Language of document : ECLI:EU:C:2018:349

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

30 de maio de 2018 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Marca da União Europeia — Pedidos de registo da marca nominativa KENZO ESTATE — Marca nominativa da União Europeia anterior KENZO — Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Artigo 8.o, n.o 5 — Motivo relativo de recusa de registo — Prestígio — Justificação»

Nos processos apensos C‑85/16 P e C‑86/16 P,

que têm por objeto dois recursos de decisões do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interpostos em 11 de fevereiro de 2016,

Kenzo Tsujimoto, residente em Osaca (Japão), representado por A. Wenninger‑Lenz, M. Ring e W. von der Osten‑Sacken, Rechtsanwälte,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por A. Folliard‑Monguiral, na qualidade de agente,

recorrido em primeira instância,

Kenzo, com sede em Paris (França), representada por P. Roncaglia, G. Lazzeretti, F. Rossi e N. Parrotta, avvocati,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: E. Levits, presidente de secção, A. Borg Barthet (relator) e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 7 de dezembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1        Com os seus recursos, Kenzo Tsujimoto pede a anulação dos Acórdãos do Tribunal Geral da União Europeia de 2 de dezembro de 2015, Tsujimoto/IHMI — Kenzo (KENZO ESTATE) (T‑414/13, não publicado, EU:T:2015:923), e de 2 de dezembro de 2015, Tsujimoto/IHMI — Kenzo (KENZO ESTATE) (T‑522/13, não publicado, EU:T:2015:922) (a seguir, em conjunto, «acórdãos recorridos»), através dos quais o Tribunal Geral negou provimento aos seus recursos de anulação das decisões da Segunda Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), respetivamente, de 22 de maio de 2013 (processo R 333/2012‑2) e de 3 de julho de 2013 (processo R 1363/2012‑2), relativas a um processo de oposição entre a Kenzo e K. Tsujimoto.

 Quadro jurídico

2        Os pedidos de registo em causa foram apresentados pelo recorrente, um, ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), conforme alterado (a seguir «Regulamento n.o 40/94»), e, o outro, ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca [da União Europeia] (JO 2009, L 78, p. 1), que entrou em vigor em 13 de abril 2009, operou uma codificação do Regulamento n.o 40/94 e revogou‑o.

3        O artigo 8.o do Regulamento n.o 207/2009, com a epígrafe «Motivos relativos de recusa», dispõe, no seu n.o 5:

«Após oposição do titular de uma marca anterior na aceção do n.o 2, será igualmente recusado o pedido de registo de uma marca idêntica ou semelhante à marca anterior e, se essa marca se destinar a ser registada para produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca anterior foi registada, sempre que, no caso de uma marca [da União Europeia] anterior, esta goze de prestígio na [União Europeia] e, no caso de uma marca nacional anterior, esta goze de prestígio no Estado‑Membro em questão, e sempre que a utilização injustificada e indevida da marca para a qual foi pedido o registo beneficie do caráter distintivo ou do prestígio da marca anterior ou possa prejudicá‑los.»

4        O artigo 76.o deste regulamento, com a epígrafe «Exame oficioso dos factos», prevê, no seu n.o 2:

«O Instituto pode não tomar em consideração os factos que as partes não tenham alegado ou as provas que não tenham sido produzidas em tempo útil.»

5        As regras de execução do Regulamento n.o 40/94 estão fixadas no Regulamento (CE) n.o 2868/95 da Comissão, de 13 de dezembro de 1995 (JO 1995, L 303, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1041/2005 da Comissão, de 29 de junho de 2005 (JO 2005, L 172, p. 4) (a seguir «regulamento de execução»). Este regulamento de execução é também aplicável ao Regulamento n.o 207/2009.

6        A regra 19 do regulamento de execução, com a epígrafe «Fundamentação da oposição», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      O Instituto dará oportunidade ao oponente para apresentar os factos, comprovativos e argumentos que fundamentem a respetiva oposição ou para completar quaisquer factos, comprovativos ou argumentos que já tenham sido apresentados nos termos do n.o 3 da regra 15, no prazo fixado pelo Instituto e que será de, pelo menos, dois meses a contar da data em que se considera que o processo de oposição teve início, nos termos do disposto no n.o 1 da regra 18.

2.      No prazo estabelecido no n.o 1, o oponente apresentará igualmente provas da existência, validade e âmbito de proteção da sua marca anterior ou direito anterior, bem como comprovativos da sua legitimidade para apresentar a oposição. O oponente deve apresentar, nomeadamente, os seguintes comprovativos:

[…]»

7        A regra 20 deste regulamento de execução, com a epígrafe «Exame da oposição», dispõe, no seu n.o 1:

«Se, até ao termo do prazo estabelecido no n.o 1 da regra 19, o oponente não apresentar provas da existência, validade e âmbito de proteção da sua marca anterior ou direito anterior, bem como da sua legitimidade para apresentar a oposição, a oposição é rejeitada por falta de fundamento.»

8        A regra 50, n.o 1, terceiro parágrafo, do regulamento de execução prevê:

«Se o recurso tiver por objeto uma decisão de uma Divisão de Oposição, a câmara limitará a respetiva apreciação do recurso aos factos e provas apresentados nos prazos estabelecidos pela Divisão de Oposição nos termos do Regulamento e das presentes regras, salvo se a câmara considerar que devem ser tomados em conta factos adicionais ou suplementares de acordo com o disposto no n.o 2 do [artigo 76.o] do Regulamento [n.o 207/2009].»

 Antecedentes dos litígios e acórdãos recorridos

 Processo C85/16 P

9        Em 21 de janeiro de 2008, o recorrente apresentou um pedido de registo internacional que designa a União, notificado ao EUIPO em 13 de março de 2008, ao abrigo do Regulamento n.o 40/94.

