Language of document : ECLI:EU:C:2024:613

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JEAN RICHARD DE LA TOUR

apresentadas em 11 de julho de 2024 (1)

Processo C400/23

Processo penal

contra

VB

sendo intervenientes

Sofiyska gradska prokuratura

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sofiyski gradski sad (Tribunal da cidade de Sófia, Bulgária)]

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Diretiva (UE) 2016/343 — Direito de comparecer em julgamento — Artigo 8.°, n.° 2 — Julgamento que conduziu a uma decisão de condenação ou de absolvição à revelia — Modalidades de análise das condições que regulam o reconhecimento do direito a um novo julgamento — Direito de a acusação e de a defesa serem ouvidas — Artigo 8.°, n.° 4 — Forma e alcance das vias de recurso disponíveis após uma decisão proferida à revelia — Informação à pessoa condenada à revelia dos seus direitos processuais — Modalidades — Artigo 9.° — Direito a um novo julgamento — Regulamentação nacional que subordina o reconhecimento do direito a um novo julgamento à apresentação prévia de um pedido de reabertura do processo penal numa autoridade judiciária perante a qual uma pessoa julgada à revelia deve comparecer pessoalmente — Compatibilidade — Diretiva 2012/13/UE — Direito à informação em processo penal — Artigo 6.° — Direito de ser informado da acusação»






I.      Introdução

1.        No presente reenvio prejudicial, que é o segundo reenvio apresentado no âmbito do litígio no processo principal, o Sofiyski gradski sad (Tribunal da cidade de Sófia, Bulgária) pretende obter esclarecimentos relativos, por um lado, à apreciação das condições que regulam o reconhecimento, a uma pessoa julgada à revelia, do seu direito a um novo julgamento e, por outro, à informação dada a essa pessoa sobre os seus direitos processuais na aceção do artigo 8.°, n.° 4, e do artigo 9.° da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal (2).

2.        No seu Acórdão de 8 de junho de 2023, VB (Informação prestada ao condenado in absentia) (3), o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 8.°, n.° 4, da Diretiva 2016/343, nos termos do qual o Estado‑Membro assegura que o arguido, quando é informado da decisão proferida à revelia, em especial aquando da sua detenção, seja igualmente informado da possibilidade de impugnar essa decisão e do seu direito a um novo julgamento, não exige que um órgão jurisdicional nacional inclua tais informações na referida decisão. Neste contexto, o Tribunal de Justiça salientou que a escolha das modalidades para a disponibilização dessas informações aos interessados fica ao critério do Estado‑Membro, desde que sejam levadas ao conhecimento dessa pessoa no momento em que esta é informada da decisão em questão (4).

3.        No presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio pretende comparar estes princípios ao sistema processual nacional. Com efeito, salienta que, em conformidade com a legislação búlgara, a autoridade judiciária que decide sobre o mérito da acusação e profere uma decisão à revelia não é competente para apreciar se a pessoa acusada tem direito a um novo julgamento à luz dos requisitos estabelecidos pela Diretiva 2016/343. A este respeito, recorda que tal apreciação é da competência exclusiva do Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação, Bulgária), que deve conhecer previamente de um pedido de reabertura do processo penal apresentado pelo interessado, cuja decisão está sujeita à sua comparência pessoal.

4.        O órgão jurisdicional de reenvio submete ao Tribunal de Justiça uma série de questões prejudiciais destinadas a apreciar em que medida essas modalidades cumprem os requisitos enunciados no artigo 8.°, n.° 4, e no artigo 9.° da Diretiva 2016/343. Para o efeito, o Tribunal de Justiça deve ter em conta as disposições previstas, nomeadamente, na Diretiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativa ao direito à informação em processo penal (5), que também estabelece mecanismos de proteção dos direitos dos suspeitos e dos arguidos nos processos penais a que o interessado está sujeito.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Diretiva 2012/13

5.        A Diretiva 2012/13 consagra o direito à informação do suspeito ou acusado em processo penal.

6.        O artigo 3.°, n.° 1, alínea c), desta diretiva define o direito de ser informado sobre os direitos do seguinte modo:

«Os Estados‑Membros asseguram que os suspeitos ou acusados de uma infração penal recebam prontamente informações sobre pelo menos os seguintes direitos processuais, tal como aplicáveis nos termos do direito nacional, a fim de permitir o seu exercício efetivo:

[...]

c)      O direito de ser informado da acusação, nos termos do artigo 6.°;

7.        O artigo 6.° da referida diretiva, sob a epígrafe «Direito à informação sobre a acusação», prevê:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que os suspeitos ou acusados recebam informações sobre o ato criminoso de que sejam suspeitos ou acusados de ter cometido. Estas informações são prestadas prontamente e com os detalhes necessários, a fim de garantir a equidade do processo e de permitir o exercício efetivo dos direitos de defesa.

[...]

3.      Os Estados‑Membros asseguram que, pelo menos aquando da apresentação da fundamentação da acusação perante um tribunal, sejam prestadas informações detalhadas sobre a acusação, incluindo a natureza e qualificação jurídica da infração penal, bem como a natureza da participação do acusado.

[...]»

2.      Diretiva 2016/343

8.        A Diretiva 2016/343 estabelece, nos termos do seu artigo 1.°, normas mínimas comuns respeitantes, por um lado, a certos aspetos do direito à presunção de inocência e, por outro, ao direito de comparecer em julgamento.

9.        O artigo 8.° desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de comparecer em julgamento», prevê, nos seus n.os 1 a 4:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que o suspeito ou o arguido tem o direito de comparecer no próprio julgamento.

2.      Os Estados‑Membros podem prever que um julgamento passível de resultar numa decisão sobre a culpa ou inocência de um suspeito ou de um arguido pode realizar‑se na sua ausência, desde que:

a)      o suspeito ou o arguido tenha atempadamente sido informado do julgamento e das consequências da não comparência; ou

b)      o suspeito ou o arguido, tendo sido informado do julgamento, se faça representar por um advogado mandatado, nomeado por si ou pelo Estado.

3.      Uma decisão tomada em conformidade com o n.° 2 pode ser executada contra o suspeito ou o arguido em causa.

4.      Sempre que os Estados‑Membros disponham de um sistema que preveja a possibilidade de realização do julgamento na ausência de suspeitos ou arguidos mas não seja possível cumprir as condições definidas no n.° 2 do presente artigo, por o suspeito ou o arguido não poder ser localizado apesar de terem sido efetuados esforços razoáveis, os Estados‑Membros podem prever que uma decisão pode, mesmo assim, ser tomada e executada. Nesse caso, os Estados‑Membros asseguram que quando o suspeito ou o arguido forem informados da decisão, em especial aquando da detenção, também sejam informados da possibilidade de impugnar a decisão e do direito a um novo julgamento ou de usar outras vias de recurso, em conformidade com o artigo 9.°»

10.      O artigo 9.° da referida diretiva, sob a epígrafe «Direito a um novo julgamento», dispõe:

«Os Estados‑Membros asseguram que sempre que o suspeito ou o arguido não tiverem comparecido no seu julgamento e as condições previstas no artigo 8.°, n.° 2, não tiverem sido reunidas, estes têm direito a um novo julgamento ou a outras vias de recurso que permitam a reapreciação do mérito da causa, incluindo a apreciação de novas provas, e pode conduzir a uma decisão distinta da inicial. A este respeito, os Estados‑Membros asseguram que esses suspeitos ou esses arguidos têm o direito de estarem presentes, de participarem efetivamente, nos termos do processo previsto na legislação nacional, e de exercerem os seus direitos de defesa.»

