Language of document : ECLI:EU:C:2018:378

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 31 de maio de 2018 (1)

Processo C‑105/17

Komisia za zashtita na potrebitelite

contra

Evelina Kamenova

sendo interveniente:

Okrazhna prokuratura — Varna

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Administrativen sad — Varna (Tribunal Administrativo de Varna, Bulgária)]

«Reenvio prejudicial — Defesa dos consumidores — Práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores — Venda em linha — Conceito de “profissional”»






I.      Introdução

1.        A procura de bens e serviços na Internet faz parte do nosso quotidiano e, doravante, sem dúvida, da nossa cultura. O número de plataformas de venda em linha não cessou de aumentar e, em 2016, na União Europeia, a percentagem de cidadãos com idade superior a 16 anos e inferior a 74 anos que encomendaram pela Internet bens ou serviços para uso pessoal ascendia a 55% (2). A função destas plataformas consiste em servir de intermediário ou de corretor em linha. Assim, põem em contacto direto um profissional e um consumidor, dois profissionais ou dois particulares interessados na aquisição de produtos novos ou usados para fins privados (3).

2.        Ora, em numerosas situações, os anúncios publicados nas plataformas em linha não deixam aparecer, de forma clara, se o vendedor é um profissional ou um particular.

3.        O presente reenvio prejudicial dirigido ao Tribunal de Justiça pelo Administrativen sad — Varna (Tribunal Administrativo de Varna, Bulgária) tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, alíneas b) e d), da Diretiva 2005/29/CE (4).

4.        O pedido de decisão prejudicial foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Evelina Kamenova à Komisia za zashtita na potrebitelite (Comissão búlgara para a defesa dos consumidores, a seguir «KZP») a propósito de uma decisão desta última que declara a prática de uma contraordenação. A infração imputada a Evelina Kamenova é a violação da Zakon za zashtita na potrebitelite ZZP (Lei de defesa dos consumidores, a seguir «ZZP») pela falta de prestação de informações aos consumidores em anúncios de venda de bens publicados numa plataforma em linha.

5.        O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se uma pessoa singular que publicou, simultaneamente, oito anúncios de venda de diversos produtos numa plataforma de venda em linha pode ser qualificada de «profissional» e se a sua atividade constitui uma «prática comercial» na aceção da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais.

6.        Por conseguinte, este processo dá oportunidade ao Tribunal de Justiça de precisar o conceito de «profissional» na aceção desta diretiva, bem como os critérios que devem ser tidos em conta pelos órgãos jurisdicionais nacionais na apreciação deste conceito no âmbito específico da venda em linha.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Diretiva relativa às práticas comerciais desleais

7.        Nos termos do artigo 1.o da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais, lido em conjugação com os seus considerandos 14 e 15, esta diretiva tem por objetivo alcançar um elevado nível de defesa dos consumidores, procedendo a uma harmonização plena das legislações nacionais relativas às práticas comerciais desleais.

8.        O artigo 2.o desta diretiva dispõe:

«Para efeitos do disposto na presente diretiva, entende‑se por:

[…]

b)      “Profissional”: qualquer pessoa singular ou coletiva que, no que respeita às práticas comerciais abrangidas pela presente diretiva, atue no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional e quem atue em nome ou por conta desse profissional;

[…]

d)      “Práticas comerciais das empresas face aos consumidores” […]: qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores;

[…]»

9.        Em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, da mesma diretiva, a diretiva «é aplicável às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, tal como estabelecidas no artigo 5.o, antes, durante e após uma transação comercial relacionada com um produto».

2.      Diretiva 2011/83/UE

10.      Nos termos do disposto no artigo 1.o da Diretiva 2011/83/UE (5), esta diretiva tem por objeto «contribuir, graças à consecução de um elevado nível de defesa dos consumidores, para o bom funcionamento do mercado interno através da aproximação de certos aspetos das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas aos contratos celebrados entre consumidores e profissionais».

11.      O artigo 2.o desta diretiva dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

2)      “Profissional”: qualquer pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue, incluindo através de outra pessoa que atue em seu nome ou por sua conta, no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional;

[…]»

12.      Em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva relativa aos direitos dos consumidores, esta diretiva «aplica‑se, nas condições e na medida prevista nas suas disposições, aos contratos celebrados entre um profissional e um consumidor […]».

B.      Direito búlgaro

13.      O artigo 47.o da ZZP, promulgada no DV n.o 99, de 9 de dezembro de 2005, na sua versão publicada no DV n.o 61 de 2014, em vigor desde 25 de julho de 2014, e o artigo 50.o da ZZP transpõem, respetivamente, os artigos 6.o e 9.o da Diretiva relativa aos direitos dos consumidores, que se referem, por um lado, aos requisitos de informação dos contratos à distância e, por outro, ao direito de retratação.

III. Factos na origem do litígio no processo principal, questão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

14.      Resulta dos autos do processo principal que K. K. (o consumidor no presente processo) adquiriu, ao abrigo de um contrato de compra e venda celebrado à distância, um relógio usado da marca «Longines», no sítio Internet http://olx.bg.

15.      Em 20 de outubro de 2014, o relógio, colocado à venda pelo utilizador com o pseudónimo «eveto‑ZZ», foi entregue ao consumidor por uma empresa de estafetas. Os dados relativos ao expedidor indicavam o seu nome, morada e número de telefone. Após ter verificado que o relógio não correspondia às características indicadas no anúncio publicado na plataforma de venda em linha, o consumidor manifestou ao vendedor, via telefone, a sua vontade de resolver o contrato. Porém, este último recusou o reembolso do pagamento mediante a devolução do bem.

