Language of document : ECLI:EU:T:2013:163

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

10 de abril de 2013 (*)

«Comparticipação no financiamento de um projeto de turismo ecológico — Reembolso dos montantes recuperados — Decisão tomada na sequência da anulação pelo Tribunal da anterior decisão de retirada da comparticipação — Juros compensatórios — Juros de mora — Cálculo»

No processo T‑671/11,

IPK International — World Tourism Marketing Consultants GmbH, com sede em Munique (Alemanha), representada por C. Pitschas, advogado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por F. Dintilhac, G. Wilms e G. Zavvos, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação parcial da decisão da Comissão de 14 de outubro de 2011 [ENTR/R1/HHO/lsa — entre.r.l(2011)1183091] de pagamento à recorrente de um montante total de 720 579,90 euros, incluindo um montante de 158 618,27 euros de juros compensatórios,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: J. Azizi (relator), presidente, S. Soldevila Fragoso e S. Frimodt Nielsen, juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 28 de novembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        O presente recurso insere‑se num conjunto de processos que opõem as mesmas partes e que, desde 1994, é objeto de diversas causas submetidas ao Tribunal Geral e ao Tribunal de Justiça.

2        A última dessas causas foi definitivamente decidida pelo acórdão do Tribunal Geral de 15 de abril de 2011, IPK International/Comissão (T‑297/05, Colet., p. II‑1859, a seguir «acórdão de 15 de abril de 2011»), transitado em julgado, que anulou a decisão da Comissão de 13 de maio de 2005 [ENTR/01/Audit/RVDZ/ss D(2005) 11382] que anulara a sua decisão de 4 de agosto de 1992 (003977/XXIII/A/3 — S92/DG/ENV8/LD/kz) que concedia à recorrente, a IPK International — World Tourism Marketing Consultants GmbH (a seguir «IPK»), uma comparticipação financeira de 530 000 ecus no âmbito do projeto Ecodata (a seguir «decisão de 13 de maio de 2005»). Nesse acórdão, o Tribunal considerou, no essencial, que a Comissão Europeia tinha tido razão ao dar por provadas certas irregularidades cometidas pela IPK que, em princípio, justificavam a anulação da comparticipação financeira (n.os 128 a 145), mas que, não obstante, essa decisão deveria ser anulada devido ao desrespeito do prazo de prescrição aplicável (n.os 147 a 166).

3        Por carta de 27 de julho de 2011, a IPK pediu à Direção‑Geral (DG) «Empresas e indústria» da Comissão o pagamento de um montante total de 911 987,86 euros. Esse montante estava repartido em três parcelas, a saber, uma primeira parcela de 212 000 euros não paga à IPK, isto é, 40% da comparticipação financeira concedida à IPK em 1992, uma segunda parcela de 318 000 euros, entretanto reembolsada pela IPK antes de o Tribunal proferir o acórdão de 15 de abril de 2011, acima referido no n.° 2, isto é, 60% dessa comparticipação financeira, e uma terceira parcela de 31 961,63 euros, correspondente aos juros de mora que a IPK tinha pago à Comissão conjuntamente com o reembolso da segunda parcela. Por outro lado, nessa carta, a IPK pedia o pagamento de juros de mora num montante de 252 394,36 euros, contados desde 1 de janeiro de 1994, no que respeita à primeira parcela e de 97 631,87 euros, contados desde 18 de maio de 2007, no que respeita à segunda parcela, cujo cálculo é exposto num anexo a essa carta. Por último, a IPK deu à Comissão um prazo até 26 de agosto de 2011 para dar cumprimento ao seu pedido de pagamento.

4        Por mensagem eletrónica de 26 de agosto de 2011, a IPK recordou à Comissão o seu pedido de pagamento.

5        Por carta de 2 de setembro de 2011, a Comissão informou a IPK de que procedia a uma análise minuciosa dos elementos do processo e que previa cumprir as suas obrigações emergentes do acórdão de 15 de abril de 2011, acima referido no n.° 2. Informou‑a ainda de que o procedimento administrativo destinado a executar qualquer obrigação daí resultante poderia demorar um período considerável.