B.      Direito búlgaro

11.      O artigo 15.°, n.os 2 a 3, do Nakazatelno‑protsesualen kodeks (Código de Processo Penal; a seguir «NPK») prevê:

«(2)      Os arguidos e outros intervenientes no processo penal dispõem de todos os meios processuais necessários à defesa dos seus direitos e interesses legítimos.

(3)      O juiz, o procurador e os órgãos de instrução informarão as pessoas referidas no n.° 2 dos seus direitos processuais e assegurarão que possam exercê‑los.»

12.      O artigo 423.°, n.os 1 a 4, do NPK dispõe:

«(1)      No prazo de seis meses a contar da tomada de conhecimento da sentença penal transitada em julgado [...], a pessoa condenada na sua ausência pode pedir a reabertura do processo penal invocando a sua ausência no [processo penal]. O pedido é deferido, a menos que a pessoa condenada, após a comunicação das acusações durante a instrução, tenha fugido, de modo a que o procedimento previsto no artigo 247c, n.° 1, não tenha podido ser executado, ou então, uma vez executado o referido processo, que a pessoa condenada não tenha comparecido na audiência sem uma justificação válida.

(2)      O pedido não suspende a execução da condenação penal, salvo se o tribunal dispuser em sentido contrário.

(3)      O procedimento de reabertura do processo penal é encerrado se a pessoa condenada na sua ausência não tiver comparecido sem fundamento válido.

(4)      Quando uma pessoa condenada na sua ausência tiver sido presa em execução de uma sentença transitada em julgado e o tribunal reabrir o processo penal, o tribunal deverá, na sua decisão, pronunciar‑se sobre a medida de prisão.»

13.      O artigo 424.°, n.os 1 e 2, do NPK prevê:

«(1)      O pedido de reabertura de um processo penal em conformidade com o artigo 422.°, n.° 1, ponto 5, é examinado pelo Apelativen sad [Tribunal de Recurso, Bulgária] competente, quando o ato referido no artigo 419.° tiver sido proferido por um Rayonen sad [Tribunal de Primeira Instância, Bulgária] ou por um Okrazhen sad [Tribunal Regional, Bulgária] na qualidade de instância de recurso, exceto no caso de novas decisões.

(2)      Para além dos processos referidos no n.° 1, o pedido de reabertura de um processo penal é apreciado pelo Varhoven kasatsionen sad [Supremo Tribunal de Cassação].»

14.      O artigo 425.°, n.° 2, do NPK enuncia:

«Nos casos referidos no artigo 423.°, n.° 1, o processo será reaberto e transferido para a fase em que tenha sido iniciado na ausência do arguido.»

III. Factos do litígio no processo principal e questões prejudiciais (6)

15.      O pedido de decisão prejudicial foi apresentado no âmbito de processos penais instaurados contra VB a respeito de factos suscetíveis de constituir crimes puníveis com penas privativas de liberdade. Estes processos penais foram desde o início conduzidos na ausência de VB. Este não pôde ser notificado formalmente dos factos de que vinha acusado. Além disso, não pôde ser informado do facto de ser levado a tribunal nem, por maioria de razão, da data e do local da audiência ou das consequências da sua não comparência. Com efeito, as autoridades nacionais competentes não conseguiram localizar VB, dado que este fugiu durante a fase de instrução, antes da operação policial destinada a deter os suspeitos. Foi declarado «procurado», nomeadamente por mandado de detenção europeu, mas não foi localizado.

16.      Os processos penais na causa principal encontram‑se ainda a correr termos e a maior parte das provas foi recolhida. O órgão jurisdicional nacional chamado a conhecer desses processos penais, que era anteriormente o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária), na origem do reenvio prejudicial apresentado no processo que culminou no Acórdão VB I, e que é atualmente o Sofiyski gradski sad (Tribunal da cidade de Sófia), interroga‑se, por um lado, sobre as medidas que deverá adotar para garantir que VB, se for condenado à revelia numa pena privativa de liberdade, será informado, aquando da sua detenção, da decisão proferida a seu respeito, bem como dos seus direitos processuais, em conformidade com as disposições enunciadas no artigo 8.°, n.° 4, e no artigo 9.° da Diretiva 2016/343, conforme interpretadas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão VB I.

17.      Por outro lado, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre se a legislação búlgara, que prevê um mecanismo segundo o qual uma pessoa condenada à revelia só é informada do seu direito a um novo julgamento no final da audiência em que é decidido o pedido de reabertura do processo penal, na qual deve comparecer pessoalmente, preenche os requisitos previstos na Diretiva 2016/343 e, em especial, o direito de ser informado do seu direito a um novo julgamento previsto no artigo 8.°, n.° 4, desta diretiva.

18.      Nestas circunstâncias, o Sofiyski gradski sad (Tribunal da cidade de Sófia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      a)      Deve o artigo 8.°, n.° 4, segundo período, da Diretiva [2016/343] ser interpretado no sentido de que uma pessoa que foi condenada à revelia numa pena privativa de liberdade, sem que se verifique um dos casos previstos no n.° 2 deste artigo, tem de ser informada da decisão que a condenou quando é detida para efeitos de execução dessa pena?

b)      Qual é o conteúdo do requisito “forem informados da decisão” previsto no artigo 8.°, n.° 4, segundo período, da Diretiva [2016/343] e exige o mesmo a entrega de uma cópia dessa decisão?

c)      Em caso de resposta negativa às questões 1.1. e 1.2: opõe‑se artigo 8.°, n.° 4, segundo período, da Diretiva [2016/343] a que um tribunal nacional decida assegurar a entrega de uma cópia dessa decisão?

