ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção
Alargada)
30 de Abril de 1998 (1)
«Recurso de anulação Transportes aéreos Auxílio de Estado Empréstimo
sem juros Montante do auxílio Princípio do investidor em economia de
mercado Princípio da proporcionalidade Erro manifesto de apreciação
Fundamentação Necessidade de debate contraditório entre a Comissão e o
denunciante»
No processo T-16/96,
Cityflyer Express Ltd, sociedade de direito inglês com sede em Gatwick Airport
(Reino Unido), representada por Charles Price, advogado no foro de Bruxelas, com
domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório da advogada Lucy Dupong, 14 A,
rue des Bains,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Peter Oliver e Anders
Jessen, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio
escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do
Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,
que tem por objecto a anulação da decisão 95/466/CE da Comissão, de 26 de Julho
de 1995, relativa ao auxílio concedido pela região flamenga à companhia belga
Vlaamse Luchttransportmaatschappij NV (JO L 267, p. 49),
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção Alargada),
composto por: R. García-Valdecasas, presidente, V. Tiili, J. Azizi, R. M. Moura
Ramos e M. Jaeger, juízes,
secretário: A. Mair, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 25 de Setembro de 1997,
profere o presente
Acórdão
Enquadramento jurídico
- 1.
- O artigo 92.°, n.° 1, do Tratado que institui a Comunidade Europeia (a seguir
«Tratado») tem a seguinte redacção:
«Salvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o
mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os
Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de
recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou
ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas
produções.»
- 2.
- O artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado permite que, por derrogação, a Comissão
declare compatíveis com o mercado comum:
«c) os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou
regiões económicas, quando não alterem as condições de trocas comerciais
de maneira que contrariem o interesse comum.»
- 3.
- A Comissão estabeleceu regras que condicionam a concessão de auxílios de Estado
a empresas do sector da aviação na comunicação 94/C 35/07 intitulada «Aplicação
dos artigos 92.° e 93.° do Tratado CE e do artigo 61.° do Acordo [sobre o Espaço
Económico Europeu] aos auxílios de estado no sector da aviação»
(JO 1994, C 350, p. 5, a seguir «linhas directrizes»).
- 4.
- A secção IV das referidas linhas directrizes, dedicada à distinção entre o papel do
Estado como proprietário de uma empresa e como fornecedor de auxílios de
Estado à mesma empresa, esclarece, a respeito do financiamento de empréstimos:
«A Comissão aplicará o princípio do investidor numa economia de mercado para
avaliar se os empréstimos são feitos em condições comerciais normais e se esses
empréstimos poderiam ter sido obtidos de um banco comercial. No que diz
respeito às condições dos empréstimos, a Comissão terá especialmente em conta
a taxa de juros cobrada e as garantias exigidas. A Comissão avaliará se as garantias
dadas são suficientes para reembolsar totalmente o empréstimo em caso de não
pagamento do mesmo e a posição financeira da companhia na altura em que o
empréstimo é feito.
O elemento de auxílio corresponde à diferença entre a taxa que a companhia aérea
pagaria em condições normais de mercado e a taxa efectivamente paga. No caso
extremo em que é feito um empréstimo sem a exigência de garantias a uma
companhia que, em condições normais, não conseguiria obter financiamentos, o
empréstimo corresponde efectivamente a um subsídio e a Comissão avaliá-lo-á
como tal» (n.° 32 das linhas directrizes).
Matéria de facto na origem do recurso
- 5.
- A Vlaamse Luchttransportmaatschappij NV (a seguir «VLM») é uma companhia
aérea privada com sede em Antuérpia (Bélgica). Foi constituída em 21 de
Fevereiro de 1992 com o capital inicial de 10 milhões de BFR. O capital foi
posteriormente aumentado por diversas vezes, sendo no final de 1993 de 75
milhões de BFR e foi aumentado para 100 milhões de BFR em 1994. Desde 1993
oferece voos regulares designadamente entre Antuérpia e Londres (London City
Airport) e entre Roterdão e Londres (London City Airport).
- 6.
- A ligação Antuérpia-Londres (com partida e chegada no aeroporto de Gatwick)
é também servida pela Cityflyer Express Ltd (a seguir «Cityflyer» ou «recorrente»)
e pela Sabena (com partida e chegada no aeroporto de Heathrow).
- 7.
- No final de 1993, a capacidade mensal total desta ligação era de cerca de 22 000
a 24 000 passageiros, enquanto o número total de passageiros transportados se
situava entre 9 000 e 10 000 por mês.
- 8.
- Em 17 de Dezembro de 1993, a Região flamenga concedeu à VLM, sem
notificação prévia à Comissão, um empréstimo sem juros de 20 milhões de BFR,
reembolsável em prestações anuais de 4 milhões de BFR a partir do segundo ano.
- 9.
- O contrato de empréstimo prevê:
«Artikel 1 : Voorwerp
De begunstigde verbindt zich tot de verdere uitbouw en exploitatie van meerdere
Europese vliegroutes.
Ter ondersteuning van deze activiteit verleent het Gewest de begunstigde een
terugbetaalbaar renteloos voorschot.
[...]
Artikel 3 : Voorwaarden
Voor de duur van het contract is voor de vervreemding of hypothekering van
onroerend en roerend patrimonium en het handelsfonds van de zaak als ook voor
de vervreemding van bepaalde activa van de begunstigde vooraf instemming nodig
van het Gewest.
Bij verwijzing van de aandeelhoudersstruktuur is vooraf de instemming van het
Gewest vereist.
Het kapitaal van de onderneming mag tijdens de duur van het contract niet worden
verlaagd zonder voorafgaande toestemming van het Gewest.
Indien deze voorwaarden niet worden nageleefd, is de overeenkomst onmiddelijk
opzegbaar en wordt het voorschot onmiddelijk opeisbaar.
[...]»
«Artigo 1.°: objecto
O beneficiário compromete-se a prosseguir o desenvolvimento e a exploração de
várias linhas aéreas europeias.
A Região flamenga concede ao beneficiário um empréstimo reembolsável sem
juros destinado a apoiar a referida actividade.
[...]
Artigo 3.°: condições
Na pendência do contrato, é exigido o acordo prévio da Região flamenga para a
cessão ou hipoteca de bens móveis e imóveis e do fundo de trespasse, bem como
para a cessão de certos activos da Vlaamse Luchttransportmaatschappij NV.
A mesma exigência está prevista em caso de alteração da estrutura dos accionistas
ou de redução do capital social.
Se estas condições não forem respeitadas, o contrato poderá ser rescindido de
forma imediata, sendo os montantes já pagos imediatamente exigíveis.
[...]»).
- 10.
- Na sequência de uma denúncia da Cityflyer, a Comissão, em 16 de Novembro de
1994, deu início ao procedimento previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado
(JO 1994, C 359, p. 2).
