo e técnico, por um lado, e as ações de controlo, por outro, como dois tipos distintos de ações.

60      Segundo, o artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006, por seu turno, tem por objeto unicamente os estudos, os projetos de demonstração, as ações de formação e as ações de assistência técnica. O mesmo sucede com o artigo 25.°, terceiro travessão, do Regulamento n.° 247/2006 e com o artigo 50.° do Regulamento n.° 793/2006. Assim, as disposições relevantes dos Regulamentos n.os 247/2006 e 793/2006, únicas aplicáveis ao presente litígio, não mencionam as ações de avaliação, auditoria e controlo.

61      Nestas condições, atendendo à falta de coerência entre as disposições acima referidas dos Regulamentos n.os 1290/2005, 247/2006 e do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, verifica‑se, por um lado, que não existe no direito da União e, em particular, em matéria do FEAGA uma definição geral e transversal do conceito de «assistência técnica» suscetível de ser transposta para o presente litígio e, por outro, que, contrariamente ao que sustenta a República Portuguesa, a expressão «assistência técnica» não designa necessariamente um conjunto de ações que inclui as ações de controlo.

62      Em segundo lugar, na falta de definição do conceito de «assistência técnica» suscetível de ser aplicada ou transposta para o presente litígio, há que interpretar o artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006 tendo em atenção não só a redação dessa disposição mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela legislação de que faz parte (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 17 de novembro de 1983, Merck, 292/82, EU:C:1983:335, n.° 12, e de 10 de março de 2005, EasyCar, C‑336/03, EU:C:2005:150, n.° 21).

63      A este respeito, é útil recordar que, como já foi acima salientado no n.° 25, as medidas adotadas a favor das regiões ultraperiféricas ao abrigo do Regulamento n.° 247/2006 constituem despesas do FEAGA na aceção do Regulamento n.° 1290/2005.

64      Neste contexto, importa observar que, embora o Regulamento n.° 1290/2005 preveja, no seu artigo 5.°, alínea a), o financiamento de ações de assistência técnica e administrativa executadas por iniciativa da Comissão ou por sua conta, não contém, em contrapartida, nenhuma disposição que preveja o financiamento de ações de assistência técnica executadas por iniciativa dos Estados‑Membros.

65      Verifica‑se, portanto, que, na medida em que preveem o financiamento de ações de assistência técnica ligadas à execução de um programa de apoio à iniciativa dos Estados‑Membros nas regiões ultraperiféricas, as disposições do artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006 estabelecem regras específicas que derrogam as regras gerais do FEAGA previstas no Regulamento n.° 1290/2005 e devem, portanto, ser objeto de interpretação estrita.

66      Ora, primeiro, há que observar que, como já foi acima salientado no n.° 60, nem o artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006 nem as outras disposições relevantes dos Regulamentos n.os 247/2006 e 793/2006 mencionam as ações de avaliação, auditoria e controlo.

67      Segundo, já acima se salientou igualmente, no n.° 59, que, em matéria de FEAGA, os termos «assistência técnica» podem, em certos casos e nomeadamente no âmbito do artigo 5.°, alínea a), do Regulamento n.° 1290/2005, não se referir a um conjunto de ações que inclua as ações de controlo, mas apenas designar ações de apoio administrativo e técnico em sentido estrito.

68      Terceiro, importa recordar que, por força do artigo 11.° do Regulamento n.° 1290/2005, os pagamentos relativos aos financiamentos previstos ao abrigo desse regulamento são, salvo disposições em contrário, efetuados na íntegra em favor dos beneficiários.

69      Resulta destas disposições que as dotações afetas ao FEAGA, e nomeadamente as alocadas aos Estados‑Membros, devem, em princípio, ser utilizadas para financiar despesas operacionais que se traduzam em pagamentos a favor dos beneficiários.

70      Daqui resulta que, salvo disposição em contrário, essas dotações não podem ser utilizadas para ajudar as autoridades nacionais a cumprirem atividades administrativas que normalmente lhes incumbem.

71      Ora, há que referir que o controlo do respeito dos requisitos de concessão das ajudas e dos prémios incumbe normalmente aos Estados‑Membros, independentemente da existência de uma medida de assistência técnica.

72      Em particular, no que se refere às medidas específicas no domínio da agricultura a favor das regiões ultraperiféricas, os Estados‑Membros devem proceder a controlos administrativos e a verificações no local, por força do artigo 27.° do Regulamento n.° 247/2006 e dos artigos 30.° a 33.° do Regulamento n.° 793/2006.

73      Deve acrescentar‑se que esses controlos, nomeadamente as verificações no local, cabem às autoridades nacionais competentes, que podem ser autoridades distintas do organismo pagador, como as autoridades administrativas portuguesas acima referidas no n.° 41.

74      Nestas condições, e atendendo às considerações acima enunciadas nos n.os 63 a 73, resulta da interpretação literal, sistemática e teleológica do artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006 que as «ações [...] de assistência técnica ligadas à [...] aplicação [...] [de] medidas [de apoio]» que essa disposição menciona não incluem as ações de controlo efetuadas pelas autoridades nacionais.