2)      a)      É compatível com o artigo 8.°, n.° 4, segundo período, da Diretiva [2016/343] uma norma nacional que — no caso de uma acusação penal ser examinada na ausência do arguido e de ser proferida uma decisão judicial de condenação sem que estejam reunidas as condições do artigo 8.°, n.° 2, da diretiva — não preveja quaisquer modalidades de informação da pessoa condenada à revelia do seu direito a um novo julgamento com a sua participação, em especial, quando essa informação não seja fornecida quando a pessoa condenada à revelia é detida?

b)      É pertinente o facto de a legislação nacional — o artigo 423.° do NPK — prever que a pessoa condenada à revelia seja informada do seu direito a um novo julgamento, mas apenas depois de essa pessoa ter apresentado um pedido de anulação desta condenação e de realização de um novo julgamento com a sua participação, sendo‑lhe comunicada a informação sob a forma de uma decisão judicial em resposta a esse pedido?

c)      Em caso de resposta em sentido negativo: são cumpridos os requisitos do artigo 8.°, n.° 4, segundo período, e do artigo 10.°, n.° 1, da Diretiva [2016/343], se o tribunal que aprecia uma acusação penal na ausência do arguido e profere uma decisão de condenação, sem que se verifique um dos casos previstos no artigo 8.°, n.° 2, desta diretiva, referir na sua decisão o direito dessa pessoa a um novo julgamento ou a outras vias de recurso e obrigar as pessoas que procedem à detenção da pessoa condenada a fornecer‑lhe uma cópia dessa decisão?

d)      Em caso de resposta em sentido afirmativo: opõe‑se o artigo 8.°, n.° 4, segundo período, da Diretiva [2016/343] a que um tribunal que profere uma decisão de condenação à revelia de um arguido, sem que se verifique um dos casos previstos no artigo 8.°, n.° 2, desta diretiva, faça referência, na sua decisão, ao direito dessa pessoa a um novo julgamento ou a outras vias de recurso em conformidade com o artigo 9.° desta diretiva, e obrigue as pessoas que procedem à detenção de quem foi condenado a fornecer‑lhe uma cópia dessa decisão?

3)      Qual é o primeiro e o último momento possível em que o tribunal deve decidir se o processo penal conduzido na ausência do arguido não cumpre as condições do artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva [2016/343] e deve tomar medidas para assegurar que a informação seja prestada em conformidade com o artigo 8.°, n.° 4, segundo período, desta diretiva?

4)      Deve a decisão referida [na terceira questão], supra, ter em conta os pontos de vista da acusação e do advogado de defesa do arguido ausente?

5)      a)      A expressão “possibilidade de impugnar a decisão”, constante do artigo 8.°, n.° 4, segundo período, da Diretiva [2016/343], refere‑se ao direito de interpor recurso no âmbito do processo ou à impugnação de uma decisão judicial definitiva?

b)      Qual é o conteúdo a dar à informação que, nos termos do artigo 8.°, n.° 4, segundo período, da Diretiva [2016/343] deve ser prestada a uma pessoa condenada à revelia, sem estarem reunidas as condições do n.° 2, no que respeita ao “direito a um novo julgamento ou de usar outras vias de recurso, em conformidade com o artigo 9.°”: refere‑se ao [seu] direito de obter essa via de recurso se impugnar a sua condenação à revelia ou ao direito de apresentar esse pedido, devendo o mérito desse pedido ser apreciado posteriormente?

6)      Qual é o conteúdo da expressão “outras vias de recurso que permitam a reapreciação do mérito da causa, incluindo a apreciação de novas provas, e pode conduzir a uma decisão distinta da inicial”, que figura no artigo 9.°, primeiro período, da Diretiva [2016/343]?

7)      É compatível com o artigo 8.°, n.° 4, e o artigo 9.° da Diretiva [2016/343] uma disposição de direito nacional — o artigo 423.°, n.° 3, do NPK — que exige a comparência pessoal de quem foi condenado à revelia como condição obrigatória para que o seu pedido de novo julgamento seja apreciado e deferido?

8)      O artigo 8.°, n.° 4, segundo período, e o artigo 9.° da Diretiva 2016/343 aplicam se às pessoas absolvidas?»

19.      Apenas a Comissão Europeia apresentou observações escritas.

IV.    Análise

20.      Antes de analisar estas questões, importa recordar que a Diretiva 2016/343, tal como a Diretiva 2012/13, foi adotada com base no artigo 82.°, n.° 2, do TFUE. Resulta deste artigo que, para facilitar o reconhecimento mútuo e a cooperação policial e judiciária nas matérias penais, o legislador da União pode estabelecer regras mínimas que incidam, nomeadamente, sobre os direitos individuais em processo penal. A Diretiva 2016/343, em conformidade com o seu considerando 9 e com o seu artigo 1.°, tem assim como objeto reforçar o direito fundamental a um processo equitativo no âmbito dos processos penais, de forma a aumentar a confiança dos Estados‑Membros no sistema de justiça penal dos outros Estados‑Membros, definindo normas mínimas comuns relativas, nomeadamente, ao direito de comparecer em julgamento (7). Estas normas designadas «mínimas» referem‑se, de facto, a princípios processuais que os Estados‑Membros não podem derrogar e que são essenciais para garantir os direitos de defesa e o respeito do direito a um processo equitativo, em especial para as pessoas relativamente às quais foi proferida uma decisão à revelia.

21.      Embora o legislador da União deva, em conformidade com o artigo 82.°, n.° 2, primeiro parágrafo, segundo período, TFUE, ter em conta tradições e sistemas jurídicos dos Estados‑Membros, pelo que não pode ser imposto um sistema processual único, esses sistemas processuais nacionais devem, contudo, respeitar não só os princípios em causa, sob pena de impedir o exercício do direito de comparecer em julgamento reconhecido ao arguido, mas também o reconhecimento mútuo das decisões judiciais que condenam esta pessoa à revelia (8).

22.      É neste contexto que o órgão jurisdicional de reenvio questiona o Tribunal de Justiça. Com efeito, resulta da decisão de reenvio que, na medida em que a cooperação transfronteiriça possa ser necessária, esta visa garantir que a decisão de condenação que proferirá na sequência de um processo que será conduzido na ausência de VB respeitará as suas garantias processuais, para que essa decisão possa ser reconhecida pelas autoridades judiciárias dos outros Estados‑Membros no âmbito da execução de um eventual mandado de detenção europeu (9).

23.      Para esse efeito, esse órgão jurisdicional submete várias questões prejudiciais relativas às modalidades de aplicação do artigo 8.°, n.° 4, e do artigo 9.° da Diretiva 2016/343, que proponho ao Tribunal de Justiça agrupar para efeitos da sua apreciação.

A.      Análise das condições que regulam o reconhecimento de um direito a um novo julgamento (terceira, quarta, sétima e oitava questões prejudiciais)

24.      O órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que especifique as condições em que pode considerar que as disposições do artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 2016/343 não foram respeitadas e que as relativas ao reconhecimento de um direito a um novo julgamento, na aceção do artigo 8.°, n.° 4, e do artigo 9.° da Diretiva 2016/343, foram respeitadas. Embora, com a sua oitava questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunte se essa análise deve ser efetuada quando o arguido tenha sido objeto de uma decisão de absolvição, interroga‑se, com a sua terceira questão, sobre o «primeiro e o último momento possível» em que a referida análise deve ser conduzida e, com a sua quarta questão, sobre a necessidade de tomar em consideração as observações tanto da acusação como do advogado de defesa, para efeitos desta análise.

