Language of document : ECLI:EU:C:2012:243

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

26 de abril de 2012 (*)

«Incumprimento de Estado ― Diretiva 2003/109/CE − Estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração ― Pedido de aquisição do estatuto de residente de longa duração ― Pedido de autorização de residência num segundo Estado‑Membro apresentado por um nacional de um país terceiro que já adquiriu o estatuto de residente de longa duração num primeiro Estado‑Membro ou por um membro da sua família ― Montante das taxas reclamadas pelas autoridades competentes ― Caráter desproporcionado ― Obstáculo ao exercício do direito de residência»

No processo C‑508/10,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.° TFUE, entrada em 25 de outubro de 2010,

Comissão Europeia, representada por M. Condou‑Durande e R. Troosters, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino dos Países Baixos, representado por C. Wissels e J. Langer, na qualidade de agentes,

demandado,

apoiado por:

República Helénica, representada por T. Papadopoulou, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente de secção, U. Lõhmus, A. Rosas, A. Ó Caoimh (relator) e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 19 de janeiro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Na sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao exigir o pagamento de taxas elevadas e injustas aos nacionais de países terceiros e aos seus familiares que solicitam o estatuto de residente de longa duração, o Reino dos Países Baixos não respeitou as obrigações fixadas pela Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44), e não cumpriu, deste modo, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 258.° TFUE.

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

 Diretiva 2003/109

2        O segundo, terceiro, sexto, nono, décimo e décimo oitavo considerandos da Diretiva 2003/109, que foi adotada com base nos n.os 3 e 4 do artigo 63.° CE, têm a seguinte redação:

«(2)      Aquando da reunião extraordinária de Tampere, de 15 e 16 de outubro de 1999, o Conselho Europeu proclamou que o estatuto jurídico dos nacionais de países terceiros deveria aproximar‑se do estatuto dos nacionais dos Estados‑Membros e que uma pessoa que resida legalmente num Estado‑Membro, durante um período a determinar, e seja titular de uma autorização de residência de longa duração deveria beneficiar neste Estado‑Membro de um conjunto de direitos uniformes tão próximos quanto possível dos que gozam os cidadãos da União Europeia.

(3)      A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, designadamente na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

[…]

(6)      O critério principal para a aquisição do estatuto de residente de longa duração deverá ser a duração da residência no território de um Estado‑Membro. […]

[…]

(9)      Razões económicas não deverão constituir fundamento para indeferir a concessão do estatuto de residente de longa duração, nem devem ser encaradas como um obstáculo às condições relevantes.

(10)      Importa estabelecer um sistema de regras processuais para regular a análise do pedido de aquisição do estatuto de residente de longa duração. Estes procedimentos deverão ser eficazes e poder ser geridos tendo em conta a carga normal de trabalho das administrações dos Estados‑Membros, devendo igualmente ser transparentes e justos, a fim de proporcionarem um nível adequado de segurança jurídica às pessoas em questão.

[…]

(18)      O estabelecimento das condições a que está sujeito o direito de residência num outro Estado‑Membro relativamente a nacionais de países terceiros residentes de longa duração deverá contribuir para a realização efetiva do mercado interno enquanto espaço em que é garantida a livre circulação de todas as pessoas. Poderá assim constituir um fator de mobilidade importante, nomeadamente no mercado de trabalho da União.»

3        Decorre do artigo 1.° da Diretiva 2003/109 que esta estabelece:

«[…]

a)      As condições de concessão e perda de estatuto de residente de longa duração conferido por um Estado‑Membro a nacionais de países terceiros legalmente residentes no seu território, bem como os direitos correspondentes; e

b)      As condições de residência de nacionais de países terceiros que beneficiem do estatuto de residente de longa duração noutros Estados‑Membros que não aquele que lhes concedeu o referido estatuto.»

4        O capítulo II da Diretiva 2003/109 tem por objeto a aquisição do estatuto de residente de longa duração num Estado‑Membro.

5        Em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, da mesma diretiva, que faz parte do referido capítulo II, os Estados‑Membros devem conceder o estatuto de residente de longa duração aos nacionais de países terceiros que tenham residência legal e ininterrupta no seu território durante os cinco anos imediatamente anteriores à apresentação do respetivo pedido.

6        O artigo 5.° da referida diretiva prevê as condições para aquisição do estatuto de residente de longa duração. Em conformidade com o n.° 1, alíneas a) e b), deste artigo, os Estados‑Membros devem exigir ao nacional de um país terceiro que apresente provas de que dispõe, para ele e os familiares a seu cargo, por um lado, de recursos estáveis e regulares que sejam suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares sem recorrer ao sistema de assistência social do Estado‑Membro em causa, bem como, por outro lado, de um seguro de doença que cubra todos os riscos normalmente cobertos no Estado‑Membro em questão para os próprios nacionais.

7        O n.° 2 do referido artigo 5.° dispõe que os Estados‑Membros podem igualmente exigir que os nacionais de países terceiros preencham condições de integração, em conformidade com o respetivo direito nacional.

8        Por força do artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2003/109, a fim de obter o estatuto de residente de longa duração, o nacional do país terceiro deve apresentar um pedido às autoridades competentes do Estado‑Membro em que reside, acompanhado dos documentos justificativos, a determinar pelo direito nacional, que provem que preenche as condições enunciadas nos artigos 4.° e 5.°, desta mesma diretiva.