6        Por carta de 4 de setembro de 2011, a IPK comunicou, nomeadamente, a sua incompreensão quanto ao atraso devido à análise do acórdão de 15 de abril de 2011, acima referido no n.° 2, pela Comissão e fixou‑lhe um prazo até 16 de setembro de 2011 para a informar dos passos que tencionava dar a seguir.

7        Numa chamada telefónica de 14 de setembro de 2011, um agente da Comissão informou o advogado da IPK de que tencionava pagar a totalidade da comparticipação financeira e os juros de mora no valor de 31 961,63 euros. Afirmava, porém, que a Comissão ainda não tinha decidido se e em que medida seriam também devidos juros sobre esses montantes.

8        Em 11 de outubro de 2011, num novo contacto telefónico com o advogado da IPK, a Comissão comunicou informalmente à IPK que tinha tomado a decisão de lhe pagar a comparticipação financeira no montante total de 530 000 euros, bem como os juros de mora no valor de 31 961,63 euros que a IPK tinha pago. Por outro lado, a Comissão decidiu pagar juros no montante total de 158 000 euros. A IPK receberia, portanto, um montante total de cerca de 720 000 euros no prazo de um mês.

9        Em 14 de outubro de 2011, a Comissão adotou a sua decisão, da qual a IPK foi notificada, com a referência ENTR/R1/HHO/lsa — entre.r.l(2011)1183091 (a seguir «decisão controvertida»).

10      Na decisão controvertida, a Comissão expôs, por um lado, o montante total, incluindo os juros, a pagar à IPK, isto é, 720 579,90 euros, e, por outro, o montante dos juros compensatórios que tinha decidido pagar, isto é, 158 618,27 euros, calculado de acordo com as taxas de juro do Banco Central Europeu (BCE) e do Instituto Monetário Europeu (IME), antecessor do BCE, para as principais operações de refinanciamento. A Comissão indicou ainda ter calculado esses juros a partir de 18 de maio de 2007, quanto aos montantes de 318 000 euros e de 31 961,63 euros, e a partir de 1 de janeiro de 1994, quanto ao montante de 212 000 euros, até 31 de outubro de 2011.

11      Por carta de 17 de outubro de 2011, a IPK contestou a legalidade da decisão controvertida, nomeadamente, à luz do artigo 296.° TFUE e pediu que lhe fossem comunicadas, até 31 de outubro de 2011, a base legal dessa decisão, a justificação da qualificação dos juros de «compensatórios» e não de «juros de mora», as taxas de juro precisas aplicadas a cada uma das parcelas do montante a pagar e por que razão não tinham sido majoradas em 3,5 pontos as taxas de juro do BCE e do IME para as principais operações de refinanciamento.

12      Por carta de 25 de outubro de 2011, a Comissão precisou que a decisão controvertida se baseava no artigo 266.° TFUE. Alegou ainda não estar obrigada ao pagamento de juros de mora, pelo facto de o «Regulamento Financeiro de 1977», aplicável à comparticipação financeira em causa, conforme alterado pelo Regulamento (Euratom, CECA, CEE) n.° 610/90 do Conselho, de 13 de março de 1990, que altera o Regulamento Financeiro de 21 de dezembro de 1977 aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO L 70, p. 1), não conter normas relativas ao pagamento de juros aos beneficiários. Do mesmo modo, o Regulamento (Euratom, CECA, CE) n.° 3418/93 da Comissão, de 9 de dezembro de 1993, que estabelece normas de execução de algumas disposições do Regulamento Financeiro de 21 de dezembro de 1977 (JO L 315, p. 1), só entrou em vigor depois da assinatura do contrato relativo à comparticipação financeira e, de qualquer forma, o artigo 94.°, n.° 1, desse regulamento só se aplica aos pedidos de pagamento enviados pela Comissão e não ao caso inverso (v., também, título XIV e artigo 92.° do mesmo regulamento). Além disso, o Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002 do Conselho, de 25 de junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO L 248, p. 1), e o Regulamento (CE, Euratom) n.° 2342/2002 da Comissão, de 23 de dezembro de 2002, que estabelece as normas de execução do Regulamento n.° 1605/2002 (JO L 357, p. 1), não são aplicáveis a contratos assinados antes da sua entrada em vigor, isto é, 1 de janeiro de 2003. Contudo, resulta claramente da jurisprudência uma obrigação de a Comissão pagar juros compensatórios em conformidade com um acórdão de anulação. Assim, a Comissão decidiu pagar juros segundo as taxas de juro do BCE e do IME por cada uma das parcelas do montante total a pagar segundo o cálculo exposto no quadro que consta em anexo à carta. Nesse quadro, a Comissão calculou os juros sobre cada uma das parcelas do crédito acima referido no n.° 3, tendo em conta a taxa de juro do BCE para as principais operações de refinanciamento, até 13 de julho de 2011. A este respeito, a Comissão precisou que, na falta de normas que autorizem a aplicação de juros de mora, não se pode aumentar em 3,5 pontos as taxas de juro. Por último, a Comissão indicou suspender o pagamento até que a IPK respondesse à sua carta.