25.      Para analisar cada uma destas questões, é necessário recordar, a título preliminar, o sentido e o alcance da apreciação exigida pelo artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 2016/343.

26.      Os artigos 8.° e 9.° da Diretiva 2016/343 estabelecem um regime jurídico que garante ao suspeito e ao arguido, no âmbito de um processo penal, o direito de comparecer em julgamento (10). Embora o artigo 8.°, n.° 1, desta diretiva imponha ao Estado‑Membro a obrigação de assegurar o respeito do direito de comparecer no próprio julgamento, em contrapartida, o artigo 8.°, n.os 2 e 4, da referida diretiva estabelece dois regimes jurídicos que permitem ao Estado‑Membro pronunciar‑se sobre o mérito de uma acusação na sequência de um processo conduzido na ausência do arguido, garantindo simultaneamente o respeito efetivo do seu direito a um julgamento.

27.      O regime previsto no artigo 8.°, n.os 2 e 3, da Diretiva 2016/343, à luz dos seus considerandos 35 a 37, diz respeito à situação em que um Estado‑Membro pode prever que um julgamento pode ser realizado e é passível de resultar numa «decisão sobre a culpa ou a inocência» do arguido e executar essa decisão sem prever o direito a um novo julgamento pelo facto de essa pessoa ter renunciado voluntariamente e de forma inequívoca ao direito de comparecer no próprio julgamento ou a defender‑se, nas condições impostas no n.° 2 deste artigo. Qualquer renúncia ao direito de comparecer ou de se defender implica, por conseguinte, a execução da decisão proferida na sequência do julgamento realizado à revelia e a impossibilidade de o arguido impugnar essa decisão e pedir um novo julgamento.

28.      Em contrapartida, o regime previsto no artigo 8.°, n.° 4, da Diretiva 2016/343 pressupõe que as condições enunciadas no artigo 8.°, n.° 2, desta diretiva não puderam ser preenchidas, porque o arguido não pôde ser localizado apesar dos esforços das autoridades competentes. Este regime permite ao Estado‑Membro prever que essa pessoa pode ser julgada na sua ausência e que «uma decisão» pode ser proferida desde que essa pessoa seja devidamente informada da possibilidade de impugnar essa decisão e do seu direito a um novo julgamento ou a outras vias de recurso, em conformidade com o artigo 9.° da referida diretiva (11).

29.      É à luz destas considerações que se deve responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

1.      Beneficiários do direito a um novo julgamento

30.      Com a sua oitava questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que especifique se as disposições relativas ao direito à informação e ao direito a um novo julgamento, previstas, respetivamente, no artigo 8.°, n.° 4, e no artigo 9.° da Diretiva 2016/343, são aplicáveis quando o arguido tenha sido objeto de uma decisão de absolvição proferida à revelia.

31.      Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, contrariamente ao artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 2016/343, que determina as condições em que «[uma] decisão sobre a culpa ou inocência de um suspeito ou de um arguido» (12) pode ser executada na sequência de um julgamento realizado na sua ausência, tal precisão não figura no artigo 8.°, n.° 4, desta diretiva, que regula as circunstâncias em que «uma decisão pode, mesmo assim, ser tomada e executada» (13), nem no artigo 9.° da mesma, que fixa as condições que podem conduzir a uma «decisão distinta da inicial» (14) devido à realização de um novo julgamento.

32.      Parece‑me, antes de mais, que esta questão diz respeito a uma hipótese bastante teórica que consistiria em ver uma pessoa absolvida na sua ausência impugnar a decisão de absolvição e exigir um novo julgamento, correndo o risco, desta vez, de ser condenada.

33.      Em seguida, tendo em conta a relação que o legislador da União estabelece entre o artigo 8.°, n.° 2, o artigo 8.°, n.° 4, e o artigo 9.° da Diretiva 2016/343, não há dúvida de que estas disposições formam um todo, que requer uma leitura e uma compreensão conjunta. Resulta, assim, dos trabalhos preparatórios desta diretiva que este legislador pretendeu claramente definir o âmbito de aplicação das disposições que regulam a realização de um julgamento à revelia e, nomeadamente, as garantias processuais que lhe estão associadas, como abrangendo todos os processos penais que tenham por objeto apreciar a questão da culpabilidade do arguido (decisões de condenação ou de absolvição)» (15).

34.      Por último, excluir, por princípio, a pessoa relativamente à qual foi proferida uma decisão à revelia do direito a um novo julgamento, pelo facto de ter sido absolvida, equivaleria a violar, de forma manifesta, o sentido e a finalidade do direito de comparecer em julgamento e a comprometer a equidade do processo, do qual constitui um elemento essencial (16). Com efeito, mesmo que fosse absolvida, poderia considerar‑se privada da possibilidade de ser «ouvida» pelo juiz e de ser confrontada com as testemunhas e/ou com as vítimas, o que é um elemento fundamental de um processo penal (17).

35.      Tendo em conta estes elementos, concluo que o artigo 8.°, n.° 4, e o artigo 9.° da Diretiva 2016/343 devem ser interpretados no sentido de que são aplicáveis à pessoa relativamente à qual foi proferida uma decisão de absolvição à revelia.

2.      Modalidades processuais da análise que regula o reconhecimento do direito a um novo julgamento

36.      Resulta de jurisprudência constante que a Diretiva 2016/343 não procede a uma harmonização exaustiva do processo penal (18). Embora o legislador da União enuncie as condições materiais à luz das quais um Estado‑Membro é obrigado a assegurar que a pessoa relativamente à qual foi proferida uma decisão à revelia beneficiará ou não de um direito a um novo julgamento ao abrigo das disposições previstas no artigo 9.° desta diretiva, não determina, em contrapartida, as modalidades processuais segundo as quais a apreciação dessas condições deve ser conduzida, nomeadamente, o âmbito e o prazo em que deve ser efetuada.

37.      Em conformidade com o princípio da autonomia processual, cabe, por conseguinte, ao Estado‑Membro definir, de acordo com as especificidades do seu sistema jurídico, as condições e as modalidades processuais relativas a esta análise, desde que, no entanto, essas modalidades não sejam, nas situações abrangidas pelo direito da União, menos favoráveis do que em situações semelhantes submetidas ao direito interno (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) (19).

38.      Por outro lado, como resulta do considerando 47 da Diretiva 2016/343, os Estados‑Membros são obrigados a garantir o respeito dos direitos fundamentais e dos princípios gerais reconhecidos tanto pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (20) como pela Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (21).