9        O artigo 8.° da referida diretiva, sob a epígrafe «Título CE de residência de longa duração», prevê no seu n.° 2:

«Os Estados‑Membros concedem aos residentes de longa duração um título CE de residência de longa duração. Esse título tem uma validade mínima de cinco anos, sendo automaticamente renovável, mediante pedido se exigido, no termo do período de validade.»

10      O capítulo III da Diretiva 2003/109 tem por objeto o direito de residência de um nacional de país terceiro, beneficiário do estatuto de residente de longa duração, no território de um Estado‑Membro diferente daquele que lhe concedeu esse estatuto, bem como o direito de residência dos membros da sua família nesse outro Estado‑Membro.

11      O artigo 14.°, n.° 2, da mesma diretiva, que faz parte do referido capítulo III, dispõe:

«Um residente de longa duração pode residir num segundo Estado‑Membro pelos seguintes motivos:

a)      Exercício de uma atividade económica por conta de outrem ou por conta própria;

b)      Realização de estudos ou formação profissional;

c)      Outros.»

12      O artigo 15.°, n.° 1, da referida diretiva, que diz respeito às condições de residência num segundo Estado‑Membro, prevê que, logo que possível e no prazo de três meses a contar da sua entrada no território do segundo Estado‑Membro, o residente de longa duração deve apresentar um pedido de título de residência junto das autoridades competentes deste.

13      O artigo 16.° da Diretiva 2003/109 enuncia as condições relativas à residência dos membros da família do residente de longa duração autorizados a acompanhá‑lo ou a juntar‑se‑lhe num segundo Estado‑Membro. Distingue entre as famílias já constituídas no primeiro Estado‑Membro que concedeu o estatuto de residente de longa duração, que estão abrangidas pelo artigo 16.°, n.os 1 e 2, desta diretiva, e as famílias não constituídas no primeiro Estado‑Membro. Neste último caso, em conformidade com o n.° 5 do mesmo artigo, aplica‑se a Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO L 251, p. 12).

14      O artigo 19.° da Diretiva 2003/109, sob a epígrafe «Análise do pedido e emissão do título de residência», prevê nos seus n.os 2 e 3:

«2.      Se estiverem preenchidas as condições previstas nos artigos 14.°, 15.° e 16.° e sem prejuízo das disposições relativas à ordem pública, à segurança pública e à saúde pública referidas nos artigos 17.° e 18.°, o segundo Estado‑Membro deve conceder ao residente de longa duração um título de residência renovável. […]

3.      O segundo Estado‑Membro deve conceder aos familiares do residente de longa duração um título de residência renovável, cujo período de validade deve ser idêntico ao do título concedido ao residente de longa duração.»

 Diretiva 2004/38/CE

15      A Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77, e retificações no JO 2004, L 229, p. 35, JO 2005, L 197, p. 34, e JO 2007, L 204, p. 28) – que foi adotada com base nos artigos 12.° CE, 18.° CE, 40.° CE, 44.° CE e 52.° CE –, prevê, no seu artigo 25.°, n.° 2, que todos os documentos referidos no n.° 1 do mesmo, ou seja, um certificado de registo, um documento que ateste a apresentação de um pedido de cartão de residência de membro da família, um cartão de residência ou um cartão de residência permanente, «são emitidos gratuitamente ou mediante pagamento de uma quantia não superior aos encargos e taxas exigidos aos nacionais para a emissão de documentos semelhantes».

 Legislação nacional

16      O artigo 24.°, n.° 2, da Lei de revisão geral da lei relativa aos estrangeiros (Wet tot algehele herziening van de Vreemdelingenwet), de 23 de novembro de 2000 (Stb. 2000, n.° 495, a seguir «VW»), dispõe:

«Nos casos determinados pelo [Ministro competente] e de acordo com as regras por este decretadas, o estrangeiro é devedor de taxas fiscais pelo tratamento do pedido. Para o efeito, [o Ministro competente] pode, por outro lado, estabelecer que o estrangeiro pague taxas fiscais pela emissão de um documento que ateste a sua residência regular. Se o pagamento não for efetuado, o pedido não é tomado em consideração ou o documento não é emitido.»

17      O artigo 24.°, n.° 2, da VW foi implementado pelos artigos 3.34 a 3.34 i do Regulamento de 2000 relativo aos estrangeiros (Voorschrift Vreemdelingen 2000, a seguir «VV»).