10      A marca cujo registo é pedido é o sinal nominativo KENZO ESTATE.

11      Os produtos para os quais é pedido o registo internacional pertencem à classe 33 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para efeitos do registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição: «Vinho; bebidas alcoólicas à base de fruta; licores ocidentais (em geral)».

12      O pedido de registo foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias n.o 12/2008, de 17 de março de 2008.

13      Em 16 de dezembro de 2008, a Kenzo deduziu oposição ao registo internacional da marca pedida para os produtos referidos no n.o 11, supra, ao abrigo do artigo 41.o do Regulamento n.o 207/2009.

14      A oposição tinha como fundamento a marca nominativa comunitária anterior KENZO, registada em 20 de fevereiro de 2001, sob o número 720706, para produtos pertencentes às classes 3, 18 e 25 na aceção do Acordo de Nice e que correspondem, no que respeita a cada uma destas classes, à seguinte descrição:

–        classe 3: «Preparações para branquear e outras substâncias para a lavagem; preparações para limpar, polir, desengordurar e raspar; sabões; perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, loções para os cabelos; dentífricos»;

–        classe 18: « Couro e imitações de couro, cintos, sacos, malas de senhora, malas e maletas de viagem, sacolas, sacos de viagem e outros artigos de bagagem; trelas, carteiras, porta‑documentos, pastas, bolsinhas (marroquinaria), porta‑moedas, estojos para chaves (marroquinaria), caixas e cofres em couro e imitações de couro, porta‑cartões, porta‑livros de cheques, pastas de executivo, maletas para produtos de maquilhagem, estojos de viagem (marroquinaria); estojos de toilette e de maquilhagem (não equipados), peles de animais; chapéus de chuva, chapéus de sol e bengalas; chicotes e selaria»; e

–        classe 25: «Vestuário, calçado (com exceção do calçado ortopédico), chapelaria».

15      O fundamento invocado para a oposição foi o previsto no artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009.

16      Por decisão de 20 de dezembro de 2011, a Divisão de Oposição julgou a oposição improcedente.

17      Em 15 de fevereiro de 2012, a Kenzo interpôs no EUIPO recurso da decisão da Divisão de Oposição, ao abrigo dos artigos 58.o a 64.o do Regulamento n.o 207/2009.

18      Por decisão de 22 de maio de 2013, a Segunda Câmara de Recurso do EUIPO deu provimento ao recurso. De acordo com a Câmara de Recurso, os três requisitos cumulativos de aplicação do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 estavam preenchidos no caso em apreço. No que se refere ao primeiro requisito, a Câmara de Recurso salientou que as marcas em conflito eram muito semelhantes para uma parte não negligenciável do público pertinente. No que se refere ao segundo requisito, contrariamente ao que tinha sido considerado pela Divisão de Oposição, considerou que a Kenzo tinha demonstrado que a marca anterior gozava de prestígio. No que se refere ao terceiro requisito, esta Câmara considerou que era muito provável que a marca cujo registo é pedido, para a qual não tinha sido demonstrada nenhuma utilização justificada e devida, se iria colocar na esteira da marca anterior, que gozava de prestígio, para beneficiar do poder de atração, da reputação e do renome desta última e explorar, sem compensação financeira, o esforço comercial desenvolvido pelo titular dessa marca para criar e manter a imagem desta. A Câmara de Recurso concluiu, assim, que existia um risco de que a utilização da proteção pedida para o registo internacional na União tirasse indevidamente proveito do prestígio da marca anterior, na aceção do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009.

19      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de agosto de 2013, o recorrente interpôs um recurso de anulação da decisão acima referida. Em apoio do seu recurso, invocou dois fundamentos relativos, o primeiro, à violação do artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009 e, o segundo, à violação do artigo 8.o, n.o 5, deste regulamento.

20      O Tribunal Geral julgou estes fundamentos improcedentes e, por conseguinte, negou provimento ao recurso na íntegra.

 Processo C86/16 P

21      Em 18 de agosto de 2009, o recorrente apresentou um pedido de registo internacional que designa a União, notificado ao EUIPO em 5 de novembro de 2009, ao abrigo do Regulamento n.o 207/2009.

22      A marca cujo registo é pedido é o sinal nominativo KENZO ESTATE.

23      Os produtos e serviços para os quais é pedido o registo pertencem às classes 29, 30, 31, 35, 41 e 43 na aceção do Acordo de Nice e correspondem, para cada uma destas classes, à seguinte descrição:

–        classe 29: «Azeite (alimentar); óleo de sementes de uva (alimentar); óleo e gordura alimentares; passas de uvas; frutas e vegetais processados; vegetais congelados; frutas congeladas; grãos de leguminosas secos; produtos processados à base de carne; marisco processado»;

–        classe 30: «Produtos de confeitaria, pães e pãezinhos; vinagre de vinho; condimentos de azeitona; molhos (outras especiarias); especiarias; sanduíches; pizzas; sanduíches de cachorro quente (hotdogs); empadas de carne; raviólis»;

–        classe 31: «Uvas; azeitonas; fruta; legumes e vegetais; sementes para plantação e bolbos de flores»;

–        classe 35: «Serviços de investigação no domínio do vinho; informações e aconselhamento sobre a venda de vinho; serviços de anúncios e de publicidade: agências de importação‑exportação; serviços de venda a retalho ou [por] grosso de produtos alimentares e bebidas; serviços de venda a retalho ou [por] grosso de licores»;

–        classe 41: «Serviços educativos e de formação em matéria de cultura geral no domínio do vinho; serviços educativos e de formação em matéria de cultura geral no domínio da obtenção de um diploma de escanção; organização e condução de provas de vinho e testes de simulação neste domínio; exame e aprovação de diplomas de escanção; preparação, organização e realização de seminários sobre vinho; preparação, organização e realização de seminários sobre diplomas de escanção; disponibilização de publicações eletrónicas sobre vinho; disponibilização de publicações eletrónicas sobre diplomas de escanção; serviços de publicação para livros sobre vinho; serviços de publicação para livros sobre diplomas de escanção; disponibilização de instalações de formação escolar no domínio do vinho; disponibilização de instalações de formação escolar para diplomas de escanção»; e

–        classe 43: «Fornecimento de alimentos e bebidas; fornecimento de alojamento temporário».