39.      É com base nestes elementos e nomeadamente à luz do princípio da efetividade e do direito a um processo equitativo, que há que apreciar se um Estado‑Membro previu procedimentos que permitem o reconhecimento do direito a um novo julgamento depois de a autoridade judiciária se ter pronunciado sobre o mérito da acusação e ter proferido uma decisão à revelia (22).

40.      O «primeiro momento» em que o Estado‑Membro pode prever procedimentos relativos a esta análise é, na minha opinião, facilmente identificável, uma vez que corresponde ao início do julgamento. Com efeito, só quando a autoridade judiciária constata que o arguido está ausente ou não está representado é que pode apreciar em que medida essa pessoa renunciou inequivocamente ao seu direito de comparecer ou de se defender e a conduzir o processo penal à revelia.

41.      Em contrapartida, o «último momento», de forma geral, corresponde, na minha opinião, ao momento em que as autoridades competentes pretendem executar a decisão proferida à revelia, mesmo que as condições do artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 2016/343 não estejam preenchidas. Com efeito, o regime jurídico do artigo 8.°, n.° 4, desta diretiva não é prever a possibilidade de julgar uma pessoa na sua ausência, mas especificar as consequências ligadas à execução da decisão proferida à revelia, fora das condições previstas no artigo 8.°, n.° 2, da referida diretiva. Em processo penal, a execução de uma decisão de condenação pressupõe que esta seja executória e definitiva. Na hipótese de a autoridade judiciária se ter pronunciado sobre o mérito da acusação e ter proferido uma decisão à revelia, sem que tenha sido provado que o arguido renunciou ao seu direito de comparecer ou de se defender, a execução dessa decisão só será possível se essa pessoa não exercer as vias de recurso previstas no direito nacional ou não requerer um novo julgamento. Nestas circunstâncias, considero que nada se opõe a que um Estado‑Membro estabeleça um procedimento através do qual as autoridades competentes examinam as condições que regem o reconhecimento do direito a um novo julgamento numa fase posterior do processo penal, após a autoridade judiciária ter proferido uma decisão à revelia, desde que a execução dessa decisão seja suspensa até ao termo dessa análise.

42.      No entanto, na medida em que o juiz de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça sobre o «último momento» possível em que pode, enquanto órgão jurisdicional que se pronuncia sobre o mérito da acusação, verificar se as condições do artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 2016/343 estão preenchidas, para, sendo caso disso, informar o arguido da possibilidade de impugnar a decisão que irá proferir e do seu direito a um novo julgamento, este «último momento» é aquele em que esse órgão jurisdicional proferirá a decisão pela qual decide sobre a culpabilidade ou a inocência dessa pessoa, uma vez que esse órgão jurisdicional terá então deixado de ser competente.

43.      Importa agora examinar em que medida o órgão jurisdicional deve ter em conta as observações da acusação e do advogado de defesa para efeitos da análise das condições enunciados no artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 2016/343.

44.      Recordo que esta análise constitui uma fase essencial do processo penal, uma vez que do seu resultado depende a execução da decisão proferida à revelia ou a realização de um novo julgamento. A referida análise deve, por conseguinte, ser efetuada no respeito das garantias processuais que asseguram às pessoas em causa o respeito dos direitos de defesa, previstos no artigo 47.° da Carta.

45.      Resulta de jurisprudência constante que o princípio do contraditório, que faz parte dos direitos de defesa, implica, em especial, que as partes num processo devem ter o direito de tomar conhecimento de todos os documentos ou observações apresentados ao juiz para influenciarem a sua decisão e para os discutirem (23). No que respeita ao princípio da igualdade de armas, que é um corolário do próprio conceito de processo equitativo, este implica a obrigação de oferecer a cada parte uma oportunidade razoável de apresentar a sua causa, incluindo os elementos de prova, em condições que não a coloquem numa situação de clara desvantagem relativamente ao seu adversário (24).

46.      No âmbito de um processo que visa determinar se estavam preenchidas as condições enunciadas no artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 2016/343, o arguido deve poder ser ouvido e invocar de maneira efetiva, sendo caso disso, por intermédio do seu advogado, todos os fundamentos que justificam que se reconheça, na sua esfera jurídica, o direito a um novo julgamento, tanto mais que a sua representação por um advogado é, em princípio, suscetível de demonstrar que pretende garantir o seu direito de defesa (25).

47.      Tendo em conta a natureza da análise efetuada pela autoridade competente, o arguido deve poder debater, em contraditório, elementos de facto que sejam decisivos para a decisão do processo. Em especial, deve ser‑lhe perguntado se conhecia a natureza e a causa da acusação e em que medida foi pessoalmente notificada dessa acusação ou devidamente citada. Assim, esta análise exige que a autoridade competente demonstre a existência ou não de uma renúncia com base em factos precisos, objetivos e pertinentes. Neste contexto, as observações formuladas tanto pela acusação como pela defesa parecem essenciais e podem exercer uma influência determinante na apreciação das condições referidas no artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 2016/343.

48.      Atendendo a estes elementos, considero que o artigo 8.°, n.° 4, da Diretiva 2016/343 deve ser interpretado no sentido de que o Estado‑Membro pode prever procedimentos relativos à análise das condições que regulam o reconhecimento de um direito a um novo julgamento, enunciadas no artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 2016/343, depois de a autoridade judiciária ter proferido uma decisão à revelia contra o arguido, desde que a execução dessa decisão seja suspensa até ao termo dessa análise e que a autoridade competente ouça para esse efeito tanto a acusação como a defesa.

49.      No entanto, também neste caso, o órgão jurisdicional de reenvio parece colocar‑se no momento em que deve decidir à revelia e pretende saber se, para efeitos da constatação de que as condições do artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 2016/343 estão ou não preenchidas, deve obter o parecer da acusação e do advogado nomeado para defender os interesses do arguido. Na minha opinião, são aplicáveis os princípios enunciados no número anterior das presentes conclusões.

3.      Modalidades processuais relativas ao reconhecimento do direito a um novo julgamento, previstas no artigo 423 do NPK

50.      Com a sua sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se o artigo 8.°, n.° 4, segundo período, e o artigo 9.° da Diretiva 2016/343 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um sistema processual nacional em que a pessoa relativamente à qual foi proferida uma decisão de condenação à revelia numa pena privativa de liberdade, sem que tenha sido provado que tinha renunciado ao direito de comparecer ou de se defender, é obrigada, para beneficiar do direito a um novo julgamento, a apresentar um pedido de reabertura do processo penal no Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação) e a comparecer pessoalmente.

51.      Um sistema processual como o que está em causa não me parece criticável per se, não só pelas razões expostas no n.° 41 das presentes conclusões mas também pelo respeito da regra estabelecida no artigo 82.°, n.° 2, TFUE, ou seja, que as regras adotadas com base nesta disposição devem ter em conta as diferenças entre as tradições e os sistemas jurídicos dos Estados‑Membros.