- 11.
- A recorrente e a companhia aérea British Airways apresentaram observações.
Solicitaram à Comissão que declarasse que o empréstimo sem juros constituía um
auxílio incompatível com o mercado comum.
- 12.
- Em 23 de Janeiro de 1995, o Governo belga apresentou também observações.
- 13.
- Encerrado o procedimento, a Comissão, em 26 de Julho de 1995, adoptou a
Decisão 95/466/CE, relativa ao auxílio concedido pela região flamenga à companhia
belga Vlaamse Luchttransportmaatschappij NV (a seguir «decisão impugnada»).
Esta decisão foi notificada ao Governo belga em 25 de Setembro de 1995 e
publicada no Jornal Oficial em 9 de Novembro de 1995 (JO L 267, p. 49).
- 14.
- Nesta decisão, a Comissão concluiu que o empréstimo concedido pela região
flamenga à VLM incluía elementos de auxílio de Estado ilegais por terem sido
atribuídos à empresa contra o disposto no artigo 93.°, n.° 3, do Tratado. Considerou
ainda, no artigo 1.°, que os referidos elementos de auxílio são incompatíveis com
o mercado comum na acepção do artigo 92.° do Tratado e do artigo 61.° do Acordo
EEE sobre o Espaço Económico Europeu. Consequentemente, dirigiu ao Estado
belga uma injunção no sentido de o mesmo ordenar a aplicação ao referido
empréstimo da taxa de juro de 9,3% (artigo 2.°), bem como ordenar a restituição
do auxílio correspondente à aplicação da referida taxa ao montante do empréstimo
a partir da data da respectiva concessão (artigo 3.°). A referida taxa de 9,3%
resulta da soma da taxa de base de 7,3% aplicada aos fundos do Estado na Bélgica
em 1994 e de um prémio de risco de 2% (último parágrafo do Capítulo V da
decisão impugnada).
- 15.
- No sexto parágrafo do Capítulo V da decisão impugnada, a recorrida refere que
«... a existência de um auxílio é evidente na medida em que nenhum investidor ou
banco privado teria concedido, em condições normais de mercado, um empréstimos
em juros a uma sociedade em que não tem qualquer participação e que regista
dificuldades financeiras menos de dois anos depois da sua criação. Os balanços e
contas e ganhos e perdas da VLM revelam, com efeito, que a companhia registou
perdas de exploração de 13 milhões de francos belgas em 1993, primeiro
verdadeiro ano de exploração. As perdas líquidas elevaram-se, quanto a elas, a
11,52 milhões de francos belgas durante o mesmo ano, o que corresponde a 15%
do capital social.»
- 16.
- O sétimo parágrafo do Capítulo V da decisão impugnada tem a seguinte redacção:
«No que se refere ao montante do auxílio a Comissão (em aplicação dos artigos
92.° e 93.° do Tratado CE e do artigo 61.° do Acordo EEE aos auxílios de Estado
no sector da aviação), considera que o elemento de auxílio 'corresponde à
diferença entre a taxa que a companhia aérea pagaria em condições normais de
mercado e a taxa efectivamente paga. No caso extremo que é feito um empréstimo
sem a exigência de garantias a uma companhia que, em condições normais, não
conseguiria obter financiamentos, o empréstimo corresponde efectivamente a um
subsídio e a Comissão avaliá-lo-á como tal. No caso em espécie, o facto de a
VLM ter registado perdas de certo modo moderadas em 1993, durante o seu
primeiro ano de exploração, é habitual no sector dos transportes aéreos devido às
especificidades do sector. Em consequência, estas perdas não constituíam, no início
de 1994, um obstáculo ao acesso ao mercado financeiro, tanto mais que 1993 se
revelou um ano particularmente difícil para a aviação civil e que para 1994 se
esperava uma melhoria geral da conjuntura. Com efeito, as perdas da VLM
situaram-se em 8,6 milhões de francos belgas em 1994, tendo a sua actividade
continuado a desenvolver-se. Para além disso, o mutuante dispõe de uma certa
garantia de recuperar o seu crédito uma vez que, como contrapartida do
empréstimo concedido, a região flamenga pode interferir na gestão da empresa,
sendo necessário o seu acordo prévio para a alienação ou hipoteca de certos bens
ou para proceder a uma diminuição do capital social ou a uma alteração da
estrutura dos accionistas. De notar que, no final de 1993, a VLM dispunha de
imobilizações corpóreas no valor de 7,3 milhões de francos belgas e possuía
igualmente activos financeiros no valor de 16 milhões de francos belgas. Por outro
lado, procedeu-se durante o ano de 1994 a um novo aumento, de 25 milhões defrancos belgas, do capital social da empresa, que ascende actualmente a 100
milhões de francos belgas. Por outro lado, dos artigos 6.° e 7.° do contrato de
empréstimo resulta que a operação pode ser imediatamente anulada caso a VLM
não respeite as condições e regras do contrato e que a VLM está sujeita, no
decurso da duração do contrato ao controlo dos serviços de inspecção do
Ministério da Economia da região flamenga bem como ao controlo da comissão
flamenga responsável pela fiscalização da gestão das empresas. Nestas condições,
a Comissão considera que o montante do auxílio corresponde à taxa de juro que
a companhia aérea deveria pagar em condições normais de mercado.»
- 17.
- No parágrafo seguinte, a recorrida conclui que, tendo em conta as referidas
cláusulas contratuais, a VLM, em condições normais de mercado, teria podido
pedir emprestado o montante colocado à sua disposição à taxa de 9,3%.
Tramitação processual e pedidos das partes
- 18.
- A petição de recurso da recorrente deu entrada na Secretaria do Tribunal de
Primeira Instância em 1 de Fevereiro de 1996.
- 19.
- Em 15 de Julho de 1996, a VLM apresentou um pedido de intervenção, do qual
desistiu em 29 de Outubro de 1996.
- 20.
- Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quinta
Secção Alargada) iniciou a fase oral do processo. Foram ouvidas as alegações das
partes e as suas respostas às questões do Tribunal na audiência de 25 de Setembro
de 1997.
- 21.
- A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
anular a decisão impugnada;
condenar a recorrida nas despesas.
- 22.
- Na réplica e na audiência, a recorrente solicitou ainda ao Tribunal que ordene a
apresentação de determinados documentos (Ver adiante n.os 98 a 100).
- 23.
- A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:
julgar o recurso inadmissível;
a título subsidiário, negar provimento ao recurso;
condenar a recorrente nas despesas.
- 24.
- Na tréplica, a recorrida pede também que sejam julgados inadmissíveis
determinados elementos invocados na réplica pela recorrente (ver adiante n.os 36
a 38).