18      Os referidos artigos 3.34 a 3.34 i fixam as taxas fiscais que os nacionais de países terceiros devem pagar, com exceção dos nacionais turcos, quando pedem um título de residência, de acordo com os montantes que se seguem:

Tipo de pedido

EUR

Disposição legal

Estatuto de residente de longa duração

201

Artigo 3.34 g, n.° 1, do VV

Autorização de residência para, nomeadamente, exercer uma atividade profissional ou estudar

433

Artigo 3.34, n.° 2, alínea a), do VV

Autorização de residência por outros motivos

331

Artigo 3.34, n.° 2, do VV

Autorização de residência para os membros da família acompanhantes

188

Artigo 3.34, n.° 1, do VV

Reagrupamento familiar/Constituição de família ― membros da família não acompanhantes

830

Artigo 3.34, n.° 2, alínea b), do VV


19      O artigo 3.34 f do VV prevê uma possibilidade de isenção do pagamento das taxas fiscais sempre que tal se justifique com base no artigo 8.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950. O n.° 3 desta disposição do VV tem a seguinte redação:

«Em derrogação do artigo 3.34 c, alínea b), o estrangeiro não nacional comunitário não está sujeito a taxas fiscais pela análise de um pedido de alteração do título de residência, no âmbito de uma autorização de residência como referido no artigo 14.° da [VW], por um motivo de residência referido no artigo 3.4, n.° 1, alínea a), do [VV], se o referido estrangeiro o solicitar, caso se justifique à luz do artigo 8.° da [referida Convenção] e se demonstrar não dispor de recursos suficientes para pagar as taxas fiscais.»

 Procedimento pré‑contencioso

20      Uma vez que lhe foram submetidas denúncias, por parte de nacionais de países terceiros, a respeito da cobrança das taxas previstas pela legislação neerlandesa em matéria de emissão de títulos de residência a esses residentes, a Comissão pediu esclarecimentos às autoridades neerlandesas, por carta de 30 de novembro de 2007.

21      Essas autoridades expuseram a respetiva interpretação da legislação aplicável em carta de 7 de fevereiro de 2008. Não contestaram os montantes das taxas cobradas aos referidos nacionais, mas afirmaram que, uma vez que a Diretiva 2003/119 não regulamentou a questão do montante dessas taxas, a competência nessa matéria é dos Estados‑Membros.

22      Nestas condições, a Comissão dirigiu, em 27 de junho de 2008, uma notificação para cumprir ao Reino dos Países Baixos, na qual sublinhava que as taxas fiscais exigidas aos nacionais de países terceiros beneficiários dos direitos conferidos pela Diretiva 2003/109 devem ser equitativas. Estas taxas não devem em algum caso desencorajar estes nacionais, caso preencham as condições previstas por esta diretiva, de fazer valer os direitos que a mesma lhes atribui. Mesmo pressupondo que o custo real da análise dos pedidos dos referidos nacionais excede o da análise dos pedidos de cidadãos da União, o montante de taxas exigidas pelo Reino dos Países Baixos é desproporcionado.

23      Por considerar que a resposta do Reino dos Países Baixos à referida notificação para cumprir era insuficiente, a Comissão enviou‑lhe, em 23 de março de 2009, um parecer fundamentado instando‑o para que tomasse as medidas necessárias para dar cumprimento a esse parecer no prazo de dois meses após a respetiva notificação.

24      Por carta de 25 de maio de 2009, o Reino dos Países Baixos respondeu ao referido parecer fundamentado sublinhando de novo a competência dos Estados‑Membros para cobrar taxas fiscais no âmbito da aplicação da Diretiva 2003/109, na condição todavia de essa cobrança não tornar impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos por esta diretiva. Segundo esse Estado‑Membro, os montantes das taxas impostas pela legislação neerlandesa, calculados em função do custo real das formalidades, não obstam ao exercício dos seus direitos pelos nacionais de países terceiros em causa.

25      Foi nestas circunstâncias que a Comissão se decidiu pela propositura da presente ação.

26      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 12 de abril de 2011, a República Helénica foi autorizada a intervir em apoio dos pedidos do Reino dos Países Baixos.

 Quanto à ação

 Quanto à admissibilidade da ação

 Argumentos das partes

27      O Reino dos Países Baixos alega que a ação deve ser declarada inadmissível.

28      Com efeito, por um lado, o pedido da Comissão não diz respeito à violação de nenhuma disposição precisa da Diretiva 2003/109. O décimo considerando desta diretiva, no qual a Comissão baseia predominantemente a sua ação, não tem caráter jurídico vinculativo e não estabelece obrigações autónomas. Embora seja verdade que se refere igualmente à obrigação de cooperação leal prevista no artigo 10.° CE, atual artigo 4.°, n.° 3, TUE, a Comissão não explicitou em que medida as suas acusações a respeito das taxas fiscais em causa se baseiam nesta disposição.

29      O Reino dos Países Baixos alega, além disso, que a Comissão não invocou, em algum momento durante a fase pré‑contenciosa, uma acusação segundo a qual a legislação neerlandesa é contrária ao sistema, à economia ou ao espírito da referida diretiva. A este respeito, mesmo que se considerasse que a Comissão tem o direito de acrescentar essa acusação numa fase avançada do processo de ação por incumprimento, esse Estado‑Membro defende que, contrariamente ao acórdão de 29 de novembro de 2001, Comissão/Itália (C‑202/99, Colet., p. I‑9319), no qual o Tribunal de Justiça admitiu tal acusação, na presente ação, não é visada nenhuma disposição vinculativa do direito da União.

30      Por outro lado, o Reino dos Países Baixos contesta o alcance da ação proposta pela Comissão na medida em que, em seu entender, esta limitou o dispositivo da sua petição às taxas fiscais exigidas aos nacionais de países terceiros para a obtenção do estatuto de residente de longa duração previsto no capítulo II da Diretiva 2003/109. A presente ação não pode, portanto, incidir nas taxas reclamadas em razão de pedidos apresentados com base no capítulo III desta diretiva.