52.      No entanto, é ainda necessário que este sistema processual respeite, na fase da sua execução, as condições que regem o reconhecimento do direito a um novo julgamento impostas pelo artigo 8.°, n.os 2 e 4, e pelo artigo 9.° da Diretiva 2016/343, conforme interpretadas pelo Tribunal de Justiça, e permita, devido às suas características, à pessoa que foi condenada à revelia, sem que tenha sido provado que tinha renunciado ao direito de comparecer ou de se defender, exercer plenamente os seus direitos de defesa, o que importa agora examinar (26).

53.      Ora, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, parece‑me que as características deste sistema, tal como resultam da decisão de reenvio, não permitem garantir o respeito dos direitos processuais dessa pessoa.

54.      Recordo que o pedido de reabertura do processo penal constitui uma fase específica do processo penal cuja importância se pode revelar crucial para a pessoa que tenha sido condenada à revelia numa pena privativa de liberdade. Por conseguinte, é essencial poder apresentar tal pedido, tanto mais que, uma vez que o recurso já não é possível, este é a única via de recurso possível para obter uma nova apreciação do mérito do processo (27).

55.      Ora, em conformidade com o artigo 423.°, n.° 2, do NPK, a apresentação de um pedido de reabertura do processo penal não tem efeito suspensivo «salvo se o tribunal dispuser em sentido contrário». Essa modalidade parece‑me, em si mesma, contrária ao princípio segundo o qual uma decisão de condenação proferida à revelia não pode ser objeto de execução imediata enquanto não for determinado se o interessado tem ou não direito a um novo julgamento.

56.      Além disso, resulta do artigo 423.°, n.° 3, do NPK que a apreciação do pedido de reabertura do processo penal exige, em princípio, a comparência pessoal da pessoa condenada à revelia (28). Com efeito, este processo é encerrado se esta não comparecer pessoalmente perante o juiz competente, exceto se apresentar um fundamento válido.

57.      Independentemente da natureza desse fundamento e da medida em que essa pessoa se possa fazer representar por um advogado, tal exigência equivale a subordinar o direito a um novo julgamento garantido no artigo 9.° da Diretiva 2016/343 a uma condição que não está prevista pelo legislador da União.

58.      É certo que esta exigência responde à preocupação legítima de não prejudicar abusivamente a efetividade das ações penais e a boa administração da justiça (29). No contexto de um pedido de reabertura do processo penal, não se pode, com efeito, criticar um Estado‑Membro por pretender evitar as situações em que esse pedido é apresentado de forma abusiva, sem seriedade nem fundamentação, para impedir a execução de uma decisão proferida à revelia. Também não pode ser criticado por privilegiar o depoimento pessoal do arguido para avaliar as razões da sua ausência no julgamento. Como reconhece o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a comparência é importante em razão quer do direito do arguido de ser ouvido e de entregar ao juiz «a sua versão dos factos» (30) quer da necessidade de fiscalizar a exatidão das suas afirmações (31).

59.      No entanto, tal exigência pode implicar uma restrição particularmente severa do direito de beneficiar de um novo julgamento, quando o arguido é condenado numa pena privativa de liberdade. Com efeito, nessa hipótese, parece que essa pessoa não tem outra opção senão comparecer pessoalmente e, consequentemente, ser presa em execução da sentença proferida à revelia, se pretender beneficiar de um novo julgamento, uma vez que a sua ausência «sem fundamento válido» implicará, em conformidade com o artigo 423.°, n.° 3, do NPK, o encerramento do processo e, por conseguinte, a sua renúncia a um novo julgamento. Uma vez que o pedido de reabertura do processo penal não tem efeito suspensivo, a referida pessoa será, em princípio, presa para efeitos da execução da pena proferida à revelia «salvo se o tribunal dispuser em sentido contrário», mesmo que a autoridade judiciária competente ainda não tenha determinado se tinha renunciado ao direito de comparecer ou de se defender. Por outro lado, acrescento que a decisão de condenação se tornará irrevogável na hipótese de este pedido ser julgado improcedente, uma vez que o prazo de recurso já terminou e a decisão pela qual o Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação) indefere o pedido de reabertura do processo penal é, ela própria, não suscetível de recurso.

60.      Tendo em conta a importância do pedido de reabertura do processo penal que se pode revelar crucial para a pessoa condenada à revelia numa pena privativa de liberdade, penso que a exigência de comparência pessoal, na medida em que constitui uma condição prévia e obrigatória para a apreciação do pedido e, consequentemente, para a reabertura do processo penal, não justifica que esta seja privada do seu direito a um novo julgamento, uma vez que não comparece pessoalmente. Tal modalidade, associada às outras características desse processo, é suscetível de conduzir a uma restrição excessiva dos direitos de defesa da pessoa condenada à revelia, tanto mais que, como sublinha o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 423.° do NPK prevê a única via de recurso possível contra uma condenação à revelia, uma vez que, no décimo sexto dia seguinte à sua prolação, adquire força de caso julgado.

61.      Esta interpretação está em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que deve ser tida em conta neste contexto (32). Este considera que o direito a um novo julgamento prevalece sobre a importância da comparência da pessoa condenada à revelia perante o órgão jurisdicional. O facto de o arguido, embora devidamente informado, não comparecer, por estar impedido de o fazer ou preferir abster‑se por razões pessoais, não pode, em seu entender e mesmo na falta de fundamentação, justificar que seja privado do direito a beneficiar de um novo julgamento. Este tribunal declara também que a regra segundo a qual a pessoa condenada à revelia não pode ser representada por um advogado também é manifestamente desproporcionada, uma vez que conduz à punição da não comparência do recorrente com uma proibição absoluta de qualquer defesa (33).

62.      O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos também considera desproporcionado impor tal exigência para obter um novo julgamento se as autoridades nacionais procederem, além disso, à execução da decisão de condenação proferida à revelia (34). Na sua opinião, essa modalidade equivale a subordinar o benefício do direito a um processo equitativo a uma «espécie de caução, a liberdade física do interessado», e visa substituir procedimentos abrangidos pelo exercício dos poderes da polícia por uma obrigação que impende sobre o próprio arguido (35). Ora, embora a preocupação de assegurar a execução das decisões judiciais seja em si mesma legítima, este tribunal considera que as autoridades nacionais dispõem de outros meios que lhes permitem assegurar a presença da pessoa condenada (36). Assim, em seu entender, não se pode exigir que uma pessoa livre seja presa em execução da decisão de condenação proferida à revelia, independentemente da duração, mesmo que breve, da sua privação de liberdade, para beneficiar do direito a um novo julgamento em condições conformes com o artigo 6.° da CEDH, uma vez que essa modalidade viola o princípio da presunção de inocência (37).