13      Por carta de 3 de novembro de 2011, a IPK informou a Comissão de que considerava que a fundamentação apresentada por esta bastava para preencher as condições do artigo 296.° TFUE e convidou‑a «a proceder ao pagamento à [a seu favor]».

14      Por carta de 18 de novembro de 2011, a Comissão, por um lado, acusou a receção da carta da IPK de 3 de novembro de 2011, na qual a IPK teria aceitado as suas explicações e a teria convidado a proceder ao pagamento do montante de 720 579,90 euros, e, por outro, indicou que o pagamento tinha sido autorizado em 16 de novembro de 2011. Por último, a Comissão assinalou que, em seu entender, qualquer crédito da IPK ligado ao acórdão de 15 de abril de 2011, acima referido no n.° 2, estava integral e irrevogavelmente extinto em consequência desse pagamento.

15      Em 22 de novembro de 2011, o montante de 720 579,90 euros foi creditado na conta da IPK no Stadtsparkasse München.

16      Por carta de 30 de novembro de 2011, a IPK respondeu à carta da Comissão de 18 de novembro de 2011. Começou por salientar que a sua carta de 3 de novembro de 2011 não devia ser interpretada como uma aceitação do teor dos fundamentos apresentados pela Comissão, mas que se limitava a enunciar que esses fundamentos eram suficientes para o cumprimento do que exige o artigo 296.° TFUE. Em seguida, a IPK alegou que a fundamentação exposta na carta de 25 de outubro de 2011 era juridicamente errada. Com efeito, segundo a IPK, o cálculo dos juros efetuado nessa carta não respeitava a jurisprudência assente, conforme invocada pela Comissão, segundo a qual as taxas de juro do BCE para as principais operações de refinanciamento deviam ser majoradas em 2 pontos. Assim, a IPK pediu à Comissão que revisse, até 9 de dezembro de 2011, o seu método de cálculo dos juros, majorando em 2 pontos as taxas de juro que lhe tinha aplicado, sem o que a IPK interporia recurso de anulação da decisão controvertida.

17      A Comissão não respondeu à IPK no prazo fixado.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

18      Por petição registada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de dezembro de 2011, a IPK interpôs o presente recurso.

19      Estando um membro da Secção impedido de participar na formação de julgamento, o presidente do Tribunal Geral designou outro juiz para completar a Secção, nos termos do artigo 32.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

20      Em 16 de abril de 2012, o Tribunal Geral, nos termos do artigo 47.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, decidiu não admitir uma segunda troca de articulados.

21      Por requerimento separado registado na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de abril de 2012, tendo em conta a argumentação da Comissão, a IPK pediu para completar os autos a respeito dos juros compensatórios e dos juros de mora. Por carta de 8 de maio de 2012, o Tribunal Geral informou a IPK da sua decisão de admitir uma réplica limitada aos pontos acima referidos. A IPK juntou a réplica em 13 de junho de 2012. A Comissão juntou tréplica em 24 de julho de 2012.