16.      Assim, o consumidor apresentou queixa à KZP. Aquando das fiscalizações efetuadas pela KZP, foi apurado que o expedidor do relógio, com o pseudónimo «eveto‑ZZ», era E. Kamenova. Segundo o administrador do site, em 10 de dezembro de 2014, o utilizador «eveto‑ZZ» publicou um total de oito anúncios referentes a diversos produtos com vista à sua venda (6).

17.      Em 27 de fevereiro de 2015, a KZP declarou a prática de uma contraordenação. Em 17 de março de 2015, E. Kamenova contestou, alegando não ter a qualidade de profissional e que, por conseguinte, as disposições da ZZP não lhe eram aplicáveis. A KZP proferiu uma decisão condenatória contra E. Kamenova, com fundamento no artigo 207.o da ZZP por violação do artigo 47.o, n.o 1, pontos 2, 3, 5, 7, 8 e 12, e do artigo 50.o da ZZP. A KZP baseou‑se no facto de E. Kamenova ter omitido, em cada anúncio, a indicação do nome e morada do profissional e o seu endereço de correio eletrónico; o preço total, incluindo todos os direitos e impostos; as condições de pagamento, de entrega e de execução; o direito de retratação do consumidor no contrato de compra e venda celebrado à distância; as condições, o prazo e as modalidades de exercício deste direito; e o aviso da existência de uma garantia legal de conformidade dos produtos relativamente ao contrato de compra e venda.

18.      Evelina Kamenova interpôs recurso de impugnação da decisão sancionatória para o Varnenski rayonen sad (Tribunal Regional de Varna, Bulgária). Por sentença de 22 de março de 2016, este órgão jurisdicional anulou a decisão da KZP, por E. Kamenova não ter a qualidade de «profissional» na aceção do artigo 13.o, n.o 2, das disposições complementares da ZZP e fez referência à Diretiva relativa às práticas comerciais desleais, ao salientar que o conceito de «profissional» em causa está ligado ao exercício, num contexto comercial, empresarial ou profissional, de uma atividade com caráter sistemático e não a um único ato isolado.

19.      A KZP interpôs recurso de cassação desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio.

20.      Por considerar que a resolução do litígio no processo principal depende da interpretação das disposições pertinentes do direito da União, o Administrativen sad — Varna (Tribunal Administrativo de Varna) decidiu, por sentença de 16 de fevereiro de 2017, que deu entrada na secretaria do Tribunal de Justiça em 28 de fevereiro de 2017, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 2.o, alínea b) e alínea d), da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais, ser interpretado no sentido de que a atividade de uma pessoa singular, que está registada num sítio Internet de compra e venda de produtos e que aí publicou simultaneamente oito anúncios de oferta de venda de diversos produtos, constitui a atividade de um profissional na aceção da definição legal do artigo 2.o, alínea b), representa uma prática comercial de uma empresa face aos consumidores, na aceção do artigo 2.o, alínea d), e é abrangida pelo âmbito de aplicação da diretiva, por força do seu artigo 3.o, n.o 1?»

21.      Foram apresentadas observações escritas pelo Governo alemão e pela Comissão Europeia.

IV.    Análise

A.      Observações preliminares

1.      Quanto ao teor da questão submetida ao Tribunal de Justiça

22.      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber, por um lado, se o artigo 2.o, alínea b), da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa singular que está registada num sítio Internet de compra e venda de bens pode ser qualificada de «profissional» quando publica neste sítio, simultaneamente, oito anúncios de venda de diversos produtos e, por outro, se a sua atividade constitui uma «prática comercial» na aceção do artigo 2.o, alínea d), dessa mesma diretiva.

23.      Por conseguinte, a questão é saber se, no âmbito da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais, há que qualificar de «profissional» uma pessoa singular como a recorrida no processo principal, que publicou oito anúncios de venda de diversos produtos numa plataforma de venda em linha, ou se esta pessoa está excluída do âmbito de aplicação desta diretiva, uma vez que não está abrangida pelo conceito de «profissional», tendo em conta o caráter limitado da sua atividade.

24.      Antes de analisar esta questão, há que referir que o órgão jurisdicional de reenvio apenas requer, na sua questão prejudicial, a interpretação da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais (7). No entanto, a descrição dos factos na origem do litígio no processo principal que consta da decisão de reenvio parece apontar para uma violação dos direitos conferidos pela Diretiva relativa aos direitos dos consumidores. Com efeito, resulta da decisão de reenvio que a recorrida no processo principal foi condenada pela violação do artigo 47.o, n.o 1, pontos 2, 3, 5, 7, 8 e 12, e do artigo 50.o da ZZP. Ora, como a Comissão observou, estas disposições transpõem, respetivamente, o artigo 6.o da Diretiva relativa aos direitos dos consumidores referente aos requisitos de informação dos contratos celebrados à distância, por um lado, e o artigo 9.o da referida diretiva referente ao direito de retratação, por outro.

25.      Por conseguinte, a questão de saber se, tendo em conta a atividade descrita na decisão de reenvio, uma pessoa singular pode ser qualificada de «profissional» na aceção do artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva relativa aos direitos dos consumidores é suscetível de ter interesse no processo principal.

26.      Importa recordar que, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, sendo caso disso, reformular as questões que lhe são submetidas. Além disso, o Tribunal de Justiça pode entender ser necessário levar em consideração normas de direito da União às quais o juiz nacional não tenha feito referência no enunciado da sua questão (8).