24      O pedido de registo foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias n.o 44/2009, de 16 de novembro de 2009.

25      Em 12 de agosto de 2010, a Kenzo deduziu oposição ao registo da marca pedida para todos os produtos e serviços referidos no n.o 23, supra, ao abrigo do artigo 41.o do Regulamento n.o 207/2009.

26      A oposição tinha como fundamento a marca comunitária nominativa anterior KENZO, registada em 20 de fevereiro de 2001, sob o número 720706, para produtos pertencentes às classes 3, 18 e 25 na aceção do Acordo de Nice e que correspondem, no que respeita a cada uma destas classes, à descrição efetuada no n.o 14, supra.

27      O fundamento invocado para a oposição foi o previsto no artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009.

28      Por decisão de 24 de maio de 2012, a Divisão de Oposição julgou a oposição improcedente.

29      Em 23 de julho de 2012, a Kenzo interpôs no EUIPO recurso da decisão da Divisão de Oposição, ao abrigo dos artigos 58.o a 64.o do Regulamento n.o 207/2009.

30      Por decisão de 3 de julho de 2013, a Segunda Câmara de Recurso do EUIPO julgou o recurso parcialmente procedente. De acordo com a Câmara de Recurso, os três requisitos cumulativos de aplicação do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 estavam preenchidos no caso em apreço para os serviços abrangidos pelo registo pedido. No que se refere ao primeiro requisito, a Câmara de Recurso salientou que as marcas em conflito eram muito semelhantes. No que se refere ao segundo requisito, contrariamente ao que tinha sido considerado pela Divisão de Oposição, considerou que a Kenzo tinha demonstrado que a marca anterior gozava de prestígio. No que se refere ao terceiro requisito, esta Câmara considerou, para os serviços abrangidos pela marca cujo registo é pedido, que era muito provável que esta marca, para a qual não tinha sido demonstrada nenhuma utilização justificada e devida, se iria colocar na esteira da marca anterior, que gozava de prestígio, para beneficiar do poder de atração, da reputação e do renome desta última e explorar, sem compensação financeira, o esforço comercial desenvolvido pelo titular desta marca para criar e manter a imagem desta.

31      Em contrapartida, a Câmara de Recurso considerou que os produtos pertencentes às classes 29 a 31 na aceção do Acordo de Nice e abrangidos pelo pedido de registo não eram considerados produtos de luxo e que não estavam invariavelmente associados ao mundo do glamour ou da moda. Eram produtos alimentares correntes de grande consumo, comprados em qualquer loja de bairro, e tinham apenas uma relação periférica com os produtos da Kenzo. Esta última não justificou as razões pelas quais o registo pedido beneficiaria injustificada e indevidamente do caráter distintivo ou do prestígio da marca anterior KENZO ou poderia prejudicá‑los. A Câmara de Recurso rejeitou a oposição relativamente a esses produtos.

32      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de setembro de 2013, o recorrente apresentou uma petição com vista à anulação da decisão de 3 de julho de 2013. Em apoio do seu recurso, invocou dois fundamentos, relativos, o primeiro, à violação do artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009 e, o segundo, à violação do artigo 8.o, n.o 5, deste regulamento.

33      O Tribunal Geral julgou estes fundamentos improcedentes e, por conseguinte, negou provimento ao recurso na íntegra.

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

34      Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 18 de maio de 2016, os processos C‑85/16 P e C‑86/16 P foram apensados para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão.

35      Com os presentes recursos, o recorrente pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular os acórdãos recorridos;

–        decidir definitivamente os litígios; e

–        condenar o EUIPO e a Kenzo nas despesas do processo, incluindo as efetuadas no âmbito do processo que correu na Câmara de Recurso.

36      O EUIPO e a Kenzo concluem pedindo que o Tribunal de Justiça negue provimento aos dois recursos e condene o recorrente nas despesas.

 Quanto aos presentes recursos

37      Em apoio dos seus recursos, o recorrente invoca dois fundamentos, relativos à violação, respetivamente, do artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009 e do artigo 8.o, n.o 5, deste regulamento.

 Quanto ao primeiro fundamento

 Argumentos das partes

38      Com o seu primeiro fundamento, o recorrente considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando declarou, no n.o 23 de cada um dos acórdãos recorridos, que a Câmara de Recurso tinha considerado corretamente que as provas de utilização e de prestígio eram indissociáveis, pelo que as primeiras podiam ser apresentadas no âmbito das segundas. O recorrente considera que, ao decidir desta forma, o Tribunal Geral desrespeitou o facto de que o poder de apreciação exercido pela Câmara de Recurso ao abrigo do artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009 estava limitado tanto pela regra 20, n.o 1, como pela regra 19, n.os 1 e 2, do regulamento de execução.

39      Segundo o recorrente, resulta destas disposições que uma oposição baseada no artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 deve ser rejeitada se o oponente não apresentar prova do prestígio da marca anterior no prazo fixado pelo EUIPO para demonstrar a existência e a validade do direito anterior. Esta interpretação foi confirmada pelo Acórdão de 13 de junho de 2002, Chef Revival USA/IHMI — Massagué Marín (Chef) (T‑232/00, EU:T:2002:157, n.o 44).

40      Ora, resulta do n.o 23 de cada um dos acórdãos recorridos que o Tribunal Geral, à semelhança da Câmara de Recurso, tomou em consideração, erradamente, os documentos entregues depois de expirado o prazo fixado para fazer prova da utilização séria da marca anterior, a saber, os anexos 1 a 21 das observações da Kenzo, para efeitos de apreciar o prestígio da referida marca. Segundo o recorrente, nem o Regulamento n.o 207/2009 nem o regulamento de execução preveem que os documentos apresentados para fazer prova da utilização, e entregues depois de expirado o prazo fixado para apresentar a prova dos direitos anteriores, possam permitir fazer prova do prestígio da marca anterior.