22      A IPK conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        anular a decisão controvertida, na medida em que o montante dos juros que lhe são atribuídos apenas é de 158 618,27 euros;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

23      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        negar provimento ao recurso;

¾        condenar a IPK nas despesas.

24      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Primeira Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo.

25      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões que lhes foram oralmente colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 28 de novembro de 2012.

 Questão de direito

26      Em apoio do seu pedido de anulação parcial da decisão controvertida, a IPK suscita um fundamento único, relativo à violação do artigo 266.° TFUE, na medida em que a Comissão cometeu erros no cálculo dos juros devidos.

27      A IPK refere que, na decisão controvertida, a Comissão reconheceu a sua obrigação de lhe pagar, no total das parcelas, um montante de 561 961,63 euros por força do acórdão de 15 de abril de 2011, acima referido no n.° 2. Afirma que esta aí reconheceu igualmente a obrigação de lhe pagar juros, contados desde 1 de janeiro de 1994 pela parcela no montante de 212 000 euros e contados desde de 18 de maio de 2007 pelas parcelas no valor de 318 000 euros e de 31 961,63 euros, respetivamente. Segundo a IPK, essas obrigações de pagamento da Comissão não são objeto da presente lide, pelo que, nessa medida, a decisão controvertida se tornou definitiva. Contudo, foi de forma errada e em violação do artigo 266.° TFUE que a Comissão calculou os juros devidos, por um lado, ao não majorar em 2 pontos as taxas de juro do BCE e do IME para as principais operações de refinanciamento, que aplicou a cada uma das três parcelas acima referidas, e, por outro, cometendo um erro manifesto de cálculo dos juros de mora contados desde a prolação do acórdão de 15 de abril de 2011, acima referido no n.° 2.

28      A Comissão conclui pela improcedência do fundamento único invocado pela IPK.

29      A Comissão entende que o pagamento de juros compensatórios se destina unicamente a reparar as perdas resultantes da taxa de inflação durante o período entre a data da ocorrência do dano e a data da prolação do acórdão. As taxas de refinanciamento principais do BCE são aplicáveis para efeitos de cálculo uniforme em toda a União Europeia dos juros destinados a compensar a erosão monetária média nos Estados‑Membros, uma vez que a taxa de inflação varia de um Estado‑Membro para outro. Assim, no seu acórdão de 8 de novembro de 2011, Idromacchine e o./Comissão (T‑88/09, Colet., p. II‑7833), o Tribunal Geral procedeu a uma distinção clara quanto à taxa de juro aplicável em função da sede da sociedade, no caso, a Itália.

30      Em contrapartida, a IPK estava estabelecida na Alemanha, onde a erosão monetária era inferior ao valor da taxa de refinanciamento principal. No período entre 1994 e 2010, essa taxa foi, por vezes, claramente superior à taxa de inflação da Alemanha. Com efeito, segundo a Comissão, durante esse período, a taxa de inflação média na Alemanha era de 1,6%, ao passo que a taxa de refinanciamento principal se situava em média em torno dos 3,3%. Daqui conclui que, se a aplicação da taxa de refinanciamento principal já confere à IPK uma vantagem considerável que deve ser tolerada tendo em conta a necessidade de aplicar uma taxa de juro única, teria o efeito de a IPK ser compensada em mais do dobro da inflação. Acresce que uma majoração da taxa de refinanciamento principal em 2 pontos permitiria à IPK ser compensada, em média, em mais do triplo da inflação (5,3% contra 1,6%), sem nenhum fundamento jurídico. Por outro lado, a situação económica da Alemanha era muito diferente da situação económica da Itália, onde, nos períodos entre 1995 e 1996 e entre 2002 e 2005, a taxa de inflação teria ultrapassado a taxa de refinanciamento principal.