27.      Nestes termos, a questão colocada deve ser entendida no sentido de saber, em substância, por um lado, se o artigo 2.o, alínea b), da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais e o artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva relativa aos direitos dos consumidores devem ser interpretados no sentido de que uma pessoa singular que está registada num sítio Internet de compra e venda de bens pode ser qualificada de «profissional», quando nele publica, simultaneamente, oito anúncios de oferta de venda de diversos produtos e, por outro, se a atividade desta pessoa constitui uma «prática comercial» na aceção do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais.

28.      Para responder a esta questão, parece‑me necessário determinar, a título preliminar, se, no caso em apreço, é útil propor uma interpretação homogénea da definição do conceito de «profissional», uma vez que, no âmbito das diretivas em causa, este conceito é quase idêntico (9). A utilidade de tal abordagem implica, a meu ver, determinar previamente o grau de harmonização estabelecido pelas referidas diretivas.

2.      Quanto ao grau de harmonização estabelecido pela Diretiva relativa às práticas comerciais desleais e pela Diretiva relativa aos direitos dos consumidores

29.      Em primeiro lugar, antes de abordar a questão do grau de harmonização estabelecido pelas diretivas em causa, há que sublinhar um ponto fundamental: o conceito de «profissional» é definido de modo quase idêntico (10) no âmbito das duas diretivas e estas duas definições estão estreitamente relacionadas com o exercício de uma atividade económica.

30.      Posto isto, importa acrescentar, em segundo lugar, que, para poder propor uma interpretação homogénea da definição do conceito de «profissional» na aceção das diretivas em causa, há que verificar se o grau de harmonização estabelecido por estas duas diretivas — e no qual se inscrevem as suas respetivas regras — é análogo. A este propósito, recordo que a apreciação do grau de harmonização consagrado por uma diretiva deve basear‑se no teor, no sentido e no objetivo da mesma (11).

31.      Antes de mais, saliento que a Diretiva relativa às práticas comerciais desleais é aplicável, por força do seu artigo 3.o, n.o 1, «às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, tal como estabelecidas no artigo 5.o, antes, durante e após uma transação comercial relacionada com um produto» (12), ao passo que a Diretiva relativa aos direitos dos consumidores aplica‑se, nos termos do seu artigo 3.o, n.o 1, «nas condições e na medida prevista nas suas disposições, aos contratos celebrados entre um profissional e um consumidor».

32.      Assim, apesar da diferença entre os seus respetivos âmbitos de aplicação, estas diretivas baseiam‑se no artigo 114.o TFUE (13) e, a este título, prosseguem os mesmos objetivos, a saber, contribuir para o bom funcionamento do mercado interno e garantir um elevado nível de defesa dos consumidores no quadro legislativo, regulamentar e administrativo por elas abrangido (14).

33.      Além disso, verifico que, para atingir estes objetivos, o legislador da União procedeu a uma harmonização plena (15) das regras das diretivas em causa (16).

34.      No que diz respeito à Diretiva relativa às práticas comerciais desleais, resulta claramente do seu considerando 14 que esta procede a uma «harmonização plena» (17). Esta harmonização visa as regras relativas às práticas comerciais desleais, incluindo a publicidade enganosa dos profissionais em relação aos consumidores, que, ao nível da União, lesam os interesses económicos destes últimos (18). Mais precisamente, tal harmonização plena ou exaustiva abrange toda a matéria prevista por esta diretiva (19).

35.      Além disso, resulta do considerando 15 da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais que esta diretiva procede a uma «harmonização plena» das regras de direito nacional, sob reserva de determinadas exceções (20). Deste modo, como prevê expressamente o artigo 4.o desta diretiva, sob a epígrafe «Mercado interno», os Estados‑Membros não podem adotar medidas mais restritivas do que as definidas pela referida diretiva, mesmo que seja com o fim de assegurar um grau mais elevado de proteção dos consumidores (21).

36.      No que se refere à Diretiva relativa aos direitos dos consumidores, o objetivo que esta prossegue é uma harmonização das regras nacionais nas matérias abrangidas pelo seu âmbito de aplicação (22). Mais precisamente, resulta da leitura conjugada dos considerandos 4, 5 e 7 desta diretiva que o seu objetivo é uma harmonização «total» de certos aspetos dos contratos de consumo à distância e celebrados fora do estabelecimento comercial, a saber, a informação aos consumidores e o direito de retratação neste tipo de contratos (23).

37.      Além disso, nos termos do artigo 4.o desta diretiva, sob a epígrafe «Nível de harmonização», «[o]s Estados‑Membros não devem manter ou introduzir na sua legislação nacional disposições divergentes das previstas na presente diretiva, nomeadamente disposições mais ou menos estritas, que tenham por objetivo garantir um nível diferente de proteção dos consumidores, salvo disposição em contrário na presente diretiva» (24). Por conseguinte, esta diretiva estabelece uma harmonização «total» ou máxima.

38.      Em suma, tudo parece indicar que o legislador da União procedeu ao mesmo grau de harmonização das respetivas regras das duas diretivas examinadas. Com efeito, para efeitos desta análise, apenas a harmonização total ou máxima interessa, uma vez que uma eventual ausência deste tipo de harmonização das diretivas em causa poderia suscitar problemas no que respeita à interpretação homogénea da definição do conceito de «profissional».