41      A Kenzo alega, a título principal, que o primeiro fundamento é inadmissível. A título subsidiário, considera que este é também improcedente. O EUIPO sustenta que o primeiro fundamento é improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

42      No que respeita à admissibilidade do primeiro fundamento, importa recordar que, em conformidade com o artigo 256.o TFUE e o artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o recurso para o Tribunal de Justiça é limitado às questões de direito. Por conseguinte, o Tribunal Geral tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos pertinentes e para apreciar os elementos de prova. A apreciação destes factos e elementos de prova não constitui, portanto, salvo em caso de desvirtuação dos mesmos, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito do recurso de uma decisão do Tribunal Geral, (v., nomeadamente, Acórdão de 2 de setembro de 2010, Calvin Klein Trademark Trust/IHMI, C‑254/09 P, EU:C:2010:488, n.o 49 e jurisprudência referida).

43      A este respeito, basta constatar que o primeiro fundamento suscita uma questão de direito, relativa à natureza do poder de apreciação de que a Câmara de Recurso dispõe ao abrigo do artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, tendo em conta a regra 20, n.o 1, e a regra 19, n.os 1 e 2, do regulamento de execução. Por conseguinte, o primeiro fundamento é admissível.

44      No que respeita à procedência deste fundamento, há que recordar que o Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 3 de outubro de 2013, Rintisch/IHMI (C‑120/12 P, EU:C:2013:638), declarou, em substância, que o poder de apreciação de que a Câmara de Recurso dispõe ao abrigo do artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009 deve ser exercido dentro dos limites da disposição prevista na regra 50, n.o 1, terceiro parágrafo, do regulamento de execução e não na regra 20, n.o 1, deste último regulamento. Considerou, nomeadamente, no n.o 32 desse acórdão, que o regulamento de execução prevê expressamente que a Câmara de Recurso, quando do exame de um recurso de uma decisão de uma Divisão de Oposição, dispõe do poder de apreciação decorrente da regra 50, n.o 1, terceiro parágrafo, do regulamento de execução e do artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, para efeitos de decidir se deve ou não tomar em consideração factos e provas novos ou suplementares que não foram apresentados nos prazos estabelecidos ou precisados pela Divisão de Oposição. Por conseguinte, estas disposições conferem à Câmara de Recurso, quando é chamada a pronunciar‑se sobre um recurso deste tipo, a faculdade de aceitar ou não documentos apresentados tardiamente que digam respeito à existência, à validade e ao alcance da proteção de uma marca anterior.

45      No n.o 38 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça recordou que, quando o EUIPO é chamado a pronunciar‑se no âmbito de um processo de oposição, o exercício do poder de apreciação de que dispõe para efeitos de ter em conta provas ou factos apresentados tardiamente está sujeito à dupla condição, por um lado, de que os elementos apresentados tardiamente sejam, à primeira vista, suscetíveis de revestir uma real relevância no que diz respeito ao resultado da oposição perante si deduzida e, por outro, de que a fase do processo em que essa apresentação tardia ocorre e as circunstâncias que a envolvem não se oponham a essa tomada em consideração.

46      No presente caso, em primeiro lugar, nos n.os 16 e 17 dos acórdãos recorridos, o Tribunal Geral recordou esta jurisprudência do Tribunal de Justiça e, no n.o 18 de cada um desses acórdãos, salientou corretamente que havia que interpretar o poder de apreciação da Câmara de Recurso não à luz da regra 20, n.o 1, do regulamento de execução mas apenas da regra 50, n.o 1, terceiro parágrafo, deste regulamento.

47      Em segundo lugar, nos n.os 19 a 23 dos acórdãos recorridos, o Tribunal Geral analisou se a Câmara de Recurso podia tomar em consideração esses elementos de prova no presente caso, no sentido de que eram suscetíveis de revestir real relevância, e se a fase do processo e certas circunstâncias do caso concreto o permitiam. No n.o 23 de cada um dos acórdãos referidos, considerou que tal se verificava, porquanto, «ao indicar que as provas de utilização e as provas de prestígio eram indissociáveis e que só um formalismo excessivo e ilegítimo impediria as provas de utilização de serem apresentadas a título das provas do prestígio, a Câmara de Recurso [tinha usado] o seu poder de apreciação decorrente do artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009 para decidir que havia que tomar em consideração os referidos elementos».

48      Ao decidir desta forma, o Tribunal Geral aplicou corretamente o artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, lido em conjugação com a regra 50, n.o 1, terceiro parágrafo, do regulamento de execução. Daqui resulta que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento

49      Com o seu segundo fundamento, relativo à violação do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, o recorrente considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na apreciação que fez de cada um dos quatro requisitos previstos nesta disposição, com base nos quais pode ser indeferido um pedido de registo de uma marca. Assim, o seu fundamento está dividido em quatro partes, relativas a um erro de direito que o Tribunal Geral cometeu na apreciação, respetivamente, da semelhança das marcas em conflito, do prestígio da marca anterior, da inexistência de benefício indevido e, por último, da existência de uma justificação para a utilização da marca cujos registos são pedidos.