31      Ora, a jurisprudência apenas prevê uma compensação da inflação e não uma recompensa que justifique uma majoração da taxa de refinanciamento principal nem a possibilidade de o recorrente auferir uma vantagem financeira da anulação de um ato. Contudo, esse seria o caso se fosse aplicada à IPK uma taxa de juro superior à taxa de refinanciamento principal. Segundo a Comissão, o caráter injustificado desse enriquecimento é ainda mais manifesto quando a IPK é um credor de má‑fé, o que é contrário aos princípios da justiça e da equidade. Com efeito, no acórdão de 15 de abril de 2011, acima referido no n.° 2, o Tribunal considerou que a IPK tinha celebrado um acordo colusório com um funcionário da Comissão a fim de obter ou poder conservar a comparticipação financeira em causa (n.os 126, 144 e 145), que tinha obtido informações confidenciais de forma irregular (n.° 130), tinha prestado declarações enganadoras e tinha depois tentado esconder as verdadeiras circunstâncias na origem da apresentação do seu pedido de apoio financeiro (n.° 134).

32      A Comissão contesta igualmente ser devedora de juros de mora. No caso, a Comissão não deu provas de qualquer comportamento culposo nem foi condenada no pagamento de juros compostos. Pelo contrário, o Tribunal apurou vários comportamentos culposos da IPK, parte deles de longa duração, pelo que não se justifica a aplicação do método de cálculo de juros compostos. Isso seria mesmo contrário ao princípio da boa gestão financeira, nos termos do artigo 310.°, n.° 5, TFUE, de recompensar esses comportamentos culposos pela aplicação desse método, que não tem, portanto, qualquer fundamento jurídico na aceção do artigo 310.°, n.° 3, TFUE.

33      O Tribunal observa, a título preliminar, que, na decisão controvertida, a Comissão reconheceu efetivamente dever à IPK um montante principal de 561 961,63 euros, o que confirmou na audiência em resposta a uma questão oral do Tribunal, o que foi registado na ata da audiência. A Comissão reconheceu aí também dever à IPK um montante de 158 618,27 euros a título de juros compensatórios, isto é, um montante total de 720 579,90 euros. Por outro lado, na audiência, a Comissão não pôs em causa o caráter acessório dos juros devidos relativamente ao montante do crédito principal.

34      Nestas condições, a argumentação da Comissão de que, no essencial, por um lado, a IPK é um credor de má‑fé e, por outro, o Tribunal apurou, no acórdão de 15 de abril de 2011, acima referido no n.° 2, comportamentos culposos da IPK, não é suscetível de pôr em causa a existência do crédito principal nem o facto de, nessa medida, a Comissão ser devedora de juros que devem ser calculados de acordo com as normas aplicáveis. Assim, esta argumentação deve ser rejeitada por ser irrelevante, mesmo admitindo que se destina a invocar o brocardo nemo auditur propriam turpitudinem suam allegans, segundo o qual ninguém pode invocar o seu próprio comportamento culposo contra outrem para obter uma vantagem, o que a Comissão de resto negou na audiência em resposta a uma questão oral do Tribunal. Contudo, a este respeito, há que precisar que o critério da Comissão, no caso, procede de uma má interpretação do alcance do acórdão de 15 de abril de 2011, acima referido no n.° 2, do qual não resulta nenhuma obrigação de reembolsar a comparticipação financeira em causa à IPK. Com efeito, nesse acórdão, o Tribunal confirmou as considerações de facto feitas na decisão de 13 de maio de 2005, relativas às irregularidades cometidas pela IPK que justificam, em princípio, a anulação da comparticipação financeira em causa (n.os 128 a 145), e limitou‑se a anular essa decisão pelo facto de a Comissão não ter respeitado o prazo de prescrição aplicável (n.os 147 a 166). Daqui resulta, por outro lado, que a decisão controvertida constitui o único fundamento jurídico do crédito principal em causa.

35      Quanto à primeira parte do fundamento único invocado pela IPK, a saber, o alegado cálculo errado dos juros compensatórios, há que recordar que a IPK entende que esses juros deveriam ter sido majorados em 2 pontos relativamente à taxa de juro do BCE para as principais operações de refinanciamento. Ora, está assente que a Comissão só calculou juros tendo em conta a taxa de juro do BCE para as principais operações de refinanciamento, sem majoração de 2 pontos e até 31 de outubro de 2011, como indicado na decisão controvertida.