31      Nestas circunstâncias, o referido Estado‑Membro considera que o pedido da Comissão deve ser declarado inadmissível.

32      A Comissão contesta a exceção de inadmissibilidade suscitada pelo Reino dos Países Baixos. Por um lado, uma ação que procura estabelecer que a legislação neerlandesa é contrária ao sistema, à economia ou ao espírito da diretiva é claramente admissível, como declarou o Tribunal de Justiça no acórdão Comissão/Itália, já referido. Por outro lado, a Comissão alega que, apesar da apresentação sumária, nas conclusões da petição, das suas objeções a respeito da legislação neerlandesa, esse Estado‑Membro pôde determinar com precisão o alcance da ação dessa instituição. O facto de este último ter fornecido explicações detalhadas e feito valer os seus fundamentos de defesa a respeito de todos os elementos apresentados pela Comissão durante o procedimento pré‑contencioso constitui, de resto, prova da justeza desta alegação.

 Apreciação do Tribunal

33      Há que recordar, a título preliminar, que, no âmbito de uma ação por incumprimento, a fase pré‑contenciosa tem por finalidade dar ao Estado‑Membro em questão a oportunidade, por um lado, de cumprir as suas obrigações decorrentes do direito da União e, por outro, de invocar utilmente os seus meios de defesa contra as acusações formuladas pela Comissão (acórdão de 24 de junho de 2004, Comissão/França, C‑340/02, Colet., p. I‑9845, n.° 25).

34      O objeto de uma ação intentada ao abrigo do artigo 258.° TFUE está, consequentemente, circunscrito pelo procedimento pré‑contencioso previsto nessa disposição. A regularidade desse procedimento constitui uma garantia essencial pretendida pelo Tratado FUE, não apenas para a proteção dos direitos do Estado‑Membro em causa mas igualmente para assegurar que o eventual processo contencioso tenha por objeto um litígio claramente definido (v. acórdãos de 13 de dezembro de 2001, Comissão/França, C‑1/00, Colet., p. I‑9989, n.° 53, e de 29 de abril de 2010, Comissão/Alemanha, C‑160/08, Colet., p. I‑3713, n.° 42).

35      Por força dos artigos 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e 38.°, n.° 1, alínea c), do seu Regulamento de Processo, incumbe à Comissão, nas petições apresentadas nos termos do artigo 258.° TFUE, indicar as acusações exatas sobre as quais o Tribunal de Justiça se deve pronunciar, bem como, de forma pelo menos sumária, os elementos de direito e de facto em que essas acusações se baseiam (v., designadamente, acórdãos de 13 de dezembro de 1990, Comissão/Grécia, C‑347/88, Colet., p. I‑4747, n.° 28, e de 16 de junho de 2005, Comissão/Itália, C‑456/03, Colet., p. I‑5335, n.° 23).

36      Daqui resulta que a ação da Comissão deve conter uma exposição coerente e pormenorizada das razões que a conduziram à convicção de que o Estado‑Membro em causa não cumpriu uma das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados.

37      No âmbito da presente ação, há que referir que a mesma contém uma exposição clara dos elementos de facto e de direito em que se baseia. Com efeito, decorre tanto do procedimento pré‑contencioso, nomeadamente do parecer fundamentado enviado pela Comissão ao Reino dos Países Baixos, como da petição que aquela instituição alega essencialmente que o montante desproporcionado das taxas reclamadas ao nacionais de países terceiros por esse Estado‑Membro, a título de aplicação da Diretiva 2003/109, prejudica o objetivo prosseguido pela mesma diretiva e obsta ao exercício dos direitos que esta confere a estes nacionais.

38      É na verdade pacífico que, na sua petição, a Comissão não procurou demonstrar a violação de uma disposição precisa da Diretiva 2003/109 pelo Reino dos Países Baixos, mas defendeu, pelo contrário, à luz dos seus considerandos, que esse Estado‑Membro violou a economia geral, o espírito, o objetivo e, por isso, o efeito útil desta diretiva.

39      Todavia, o Tribunal de Justiça já declarou que, quando a Comissão alega que uma legislação nacional é contrária ao sistema, à economia ou ao espírito de uma diretiva de harmonização, sem que a violação do direito da União que daí decorre possa ser ligada a disposições específicas dessa diretiva, a sua petição inicial não pode, apenas por este facto, ser qualificada como inadmissível (acórdão de 29 de novembro de 2001, Comissão/Itália, já referido, n.° 23).

40      Como salientou o advogado‑geral no n.° 38 das suas conclusões, a menção pela Comissão, na réplica, do acórdão citado no número precedente visava responder à exceção de inadmissibilidade suscitada pelo Reino dos Países Baixos na sua contestação e não constitui uma alteração do objeto do incumprimento qualificado de contrário às exigências do artigo 258.° TFUE.

41      Importa igualmente salientar que, no caso vertente, o referido Estado‑Membro pôde apresentar utilmente os seus argumentos de defesa a respeito das acusações formuladas pela Comissão, e isto apesar do teor sucinto das conclusões da petição.