 Quanto à primeira parte

–       Argumentos das partes

50      Com a primeira parte do seu segundo fundamento, o recorrente começa por alegar que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando, nos n.os 31 a 33 dos acórdãos recorridos, apreciou a semelhança das marcas em conflito, sem ter, a este respeito, procedido a uma comparação entre as referidas marcas, cada uma delas considerada no seu conjunto. Considera que foi erradamente que o Tribunal Geral procedeu à comparação exigida com a marca anterior unicamente à luz de um dos componentes da marca cujos registos são pedidos. Alega que se o Tribunal Geral tivesse procedido à necessária comparação das marcas em conflito nos planos visual, fonético e conceptual, teria daí deduzido que estas não apresentavam nenhuma semelhança entre si. Segundo este, o elemento «estate» ocupa um lugar importante na marca cujos registos são pedidos, uma vez que tem seis letras e é, assim, mais comprido do que o elemento «kenzo», constituído por cinco letras. O elemento «estate» também aumenta de maneira significativa o tamanho da referida marca nos planos visual e fonético e conduz a diferenças substanciais entre as marcas em conflito, tanto no plano da sua sonoridade como no do seu ritmo.

51      O recorrente sustenta, em seguida, que o Tribunal Geral não fundamentou a sua apreciação segundo a qual o elemento dominante da marca KENZO ESTATE é o elemento «kenzo». Pelo contrário, considera que o elemento «estate» reveste caráter distintivo no que respeita aos produtos e aos serviços abrangidos pela marca cujo registo é pedido. Com efeito, embora exista uma ligação entre o referido termo e estes últimos, essa ligação não é suficientemente direta para privar o elemento «estate» de qualquer caráter distintivo e para fazer com que o elemento «kenzo» seja automaticamente o elemento dominante.

52      Por último, o recorrente acusa o Tribunal Geral de ter, erradamente, afastado a aplicação da jurisprudência decorrente dos Acórdãos de 7 de maio de 2009, Klein Trademark Trust/IHMI — Zafra Marroquineros (CK CREACIONES KENNYA) (T‑185/07, EU:T:2009:147), e de 2 de setembro de 2010, Calvin Klein Trademark Trust/IHMI (C‑254/09 P, EU:C:2010:488), no n.o 34 de cada um dos acórdãos recorridos.

53      A Kenzo e o EUIPO alegam que a primeira parte do segundo fundamento é inadmissível e, em todo o caso, improcedente.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

54      No que respeita à admissibilidade da primeira parte do segundo fundamento, há que constatar que a argumentação do recorrente em que este alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito por não ter comparado as marcas em conflito, consideradas cada uma no seu todo, e por não ter aplicado os Acórdãos de 7 de maio de 2009, Klein Trademark Trust/IHMI — Zafra Marroquineros (CK CREACIONES KENNYA) (T‑185/07, EU:T:2009:147), e de 2 de setembro de 2010, Calvin Klein Trademark Trust/IHMI (C‑254/09 P, EU:C:2010:488), bem como a argumentação relativa à falta de fundamentação da apreciação no que se refere ao caráter dominante do elemento «kenzo» que compõe a marca KENZO ESTATE suscitam questões de direito. Estas últimas são admissíveis no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 42 do presente acórdão.

55      Em contrapartida, é inadmissível a argumentação do recorrente em que este sustenta que o elemento «estate» tem caráter distintivo, uma vez que, com esta argumentação, o recorrente visa, na realidade, pôr em causa a apreciação factual efetuada pelo Tribunal Geral no n.o 33 de cada um dos acórdãos recorridos, segundo a qual a palavra «estate», associada aos produtos e aos serviços visados pelos registos pedidos, não apresentava caráter distintivo para uma parte significativa dos consumidores pertinentes.

56      Em primeiro lugar, no que se refere à procedência do argumento relativo ao facto de o Tribunal Geral não ter comparado as marcas em conflito, consideradas cada uma no seu todo, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a existência de uma ligação entre a marca anterior e a marca cujo registo é pedido, na aceção do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, deve ser apreciada globalmente, tendo em conta todos os fatores pertinentes do caso concreto, entre os quais figuram, nomeadamente, o grau de caráter distintivo da marca anterior e o grau de semelhança entre as marcas em conflito, o qual pressupõe a existência, nomeadamente, de elementos de semelhança visual, auditiva ou conceptual (v. Acórdãos de 23 de outubro de 2003, Adidas‑Salomon e Adidas Benelux, C‑408/01, EU:C:2003:582, n.o 28, e de 24 de março de 2011, Ferrero/IHMI, C‑552/09 P, EU:C:2011:177, n.os 52 e 64).

57      No presente caso, nos n.os 31 e 32 dos acórdãos recorridos, o Tribunal Geral indicou que a circunstância de uma marca ser composta exclusivamente pela marca anterior, à qual é acoplada outra palavra, constitui uma indicação da semelhança entre estas duas marcas e que, em princípio, o consumidor presta normalmente mais atenção ao início de um sinal do que ao seu fim. No que respeita à falta de caráter distintivo do elemento «estate», o Tribunal Geral salientou, no n.o 33 de cada um dos acórdãos recorridos, que, para «os falantes de língua inglesa, esta palavra pode evocar o local onde se cultiva e produz vinho, uvas e produtos conexos, uma vez que “estate” significa “um bem imóvel de grandes dimensões”». O Tribunal Geral entendeu, assim, que a Câmara de Recurso considerou, corretamente, que os consumidores pertinentes davam menos atenção a este termo e se concentravam no primeiro elemento, ou seja, no termo «kenzo», mais distintivo.

58      Resulta dos n.os 31 a 33 dos acórdãos recorridos que, para efeitos da apreciação da semelhança das marcas em conflito, o Tribunal Geral considerou, por um lado, que a marca cujos registos são pedidos é composta exclusivamente pela marca anterior, à qual foi acoplado o elemento «estate», que é desprovido de caráter distintivo, e, por outro, que uma vez que o consumidor presta, em princípio, mais atenção ao início de um sinal do que ao seu fim, o público pertinente concentra‑se no primeiro elemento, mais distintivo, que é o termo «kenzo».

59      Nestas condições, uma vez que as duas marcas em conflito são marcas nominativas, sendo uma constituída exclusivamente pela marca anterior, à qual se liga um elemento desprovido de caráter distintivo, o Tribunal Geral concluiu corretamente que estas, cada uma considerada no seu todo, eram semelhantes.