39.      Face ao acima exposto, considero que uma interpretação homogénea da definição do conceito de «profissional» no âmbito destas duas diretivas é útil à luz das definições, quase idênticas, do conceito de «profissional» estabelecidas pelo legislador da União, uma vez que estas estão estreitamente relacionadas com o exercício de uma atividade económica e do grau de harmonização total visado pelo legislador da União nas regras nacionais decorrentes das diretivas analisadas.

B.      Quanto ao sentido e alcance do conceito de «profissional» no âmbito do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais e do artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva relativa aos direitos dos consumidores

40.      O conceito de «práticas comerciais das empresas face aos consumidores» é definido no artigo 2.o, alínea d), da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais como «qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores». Assim, os conceitos de «consumidor» e de «profissional» encontram‑se no cerne da definição deste conceito, de modo que a questão de saber se uma situação está abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva depende, de forma determinante, da sua interpretação. Com efeito, a existência de uma prática comercial na aceção da referida diretiva apenas pode ser admitida se envolver, por um lado, um profissional e, por outro, um consumidor.

41.      A análise do âmbito de aplicação ratione personae da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais é fundamental, uma vez que é apenas na hipótese de a recorrida no processo principal ter a qualidade de «profissional» que deve ser examinada a questão de saber se a sua atividade é suscetível de constituir uma atividade comercial na aceção da diretiva.

42.      O conceito de «profissional» é definido no artigo 2.o, alínea b), da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais como sendo «qualquer pessoa singular ou coletiva que, no que respeita às práticas comerciais abrangidas pela presente diretiva, atue no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional e quem atue em nome ou por conta desse profissional».

43.      A este propósito, recordo que o Tribunal de Justiça já decidiu que resulta da redação do artigo 2.o, alínea b), desta diretiva que «o legislador da União consagrou um entendimento particularmente amplo do conceito de «profissional», o qual abrange «qualquer pessoa singular ou coletiva» que exerça uma atividade remunerada e não exclui do seu âmbito de aplicação as entidades que prosseguem uma missão de interesse geral nem as que se apresentam sob um estatuto de direito público» (25). A este respeito, esclareço que a referida pessoa singular ou coletiva atua, a meu ver, no âmbito de um ato praticado dentro dos limites da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional.

44.      No caso em apreço, a qualidade de pessoa singular da recorrida no processo principal não exclui a qualificação de «profissional». No entanto, para considerar que é abrangida por este conceito na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais, há que verificar, ainda, se atua com uma finalidade que se reconduz ao âmbito de uma atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional ou em nome ou por conta de um profissional.

45.      O Tribunal de Justiça especificou igualmente, atenta a própria redação das definições enunciadas no artigo 2.o, alíneas a) e b), da referida diretiva, o sentido e o alcance do conceito de «profissional», como visado por esta última, devem ser determinados com referência ao conceito correlativo, mas antinómico, de «consumidor», o qual designa o consumidor privado, não envolvido em atividades comerciais ou profissionais (26). A este respeito, sublinhou que o objetivo prosseguido pela Diretiva relativa às práticas comerciais desleais, que consiste em proteger plenamente os consumidores contra as práticas desta natureza, assenta na circunstância de, em face de um profissional, o consumidor se encontrar numa posição de inferioridade, na medida em que deve ser reputado economicamente mais fraco e juridicamente menos experiente que o seu cocontratante (27). Assim, o conceito de consumidor reveste uma importância primordial e as disposições desta diretiva são concebidas essencialmente na ótica do consumidor, enquanto destinatário e vítima de práticas comerciais desleais (28).

46.      Tendo em conta as considerações expostas nos n.os 29 a 39 das presentes conclusões, segundo as quais, em primeiro lugar, a Diretiva relativa às práticas comerciais desleais e a Diretiva relativa aos direitos dos consumidores definem de forma quase idêntica o conceito de «profissional», em segundo lugar, este conceito está estreitamente ligado ao exercício de uma atividade económica e, em terceiro lugar, o grau de harmonização operado por estas diretivas é análogo, considero que a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça à definição do conceito de «profissional» no âmbito da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais também se aplica para a definição do conceito de «profissional» no âmbito da Diretiva relativa aos direitos dos consumidores.

47.      Como sublinha o advogado‑geral Y. Bot nas suas conclusões no processo Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs (29), esta interpretação do conceito de profissional corresponde à interpretação adotada pelo legislador da União no âmbito mais amplo das diretivas relativas à defesa dos consumidores, nomeadamente, a Diretiva relativa aos direitos dos consumidores, na qual o legislador da União, no artigo 2.o, ponto 2, define o profissional como sendo «qualquer pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue, incluindo através de outra pessoa que atue em seu nome ou por sua conta, no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional». Segundo o advogado‑geral Y. Bot, as diretivas relativas à defesa dos consumidores têm em comum o facto de «o profissional poder ser ao mesmo tempo uma pessoa singular ou coletiva, de direito público ou de direito privado, que, na relação que estabelece com o consumidor, atue no âmbito da sua atividade comercial ou profissional, o que pressupõe que atua no quadro de uma atividade habitual e lucrativa»(30).

C.      Quanto à qualificação a reter, no caso em apreço, à luz do conceito de «profissional»

48.      Face ao acima exposto, uma pessoa singular como a recorrida no processo principal está abrangida pela definição do conceito de «profissional» previsto no artigo 2.o, alínea b), da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais e no artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva relativa aos direitos dos consumidores?

49.      Penso que não. A publicação simultânea numa plataforma em linha de um total de oito anúncios destinados à venda de diversos produtos novos e usados não me parece suficiente para permitir reter a qualificação de «profissional» na aceção das referidas diretivas.