75      Esta interpretação não é suscetível de ser posta em causa pela argumentação da República Portuguesa segundo a qual, em primeiro lugar, a implementação de um programa de apoio inclui necessariamente ações de controlo e, em segundo lugar, a tomada a cargo das despesas relativas a essas ações de controlo estava expressamente previstas no Subprograma da Região Autónoma dos Açores.

76      Com efeito, em primeiro lugar, a circunstância de serem necessárias ações de controlo para a boa execução de um programa de apoio não permite qualificá‑las de ações de assistência técnica nem associá‑las à «implementação» desse programa.

77      A este respeito, há que salientar que, por um lado, por não constituírem ações de apoio administrativo e técnico em sentido estrito, as ações de controlo não constituem ações de assistência técnica na aceção do artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006.

78      Por outro lado, entre as ações previstas no artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006, é possível distinguir, cronológica e conceptualmente, antes de mais, as ações de preparação de uma medida, em seguida, as ações ligadas à aplicação concreta dessa medida e, por último, as ações destinadas a controlar a boa execução da referida medida.

79      Em segundo lugar, há que recordar que, por força do artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 247/2006, as medidas tomadas no quadro dos programas de apoio a favor das regiões ultraperiféricas devem ser conformes com o direito da União. Assim, as disposições de um programa de apoio, ainda que aprovadas pela Comissão, não podem, em conformidade com o princípio da hierarquia das normas, permitir derrogações às disposições do direito da União, nem mesmo ser utilmente invocadas para efeitos da interpretação destas. Daqui decorre que o facto de o ponto 4.6 do anexo I do Subprograma da Região Autónoma dos Açores prever a tomada a cargo das despesas diretamente imputáveis às atividades de controlo deste subprograma é irrelevante para a questão de saber se as ações de controlo realizadas pelas autoridades nacionais estão entre as ações elegíveis para financiamento da União nos termos do artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006.

80      Nestas condições, as ações de controlo que deram origem às despesas em causa não constituem ações de assistência técnica ligadas à aplicação de uma medida de apoio, na aceção do artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006.

81      Resulta do exposto que as despesas em causa não são elegíveis para financiamento da União com base no artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006.

82      Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima

83      A República Portuguesa sustenta que a decisão impugnada viola o princípio da proteção da confiança legítima. Com efeito, por um lado, entende que a Comissão aprovou, na Decisão de 3 de março de 2009, uma medida de apoio que referia expressamente, enquanto despesas elegíveis, as despesas diretamente imputáveis a atividades de controlo. Por outro, as garantias prestadas pela Comissão são conformes com as normas aplicáveis. Nestas condições, a Decisão de 3 de março de 2009 criou uma expectativa legítima às autoridades portuguesas quanto à elegibilidade das despesas em causa.

84      A Comissão contesta os argumentos da República Portuguesa.

85      A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, o princípio da proteção da confiança legítima se inscreve entre os princípios fundamentais da União (v. Acórdãos de 5 de maio de 1981, Dürbeck, 112/80, EU:C:1981:94, n.° 48, e de 7 de junho de 2005, VEMW e o., C‑17/03, EU:C:2005:362, n.° 73 e jurisprudência aí referida).

86      Decorre ainda da jurisprudência que qualquer sujeito de direito tem o direito de invocar esse princípio quando se encontre numa situação da qual resulte que a Administração da União, ao fornecer‑lhe garantias precisas, lhe criou expectativas fundadas. Constituem tais garantias, seja qual for a forma como são comunicadas, as informações precisas, incondicionais e concordantes. As garantias prestadas devem, além disso, ser conformes com as normas aplicáveis (v. Acórdãos de 18 de julho de 2007, AER/Karatzoglou, C‑213/06 P, EU:C:2007:453, n.° 33 e jurisprudência aí referida, e de 16 de dezembro de 2010, Kahla Thüringen Porzellan/Comissão, C‑537/08 P, EU:C:2010:769, n.° 63 e jurisprudência aí referida).

87      Por outro lado, é pacífico que o princípio da proteção da confiança legítima pode igualmente ser invocado por um Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 26 de junho de 2012, Polónia/Comissão, C‑335/09 P, EU:C:2012:385, n.os 180 e 181).

88      É à luz destas considerações que há que examinar se, no caso, o princípio da proteção da confiança legítima se opõe a que a Comissão exclua as despesas em causa do financiamento da União.

89      Em primeiro lugar, importa examinar se a Decisão de 3 de março de 2009 contém garantias precisas, incondicionais e concordantes quanto à elegibilidade para financiamento, pela União, das despesas previstas no ponto 4.6 do anexo I do Subprograma da Região Autónoma dos Açores.

90      A este respeito, é útil recordar o contexto jurídico em que se inscreve a Decisão de 3 de março de 2009 que aprova as alterações do programa global apresentadas à Comissão pela República Portuguesa.