42      Com efeito, a Comissão visou expressamente, na notificação para cumprir, no parecer fundamentado e na petição, não só a situação dos nacionais de países terceiros que solicitam a concessão do estatuto de residente de longa duração, que está abrangida pelo capítulo II da Diretiva 2003/109, mas também a dos nacionais de países terceiros que já tenham adquirido esse estatuto num outro Estado‑Membro e solicitam para si próprios ou para os seus familiares o direito de residir em território neerlandês, situação abrangida pelo capítulo III desta diretiva. Por outro lado, o alcance da ação resulta muito claramente das conclusões do parecer fundamentado, do qual decorre que, ao citar os artigos 7.°, 8.°, 15.° e 16.° da referida diretiva, a Comissão pretendeu abranger as taxas fiscais reclamadas pelos pedidos de títulos de residência abrangidos tanto pelo capítulo II como pelo capítulo III da mesma diretiva.

43      O facto de as conclusões da petição se referirem unicamente ao «pagamento de taxas elevadas e injustas aos nacionais de países terceiros e aos seus familiares que solicitem o estatuto de residente de longa duração» não pode ser considerado limitativo do alcance da ação somente aos pedidos de nacionais de países terceiros abrangidos pelo capítulo II da Diretiva 2003/109, pelos quais as autoridades neerlandesas reclamam um montante de 201 euros, quando decorre das conclusões da petição, lidas à luz da sua fundamentação, que visa igualmente o montante de taxas reclamadas aos nacionais de países terceiros, bem como aos membros da sua família ao abrigo do capítulo III da mesma diretiva.

44      Resulta do exposto que a ação por incumprimento da Comissão deve ser declarada admissível e, na medida em que, quanto ao restante, os argumentos do Reino dos Países Baixos pretendam contestar a existência do incumprimento imputado, importará examinar a respetiva justeza na análise de mérito do presente litígio.

 Quanto ao mérito

 Argumentos das partes

45      Importa observar que os argumentos das partes se articulam em torno de três elementos, a saber, a existência ou não de um entrave ao exercício dos direitos conferidos pela Diretiva 2003/109, o caráter desproporcionado das taxas fiscais reclamadas aos nacionais de países terceiros e a comparação entre estes e os cidadãos da União e, portanto, entre as Diretivas 2003/109 e 2004/38, no que diz respeito ao montante destas taxas.

46      A Comissão não contesta o princípio da cobrança de taxas fiscais pela emissão das autorizações e dos títulos de residência previstos na Diretiva 2003/109 nem a margem de apreciação de que, na falta de uma disposição específica na diretiva, os Estados‑Membros dispõem para determinar o seu montante. Todavia, a Comissão entende, à luz do décimo considerando da mesma diretiva, que essas taxas devem ser de um montante razoável e equitativo, não devendo impedir nem dissuadir os nacionais de países terceiros que preencham as condições enunciadas na referida diretiva de exercer o direito de residência que esta lhes confere.

47      Nos Países Baixos, os montantes pagos pelos nacionais de países terceiros que pedem o estatuto de residente de longa duração ou que fazem um pedido de residência nesse Estado‑Membro após terem obtido esse estatuto num outro Estado‑Membro são cerca de 7 a 27 vezes superiores aos previstos para os cidadãos da União pelo tratamento dos seus pedidos destinados a obter um título de residência. Segundo a Comissão, estes montantes elevados, que entravam o exercício dos direitos consagrados pela Diretiva 2003/109, prejudicam o efeito útil desta.

48      Baseando‑se no segundo considerando da Diretiva 2003/109, a Comissão alega que as taxas fiscais exigidas nos termos desta diretiva devem ser de um montante «comparável» ao das taxas que os cidadãos da União que exercem o seu direito à livre circulação têm de pagar para obter documentos semelhantes. A este respeito, a Comissão reconhece que a situação jurídica dos nacionais de países terceiros não é idêntica à dos cidadãos da União e que não gozam dos mesmos direitos. Todavia, uma vez que a finalidade desta diretiva é análoga à da Diretiva 2004/38, considera desproporcionado que, para inquéritos comparáveis que prosseguem objetivos semelhantes, o montante de taxas fiscais exigidas aos referidos nacionais seja muitas vezes superior ao considerado razoável para os cidadãos da União no contexto da Diretiva 2004/38. O montante máximo fixado por esta última diretiva deve, portanto, ser considerado um indicador importante para a determinação de um montante equitativo na aceção da Diretiva 2003/109 e não suscetível de desencorajar os interessados de apresentarem um pedido destinado a obter o estatuto de residente de longa duração.

49      A fim de sublinhar a natureza desproporcionada das taxas em causa no caso vertente, a Comissão refere os n.os 74 e 75 do acórdão de 29 de abril de 2010, Comissão/Países Baixos (C‑92/07, Colet., p. I‑3683), no qual o Tribunal de Justiça declarou que o Reino dos Países Baixos, ao instituir e manter, para a emissão de autorizações de residência aos nacionais turcos, taxas desproporcionadas em relação às que são exigidas aos nacionais dos Estados‑Membros, violou as suas obrigações decorrentes do direito da União. No presente processo, o montante das taxas fiscais exigidas pelas autoridades neerlandesas para a emissão dos documentos previstos pela Diretiva 2003/109 deve, a fortiori, ser igualmente considerado desproporcionado.