50.      No entanto, convém sublinhar que a qualificação de «profissional» exige uma «análise casuística» (31). Por conseguinte, é oportuno, no caso em apreço, que o órgão jurisdicional de reenvio efetue uma análise in concreto, com base em todos os elementos de facto de que dispõe para verificar se uma pessoa como a recorrida no processo principal está abrangida pelo conceito de «profissional».

51.      Como o Governo alemão e a Comissão sublinharam, com razão, esta análise visará, em particular, verificar se a venda na plataforma em linha foi realizada de forma organizada e com fins lucrativos (32); se esta venda teve uma certa duração e frequência (33); se o vendedor dispõe de um estatuto jurídico que lhe permite realizar atos de comércio, e em que medida a venda em linha está ligada à atividade comercial do vendedor (34); se o vendedor é sujeito passivo de IVA (35); se o vendedor, atuando em nome de um determinado profissional ou por sua conta ou através de outra pessoa que atue em seu nome ou por sua conta, recebeu uma remuneração ou uma participação nos lucros (36); se o vendedor compra bens novos ou usados para revenda, conferindo, assim, a esta atividade um caráter de regularidade, uma frequência e/ou uma simultaneidade em relação à sua atividade profissional (37); se o montante do lucro gerado pelas vendas confirma que a transação realizada resulta de uma atividade comercial (38); e/ou se os produtos à venda são todos do mesmo tipo ou do mesmo valor, nomeadamente, se a proposta está concentrada num número limitado de produtos (39).

52.      Há que referir que estes critérios não são exaustivos nem exclusivos, pelo que, em princípio, o facto de preencher um ou mais critérios não determina, por si só, a qualificação a reter, relativamente ao vendedor em linha, à luz do conceito de «profissional». Por conseguinte, importa realizar uma apreciação global, atendendo a todos os critérios pertinentes, para se pronunciar sobre a qualificação a reter. Assim, estes critérios vão permitir aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar se uma pessoa como a recorrida no processo principal exerce uma atividade comercial que a coloca, deste modo, numa situação de superioridade em relação ao consumidor e, por conseguinte, se existe uma situação de desequilíbrio entre o profissional e o consumidor.

53.      No entanto, atendendo às considerações anteriores, é ao órgão jurisdicional de reenvio que compete apreciar, com base nos elementos de facto de que dispõe, e, nomeadamente, nos critérios enumerados nos números anteriores, se esta pessoa pode ser qualificada de «profissional» na aceção das referidas diretivas.

54.      Se o órgão jurisdicional de reenvio considerar que a pessoa interessada é um «profissional» na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais, há que determinar se a atividade por ela exercida constitui uma «prática comercial» na aceção do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais.

D.      Quanto ao conceito de «práticas comerciais das empresas face aos consumidores» na aceção do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais

55.      Relativamente à questão de saber se a atividade de uma pessoa singular como a recorrida no processo principal é suscetível de ser abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais, recordo, antes de mais, que o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 2.o, alínea d), desta diretiva define, utilizando uma formulação particularmente ampla, o conceito de «prática comercial» como «qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores» (40).

56.      Assim, para considerar que a atividade em causa constitui uma prática comercial na aceção do referido artigo, há que verificar se esta atividade, por um lado, pode ser qualificada de prática «de natureza comercial, isto é, emanar de profissionais», e, por outro, se é uma ação ou comunicação comercial «diretamente [relacionada] com a promoção, com a venda ou com o fornecimento dos seus produtos aos consumidores» (41).

57.      A este respeito, recordo que o critério da atividade comercial cuja existência deve ser verificada corresponde à ideia em que assenta o sistema de proteção instituído pelas diretivas da União em matéria de defesa dos consumidores, a saber, de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação e que existe um risco não despiciendo de que, designadamente por ignorância, o consumidor não invoque a regra de direito destinada a protegê‑lo (42).

58.      Nos termos da análise exposta nos n.os 40 a 52 das presentes conclusões, nada parece sugerir que a publicação de oito anúncios simultâneos de venda de diversos produtos possa ser considerada uma atividade abrangida pelo conceito de «profissional» na aceção do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais e que, consequentemente, uma situação de inferioridade resultante de tal atividade possa existir, no caso em apreço, entre a recorrida no processo principal e o comprador.

59.      No entanto, é ao órgão jurisdicional de reenvio que compete pronunciar‑se sobre este ponto, ao apreciar a qualidade de «profissional» de uma pessoa singular como a recorrida no processo principal, tendo em conta o conjunto de critérios expostos nos n.os 51 e 52 das presentes conclusões.

V.      Conclusão

60.      Atendendo ao conjunto das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo à questão do Administrativen sad — Varna (Tribunal Administrativo de Varna, Bulgária):

O artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 («Diretiva relativa às práticas comerciais desleais»), e o artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, devem ser interpretados no sentido de que uma pessoa singular como a recorrida no processo principal, que está registada numa plataforma em linha de compra e venda de bens e que publica neste sítio Internet, simultaneamente, oito anúncios de oferta de venda de diversos produtos, não pode ser qualificada de «profissional».

No entanto, é ao órgão jurisdicional de reenvio que compete apreciar se, à luz de todas as outras circunstâncias do caso em apreço, essa pessoa pode ser qualificada de «profissional» na aceção das referidas diretivas e, consequentemente, se a atividade por ela exercida constitui uma «prática comercial» na aceção do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2005/29.