Quanto à admissibilidade
Quanto à admissibilidade do recurso
Argumentos das partes
- 25.
- Na contestação, a recorrida levanta a questão prévia da inutilidade superveniente
da lide com base na falta de interesse da recorrente em obter a anulação da
decisão impugnada.
- 26.
- Efectivamente, a anulação é solicitada na medida em que foi qualificado como
auxílio incompatível com o mercado comum na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do
Tratado, o montante correspondente ao juros que a VLM teria pago em condições
normais de mercado, enquanto que, no entender da recorrente, é o montante
emprestado (a seguir «montante principal») que integra o referido auxílio. Ora, no
entender da recorrida, esta anulação, seguida de nova decisão ordenando à VLM
o reembolso da totalidade do montante do empréstimo, teria por efeito melhorar
a situação financeira desta. Efectivamente, no que respeita ao período anterior à
notificação da decisão impugnada, a VLM deveria ter pago a taxa de referência
aplicável à Bélgica (comunicação da Comissão sobre os regimes de auxílio
regionais, JO 1979 C 31, p. 9, n.° 14); ora, a referida taxa (8,34%) é menos elevada
do que a fixada na decisão (9,3%). Além disso, devido à baixa das taxas de juro
que ocorreu seguidamente, a VLM poderia solicitar um empréstimo a uma taxa
mais favorável do que a imposta na decisão impugnada. O momento a tomar em
consideração para determinar a referida taxa é o da adopção da decisão
impugnada. Se, contudo, se tiver em conta o momento em que a Comissão adoptar
nova decisão em consequência da anulação, é ainda mais evidente a falta de
interesse em agir por parte da recorrente em resultado de uma nova baixa das
taxas.
- 27.
- Ora, se uma anulação tiver por efeito melhorar a posição do beneficiário de um
auxílio, os seus concorrentes não têm interesse em agir, mesmo que o acto lhes
diga directa e individualmente respeito, pelo que o recurso deve ser julgado
inadmissível (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1962, San
Michele e o./Alta Autoridade, 5/62 a 11/62, 13/62, 14/62 e 15/62, Colect. 1962-1964,
p. 169, de 16 de Dezembro de 1963, Forges de Clabecq/Alta Autoridade, 14/63,
Colect. 1962-1964, p. 365, de 1 de Julho de 1976, Sergy/Comissão, 58/75, Colect.,
p. 457; Recueil, p. 1139, n.° 5; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de
Dezembro de 1993, Moat/Comissão, T-58/92, Colect., p. II-1443, n.° 32).
- 28.
- A recorrente alega que o seu interesse está demonstrado uma vez que a decisão
impugnada lhe diz directa e individualmente respeito. No presente caso,
encontra-se exactamente na mesma situação das recorrentes no processo Cofaz e
o./Comissão (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 1986, 169/84,
Colect., p. 391, n.° 25; v. também acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5
de Junho de 1996, Kahn Scheepvaart/Comissão, T-398/94, Colect., p. II-477, n.os 37
e 42).
- 29.
- A argumentação da recorrida parte do pressuposto de que a VLM poderia obter
um financiamento e ignora a tese da recorrente nos termos da qual a VLM, na
altura em que o empréstimo controvertido foi concedido, não podia obter esse
financiamento sem garantias.
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
- 30.
- A admissibilidade de um recurso de anulação deve ser apreciada à luz do interesse
em agir do recorrente no momento em que a petição é apresentada (v., neste
sentido, acórdãos Forges de Clabecq/Alta Autoridade, já referido no n.° 27 supra,
Colect. 1962-1964, p. 365 e Moat/Comissão, já referido no n.° 27 supra, n.° 32).
Esse interesse não pode ser avaliado em função de um acontecimento futuro e
hipotético (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de
1987, Stroghili/Tribunal de Contas, 204/85, Colect., p. 389, n.° 11).
- 31.
- A tese da recorrida parte da dupla hipótese de a decisão impugnada ser anulada
pelas razões expostas pela recorrente e de a VLM obter um novo financiamento
junto de uma instituição de crédito. Considera que a recorrente, nessa hipótese,
não tem interesse em agir uma vez que a situação financeira da VLM será melhor
devido à baixa das taxas de juro posterior à adopção da decisão impugnada.
- 32.
- No presente caso, a recorrente tem um interesse legítimo, efectivo e actual na
anulação da decisão impugnada pelas razões que invoca. Pressupondo que a tese
da recorrente seja fundamentada, o que será analisado juntamente com o mérito
da causa, a referida decisão não elimina a vantagem em termos de concorrência
que resulta da concessão do empréstimo controvertido. A conclusão contrária,
segundo a qual a anulação da decisão impugnada por estes motivos reforçaria a
posição da recorrente em termos de concorrência, deriva de conjecturas ligadas à
possibilidade meramente hipotética de obter um empréstimo a uma taxa
igualmente incerta.
- 33.
- Por outro lado, mesmo supondo que, devido à baixa das taxas de juro a VLM
possa actualmente obter o empréstimo a uma taxa inferior à de 9,3% fixada na
decisão impugnada, a referida possibilidade existe independentemente da eventual
anulação da mesma decisão. Efectivamente, é altamente improvável que a região
flamenga possa negar à VLM a possibilidade de reembolsar antecipadamente o
empréstimo se essa faculdade permitir à VLM solicitar o empréstimo em melhores
condições junto de uma instituição de crédito.
- 34.
- Como a decisão impugnada pode afectar negativamente a posição da recorrente
em termos de concorrência, a mesma tem interesse em agir.
- 35.
- Daqui resulta que não se verifica a alegada inutilidade superveniente da lide.
Quanto à admissibilidade de elementos invocados na réplica
Argumentos das partes
- 36.
- A recorrida levanta ainda a questão da admissibilidade de elementos invocados
pela recorrente na réplica. Por um lado, os mesmos não foram apresentados
durante a fase administrativa do processo (acórdão de 14 de Setembro de 1994,
Espanha/Comissão, T-278/92, C-279/92 e C-280/92, Colect., p. I-4103, n.° 31). Por
outro, são extemporâneos ou alheios à questão da legalidade da decisão
impugnada.
- 37.
- A inutilidade superveniente da lide abrange as considerações adiantadas pela
recorrente no que respeita, por um lado, ao tempo que levaram as autoridades
belgas a apresentar uma cópia do contrato de empréstimo controvertido a pedido
da Comissão e, por outro, à qualificação de investimento dada pelas autoridades
belgas ao referido empréstimo. A primeira questão é alheia aos fundamentos
apresentados no âmbito do presente recurso. A segunda não é incompatível com
a apreciação pela Comissão do elemento de auxílio resultante da transacção.
- 38.