60      Em segundo lugar, a argumentação do recorrente relativa à falta de fundamentação dos acórdãos recorridos no que respeita ao caráter dominante do elemento «kenzo» deve ser julgada improcedente.

61      Com efeito, no n.o 32 de cada um dos acórdãos recorridos, o Tribunal Geral recordou a jurisprudência segundo a qual, em princípio, o consumidor presta normalmente mais atenção ao início de um sinal do que ao seu fim. No n.o 33 de cada um dos referidos acórdãos, considerou que a palavra «estate», associada aos produtos e aos serviços abrangidos pela marca cujos registos são pedidos, não apresentava caráter distintivo para uma parte significativa dos consumidores pertinentes. O Tribunal Geral deduziu daqui que «a Câmara de Recurso considerou com razão que os consumidores pertinentes dão menos atenção a este termo e se concentram no primeiro elemento, mais distintivo, que é o termo “kenzo”».

62      Em terceiro lugar, a argumentação do recorrente relativa ao facto de o Tribunal Geral ter afastado, erradamente, a aplicação dos Acórdãos de 7 de maio de 2009, Klein Trademark Trust/IHMI — Zafra Marroquineros (CK CREACIONES KENNYA) (T‑185/07, EU:T:2009:147), e de 2 de setembro de 2010, Calvin Klein Trademark Trust/IHMI (C‑254/09 P, EU:C:2010:488), deve também ser julgada improcedente.

63      Com efeito, conforme o Tribunal Geral declarou corretamente no n.o 34 de cada um dos acórdãos recorridos, as circunstâncias de facto dos processos que deram origem aos acórdãos referidos no número anterior são diferentes das dos presentes processos, na medida em que basta constatar que, nas primeiras, estavam em conflito uma marca pedida composta por um sinal nominativo e marcas anteriores representadas por sinais figurativos, ao passo que, nos presentes processos, estão em conflito duas marcas nominativas. Desta forma, o Tribunal Geral considerou que, nos processos que deram origem aos acórdãos referidos, os elementos distintivos e dominantes das marcas em conflito não eram idênticos, ao passo que, no presente caso, o Tribunal Geral considerou que o termo «kenzo», comum às marcas em conflito, é também o elemento mais distintivo destas.

64      Daqui resulta que a primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada totalmente improcedente.

 Quanto à segunda parte do segundo fundamento

–       Argumentos das partes

65      Com a segunda parte do seu segundo fundamento, o recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, no n.o 41 de cada um dos acórdãos recorridos, que a Câmara de Recurso tinha confirmado corretamente que a marca anterior KENZO gozava de prestígio na União para vestuário, cosméticos e perfumes, quando os elementos de prova apresentados para este efeito foram entregues tardiamente e não deviam ter sido tomados em consideração.

66      A Kenzo e o EUIPO alegam que a segunda parte deste fundamento deve ser julgada improcedente.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

67      Há que salientar que, no n.o 41 de cada um dos acórdãos recorridos, a apreciação do Tribunal Geral incide sobre o argumento do recorrente relativo ao facto de que a Câmara de Recurso não devia ter tomado em consideração os elementos de prova apresentados pela Kenzo na Divisão de Oposição antes de 17 de maio de 2010, no processo C‑85/16 P, e antes de 14 de fevereiro de 2011, no processo C‑86/16 P, para fazer prova do prestígio da marca anterior, uma vez que estes elementos não foram acompanhados de explicações. Nesse n.o 41, o Tribunal Geral considerou que, na data efetiva dos registos internacionais da marca KENZO ESTATE nesses dois processos, isto é, respetivamente, em 21 de janeiro de 2008 e em 18 de agosto de 2009, o prestígio da marca anterior estava provado, à luz das provas apresentadas em processos anteriores nos quais a Divisão de Oposição se baseou nos presentes processos.

68      O recorrente não pode, assim, alegar de forma útil, no âmbito da segunda parte do seu segundo fundamento, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no referido n.o 41, por ter tomado em consideração elementos de prova relativos ao prestígio da marca anterior KENZO entregues tardiamente, uma vez que a apreciação do Tribunal Geral não incide sobre o caráter tardio da produção das referidas provas.

69      Nestas condições, a segunda parte do segundo fundamento deve ser considerada inoperante.

 Quanto à terceira parte do segundo fundamento

–       Argumentos das partes

70      Com a terceira parte do seu segundo fundamento, o recorrente sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando considerou que a utilização da marca KENZO ESTATE, cujos registos são pedidos, beneficiava indevidamente do prestígio da marca anterior, embora não tenha procedido a uma apreciação global das marcas em conflito que tomasse em consideração todos os fatores pertinentes dos casos concretos, entre os quais figura a natureza dos produtos ou dos serviços para os quais estas marcas são registadas, incluindo o grau de proximidade ou de dissemelhança desses produtos ou desses serviços. Assim, o recorrente afirma que a conceção, a cor e o perfume são elementos pertinentes para o sucesso do vestuário, dos perfumes e dos cosméticos, ou seja, dos produtos abrangidos pela marca anterior, ao passo que nenhum destes aspetos constitui um elemento que cria valor para os produtos abrangidos pelas marcas cujo registo é pedido. Além disso, tendo em conta a natureza muito diferente dos setores comerciais em causa, é muito pouco provável que a imagem de exclusividade e de luxo que está associada ao vestuário, aos perfumes ou aos cosméticos possa ser transferida para um dos produtos abrangidos pela marca cujos registos são pedidos, que abrange bens de consumo corrente disponíveis nos supermercados.

71      Por outro lado, o recorrente sustenta que a fundamentação do Tribunal Geral assenta em meras suposições e especulações e não se baseia em nenhum elemento de prova.