1      Língua original: francês.


2      V. «Statistiques sur l’économie et la société numériques ‑ ménages et particuliers, Données extraites en février 2017», disponível no seguinte endereço Internet: http://ec.europa.eu/eurostat. V., igualmente, http://appsso.eurostat.ec.europa.eu/nui/show.do?dataset=isoc_ec_ibuy&lang=fr.


3      A função de uma plataforma em linha reduz‑se a colocar o seu sítio Internet à disposição de terceiros vendedores (profissionais ou particulares), para que estes aí ofereçam os seus produtos (novos ou usados) ou serviços.


4      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 (a seguir «Diretiva relativa às práticas comerciais desleais») (JO 2005, L 149, p. 22).


5      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (a seguir «Diretiva relativa aos direitos dos consumidores», JO 2011, L 304, p. 64).


6      Tratava‑se dos seguintes produtos: um leitor tátil com ecrã iluminado, em estado novo, três telefones de última geração, em estado usado ou novo, um carregador sem fios para telefone, um automóvel e azulejos turcos.


7      Há que referir que o órgão jurisdicional de reenvio não indicou, na sua decisão, as disposições desta diretiva que considera aplicáveis.


8      V., mais recentemente, Acórdãos de 7 de setembro de 2017, Neto de Sousa (C‑506/16, EU:C:2017:642, n.o 23), e de 26 de outubro de 2017, Aqua Pro (C‑407/16, EU:C:2017:817, n.o 26).


9      A este respeito, recordo que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre tanto das exigências da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não contenha uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros a fim de determinar o seu sentido e alcance devem normalmente ser objeto, em toda a União Europeia, de uma interpretação autónoma e uniforme, tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pelas normas em causa. V., nomeadamente, Acórdão de 3 de outubro de 2013, Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs (C‑59/12, EU:C:2013:634, n.o 25).


10      Nomeadamente, no que diz respeito aos mandatários do profissional, a Diretiva relativa às práticas comerciais desleais refere‑se, no artigo 2.o, alínea b), a «quem atue em nome ou por conta desse profissional», enquanto a Diretiva relativa aos direitos dos consumidores faz referência, no artigo 2.o, ponto 2, a «qualquer pessoa […] que […] atue, incluindo através de outra pessoa que atue em seu nome ou por sua conta […]». A este respeito, importa referir que, no âmbito da Diretiva relativa aos direitos dos consumidores, esta questão não se coloca, uma vez que a diretiva se aplica aos contratos que, em princípio, já foram celebrados entre o profissional e o consumidor (contrato de compra e venda, contrato de prestação de serviços, contrato à distância ou contrato celebrado fora do estabelecimento comercial). Daqui resulta que a questão da qualificação de um mandatário que atua em nome ou por conta de um profissional não pode continuar a ser colocada.


11      V. Acórdãos de 25 de abril de 2002, Comissão/França (C‑52/00, EU:C:2002:252, n.o 16), e de 14 de julho de 2005, Lagardère Active Broadcast (C‑192/04, EU:C:2005:475, n.o 46).


12      O artigo 2.o, alínea c), da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais define «produto» como «qualquer bem ou serviço, incluindo bens imóveis, direitos e obrigações».


13      A Diretiva sobre práticas comerciais desleais baseia‑se no artigo 95.o CEE, atual artigo 114.o TFUE.


14      O teor dos artigos 1.o destas duas diretivas é praticamente idêntico. Para além das diferenças relacionadas com as matérias abrangidas pelos seus respetivos âmbitos de aplicação, a Diretiva relativa às práticas comerciais desleais dispõe que tem por objetivo «contribuir para o funcionamento correto do mercado interno e alcançar um elevado nível de defesa dos consumidores […]», ao passo que a Diretiva relativa aos direitos dos consumidores dispõe que tem por objeto «contribuir, graças à consecução de um elevado nível de defesa dos consumidores, para o bom funcionamento do mercado interno […]».(o sublinhado é meu)


15      Importa referir que a versão em língua francesa da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais utiliza dois termos diferentes quando se refere ao tipo de harmonização por ela estabelecida, a saber, «harmonisation complète» e «harmonisation totale» (considerandos 14 e 15). O mesmo acontece com a versão em língua italiana, na qual a diretiva utiliza os termos «armonizzazione completa» e «piena armonizzazione». Outras versões linguísticas desta diretiva utilizam, porém, um único termo, nomeadamente as versões em língua alemã («vollständige Angleichung»), inglesa («full harmonisation»), polaca («pełna harmonizacja») e espanhola («plena armonización»). Alguns autores consideram estes dois tipos de harmonização (plena e total) como sinónimos, enquanto outros consideram que devem ser distinguidos. A harmonização plena das regras nacionais diz respeito ao âmbito de aplicação ratione materiae das diretivas, enquanto a harmonização total ou máxima se refere ao nível de discricionariedade dos Estados‑Membros na transposição das diretivas para a ordem jurídica interna. V., nomeadamente, a favor de tal distinção, González Vaqué, L., «La directive 2005/29/CE relative aux pratiques commerciales déloyales: entre l’objectif d’une harmonisation totale et l’approche d’une harmonisation complète», Revue de Droit de l’Union Européenne, 4/2005, p. 785 a 802; Rochfeld, J., «Les ambiguïtés des directives d’harmonisation totale. La nouvelle répartition des compétences communautaire et interne. À propos de l’arrêt de la CJCE du 4 juin 2009», Dalloz, 2009, n.o 30, p. 2047, e Verdure, C., «L’harmonisation des pratiques commerciales déloyales dans le cadre de la directive 2005/29/CE sur les pratiques commerciales déloyales: premier bilan jurisprudentiel», Cahiers de droit européen, 3‑4, 2010, p. 311‑336. A contrario, v. Stuyck, J., Terryn, E., Van Dyck, T., «Confidence through fairness? The new directive on unfair business‑to‑consumer commercial practices in the internal market», Common Market Law Review, 2006, n.o 43, p. 107‑152, nomeadamente, p. 115. A meu ver, esta distinção não tem qualquer relevância neste processo.