50      O Reino dos Países Baixos contesta a pertinência da Diretiva 2004/38 para definir o âmbito do conceito de processo «equitativo» que figura no décimo considerando da Diretiva 2003/109. Em seu entender, a Diretiva 2004/38 é mais recente que a Diretiva 2003/109 e diz respeito a um quadro jurídico distinto. Com efeito, enquanto a autorização de residência concedida nos termos da Diretiva 2004/38 tem unicamente um efeito declarativo, dado que o direito fundamental dos cidadãos da União de circular e de residir livremente no território dos Estados‑Membros decorre do próprio Tratado FUE, a autorização concedida nos termos da Diretiva 2003/109 tem um efeito constitutivo.

51      Da mesma forma, o referido Estado‑Membro alega que a ação da Comissão não tem em conta a génese da Diretiva 2003/109. O legislador da União decidiu expressamente não prever uma disposição relativa à cobrança de taxas fiscais, tendo sido rejeitada uma proposta da Comissão nesse sentido. O legislador optou por deixar aos Estados‑Membros o poder de determinar o montante das taxas fiscais exigíveis nos termos desta diretiva.

52      Segundo o Reino dos Países Baixos, o acórdão Comissão/Países Baixos, já referido, não é transponível para o presente processo. Em primeiro lugar, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que as taxas em causa no processo que deu origem ao referido acórdão têm caráter desproporcionado, fê‑lo à luz da cláusula de «standstill» prevista pela Decisão n.° 1/80, adotada em 19 de setembro de 1980 pelo Conselho de Associação, instituído pelo Acordo que cria uma Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, assinado em 12 de setembro de 1963, em Ancara, pela República da Turquia, por um lado, e pelos Estados‑Membros da CEE e a Comunidade, por outro, e concluído, aprovado e confirmado em nome desta pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de dezembro de 1963 (JO 1964, 217, p. 3685; EE 11 F1 p. 18), a qual se opõe à introdução de novas restrições na ordem jurídica do Estado‑Membro em causa. Em segundo lugar, embora o artigo 59.° do protocolo adicional, assinado em 23 de novembro de 1970, em Bruxelas, e concluído, aprovado e confirmado em nome da Comunidade pelo Regulamento (CEE) n.° 2760/72 do Conselho, de 19 de dezembro de 1972 (JO L 293, p. 1; EE 11 F1 p. 213), imponha uma comparação entre o montante de taxas fiscais exigidas aos nacionais turcos e as reclamadas aos cidadãos da União, tal requisito comparativo entre estes últimos e os nacionais de países terceiros residentes de longa duração não figura na Diretiva 2003/109.

53      O referido Estado‑Membro alega igualmente que a Comissão não demonstrou que os nacionais de países terceiros estão, em função do montante das taxas fiscais reclamadas, impedidos de exercer os direitos conferidos pela Diretiva 2003/109. Os pedidos de concessão do estatuto de residente de longa duração aumentaram rapidamente entre 2006 e 2009, o que não indicia de modo nenhum um efeito restritivo do montante dessas taxas fiscais. Da mesma forma, a mera circunstância de as taxas em vigor, em caso de pedido de estatuto de residente de longa duração, serem mais elevadas que o montante previsto para os cidadãos da União que pedem documentos análogos não é, em si mesma, sinónimo de entrave. Por outro lado, o inquérito a efetuar no caso de pedidos provenientes de nacionais de países terceiros é consideravelmente mais aprofundado do que aquele que se realiza no caso dos cidadãos da União.

54      A República Helénica, nas suas alegações de intervenção em apoio das conclusões do Reino dos Países Baixos, alega que as Diretivas 2003/109 e 2004/38 têm objetivos diferentes e sublinha igualmente uma diferença no que diz respeito às condições e aos procedimentos previstos por estas diretivas.

55      Segundo o referido Estado‑Membro, para fixar as taxas fiscais exigidas pela emissão de uma autorização ou de um título de residência aos nacionais de países terceiros de longa duração importa ter em conta, por um lado, o montante da contrapartida correspondente ao custo dos serviços administrativos fornecidos para o controlo não só do direito de residência mas também da integração das pessoas em questão, enquanto condição necessária para a aquisição do estatuto de residente de longa duração, e, por outro lado, o equilíbrio financeiro do sistema nacional de gestão da imigração, no seu conjunto, enquanto fundamento decorrente do interesse geral.

 Apreciação do Tribunal

56      A título preliminar, importa observar que o montante das taxas fiscais reclamadas aos nacionais de países terceiros pelo Reino dos Países Baixos, que constituem o objeto da presente ação, varia entre 188 euros e 830 euros.

57      Em resposta às questões escritas colocadas pelo Tribunal de Justiça, o Reino dos Países Baixos explicou a que correspondem os montantes reclamados.

58      Assim, é reclamado um montante de 201 euros para a autorização de residência de longa duração – CE emitido pelo Reino dos Países Baixos a favor de um nacional de país terceiro nos termos do artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 2003/109, disposição que faz parte do capítulo II desta. Esta autorização é emitida a favor dos nacionais de países terceiros que tenham adquirido o estatuto de residente de longa duração em conformidade com os artigos 4.°, 5.° e 7.°, n.° 2, desta diretiva.