36      Como acima se refere no n.° 33, a Comissão não contesta ter sido obrigada a pagar juros compensatórios à IPK de acordo com as regras em vigor. Ora, a este respeito, já foi reconhecido por jurisprudência assente que, independentemente da sua denominação precisa, esses juros devem sempre ser calculados com base na taxa de juro do BCE para as principais operações de refinanciamento majorando essa taxa em 2 pontos (acórdãos do Tribunal Geral de 10 de outubro de 2001, Corus UK/Comissão, T‑171/99, Colet., p. II‑2967, n.° 64; de 17 de março de 2005, AFCon Management Consultants e o./Comissão, T‑160/03, Colet., p. II‑981, n.os 130 a 132; e Idromacchine e o./Comissão, referido no n.° 29 supra, n.os 77 a 80). Como alega a IPK, trata‑se aqui de uma majoração fixa aplicável a todos os casos, sem que se deva verificar em concreto se essa majoração se justifica ou não à luz da erosão monetária, durante o período em causa, no Estado‑Membro em que o credor está estabelecido.

37      Na verdade, no seu acórdão Idromacchine e o./Comissão, referido no n.° 29 supra (n.os 77 a 79), o Tribunal considerou, primeiro, que se devia ter em conta a erosão monetária, que se reflete na taxa de inflação anual verificada, no período em causa, pelo Eurostat (Serviço de Estatística da União Europeia) no Estado‑Membro em que estão estabelecidas as sociedades em causa. Contudo, o Tribunal aplicou, em seguida, de modo uniforme, a majoração fixa de 2 pontos aos juros compensatórios e de mora a conceder, até à data da prolação do acórdão, em 8 de novembro de 2011, quanto aos juros compensatórios, e posteriormente quanto aos juros de mora. Além disso, a este respeito, a IPK afirma com razão que a majoração fixa uniforme, nesse outro processo, de 2 pontos não dependia da taxa de inflação real no período em causa em Itália, onde a Idromacchine estava estabelecida, uma vez que, como a própria Comissão afirma nos articulados, essa taxa de inflação só foi superior à taxa de juro do BCE nos anos de 2010 e 2011. Ora, se a tese da Comissão de que a taxa dos juros compensatórios a pagar devia depender da taxa real de inflação estivesse correta, o Tribunal não deveria ter aplicado essa majoração fixa de 2 pontos ao período anterior, dado que, nesse período, a Idromacchine tinha beneficiado, unicamente por aplicação da taxa de juro não majorada do BCE, de uma suficiente compensação da erosão monetária.

38      Por outro lado, o Tribunal Geral já decidiu, é certo que no contexto do cálculo de juros de mora, no sentido de que a falta de pagamento desses juros pode levar a um enriquecimento sem causa da União, que se afigura contrário aos princípios gerais de direito da União (v. acórdão Corus UK/Comissão, referido no n.° 36 supra, n.° 55 e jurisprudência aí referida). Assim, a majoração fixa da taxa de juro em 2 pontos nasce da preocupação de evitar esse enriquecimento sem causa em todas as circunstâncias possíveis.

39      Em face das circunstâncias expostas, há que concluir que foi erradamente que a Comissão não majorou as taxas dos juros compensatórios aplicados às três diferentes parcelas do crédito acima referidas no n.° 3 e que há que julgar procedente a primeira parte do fundamento único da IPK.

40      No âmbito da segunda parte do seu fundamento único, a IPK alega que a Comissão deveria ter reconhecido o vencimento de juros de mora após a prolação do acórdão de 15 de abril de 2011, acima referido no n.° 2, e deveria tê‑los calculado com base no montante total do crédito, acrescido dos juros compensatórios devidos até essa data. Contudo, está assente que a Comissão não teve em conta juros de mora, nem antes nem depois da prolação desse acórdão, a cujo pagamento entendeu não estar obrigada à luz da regulamentação e da jurisprudência aplicáveis.