16      Para alguns autores, qualquer diretiva de harmonização plena ou exaustiva é necessariamente de harmonização total ou máxima, mas qualquer harmonização total não é de facto de harmonização plena ou exaustiva. V., nomeadamente, Diretiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos (JO 1985, L 210, p. 29). V., a este respeito, Acórdão de 4 de junho de 2009, Moteurs Leroy Somer (C‑285/08, EU:C:2009:351, n.o 25): «Com efeito, embora a Diretiva 85/374 […] prossiga, quanto aos aspetos que regula, uma harmonização total das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros, em contrapartida, como resulta do seu décimo oitavo considerando, não se destina a harmonizar de modo exaustivo o domínio da responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos para além dos referidos aspetos.» (o sublinhado é meu). V., igualmente, Rochfeld, J., op. cit., p. 2047, n.o 11, e Verdure, C., op. cit., p. 326.


17      A doutrina considera a abordagem de uma harmonização plena desta diretiva como um êxito «[…] uma vez que as disposições que preveem a manutenção das regras nacionais não harmonizadas relativas às práticas comerciais são de caráter excecional e (transitórias) e que, além disso, a sua aplicação está sujeita a condições estritas», v. González Vaqué, L., op. cit., p. 802.


18      V. artigo 1.o e considerandos 11, 12 e 23 da Diretiva relativa às práticas comerciais desleais. V., igualmente, Acórdãos de 3 de outubro de 2013, Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs (C‑59/12, EU:C:2013:634, n.o 34), e de 9 de novembro de 2010, Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag (C‑540/08, EU:C:2010:660, n.o 27). V., igualmente, as minhas Conclusões nos processos apensos Abcur (C‑544/13 e C‑545/13, EU:C:2015:136, n.o 59).


19      V. Conclusões do advogado‑geral V. Trstenjak nos processos apensos VTB‑VAB e Galatea (C‑261/07 e C‑299/07, EU:C:2008:581, n.o 48): «[…] Nos termos do seu quinto considerando, este objetivo deve ser alcançado através de uma harmonização da legislação em matéria de lealdade das práticas comerciais nos Estados‑Membros da Comunidade, com vista à eliminação dos obstáculos no mercado interno. O seu objetivo normativo consiste, por conseguinte, numa harmonização plena a nível comunitário, deste domínio da vida». V., igualmente, Henning‑Bodewig, F., «Die Richtlinie 2005/29/EG über unlautere Geschäftspraktiken», Gewerblicher Rechtsschutz und Urheberrecht Internationaler Teil, 2005, vol. 8/9, p. 629.


20      Nomeadamente, o artigo 3.o, n.o 5, desta diretiva dispõe que, sob certos requisitos, «[p]or um período de seis anos após 12 de junho de 2007, os Estados‑Membros podem continuar a aplicar disposições nacionais, no domínio sujeito a uma aproximação por força da presente diretiva, que sejam mais restritivas ou prescritivas do que a presente diretiva e que apliquem diretivas que contenham cláusulas de harmonização mínima». O n.o 6 do mesmo artigo estabelece um requisito suplementar, a saber, que «[o]s Estados‑Membros devem notificar a Comissão sem demora das disposições nacionais aplicadas com base no n.o 5».


21      V. Acórdão de 23 de abril de 2009, VTB‑VAB e Galatea (C‑261/07 e C‑299/07, EU:C:2009:244, n.o 52). V., igualmente, Acórdão de 9 de novembro de 2010, Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag (C‑540/08, EU:C:2010:660). V. Conclusões do advogado‑geral V. Trstenjak nos processos apensos VTB‑VAB e Galatea (C‑261/07 e C‑299/07, EU:C:2008:581, n.o 74): «[…] a Diretiva 2005/29 visa a harmonização plena das disposições legais dos Estados‑Membros em matéria de práticas comerciais desleais. Para além disso, não se pretende […] apenas uma harmonização mínima, mas sim o máximo de aproximação das disposições legais nacionais, proibindo os Estados‑Membros, salvo determinadas exceções, de manterem ou introduzirem normas mais rígidas. Ambas as conclusões resultam de uma interpretação tanto do preâmbulo como das disposições gerais da referida diretiva.»


22      V. artigo 1.o da Diretiva relativa aos direitos dos consumidores.


23      Nos termos dos considerandos 5 e 7 da Diretiva relativa aos direitos dos consumidores, esta harmonização «total» contribuirá para um nível elevado de proteção dos consumidores e para um melhor funcionamento do mercado interno entre empresas e consumidores, e deverá aumentar consideravelmente a segurança jurídica tanto para os consumidores como para os profissionais.


24      V., nomeadamente, artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva relativa aos direitos dos consumidores.


25      Acórdão de 3 de outubro de 2013, Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs (C‑59/12, EU:C:2013:634, n.o 32). V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs (C‑59/12, EU:C:2013:450, n.o 39).


26      Acórdão de 3 de outubro de 2013, Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs (C‑59/12, EU:C:2013:634, n.o 33).