72      A Kenzo e o EUIPO sustentam que a terceira parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

73      Há que constatar que, na medida em que, com a sua argumentação, o recorrente acusa o Tribunal Geral de não ter tomado em consideração a natureza e aspetos muito diferentes dos produtos e dos serviços abrangidos pelas marcas em conflito, esta deve ser julgada inadmissível, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 42 do presente acórdão. Com efeito, com esta argumentação, o recorrente visa, na realidade, pôr em causa as apreciações factuais efetuadas pelo Tribunal Geral a este respeito nos n.os 50 a 53 dos acórdãos recorridos, segundo as quais, em substância, os produtos e os serviços abrangidos pela marca cujos registos são pedidos podem, como o vestuário, os perfumes e os cosméticos abrangidos pela marca anterior, pertencer ao domínio do luxo.

74      Na medida em que, com a sua argumentação, o recorrente alega que o Tribunal Geral não procedeu a uma apreciação global de todos os fatores pertinentes para apreciar o risco de benefício indevidamente tirado do prestígio da marca anterior e que o Tribunal Geral não fundamentou devidamente a sua apreciação a este respeito, há que constatar que esta argumentação suscita uma questão de direito que é admissível no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 42 do presente acórdão.

75      No entanto, esta argumentação baseia‑se numa leitura errada dos acórdãos recorridos.

76      Com efeito, importa salientar que, nos n.os 45 a 49 dos acórdãos recorridos, o Tribunal Geral recordou a jurisprudência pertinente para determinar, no caso vertente, se a utilização da marca cujos registos são pedidos beneficia indevidamente do prestígio da marca anterior. Nos n.os 50 e 51 desses acórdãos, analisou a natureza e o grau de proximidade dos produtos e dos serviços em causa. Confirmou, no n.o 53 de cada um dos referidos acórdãos, a apreciação da Câmara de Recurso relativa à existência da ligação que podia ser estar estabelecida entre os produtos abrangidos pela marca anterior e os produtos e os serviços designados pela marca cujos registos são pedidos, isto é, a pertença ao domínio do luxo. No n.o 54 de cada um dos mesmos acórdãos recorridos, o Tribunal Geral aprovou a apreciação da Câmara de Recurso segundo a qual era muito provável que esta marca beneficiasse indevidamente do prestígio da marca anterior, baseando‑se na existência da ligação entre os produtos e os serviços abrangidos pelas marcas em conflito, do prestígio substancial da marca anterior, do elevado grau de semelhança das referidas marcas e da imagem sofisticada e emblemática veiculada pela marca anterior. No n.o 56 do acórdão recorrido no processo C‑86/16 P, o Tribunal Geral acrescentou que os serviços das classes 35 e 43 na aceção do Acordo de Nice, abrangidos pelo pedido de registo, podiam, no entanto, aparecer como serviços acessórios à produção e à venda de vinho.

77      Nestas condições, o Tribunal Geral não pode ser acusado de não ter procedido a uma apreciação global de todos os fatores pertinentes para apreciar se a marca cujos registos são pedidos beneficiaria indevidamente do prestígio da marca anterior e de não ter fundamentado devidamente essa apreciação.

78      Por conseguinte, a terceira parte do segundo fundamento deve ser julgada parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

 Quanto à quarta parte do segundo fundamento

–       Argumentos das partes

79      Com a quarta parte do segundo fundamento, o recorrente alega que os acórdãos recorridos estão viciados por falta de fundamentação, uma vez que, para julgar improcedente a quarta parte do segundo fundamento suscitado no Tribunal Geral, este último se limitou a confirmar a constatação da Câmara de Recurso segundo a qual «não tinha sido demonstrada nenhuma justificação».

80      O recorrente sustenta que a Câmara de Recurso e o Tribunal Geral também cometeram um erro de direito por não terem tomado suficientemente em consideração o facto de que, na composição da marca KENZO ESTATE, o elemento «kenzo» designa o nome próprio do recorrente. Esclarece que não procurou beneficiar indevidamente do prestígio da marca anterior e que também não agiu de má‑fé.

81      A Kenzo alega que a quarta parte do segundo fundamento é improcedente. O EUIPO defende que, na medida em que o erro alegado pelo recorrente diz respeito às decisões das Câmaras de Recurso, aquela é, a este título, inadmissível. Seja como for, segundo o EUIPO, esta parte do fundamento é improcedente.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

82      No que respeita ao primeiro argumento avançado em apoio da quarta parte do segundo fundamento relativo à falta de fundamentação, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça não obriga o Tribunal Geral a fazer uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio, podendo a fundamentação do Tribunal Geral, portanto, ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões por que o Tribunal Geral não acolheu os seus argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (Acórdão de 11 de maio de 2017, Dyson/Comissão, C‑44/16 P, EU:C:2017:357, n.o 38 e jurisprudência referida).

83      Resulta do n.o 58 do acórdão recorrido no processo C‑85/16 P e do n.o 59 do acórdão recorrido no processo C‑86/16 P que o Tribunal Geral analisou o argumento do recorrente segundo o qual a utilização do seu nome próprio na marca cujos registos são pedidos era justificada e devida, na aceção do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, permitindo‑lhe utilizar esse sinal. Considerou que, ainda que a resposta da Câmara de Recurso a este argumento fosse sucinta, era todavia suficiente, uma vez que o Regulamento n.o 207/2009 não confere nenhum direito incondicional ao registo de um apelido ou de um nome próprio como marca da União. O Tribunal Geral deduziu daqui que o facto de Kenzo ser o nome próprio do recorrente não era suficiente para constituir uma justificação, na aceção desta disposição.

84      Daqui resulta que não se pode censurar o Tribunal Geral por não ter indicado os motivos por que rejeitou o argumento do recorrente.