- A inutilidade superveniente da lide está igualmente ligada a um pedido de
confirmação de que a primeira prestação do empréstimo foi reembolsada conforme
o previsto no contrato. O referido pedido levanta questões relacionadas com
acontecimentos posteriores à decisão impugnada e é alheio à apreciação da
validade da mesma.
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
- 39.
- Em primeiro lugar, quanto ao argumento segundo o qual os elementos em questão
são inadmissíveis por não terem sido apresentados durante a fase administrativa
do processo, deve recordar-se que, em matéria de auxílios de Estado nenhuma
disposição faz depender o direito de uma pessoa, a quem uma decisão diga directa
e individualmente respeito, de impugnar um acto dirigido a um terceiro da
condição de, no procedimento administrativo, ter formulado todas as acusações
constantes da petição. Na falta de semelhante disposição, o direito de agir de tal
pessoa não pode ser limitado pela simples razão de, embora tendo podido, no
decurso do procedimento administrativo, apresentar observações sobre uma
apreciação comunicada no início do procedimento do n.° 2 do artigo 93.° do
Tratado e reproduzida na decisão impugnada, não o ter feito (acórdão do Tribunal
de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1996, AIUFFASS e AKT/Comissão,
T-380/94, Colect., p. II-2169, n.° 64).
- 40.
- Os restantes argumentos desenvolvidos pela recorrida são irrelevantes.
Efectivamente, para levar o Tribunal a ir mais longe na instrução do processo, a
recorrente apresentou os elementos controvertidos no âmbito da exposição do
contexto factual do litígio, sem alterar os seus pedidos nem invocar fundamentos
novos.
- 41.
- Nestas condições, não se verifica a inutilidade superveniente da lide no que
respeita aos elementos referidos nos n.os 37 e 38 supra, apresentados pela
recorrente na réplica.
Quanto ao mérito
- 42.
- A recorrente invoca três fundamentos em apoio do seu recurso, que consistem em:
inobservância do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado;
violação do dever de fundamentação previsto no artigo 190.° do Tratado;
erros manifestos de apreciação.
Quanto ao primeiro fundamento, que consiste na violação do artigo 92.°, n.° 1, do
Tratado
Argumentos das partes
- 43.
- No entender da recorrente, a recorrida violou o artigo 92.° do Tratado ao qualificar
como auxílio incompatível com o mercado comum apenas o montante que
corresponde aos juros que a VLM teria pago em condições normais de mercado
e não o montante objecto do empréstimo.
- 44.
- O Tribunal de Justiça reconheceu a relevância do princípio segundo o qual há que
atender ao comportamento normal de um investidor privado perante a mesma
operação (acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1986,
Bélgica/Comissão, 234/84, Colect., p. 2263, n.° 14, e 40/85, Colect., p. 2321, n.° 13,
de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão, C-142/87, Colect., p. 959, n.° 26, e de
3 de Outubro de 1991, Itália/Comissão, C-261/89, Colect., p. I-4437, n.° 8).
- 45.
- Este princípio aplica-se de modo idêntico quer se trate de participação no capital
ou de um empréstimo (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de
1984, Intermills/Comissão, 323/82, Recueil, p. 3809, n.° 31, e de 10 de Julho de
1986, Bélgica/Comissão, 40/85, citado no número anterior). A solução contrária
levaria os Estados-Membros a financiarem ilegalmente empresas através de
empréstimos em lugar de entradas de capital.
- 46.
- Aplicado à concessão de um empréstimo, este princípio exige que se coloque a
questão de saber se um investidor privado teria concedido o empréstimo ao
beneficiário nas condições em que foi efectivamente concedido. Em caso negativo,
o montante principal deve ser qualificado como auxílio.
- 47.
- A recorrida aplicou erradamente o critério do comportamento normal de um
investidor privado perante a mesma operação ao apreciar se o empréstimo
controvertido constitui um auxílio de Estado. Efectivamente, em lugar de averiguar
se um investidor na referida situação teria concedido o empréstimo nas condições
em que o mesmo foi efectivamente concedido, a Comissão analisou se aquele o
teria concedido partindo do princípio de que renderia um juro de 9,3%. Tendo
concluído que um investidor concederia o empréstimo controvertido a esta taxa, a
Comissão deduziu daí erradamente que o auxílio se limita aos juros não pagos.
- 48.
- A interpretação da recorrida implica uma aplicação divergente, e por isso ilegal,
do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, nos termos da qual o auxílio foi concedido sob a
forma de um empréstimo ou de uma participação no capital (v. Decisão 94/662/CE,
da Comissão, de 27 de Julho de 1994, relativa à subscrição pela CDC-Participations
de obrigações emitidas pela Air France (JO L 258, p. 26).
- 49.
- A recorrida pede que este fundamento seja julgado improcedente. Rejeita o
critério proposto pela recorrente, por o mesmo ignorar a relevância das distorções
provocadas pela medida de auxílio.
Apreciação do Tribunal
- 50.
- O artigo 92.° do Tratado tem por objectivo garantir que a concorrência não seja
falseada no mercado interno [artigo 3.°, alínea g), do Tratado]. A proibição prevista
no artigo 92.°, n.° 1, do Tratado refere-se aos auxílios de Estado que falseiem ou
ameacem falsear a concorrência na medida em que afectem as trocas comerciais
entre os Estados-Membros.
- 51.
- Para determinar se uma medida estatal constitui um auxílio que falseie ou ameace
falsear a concorrência e que afecte as trocas comerciais entre os Estados-Membros
na acepção da referida disposição, é pertinente aplicar o critério, referido na
decisão impugnada, que se baseia nas possibilidades que a empresa beneficiária
tenha de obter as quantias em causa no mercado de capitais (acórdão do Tribunal
de Justiça de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão, já referido no n.° 44 supra,
n.° 26). Em especial, é pertinente averiguar se um investidor privado teria realizado
a operação em causa nas mesmas condições e, em caso negativo, analisar em que
condições a poderia ter realizado.
- 52.
- No presente processo, a recorrida concluiu que a VLM, no momento da concessão
do empréstimo controvertido, poderia ter solicitado o empréstimo de 20 milhões
de BFR no mercado de capitais à taxa de 9,3% (último parágrafo do Capítulo V
da decisão impugnada). Esta conclusão equivale a considerar que o empréstimo
controvertido deixará de falsear ou de ameaçar falsear a concorrência e de afectar
as trocas comerciais entre Estados-Membros desde que vença juros a essa taxa.
- 53.
- Pressupondo que esta apreciação seja correcta, o que será analisado adiante nos
n.os 85 e 88 a 91, no âmbito do terceiro fundamento, o empréstimo controvertido
sairá, assim, do âmbito do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado se vencer juros à referida
taxa. Consequentemente, a recorrida entendeu correctamente que apenas a
diferença entre os juros que teriam sido pagos se a referida taxa fosse aplicada e
os efectivamente pagos deve ser qualificada como auxílio na acepção da mesma
disposição.