91      Para efeitos da aplicação de medidas específicas no domínio da agricultura a favor das regiões ultraperiféricas, o artigo 24.° do Regulamento n.° 247/2006 prevê um procedimento de avaliação e aprovação, pela Comissão, dos projetos de programas globais propostos pelos Estados‑Membros. Do mesmo modo, o artigo 49.° do Regulamento n.° 793/2006 estabelece um procedimento de aprovação, pela Comissão, das alterações que os Estados‑Membros pretendem introduzir nesses programas globais.

92      Resulta dessas disposições que a aprovação, pela Comissão, das medidas de apoio constantes dos programas globais constitui uma condição prévia indispensável ao financiamento das referidas medidas pelo FEAGA.

93      No entanto, os programas globais têm caráter provisório, de modo que, ao aprová‑los, a Comissão não toma, em princípio, posição definitiva sobre a conformidade das medidas que deles constam com o conjunto das regras aplicáveis do direito da União e, portanto, sobre a elegibilidade dessas medidas para financiamento da União. Assim, não se pode deduzir da mera aprovação, pela Comissão, de um programa global que as medidas constantes desse programa são necessariamente conformes com o conjunto de regras aplicáveis do direito da União nem que a elegibilidade dessas medidas para financiamento da União já não pode ser posta em causa pela Comissão, em particular, no procedimento de apuramento da conformidade previsto no artigo 31.° do Regulamento n.° 1290/2005 (v., neste sentido e por analogia, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo República Checa/Comissão, C‑4/17 P, EU:C:2018:237, n.os 48, 49, 52 e 59).

94      No caso vertente, é pacífico que o ponto 4.6 do anexo I do Subprograma da Região Autónoma dos Açores, introduzido no programa global pela Decisão de 3 de março de 2009, por um lado, menciona, entre as despesas elegíveis, determinadas despesas diretamente imputáveis a «atividades de [...] controlo» e, por outro, designa como beneficiários da medida as «autoridades de gestão».

95      Todavia, importa salientar, desde logo, que o dispositivo da Decisão de 3 de março de 2009 se limita a aprovar a alteração do programa global apresentada pela República Portuguesa ao abrigo do artigo 49.° do Regulamento n.° 793/2006 e não se pronuncia expressamente sobre a elegibilidade para financiamento da União das despesas a realizar no âmbito desse programa.

96      Em seguida, embora seja verdade que, no considerando 2 da Decisão de 3 de março de 2009, a Comissão indicou, em termos gerais, que «a alteração [do programa global] respeita[va] os objetivos e as exigências do Regulamento [...] n.° 247/2006», em contrapartida, não se pronunciou especificamente, na referida decisão, sobre a conformidade da medida introduzida no ponto 4.6 do anexo I do Subprograma da Região Autónoma dos Açores com as disposições do artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006 nem tomou expressamente posição sobre a conformidade dessa medida com o conjunto das disposições aplicáveis em matéria de FEAGA.

97      Por último, o dispositivo da Decisão de 3 de março de 2009 precisa que a aprovação a que essa decisão procede «não abrange [...] as modalidades de controlo e as sanções, que serão avaliadas no âmbito das auditorias do [FEAGA]».

98      Nestas condições, atendendo aos termos da Decisão de 3 de março de 2009 e ao contexto jurídico em que esta surgiu, não se pode considerar que a Comissão tenha dado às autoridades portuguesas, aquando da adoção dessa decisão, informações precisas, incondicionais e concordantes sobre a elegibilidade para financiamento da União das despesas relativas às atividades de controlo referidas no ponto 4.6 do anexo I do Subprograma da Região Autónoma dos Açores.

99      Em segundo lugar, importa recordar que decorre da resposta dada ao segundo fundamento que, nos termos do artigo 12.°, alínea c), do Regulamento n.° 247/2006, as despesas efetuadas pelas autoridades nacionais no âmbito de ações de controlo não são elegíveis para financiamento da União.

100    Daqui decorre que, mesmo que se admitisse que, ao aprovar, através da Decisão de 3 de março de 2009, a introdução, no programa global, de uma nova medida de assistência técnica, a Comissão tinha dado às autoridades portuguesas garantias precisas quanto à tomada a cargo, pelo FEAGA, de determinadas despesas efetuadas no âmbito de ações de controlo realizadas pelas autoridades portuguesas, tais garantias teriam, em todo o caso, sido contrárias às normas aplicáveis e, por conseguinte, não teriam podido criar na República Portuguesa expectativas legítimas quanto à elegibilidade das despesas em causa para financiamento da União.

101    Resulta do exposto que a República Portuguesa não tem fundamento para invocar a violação do princípio da proteção da confiança legítima.

102    Por conseguinte, há que julgar improcedente o primeiro fundamento e, por conseguinte, negar provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

103    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

104    Tendo a Comissão pedido a condenação da República Portuguesa nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República Portuguesa é condenada nas despesas.


Gervasoni

Kowalik‑Bańczyk

Mac Eochaidh


Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 22 de novembro de 2018.


O Secretário

 

      O Presidente

E. Coulon

 

      S. Gervasoni


*      Língua do processo: português.