63.      No Acórdão Khalfaoui c. França, no qual estava em causa uma disposição do Código de Processo Penal francês nos termos da qual o incumprimento da obrigação de entrega era punido com a perda do direito de recurso de cassação, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos declarou que, «[t]endo em conta a importância da fiscalização final efetuada pela Cour de cassation [França] em matéria penal e o que está em causa nesta fiscalização para aqueles que podem ter sido condenados a pesadas penas privativas de liberdade, o Tribunal considera que se trata de uma sanção particularmente severa à luz do direito de acesso a um tribunal garantido pelo artigo 6.° da [CEDH]» (38). Além disso, acrescentou que «a inadmissibilidade de um recurso de cassação, baseada unicamente [...] no facto de o recorrente não ter sido preso em execução da decisão judicial objeto do recurso, obriga o interessado a aplicar desde logo a ele próprio a privação de liberdade resultante da decisão impugnada, quando essa decisão não pode ser considerada definitiva enquanto não tiver sido proferida decisão sobre o recurso ou enquanto não tiver decorrido o prazo de recurso» (39). Assim, esse tribunal considerou que esta situação «põe em causa a própria substância do direito de recurso, ao impor ao recorrente um ónus desproporcionado, perturbando assim o justo equilíbrio que deve existir entre, por um lado, a preocupação legítima de assegurar a execução das decisões judiciais e, por outro, o direito de acesso ao Tribunal de Cassação e o exercício dos direitos de defesa» (40).

64.      Por conseguinte, embora o sistema processual em causa não me pareça criticável na medida em que exige que o arguido apresente, perante a autoridade judiciária competente, um pedido de reabertura do processo penal para beneficiar de um novo julgamento, penso, em contrapartida, que certas características desse processo e, em especial, o facto de não ter efeito suspensivo e de exigir a comparência pessoal dessa pessoa, não lhe garantem um exercício efetivo dos direitos de defesa, nomeadamente o direito de comparecer em julgamento.

65.      À luz de todos estes elementos, considero que o artigo 8.°, n.° 4, segundo período, e o artigo 9.° da Diretiva 2016/343 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que um Estado‑Membro estabeleça um procedimento que obrigue a pessoa relativamente à qual foi proferida uma decisão de condenação à revelia, sem que tenha sido provado que tinha renunciado ao direito de comparecer ou de se defender, a apresentar, perante a autoridade competente, um pedido de reabertura do processo penal para que esta autoridade aprecie, à luz das condições previstas no artigo 8.°, n.° 2, desta diretiva, se essa pessoa beneficia do direito a um novo julgamento, desde que as características desse procedimento permitam garantir o direito de comparecer em julgamento e o exercício efetivo dos seus direitos de defesa.

66.      Em contrapartida, o artigo 8.°, n.° 4, segundo período, e o artigo 9.° da Diretiva 2016/343 devem ser interpretados no sentido de que se opõem à regra segundo a qual tal procedimento não tem efeito suspensivo e exige, além disso, a comparência pessoal da pessoa condenada à revelia numa pena privativa de liberdade.

B.      Âmbito e conteúdo do direito à informação de uma pessoa condenada à revelia (primeira, segunda e quinta questões prejudiciais)

67.      Com as questões primeira, segunda e quinta, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se o artigo 8.°, n.° 4, segundo período, da Diretiva 2016/343 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma pessoa relativamente à qual foi proferida, à revelia, uma decisão de condenação numa pena privativa de liberdade, sem que tenha sido provado, atendendo às condições referidas no artigo 8.°, n.° 2, da referida diretiva, que tinha renunciado ao direito de comparecer ou de se defender, não seja informada, aquando da sua detenção, dessa decisão, nem da possibilidade de a impugnar, nem do seu direito a novo julgamento ou a outras vias de recurso. Esse órgão jurisdicional também se interroga sobre a forma e o conteúdo dessa informação.

68.      O referido órgão jurisdicional submete estas questões na medida em que, em aplicação da legislação búlgara, o arguido não é notificado da decisão proferida à revelia e não é, além disso, informado dos seus direitos processuais e, em especial, da possibilidade de apresentar um pedido de reabertura do processo penal com base no artigo 423.° do NPK.

69.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por isso, em que medida um Estado‑Membro está obrigado a prever procedimentos que garantam que, no momento da execução da decisão proferida à revelia em relação a essa pessoa ou aquando da sua detenção, essa pessoa seja informada dessa decisão, se for caso disso, assegurando‑lhe uma cópia integral da mesma.

70.      Além disso, com a sua segunda questão, pede ao Tribunal de Justiça que esclareça o modo como um Estado‑Membro deve cumprir o seu dever de informação num sistema processual como o que está em causa, no qual, no momento da execução da decisão proferida à revelia ou aquando da detenção da pessoa condenada à revelia, as autoridades competentes ainda não se pronunciaram sobre a existência do direito a um novo julgamento, sendo esse direito reconhecido numa fase posterior, na sequência da apreciação de um pedido de reabertura do processo penal a apresentar por essa pessoa.

1.      Âmbito da análise das questões

71.      Nos termos do artigo 8.°, n.° 4, segundo período, da Diretiva 2016/343, o Estado‑Membro deve assegurar que a pessoa relativamente à qual foi proferida uma decisão à revelia, ao ser informada dessa decisão, em especial aquando da sua detenção, seja igualmente informada da possibilidade de a impugnar e do seu direito a um novo julgamento ou a outras vias de recurso.

72.      Resulta inequivocamente da redação desta disposição que o legislador da União impõe ao Estado‑Membro uma obrigação específica de resultado, ou seja, garantir que a pessoa relativamente à qual foi adotada uma decisão à revelia seja informada dos seus direitos processuais no momento em que é informada dessa decisão e, o mais tardar, no momento em que a referida decisão é executada, em especial aquando da detenção da pessoa condenada em caso de pena privativa de liberdade. Trata‑se de uma regra mínima, relativa a um princípio processual essencial para o respeito dos direitos de defesa e do direito a um processo equitativo dessa pessoa, que o Estado‑Membro não pode derrogar.

73.      Por conseguinte, na minha opinião, não há dúvida de que o artigo 8.°, n.° 4, da Diretiva 2016/343 se opõe a que uma pessoa relativamente à qual foi proferida uma decisão à revelia, sem que tenha sido provado que tinha renunciado ao direito de comparecer ou de se defender, não seja informada, no momento da execução dessa decisão ou aquando da sua detenção, da referida decisão, nem da possibilidade de a impugnar, nem do seu direito a outras vias de recurso. Com efeito, tal situação conduz a privar de toda a efetividade os direitos de defesa dessa pessoa e a esvaziar do seu conteúdo o direito a um novo julgamento consagrado no artigo 9.° desta diretiva.

74.      Em contrapartida, o artigo 8.°, n.° 4, segundo período, da Diretiva 2016/343 não tem por objeto nem por finalidade determinar as modalidades desse dever de informação e, em especial, as modalidades segundo as quais o arguido deve, no momento da execução da decisão proferida à revelia ou aquando da sua detenção, ser informado, por um lado, dessa decisão e, por outro, do seu direito a um novo julgamento ou a outras vias de recurso.