- 54.
- A aplicação do critério do investidor privado tal como acima foi definido permite
também à Comissão determinar as medidas a adoptar por força do artigo 93.°,
n.° 2, do Tratado para eliminar as distorções de concorrência verificadas e repor
a situação anterior ao pagamento do auxílio ilegal (v., neste sentido, acórdão do
Tribunal de Primeira Instância de 8 de Junho de 1995, Siemens/Comissão,
T-459/93, Colect., p. II-1675, n.os 96 a 102), no respeito da regra da
proporcionalidade. Embora não possa ser feita uma distinção de princípio
consoante um auxílio seja concedido sob a forma de empréstimo ou de participação
no capital (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1984,
Intermills/Comissão, já referido no n.° 45 supra, n.° 31), a aplicação uniforme do
critério do investidor privado num e noutro caso pode, apesar disso, tendo em
conta a regra da proporcionalidade, exigir a adopção de diferentes medidas para
eliminar as distorções de concorrência verificadas e repor a situação anterior ao
pagamento do auxílio ilegal.
- 55.
- A regra da proporcionalidade exige a adopção das medidas necessárias para
garantir um regime de sã concorrência no mercado interno que prejudique o menos
possível a promoção do desenvolvimento harmonioso e equilibrado das actividades
económicas em toda a Comunidade (artigo 2.° do Tratado). Ora, a tese da
recorrente conduz à violação desta regra.
- 56.
- Dado que um montante entregue como entrada de capital constitui uma
transferência duradoura e um montante reembolsável, no caso de um empréstimo,
é apenas posto temporariamente à disposição, a regra da proporcionalidade exige,
em princípio, a adopção de medidas diferentes num e noutro caso. Quando se trate
de uma participação de capital, a Comissão pode considerar que a eliminação da
vantagem concedida implica a restituição da entrada de capital. Pelo contrário,
quando se trate de um empréstimo, se a vantagem em termos de concorrência
residir na taxa preferencial concedida e não no próprio valor do capital posto à
disposição, a Comissão, em lugar de impor a restituição pura a simples do
montante principal, pode impor a aplicação da taxa que teria sido concedida em
condições normais de mercado e a restituição da diferença entre os juros que
teriam sido pagos nessas condições e os que foram efectivamente pagos com base
na taxa preferencial concedida.
- 57.
- Acresce que, a análise da recorrente leva a privar de qualquer utilidade a distinção
efectuada nas linhas directrizes entre os casos normais em que o auxílio deve ser
considerado como equivalente à referida diferença dos juros e os casos
excepcionais em que o auxílio corresponde ao montante principal. Daqui resulta
que esta análise equivale, na realidade, a pôr em causa a legalidade das linhas
directrizes. A este respeito, deve recordar-se que a Comissão pode impor a si
própria orientações para o exercício dos seus poderes de apreciação através de
actos como as linhas directrizes em causa, na medida em que contenham regras
indicativas quanto à orientação a seguir pela mesma instituição e se não afastem
das normas do Tratado (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1993,
CIRFS e o./Comissão, C-313/90, Colect., p. I- 1125, n.os 34 e 36; acórdão
AIUFFASS e AKT/Comissão, já referido no n.° 39 supra, n.° 57; v., por outro lado,
acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Novembro de 1997,
Ducros/Comissão, T-149/95, ainda não publicado na Colectânea, n.° 61). Ora, a
recorrente não demonstrou que as linhas directrizes se afastam do Tratado.
- 58.
- Daqui resulta que improcede este fundamento.
Quanto ao segundo fundamento, que consiste na violação do dever de fundamentação
previsto no artigo 190.° do Tratado
Argumentos das partes
- 59.
- No entender da recorrente, a fundamentação da decisão impugnada é confusa,
obscura e equívoca, baseia-se em erros e não responde suficientemente aos
argumentos desenvolvidos por aquela durante a fase administrativa do processo.
- 60.
- Além disso, a recorrida, de modo incorrecto, não lhe deu a possibilidade de
apresentar o seu ponto de vista quanto às explicações dadas pelas autoridades
belgas para rejeitar a sua argumentação. A recorrida violou o dever de efectuar um
debate contraditório com o denunciante, pelo que a fundamentação não satisfaz
os critérios desenvolvidos pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão de 28 de
Setembro de 1995, Sytraval e Brink's France/Comissão (T-95/94, Colect.,
p. II-2651).
- 61.
- As exigências da fundamentação são ainda maiores quando, como no caso
presente, o denunciante não é destinatário de decisões adoptadas no âmbito de
processos relativos a auxílios de Estado.
- 62.
- Por último, o órgão jurisdicional comunitário pode exercer o seu controlo não
apenas no interesse do recorrente, mas também no da Comunidade. Ora, a
Comunidade tem interesse em que a Comissão não baseie as suas decisões em
matéria de auxílios de Estado em dados incorrectos e não cometa erros de
apreciação. A obrigação de concertar a sua acção com a do denunciante em
determinadas circunstâncias serve precisamente para reduzir este risco.
- 63.
- A recorrida pede que este fundamento seja julgado improcedente. Considera que
a decisão impugnada satisfaz as exigências do artigo 190.° do Tratado e salienta
que o procedimento previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado de modo nenhum
impõe que a Comissão dialogue com os terceiros interessados sobre as informações
fornecidas pelas autoridades nacionais nem que lhes forneça cópias dos
documentos obtidos durante o inquérito.
Apreciação do Tribunal
- 64.
- Segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 190.° do
Tratado deve revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio seguido pela
autoridade comunitária autora do acto impugnado, por forma a permitir que os
interessados conheçam as razões da medida adoptada, a fim de poderem defender
os seus direitos e que o órgão jurisdicional comunitário exerça a sua fiscalização
(acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1995, Tiercé
Ladbroke/Comissão, T-471/93, Colect., p. II-2537, n.° 29, e jurisprudência aí
referida, e de 24 de Abril de 1996, Industrias Pesqueras Campos e o./Comissão,
T-551/93, T-231/94, T-232/94, T-233/94 e T-234/94, Colect., p. II-247, n.° 140, e
jurisprudência aí referida).
- 65.
- Contudo, não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de
facto e de direito relevantes, na medida em que a questão de saber se afundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 190.° do Tratado deve
ser apreciada não apenas tendo em conta a sua redacção, mas também o
respectivo contexto bem como o conjunto das normas jurídicas que regem a
matéria em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Fevereiro de 1996,
Bélgica/Comissão, C-56/93, Colect., p. I-723, n.° 86, e de 15 de Maio de 1987,
Siemens/Comissão, C-278/95 P, Colect., p. I-2507, n.° 17; acórdão do Tribunal de
Primeira Instância de 22 de Outubro de 1996, Skibsværftsforeningen e o./Comissão,
T-266/94, Colect., p. II-1399, n.° 230). Na fundamentação das decisões que tem de
tomar para garantir a aplicação das regras de concorrência, a Comissão não é
obrigada a tomar posição sobre todos os argumentos invocados pelos interessados.