27      Acórdão de 3 de outubro de 2013, Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs (C‑59/12, EU:C:2013:634, n.o 35). Quanto ao objetivo de garantir um elevado nível comum de defesa dos consumidores, procedendo a uma harmonização completa das regras relativas às práticas comerciais desleais, v., igualmente, n.o 34 desse acórdão). V., igualmente, n.o 34 das presentes conclusões.


28      Acórdão de 3 de outubro de 2013, Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs (C‑59/12, EU:C:2013:634, n.o 36).


29      C‑59/12, EU:C:2013:450, n.o 37: «[o]conceito de profissional deve […] ser considerado […] no sentido de que visa uma pessoa singular ou coletiva, que, no contexto em causa e independentemente do seu caráter público ou privado, atue no âmbito de uma atividade comercial.»


30      Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs (C‑59/12, EU:C:2013:450, n.os 41 e 42).


31      V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs (C‑59/12, EU:C:2013:450, n.o 40).


32      O facto de a venda ter um fim lucrativo é um elemento importante, mas não permite, por si só, concluir que uma pessoa singular seja um profissional. Com efeito, o valor de determinados produtos é suscetível de aumentar com o tempo, como é o caso das joias ou das obras de arte.


33      Em princípio, a venda de oito produtos por ano não basta, por si só, para permitir considerar que se trata de uma venda profissional, ao passo que a venda de oito produtos por semana durante vários meses pode constituir um indício que permite considerar que a mesma está abrangida pelo conceito de «profissional». Com efeito, a frequente colocação à venda de um número considerável de produtos de um determinado valor ou do mesmo tipo pode considerar‑se abrangida pelo conceito de «profissional». O número de avaliações realizadas pelos compradores, desde que a plataforma de venda em linha preveja um tal sistema, pode ser tido em consideração para avaliar a frequência das vendas em linha.


34      Há que determinar, em particular, se o vendedor é proprietário de um comércio dedicado à venda de produtos ou serviços semelhantes aos que são vendidos aos particulares no sítio Internet em causa. É, nomeadamente, o caso de um relojoeiro que vende os seus produtos simultaneamente numa plataforma de venda em linha e na sua empresa de relojoaria.


35      Em França, designadamente, a Administração Fiscal publicou diretrizes sobre o regime de tributação dos rendimentos provenientes de plataformas de venda em linha que estabelecem um conjunto de critérios para distinguir entre operações pontuais e operações periódicas sujeitas a um regime fiscal diferente. V., em especial, https://www.economie.gouv.fr/particuliers/vente‑biens‑declarer‑revenus.


36      V. n.os 43 e 44 das presentes conclusões. Em certos casos, um comerciante recompensa um «influenciador» por compras de produtos do comerciante realizadas através do sítio Internet do «influenciador». O termo «influenciador» é definido como a «[p]essoa que tem uma grande influência sobre os decisores ou sobre a opinião». V. Robert illustré, edição 2018. Para uma definição mais completa, pode citar‑se a Wikipédia em francês, uma fonte perfeitamente pertinente em matéria de Internet: «Um influenciador é qualquer pessoa ativa nas redes sociais que, pelo seu estatuto, sua posição ou sua exposição mediática, é capaz de influenciar os hábitos de consumo. Os influenciadores são solicitados pelas marcas e pelas empresas para melhorar a sua comunicação, bem como no âmbito de ações publicitárias. Os influenciadores trabalham maioritariamente nas redes sociais, influenciando muitos “seguidores”, através da sua conta Instagram ou do seu canal YouTube. Têm um papel de intermediário entre as empresas e os seus potenciais clientes».


37      É o caso, nomeadamente, de uma pessoa singular que vende diversos produtos a partir do seu domicílio, numa plataforma de venda em linha, a um preço que lhe permite obter um lucro.


38      V. guia da Comissão sobre as práticas comerciais desleais, disponível no seguinte endereço Internet: https://webgate.ec.europa.eu/ucp/public/index.cfm?event=public.guidance.show.


39      O Governo alemão considera, nomeadamente, que a oferta no comércio de prestações a título oneroso é um elemento fulcral para permitir qualificar uma atividade de comercial não apenas no quadro da sua legislação que transpõe a Diretiva relativa às práticas comerciais desleais mas também, em geral, no âmbito do Handelsgesetzbuch (Código Comercial).


40      Acórdãos de 23 de abril de 2009, VTB‑VAB e Galatea (C‑261/07 e C‑299/07, EU:C:2009:244, n.o 49); de 14 de janeiro de 2010, Plus Warenhandelsgesellschaft (C‑304/08, EU:C:2010:12, n.o 36); de 9 de novembro de 2010, Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag (C‑540/08, EU:C:2010:660, n.o 17); e de 19 de setembro de 2013, CHS Tour Services (C‑435/11, EU:C:2013:574, n.o 27).


41      V., neste sentido, Acórdão de 17 de outubro de 2013, RLvS (C‑391/12, EU:C:2013:669, n.o 37).


42      V. n.o 46 das presentes conclusões. V., neste sentido, a propósito da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29), Acórdão de 26 de outubro de 2006, Mostaza Claro (C‑168/05, EU:C:2006:675, n.o 28 e jurisprudência referida), bem como, a propósito da Diretiva 87/102/CEE do Conselho, de 22 de dezembro de 1986, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao crédito ao consumo (JO 1987, L 42, p. 48), Acórdão de 4 de outubro de 2007, Rampion e Godard (C‑429/05, EU:C:2007:575, n.o 65), e, a propósito da Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas (JO 1999, L 171, p. 12), Acórdão de 4 de junho de 2015, Faber (C‑497/13, EU:C:2015:357, n.o 42).