85      No que se refere ao segundo argumento apresentado em apoio da quarta parte do segundo fundamento relativo ao facto de a utilização do nome próprio do recorrente na marca cujos registos são pedidos constituir uma justificação, na aceção do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, há que constatar que este é inadmissível na medida em que é dirigido contra as decisões de 22 de maio e 3 de julho de 2013 da Segunda Câmara de Recurso (Despacho de 26 de maio de 2016, Dairek Attoumi/EUIPO, C‑578/15 P, não publicado, EU:C:2016:377, n.o 26 e jurisprudência referida).

86      Na medida em que este argumento é dirigido contra os acórdãos recorridos, cumpre recordar que o Tribunal de Justiça já interpretou o conceito de «justo motivo», previsto no artigo 5.o, n.o 2, da Primeira Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), no sentido de que este não pode abranger apenas razões objetivamente imperiosas, mas pode também estar ligado aos interesses subjetivos de um terceiro que utiliza um sinal idêntico ou semelhante à marca de prestígio (Acórdão de 6 de fevereiro de 2014, Leidseplein Beheer e de Vries, C‑65/12, EU:C:2014:49, n.o 45).

87      Por outro lado, o Tribunal de Justiça também precisou que, uma vez que o artigo 5.o, n.o 2, e o artigo 4.o, n.o 4, alínea a), da Primeira Diretiva 89/104 estão redigidos em termos substancialmente idênticos e visam conferir a mesma proteção às marcas de prestígio, a interpretação dada à primeira disposição era válida para a segunda (v., designadamente, Acórdãos de 27 de novembro de 2008, Intel Corporation, C‑252/07, EU:C:2008:655, n.o 25, e de 9 de janeiro de 2003, Davidoff, C‑292/00, EU:C:2003:9, n.o 17).

88      Uma vez que a redação do artigo 4.o, n.o 4, alínea a), da Primeira Diretiva 89/104 é idêntica à do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, a interpretação formulada pelo Tribunal de Justiça no que respeita ao artigo 5.o, n.o 2, da referida Primeira Diretiva é igualmente transponível para o artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009.

89      Desta forma, conforme a advogada‑geral salientou no n.o 34 das suas conclusões, a proteção conferida por este artigo 8.o, n.o 5, às marcas de prestígio é alargada. A condição específica desta proteção é constituída por uma utilização injustificada e indevida de um sinal idêntico ou semelhante a uma marca registada que beneficia indevidamente do caráter distintivo ou do prestígio dessa marca ou que é suscetível de lhes causar prejuízo (v., designadamente, Acórdão de 6 de fevereiro de 2014, Leidseplein Beheer e de Vries, C‑65/12, EU:C:2014:49, n.o 33 e jurisprudência referida).

90      Não obstante, conforme resulta do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, o utilizador de um sinal semelhante a uma marca de prestígio pode invocar uma justificação para efeitos da utilização desse sinal, que é uma expressão do objetivo geral do referido regulamento que consiste em ponderar, por um lado, os interesses do titular de uma marca em salvaguardar a função essencial desta e, por outro, os interesses de terceiros em utilizar esse sinal, na vida comercial, para designar os produtos e os serviços que comercializa (v., neste sentido, Acórdão de 6 de fevereiro de 2014, Leidseplein Beheer e de Vries, C‑65/12, EU:C:2014:49, n.os 41 e 43).

91      Assim sendo, a invocação, por um terceiro, de uma justificação para efeitos da utilização de um sinal semelhante a uma marca de prestígio não pode levar ao reconhecimento, em seu benefício, dos direitos associados a uma marca registada, antes obrigando o titular da marca de prestígio a tolerar a utilização do sinal semelhante (Acórdão de 6 de fevereiro de 2014, Leidseplein Beheer e de Vries, C‑65/12, EU:C:2014:49, n.o 46).

92      No presente caso, no n.o 54 de cada um dos acórdãos recorridos, o Tribunal Geral confirmou a constatação da Câmara de Recurso segundo a qual, em substância, era muito provável que a marca cujos registos são pedidos beneficiasse indevidamente da marca anterior. No n.o 58 do acórdão recorrido no processo C‑85/16 P e no n.o 59 do acórdão recorrido no processo C‑86/16 P, o Tribunal Geral declarou que a utilização do nome próprio do recorrente, ou seja, Kenzo, na composição da marca KENZO ESTATE não era suficiente para constituir uma justificação para a utilização desse sinal, na aceção do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009.

93      O Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito quando considerou que o recorrente não tinha provado a existência, em seu benefício, de uma justificação para a utilização do sinal em causa.

94      Com efeito, a simples circunstância de o termo «kenzo», que compõe a marca KENZO ESTATE, corresponder ao nome próprio do recorrente não tem pertinência para a questão de saber se a utilização deste termo é justificada e devida, na aceção do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, uma vez que, conforme salienta, em substância, a advogada‑geral no n.o 38 das suas conclusões, a análise da ponderação dos interesses em presença não pode prejudicar a função essencial da marca anterior, que consiste em garantir a origem do produto.

95      Assim, o Tribunal Geral considerou com razão, aquando da ponderação dos interesses em presença, que, atendendo à proteção alargada concedida pelo Regulamento n.o 207/2009 às marcas de prestígio, a Câmara de Recurso considerou com razão que o recorrente não tinha demonstrado nenhuma justificação e, por conseguinte, que este pretendia, com os registos pedidos em 21 de janeiro de 2008 e em 18 de agosto de 2009, beneficiar indevidamente do prestígio da marca KENZO, registada em 20 de fevereiro de 2001.

96      Daqui resulta que o segundo argumento aduzido em apoio da quarta parte do segundo fundamento deve ser julgado improcedente. Por conseguinte, o segundo fundamento deve igualmente ser julgado improcedente.

97      Resulta de todo o exposto que há que negar provimento aos recursos na íntegra.

 Quanto às despesas

98      Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se um recurso de uma decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas. Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, deste, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o EUIPO e a Kenzo pedido a condenação de K. Tsujimoto e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) decide:

1)      É negado provimento aos recursos.

2)      Kenzo Tsujimoto é condenado nas despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.