Basta-lhe expor os factos e as considerações jurídicas que assumam uma
importância essencial na economia da decisão (acórdãos do Tribunal de Primeira
Instância de 24 de Janeiro de 1992, La Cinq/Comissão, T-44/90, Colect., p. II-1,
n.° 41, e jurisprudência aí referida, e Siemens/Comissão, já referido no n.° 54, supra,
n.° 31).
- 66.
- Aplicado à qualificação de uma medida de auxílio, o referido princípio exige que
sejam indicadas as razões pelas quais a Comissão considera que a medida de
auxílio em questão é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 92.°, n.° 1, do
Tratado.
- 67.
- No presente processo, há que averiguar se a fundamentação da decisão impugnada
demonstra de modo suficientemente claro o raciocínio da recorrida segundo a qual
apenas a diferença entre os juros que a VLM teria pago em condições normais de
mercado e os que efectivamente pagou constitui uma medida de auxílio na acepção
do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado.
- 68.
- A este respeito, a fundamentação constante dos sexto, sétimo e oitavo parágrafos
do Capítulo V da decisão impugnada, v. supra, n.os 15, 16 e 17) satisfaz as
exigências do artigo 190.° do Tratado, ao permitir que a recorrente compreenda o
raciocínio da recorrida e que o órgão jurisdicional comunitário exerça o seu
controlo. Em especial, refere claramente as razões pelas quais a recorrida
considerou que a situação financeira da VLM e as cláusulas contratuais que
reservam para a região flamenga determinados direitos sobre os activos da VLM
permitiriam a esta, em condições normais de mercado, obter um empréstimo de
20 milhões de BFR à taxa de mercado (no caso concreto 9,3%). A relação entre
esta declaração e a conclusão de que apenas os juros não pagos devem ser
qualificados como auxílio na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado é também
inequívoca.
- 69.
- Por último, é de rejeitar a acusação da recorrente de que a recorrida violou o seu
dever de realizar, em determinadas circunstâncias, um debate contraditório com o
denunciante, como aquela alega invocando para o efeito o acórdão Sytraval e
Brink's France/Comissão (já referido supra no n.° 60, n.° 78). Efectivamente, no
presente caso, a recorrida, após ter obtido as observações dos interessados, entre
os quais da recorrente, estava em condições de justificar suficientemente a sua
apreciação quanto à natureza da medida qualificada pelo denunciante como auxílio
de Estado.
- 70.
- As opiniões da recorrente e do Estado belga divergem essencialmente quanto à
aplicação do critério do investidor em economia de mercado e quanto à apreciação
de comportamento do mesmo investidor perante a operação em causa, mas não
quanto às questões de facto (v. Capítulos II e III da decisão impugnada). Assim,
partindo do princípio de que a obrigação de realizar um debate contraditório com
o denunciante implica, em certas circunstâncias, o de lhe comunicar as observações
do Estado-Membro destinatário da decisão, questão sobre a qual o Tribunal não
tem que se pronunciar, a recorrida podia fundamentar a sua qualificação da
medida à luz do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado sem proceder a essa comunicação.
- 71.
- Resulta do que antecede que improcede o segundo fundamento.
Quanto ao terceiro fundamento, que consiste em erros manifestos de apreciação
- 72.
- A recorrente acusa a recorrida de ter cometido erros manifestos de apreciação ao
não qualificar o montante principal como auxílio na acepção do artigo 92.°, n.° 1,
do Tratado. Estes erros respeitam a quatro elementos: a situação financeira da
VLM, a avaliação das garantias, a natureza gratuita do empréstimo e o caráter
pouco usual do mesmo. Tendo em conta a existência de sério risco de falta de
reembolso, a ausência de garantias e o seu caráter pouco usual e gratuito, o
empréstimo controvertido deveria te sido qualificado como subsídio puro e simples.
A situação financeira da VLM
Argumentos das partes
- 73.
- A recorrente considera que a recorrida não fundamentou a sua afirmação de que
os prejuízos da VLM eram, feitas as contas, moderados, e não constituíam um
obstáculo ao acesso aos mercados financeiros. A recorrida, ao adoptar a decisão
impugnada, podia ter reparado conta que os prejuízos da VLM não tinham sido
reduzidos a 8,6 milhões de BFR em 1994 (sétimo parágrafo do Capítulo V da
decisão impugnada), mas eram cerca de três vezes superiores. Efectivamente,
resulta das contas anuais da VLM que a mesma teve um pequeno lucro de
340 541 BFR em 1992, o seu primeiro ano de exploração, seguido de um prejuízo
de 11 523 927 BFR em 1993 e de outro de 27 538 000 BFR em 1994, elevando o
total dos prejuízos a 39 021 000 BFR, ou seja, cerca de 40% do capital. No final
de 1993, os prejuízos da VLM atingiam 11 483 000 BFR, o que representa cerca
de 15% do capital. No final de 1994, a relação entre as dívidas e os fundos
próprios da VLM alcançou cerca de 144%. Por último, a ausência de
endividamento a longo prazo da VLM traduz a impossibilidade da mesma de obter
financiamento por parte do sector privado.
- 74.
- A recorrente acusa também a recorrida de não ter tido em conta a situação
comercial da VLM tal como a mesma se apresentava no momento em que foi
adoptada a decisão impugnada. Esta situação deteriorou-se, dado que o total dos
prejuízos era em 31 de Dezembro de 1995 de 86 192 000 FB, ou seja, 57% do
capital, e o volume de negócios tinha baixado.
- 75.
- A recorrida pede que seja julgada improcedente a referida acusação, uma vez que
os prejuízos da VLM e as perspectivas gerais do sector para 1994 foram de tal
modo que a VLM, no momento em que foi concedido o empréstimo controvertido,
teria podido obter um empréstimo equiparável no mercado financeiro.
Apreciação do Tribunal
- 76.
- Na medida em que a recorrente alega que os prejuízos da VLM foram três vezes
superiores a 8,6 milhões de BFR em 1994, número referido no sétimo parágrafo
do Capítulo V da decisão impugnada, há que salientar que a legalidade da decisão
impugnada deve ser apreciada tendo em conta a atitude que teria um investidor
privado em condições normais de mercado no momento da concessão do
empréstimo controvertido, à luz das informações disponíveis e das evoluções
previsíveis nesse momento. Assim, o facto de os prejuízos sofridos pela VLM em
1994 terem sido cerca de três vezes superiores à estimativa constante da decisão
impugnada só pode ter incidência sobre a legalidade da mesma se for manifesto
que um investidor privado teria previsto que os prejuízos da VLM iriam ser
superiores a esta estimativa.