41      A este respeito, basta recordar a jurisprudência assente que reconhece a obrigação incondicional de a Comissão pagar juros de mora, nomeadamente nos casos em que a União incorreu em responsabilidade extracontratual, relativamente ao período que se segue à prolação do acórdão que declara essa responsabilidade (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de janeiro de 2000, Mulder e o./Conselho e Comissão, C‑104/89 e C‑37/90, Colet., p. I‑203, n.° 35, e acórdão Idromacchine e o./Comissão, referido no n.° 29 supra, n.° 79 e jurisprudência aí referida), bem como nos casos de repetição do indevido na sequência de um acórdão de anulação (acórdão Corus UK/Comissão, referido no n.° 36 supra, n.os 50 e seguintes). Nenhum dos argumentos da Comissão permite afastar essa obrigação de princípio no presente caso, no qual, na sequência do acórdão de 15 de abril de 2011, acima referido no n.° 2, que anula a decisão de 13 de maio de 2005, a Comissão reconheceu, na decisão controvertida, ser obrigada a reembolsar à IPK o montante principal da comparticipação financeira em causa. Pelo contrário, na audiência, em resposta a uma questão oral do Tribunal, a Comissão admitiu ser devedora de juros de mora a contar do dia da prolação do acórdão de 15 de abril de 2011, acima referido no n.° 2, o que foi exarado na ata da audiência. Nestas condições, há que concluir que a Comissão era obrigada a adicionar juros de mora ao montante principal devido, conforme reconhecido na decisão controvertida, juros esses que, no caso, por acordo entre as partes nesse ponto, devem ser contados a partir da prolação do acórdão de 15 de abril de 2011, acima referido no n.° 2, independentemente de essa decisão constituir o único fundamento jurídico do crédito principal em causa (v. n.° 34 supra).

42      Por outro lado, a IPK afirma acertadamente que a Comissão também estava obrigada a calcular esses juros de mora com base no montante principal devido, acrescido de juros compensatórios anteriormente vencidos. Com efeito, mesmo embora a jurisprudência do Tribunal Geral não autorize, em princípio, a capitalização de juros compensatórios anteriormente vencidos nem de juros de mora que se vençam após a prolação de um acórdão que reconhece a existência de um crédito, o Tribunal Geral manda fixar juros de juros de mora até ao pagamento completo com base no montante principal do crédito acrescido de juros compensatórios anteriormente vencidos (v, neste sentido, acórdãos Corus UK/Comissão, referido no n.° 36 supra, n.os 64 e 65, e AFCon Management Consultants e o./Comissão, referido no n.° 36 supra, n.os 132 e 133). Este critério distingue, portanto, os juros compensatórios de natureza pré‑contenciosa dos juros de mora de natureza pós‑contenciosa, devendo estes últimos ter em conta todo o prejuízo financeiro acumulado, incluindo em razão da erosão monetária.

43      Por conseguinte, há que julgar procedente a segunda parte do fundamento único da IPK, na medida em que a Comissão ilegalmente não atribuiu juros de mora, majorados em 2 pontos, que devem ser calculados com base no montante principal do crédito, no qual se incluem os juros compensatórios anteriormente vencidos e, no caso, contados a partir da prolação do acórdão de 15 de abril de 2011, em conformidade com o acordo das partes nesses ponto.

44      Em face das considerações expostas, há que dar provimento ao recurso, sem que seja necessário conhecer da questão de saber se a Comissão violou o artigo 266.° TFUE, e anular a decisão controvertida na medida em que limitou o reembolso dos juros devidos ao montante de 158 618,27 euros.

 Quanto às despesas

45      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos da IPK.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

1)      É anulada a decisão da Comissão de 14 de outubro de 2011 [ENTR/R1/HHO/lsa — entre.r.l(2011)1183091] na parte em que o montante de juros a pagar à IPK International — World Tourism Marketing Consultants GmbH aí fixado é limitado a 158 618,27 euros.

2)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

Azizi

Soldevila Fragoso

Frimodt Nielsen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de abril de 2013.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.