59      O montante de 433 euros corresponde às taxas fiscais reclamadas a um nacional de países terceiros que, depois de ter adquirido o estatuto de residente de longa duração num primeiro Estado‑Membro, pede, ao abrigo do artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2003/109, o direito de residir em território neerlandês. Esse pedido de residência cobre o exercício de uma atividade económica por conta de outrem ou independente ou o prosseguimento de estudos ou de uma formação profissional, em conformidade com o n.° 2, alíneas a) e b), do referido artigo.

60      Para os «outros» pedidos de residência, visados pelo artigo 14.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva 2003/109, é reclamado aos nacionais de países terceiros um montante de 331 euros.

61      Quanto aos montantes exigíveis aos membros da família de nacionais de países terceiros que pedem autorizações de residência nos Países Baixos nos termos do artigo 16.° da Diretiva 2003/109, tanto este como a legislação nacional distinguem entre os pedidos apresentados pelos membros da família do residente de longa duração quando a família já está constituída no primeiro Estado‑Membro no qual este residente adquiriu o seu estatuto e os pedidos apresentados pelos membros da família quando esta não está constituída no primeiro Estado‑Membro. Enquanto para a primeira categoria de residentes é reclamado um montante de 188 euros a todos os membros da família, para a segunda categoria é exigido um montante de 830 euros ao primeiro membro dessa família que apresente um pedido ao abrigo do referido artigo 16.°, e um montante de 188 euros a cada um dos outros membros da família.

62      No que respeita às obrigações que incumbem aos Estados‑Membros por força da Diretiva 2003/109 quanto às taxas reclamadas aos nacionais de países terceiros e aos membros da sua família para a emissão de títulos e autorizações de residência, importa, em primeiro lugar, recordar que nenhuma disposição desta diretiva fixa o montante das taxas que os Estados‑Membros podem exigir para a emissão desses documentos.

63      Como alegou o Reino dos Países Baixos, embora a proposta de diretiva apresentada pela Comissão previsse a emissão das autorizações de residência a título gratuito ou contra o pagamento de um montante que não ultrapassasse os direitos e taxas exigidos aos nacionais do Estado‑Membro em causa para a emissão dos bilhetes de identidade, o legislador da União, ao adotar a Diretiva 2003/109, decidiu não incluir essa disposição no seu texto.

64      Não é portanto contestado, inclusive pela Comissão, que os Estados‑Membros podem sujeitar a emissão de autorizações e de títulos de residência nos termos da Diretiva 2003/109 ao pagamento de taxas nem que, ao fixar o montante dessas taxas, gozam de margem de apreciação.

65      Todavia, o poder de apreciação concedido aos Estados‑Membros pela Diretiva 2003/109 a este respeito não é ilimitado. Com efeito, estes últimos não podem aplicar uma legislação nacional suscetível de pôr em perigo a realização dos objetivos prosseguidos por uma diretiva e, portanto, privá‑la do seu efeito útil (v., neste sentido, acórdão de 28 de abril de 2011, El Dridi, C‑61/11 PPU, Colet., p. I‑3015, n.° 55).

66      Como decorre do quarto, sexto e décimo segundo considerandos da Diretiva 2003/109, o objetivo principal desta é a integração dos nacionais de países terceiros que estão instalados de forma duradoura nos Estados‑Membros. O direito dos residentes de longa duração e dos membros da sua família num outro Estado‑Membro, previsto no capítulo III da mesma diretiva, visa igualmente contribuir para a realização efetiva do mercado interno enquanto espaço onde a livre circulação de todas as pessoas é assegurada, como decorre do décimo oitavo considerando da referida diretiva.

67      Tanto para a primeira categoria de nacionais de países terceiros abrangida pelo capítulo II da Diretiva 2003/109 como para a segunda categoria, cujos pedidos de residência num outro Estado‑Membro estão abrangidos pelo capítulo III da mesma diretiva, esta estabelece, nomeadamente nos seus artigos 4.°, 5.°, 7.° e 14.° a 16.°, condições precisas substantivas e processuais que devem ser respeitadas antes de os Estados‑Membros em causa emitirem as autorizações de residência pedidas. No essencial, os requerentes devem provar que dispõem de recursos suficientes e de um seguro de doença, para evitar tornarem‑se num encargo para o Estado‑Membro em causa, e devem apresentar às autoridades competentes um pedido acompanhado dos documentos justificativos necessários.

68      Tendo em conta o objetivo prosseguido pela Diretiva 2003/109 e o sistema que esta implementa, importa salientar que, na medida em que os nacionais de países terceiros preencham as condições e respeitem os procedimentos previstos por esta diretiva, têm o direito de obter o estatuto de residente de longa duração assim como os outros direitos que decorrem da concessão desse estatuto.

69      Assim, embora o Reino dos Países Baixos tenha a faculdade de sujeitar a emissão das autorizações de residência nos termos da Diretiva 2003/109 à cobrança de taxas, o nível a que estas são fixadas não deve ter por objeto nem por efeito criar um obstáculo à obtenção do estatuto de residente de longa duração conferido por esta diretiva, sob pena de prejudicar tanto o objetivo prosseguido por esta como o seu espírito.