- 77.
- Resulta da decisão impugnada (parte final do quarto período do sétimo parágrafo
do Capítulo V da decisão impugnada) que a recorrida se colocou na perspectiva
de um investidor privado que, no momento da concessão do empréstimo, tivesse
apreciado a evolução provável em 1994 (v. supra, n.° 16).
- 78.
- A recorrente não demonstrou que a recorrida cometeu um erro manifesto nesta
apreciação
- 79.
- A recorrente também não demonstrou que a circunstância de, no final de 1993, os
prejuízos da VLM representarem cerca de 15% do seu capital social a teria
impedido, em condições normais de mercado, de obter o empréstimo controvertido
à taxa de 9,3%.
- 80.
- Por último, a recorrente não demonstrou que o facto de a VLM não ter dívidas a
longo prazo resultava da sua impossibilidade de obter um financiamento no
mercado.
Ausência de garantias
Argumentos das partes
- 81.
- No entender da recorrente, a recorrida comete um erro manifesto de apreciação
ao qualificar como garantia o direito da região flamenga de impedir a VLM de
alterar a estrutura dos seus accionistas, de alienar ou hipotecar determinados bens
móveis e imóveis, o seu fundo de trespasse e os seus activos (segundo parágrafo
do Capítulo IV da decisão impugnada). Efectivamente, este direito apenas confere
à região flamenga a possibilidade de realizar os activos da VLM em caso de
insolvência ou de liquidação da mesma; além disso, não pode ser invocado perante
os restantes credores. Enquanto tal, o referido direito de modo algum equivale a
uma hipoteca ou a um penhor do fundo de trespasse que qualquer instituição de
crédito exigiria na falta de uma garantia pessoal bastante. Além disso, este direito
resulta da legislação belga independentemente das cláusulas do empréstimo
controvertido. Por último, é errado considerar que o mesmo permite à região
flamenga intervir na gestão da VLM.
- 82.
- A recorrida salienta que o mutuante dispõe de «certa garantia de recuperar o seu
crédito» (oitavo parágrafo do Capítulo V da decisão impugnada) em função das
obrigações contratuais negativas impostas ao mutuário.
Apreciação do Tribunal
- 83.
- Pressupondo, como afirma a recorrente, que a recorrida considerou erradamente
que a região flamenga dispunha de «certa garantia de recuperar o seu crédito»,
essa circunstância não é susceptível de tornar a decisão inválida.
- 84.
- Efectivamente, dado que a recorrida considerou que, tendo em conta as cláusulas
do contrato controvertido que reservam para a região flamenga o direito de
impedir a alienação ou a oneração dos activos da VLM, a mesma poderia, em
condições normais, obter um empréstimo à taxa de mercado (no caso concreto,
9,3%), as linhas directrizes (n.° 32) não impõem que se considere como subsídio
o montante principal do empréstimo controvertido.
- 85.
- Os elementos invocados pela recorrente para contestar a apreciação da recorrida
não são de modo a levantar dúvidas quanto à possibilidade da VLM de obter o
empréstimo de 20 milhões de BFR à taxa de 9,3% no mercado na altura em que
lhe foi concedido o empréstimo controvertido. Efectivamente, é verosímil que a
VLM teria podido obter este empréstimo, apesar da falta de garantias para o
mutuante quanto à possibilidade de realizar os activos da VLM e do facto de os
seus prejuízos atingirem aproximadamente 15% do seu capital social, tendo em
conta, designadamente, que é habitual que uma companhia aérea tenha prejuízos
nos primeiros anos de exploração, e que eram de melhoria conjuntural as
perspectivas do sector nessa época.
Carácter gratuito do empréstimo
Argumentos das partes
- 86.
- No entender da recorrente, o empréstimo constituiu um subsídio, por ser gratuito.
A decisão impugnada contraria a decisão 94/662, de 27 de Julho de 1994, já
referida no n.° 48, na qual a Comissão considerou como suprimentos determinados
títulos subordinados e exigiu a restituição da totalidade do montante pago.
- 87.
- A recorrida discorda desta argumentação.
Apreciação do Tribunal
- 88.
- Segundo as linhas directrizes, só se a VLM não tivesse podido obter financiamento
no mercado privado, qualquer que fosse a taxa, é que se deveria qualificar o
montante principal do empréstimo como auxílio de Estado na acepção do artigo
92.°, n.° 1, do Tratado (v. supra, n.° 4).
- 89.
- Dado que o contrato controvertido prevê o reembolso do montante principal e que
a recorrida concluiu que a VLM, em condições normais de mercado, poderia obter
o empréstimo à taxa de mercado (no caso concreto, 9,3%), o referido empréstimo
só pode ser considerado um subsídio se se demonstrar que esta conclusão está
errada.
- 90.
- Ora, os elementos adiantados pela recorrente não são susceptíveis de excluir a
razoabilidade da conclusão da recorrida de que, nas circunstâncias do presente
caso, a VLM poderia ter obtido um empréstimo de 20 milhões BFR à taxa de 9,3%
(v. supra, n.° 85).
- 91.
- A referência à decisão 94/662, de 27 de Julho de 1994, já referida no n.° 48, carece,
por outro lado, de relevância. Efectivamente, este processo dizia respeito não a um
empréstimo, mas à subscrição por parte de uma empresa estatal (a
CDC-Participations) de títulos emitidos por outra empresa estatal (a Air France).
Os títulos em questão eram obrigações reembolsáveis em acções e a operação
devia, assim, ser financeiramente considerada como uma entrada de capital
diferida. No presente processo, pelo contrário, a colocação à disposição do
montante mutuado de modo nenhum se destinou a fazer parte integrante de modo
duradouro do capital da empresa beneficiária.
Carácter pouco usual do empréstimo
Argumentos das partes
- 92.
- No entender da recorrente, a circunstância de o empréstimo ter sido concedido em
termos individuais e não no âmbito de um regime de auxílios aprovado indicia o
carácter excepcional do empréstimo controvertido. A recorrente acusa a recorrida
de não ter tido em conta e de não ter procurado verificar com que base legal de
direito interno foi adoptada a decisão de conceder o empréstimo. Levanta-se
mesmo a questão de saber se, no presente processo, foi respeitada a legislação
relativa a auxílios na região flamenga.
- 93.
- A recorrida rejeita esta argumentação. Por um lado, se a concessão do empréstimo
controvertido em termos individuais constitui indício da existência de um auxílio,
isso não permite, porém, determinar o respectivo montante. Por outro lado, não
compete à Comissão ter em conta a disposição de direito nacional com base na
qual o auxílio em causa foi concedido no exercício dos poderes que o Tratado lhe
confere em matéria de auxílios de Estado.
Apreciação do Tribunal
- 94.
- Improcede o argumento da recorrente segundo o qual a recorrida não a teve em
conta a circunstância de o auxílio se não inscrever num regime de auxílios
aprovado. Efectivamente, a recorrida teve essa circunstância em causa na sua
apreciação, no Capítulo VI da decisão impugnada, nos seguintes termos: «O auxílio
que não integra o âmbito de aplicação dos regimes de auxílio aprovados, deveria
ter sido previamente notificado à Comissão, nos termos do n.° 3 do artigo 93.° do
Tratado. Ao não notificar o auxílio a título prévio, isto é, antes da sua execução,
o Governo belga não cumpriu as obrigações que para ele decorrem do n.° 3 do
artigo 93.° do Tratado»). Assim, esta acusação carece de apoio factual. Em
qualquer caso, este elemento é destituído de relevância para a qualificação da
medida estatal controvertida à luz do artigo 92.°, n.° 1 do Tratado.
- 95.
- Improcede também a acusação de que a recorrida não identificou a disposição de
direito interno por força da qual o auxílio foi concedido, nem analisou a legalidade
do auxílio controvertido perante o mesmo direito interno. Efectivamente, não
compete à Comissão apreciar a legalidade de um auxílio à luz do direito nacional,
mas sim à luz do direito comunitário.
- 96.
- Daqui resulta que improcede este fundamento.
- 97.
- Resulta de quanto antecede que deve ser negado provimento ao recurso na
totalidade.
Quanto ao pedido de apresentação de documentos
Argumentos das partes
- 98.
- Na réplica, a recorrente requereu que a recorrida apresentasse uma série de
documentos referidos na contestação mas não juntos ao presente processo.
Requereu que o Tribunal, nos termos dos artigos 64.° e 65.° do Regulamento de
Processo, solicitasse à recorrida a apresentação dos referidos documentos, na
hipótese de a mesma se recusar a apresentá-los expontaneamente.
- 99.
- Os documentos em questão, grande parte dos quais é também referida na decisão
impugnada, são as cartas da Comissão às autoridades belgas de 25 de Maio, 14 de
Julho, 15 de Novembro, 6 de Dezembro de 1994, 1 de Fevereiro, 2 de Maio e 13
de Junho de 1995, as cartas das autoridades belgas à Comissão de 3 de Agosto de
1994, 23 de Janeiro de 1995, 15 de Junho, 14 de Julho e 24 de Julho de 1995, bem
como as «informações solicitadas» que acompanhavam as três cartas referidas em
último lugar, o contrato celebrado em 17 de Dezembro de 1993 entre a região
flamenga e a VLM e o recurso interposto pela VLM para o Tribunal de Primeira
Instância em 27 de Novembro de 1995.
- 100.
- A apresentação dos referidos documentos era necessária para assegurar a equidade
do processo.
- 101.
- A recorrida respondeu que só tem de satisfazer o pedido de um terceiro
interessado na obtenção de informações quando a referida comunicação fôr
indispensável para a fiscalização da legalidade da decisão controvertida (acórdão
Skibsværftsforeningen e o./Comissão, já referido supra no n.° 65, n.° 199). Isso não
sucede no presente processo, uma vez que as partes não estão divididas quanto à
matéria de facto, mas sim quanto à apreciação jurídica dos mesmos.
Apreciação do Tribunal
- 102.
- A questão submetida à apreciação do Tribunal respeita à qualificação da medida
estatal em causa à luz do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado.
- 103.
- A recorrente não fornece qualquer indício que permita presumir que os
documentos cuja comunicação é solicitada possam ser úteis para a decisão desta
questão.
- 104.
- Além disso, as circunstâncias de facto a ter em consideração para efeitos da
referida qualificação não foram objecto de qualquer contestação.
- 105.
- Por último, tanto durante a fase administrativa do processo como na tramitação
junto do Tribunal, a recorrente expôs circunstanciadamente o seu ponto de vista
nos termos do qual o montante principal, e não os juros, deveria ser qualificado
como auxílio na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado. Não referiu em que é
que a comunicação dos documentos solicitados seria susceptível de lhe permitir
apresentar uma argumentação mais convincente em apoio do seu ponto de vista.
- 106.
- Considerando-se suficientemente esclarecido pelos documentos constantes do
processo e entendendo que a apresentação dos documentos referidos no n.° 99
supra não iria servir os direitos de defesa da recorrente, o Tribunal de Primeira
Instância considera que não há que ordenar a medida de organização do processo
proposta pela recorrente.
Quanto às despesas
- 107.
- Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é
condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente
sido vencida e a recorrida requerido a sua condenação nas despesas, deve a
recorrente ser condenada a suportar, além das respectivas despesas, as efectuadas
pela recorrida.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção Alargada),
decide:
1) É negado provimento ao recurso.
2) A recorrente é condenada nas despesas.
García-ValdecasasTiili
Azizi
Moura Ramos Jaeger
|
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Abril de 1998.
O secretário
O presidente
H. Jung
R. García-Valdecasas
Índice
Enquadramento jurídico
II - 2
Matéria de facto na origem do recurso
II - 3
Tramitação processual e pedidos das partes
II - 6
Quanto à admissibilidade
II - 7
Quanto à admissibilidade do recurso
II - 7
Argumentos das partes
II - 7
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
II - 8
Quanto à admissibilidade de elementos invocados na réplica
II - 9
Argumentos das partes
II - 9
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
II - 10
Quanto ao mérito
II - 10
Quanto ao primeiro fundamento, que consiste na violação do artigo 92.°, n.° 1, do
Tratado
II - 10
Argumentos das partes
II - 10
Apreciação do Tribunal
II - 11
Quanto ao segundo fundamento, que consiste na violação do dever de fundamentação
previsto no artigo 190.° do Tratado
II - 13
Argumentos das partes
II - 13
Apreciação do Tribunal
II - 14
Quanto ao terceiro fundamento, que consiste em erros manifestos de apreciação
II - 16
A situação financeira da VLM
II - 16
Argumentos das partes
II - 16
Apreciação do Tribunal
II - 17
Ausência de garantias
II - 17
Argumentos das partes
II - 17
Apreciação do Tribunal
II - 18
Carácter gratuito do empréstimo
II - 18
Argumentos das partes
II - 18
Apreciação do Tribunal
II - 19
Carácter pouco usual do empréstimo
II - 19
Argumentos das partes
II - 19
Apreciação do Tribunal
II - 20
Quanto ao pedido de apresentação de documentos
II - 20
Argumentos das partes
II - 20
Apreciação do Tribunal
II - 21
Quanto às despesas
II - 22