70      Taxas fiscais com uma incidência financeira considerável relativamente aos nacionais de países terceiros que preencham as condições previstas pela Diretiva 2003/109 para a concessão dessas autorizações podem privar esses nacionais da possibilidade de exercer os direitos conferidos por esta diretiva, contrariamente ao segundo considerando da mesma.

71      Ora, como decorre do referido considerando, o sistema de regras processuais que regem o exame dos pedidos de aquisição do estatuto de residente de longa duração não deve constituir um fundamento para impedir o exercício do direito de residência.

72      Tendo em conta a relação estreita entre os direitos concedidos aos nacionais de países terceiros pelo capítulo II da Diretiva 2003/109 e os que decorrem do capítulo III desta, aplicam‑se as mesmas considerações no que respeita aos pedidos de autorização de residência apresentados, em conformidade com os artigos 14.° a 16.° desta diretiva, pelos nacionais de países terceiros e pelos membros da sua família num Estado‑Membro diferente daquele que concedeu o estatuto de residente de longa duração.

73      Daqui resulta que, na medida em que o montante elevado das taxas reclamadas aos nacionais de países terceiros pelo Reino dos Países Baixos é suscetível de criar um obstáculo ao exercício dos direitos conferidos pela Diretiva 2003/109, a legislação neerlandesa põe em causa o objetivo prosseguido por esta diretiva e priva a mesma do seu efeito útil.

74      Importa, por outro lado, salientar que, como recordado no n.° 65 do presente acórdão, o poder de apreciação de que dispõe o Reino dos Países Baixos para fixar o montante das taxas que podem ser exigidas aos nacionais de países terceiros para a emissão de autorizações de residência ao abrigo dos capítulos II e III da Diretiva 2003/109 não é ilimitado e não permite, portanto, prever o pagamento de taxas que são excessivas à luz da sua incidência financeira considerável nestes nacionais.

75      Com efeito, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, os meios implementados pela legislação nacional que transpôs a Diretiva 2003/109 devem ser aptos a realizar os objetivos visados por esta legislação e não devem ir além do que é necessário para os alcançar.

76      É verdade que não se pode excluir que o montante das taxas fiscais aplicáveis aos nacionais de países terceiros abrangidos pela Diretiva 2003/109 possa variar em função do tipo de autorização de residência pedida e das verificações que o Estado‑Membro deve realizar a esse respeito. Como decorre do n.° 61 do presente acórdão, esta diretiva faz ela própria uma distinção, no seu artigo 16.°, no que diz respeito à emissão de autorizações de residência aos membros da família do nacional de país terceiro consoante esta tenha sido constituída ou não no Estado‑Membro que concedeu a esse nacional o seu estatuto de residente de longa duração.

77      Todavia, importa salientar que, no caso vertente, os montantes das taxas reclamadas pelo Reino dos Países Baixos variam dentro de um parâmetro cujo valor mais baixo é cerca de sete vezes superior ao montante a pagar para obter um bilhete nacional de identidade. Mesmo que os cidadãos neerlandeses e os nacionais de países terceiros e os membros da sua família visados pela Diretiva 2003/109 não se encontrem numa situação idêntica, essa variação demonstra o caráter desproporcionado das taxas reclamadas em cumprimento da legislação nacional em causa no caso vertente.

78      Uma vez que as taxas fiscais reclamadas pelo Reino dos Países Baixos ao abrigo da legislação nacional que implementa a Diretiva 2003/109 são, em si mesmas, desproporcionadas e suscetíveis de criar um obstáculo ao exercício dos direitos conferidos por esta diretiva, não é necessário analisar o argumento suplementar da Comissão, segundo o qual importa comparar as taxas exigidas aos nacionais de países terceiros e a membros da sua família a título da referida diretiva e as taxas cobradas aos cidadãos da União pela emissão de documentos semelhantes nos termos da Diretiva 2004/38.

79      Consequentemente, importa concluir que, ao aplicar aos nacionais de países terceiros que solicitam a aquisição do estatuto de residente de longa duração nos Países Baixos e aos que, tendo adquirido esse estatuto num Estado‑Membro diferente do Reino dos Países Baixos, requerem o exercício do seu direito de residência nesse Estado‑Membro, bem como aos membros da sua família que pedem autorização para os acompanhar ou para se juntar a eles, taxas fiscais excessivas e desproporcionadas, suscetíveis de criar um obstáculo ao exercício dos direitos conferidos pela Diretiva 2003/109, o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força desta diretiva.

 Quanto às despesas

80      Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do n.° 4, primeiro parágrafo, do referido artigo, os Estados‑Membros que intervenham no processo devem suportar as respetivas despesas.

81      Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino dos Países Baixos e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas. A República Federal da Alemanha, que interveio no processo, suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      Ao aplicar aos nacionais de países terceiros que solicitam a aquisição do estatuto de residente de longa duração nos Países Baixos e aos que, tendo adquirido esse estatuto num outro Estado‑Membro diferente do Reino dos Países Baixos, requerem o exercício do seu direito de residência nesse Estado‑Membro, bem como aos membros da sua família que pedem autorização para os acompanhar ou para se juntar a eles, taxas fiscais excessivas e desproporcionadas, suscetíveis de criar um obstáculo ao exercício dos direitos conferidos pela Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força desta diretiva.

2)      O Reino dos Países Baixos é condenado nas despesas.

3)      A República Helénica suportará as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.