75.      Na minha opinião, estas modalidades específicas devem ser apreciadas à luz das disposições gerais previstas na Diretiva 2012/13 relativa ao direito à informação dos suspeitos e dos arguidos em processo penal, à qual se refere o considerando 8 da Diretiva 2016/343 (41). Assim, como resulta do considerando 25 da Diretiva 2012/13, esta está estreitamente ligada à Diretiva 2010/64 (42), que confere às pessoas que não falam ou não compreendem a língua do processo penal em causa um direito à interpretação e à tradução das informações assim comunicadas.

76.      Em conformidade com o seu artigo 1.°, a Diretiva 2012/13 estabelece regras mínimas comuns relativas ao direito à informação dos suspeitos ou acusados sobre os seus direitos em processo penal e sobre a acusação contra eles formulada (43). Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o direito mencionado neste artigo 1.° diz respeito, pelo menos, a dois direitos distintos (44).

77.      O primeiro é o direito de os suspeitos ou arguidos serem informados, «pelo menos», de determinados direitos processuais, tal como aplicáveis nos termos do direito nacional. Este direito está consagrado no artigo 3.° da Diretiva 2012/13 e é à luz desta disposição que analisarei as modalidades relativas ao respeito do direito de ser informado, ao seu direito a um novo julgamento ou a outras vias de recurso consagrado no artigo 8.°, n.° 4, da Diretiva 2016/343.

78.      O segundo é o direito de ser informado da acusação, nos termos do artigo 6.° da Diretiva 2012/13. É à luz deste último artigo que analisarei as condições em que a pessoa condenada à revelia deve, no momento da execução da decisão proferida à revelia ou aquando da sua detenção, ser informada dessa decisão.

79.      Para garantir a efetividade do direito à informação assim previsto, o artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 2012/13 enuncia que os suspeitos ou acusados, ou os seus advogados, tenham o direito de impugnar, de acordo com os procedimentos previstos no direito nacional, uma eventual omissão ou recusa por parte das autoridades competentes em facultar informações nos termos da presente diretiva.

2.      Informação relativa à decisão de condenação proferida à revelia

80.      Resulta inequivocamente da redação do artigo 8.°, n.° 4, da Diretiva 2016/343 que este artigo não tem por objeto nem por finalidade determinar as modalidades segundo as quais um Estado‑Membro deve assegurar, em caso de execução de uma decisão proferida à revelia ou à detenção de uma pessoa relativamente à qual foi adotada essa decisão, que esta seja informada da referida decisão. Ao exigir que o Estado‑Membro preveja que o arguido seja informado dos seus direitos processuais quando é «informad[o]» da decisão proferida à revelia, «em especial aquando da [sua] detenção», o legislador da União não pretendeu exigir a este último que enviasse uma cópia integral dessa decisão, à qual seria anexada uma Carta de Direitos no próprio momento em que executa a referida decisão ou em que procede à detenção dessa pessoa.

81.      Tais modalidades devem, na minha opinião, ser determinadas à luz das regras relativas ao direito de ser informado da acusação, previstas no artigo 6.° da Diretiva 2012/13, e das regras relativas ao direito de acesso ao processo, enunciadas no artigo 7.° desta diretiva.

82.      No Acórdão de 15 de outubro de 2015, Covaci (45), o Tribunal de Justiça declarou que, tendo em conta, nomeadamente, os artigos 2.°, 3.° e 6.° da Diretiva 2012/13, a notificação de um despacho de condenação, como a prevista no direito alemão, deve ser considerada uma forma de comunicação da acusação formulada contra a pessoa em causa, pelo que deve respeitar os requisitos estabelecidos por esse artigo 6.° (46) Recordo que, ao abrigo do direito alemão, o despacho de condenação é uma decisão provisória emitida por um juiz, a pedido do Ministério Público, por infrações menores que não carecem da comparência física do arguido. Este despacho, que se inscreve no âmbito de um processo penal simplificado, sem audiência, adquire a natureza de uma sentença transitada em julgado no termo do prazo de oposição de duas semanas contadas da notificação do referido despacho, se for caso disso, aos mandatários do arguido (47).

83.      Por razões semelhantes às apresentadas pelo Tribunal de Justiça nesse acórdão, considero que a informação relativa a uma decisão proferida à revelia, sem que tenha sido provado que a pessoa acusada renunciou ao seu direito de comparecer ou de se defender, deve ser considerada uma forma de comunicação da acusação formulada contra essa pessoa, pelo que essa informação deve respeitar os requisitos estabelecidos no artigo 6.° da Diretiva 2012/13.

84.      Por um lado, resulta do artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva 2012/13 que o legislador da União previu claramente a aplicação desta diretiva durante todo o processo penal, desde as primeiras suspeitas até à prolação da sentença, se for caso disso, até ao esgotamento das vias de recurso (48).

85.      Por outro lado, no âmbito de um processo instaurado à revelia nos termos do artigo 8.°, n.° 4, da Diretiva 2016/343, a decisão é proferida sem que se saiba se o arguido pretendeu renunciar ao seu direito de comparecer ou de se defender, pelo que esta informação pode, de facto, representar a primeira oportunidade de essa pessoa ser informada da acusação. Isto é confirmado pelo facto de essa pessoa, se não preencher as condições enunciadas no artigo 8.°, n.° 2, desta diretiva, poder obter um novo julgamento ou o acesso a uma via de recurso equivalente no âmbito da qual poderá exercer plenamente os seus direitos de defesa, antes de a autoridade judiciária se pronunciar novamente sobre o fundamento da acusação, tanto de facto como de direito.

86.      Por conseguinte, penso que o direito de ser informado da acusação, previsto no artigo 6.° da Diretiva 2012/13, abrange também o direito de a pessoa relativamente à qual foi proferida uma decisão à revelia, sem que tenha sido provado que tinha renunciado ao direito de comparecer ou de se defender, ser informada dessa decisão.

87.      É certo que, como reconheceu o Tribunal de Justiça, a Diretiva 2012/13 não regula as modalidades segundo as quais a informação sobre a acusação, prevista no seu artigo 6.°, deve ser comunicada ao arguido (49). O artigo 6.°, n.° 1, desta diretiva prevê que os Estados‑Membros asseguram que sejam prestadas, prontamente e com os detalhes necessários, aos suspeitos ou arguidos informações sobre o ato criminoso de que sejam suspeitos ou acusados de ter cometido a fim de garantir a equidade do processo e de permitir o exercício efetivo dos direitos de defesa. O n.° 2 deste artigo visa especificamente o suspeito ou o arguido que é detido ou preso. Nesse caso, o Estado‑Membro assegura que este seja informado das razões da sua detenção ou prisão, incluindo o ato criminoso de que é suspeito ou acusado de ter cometido. Por último, em conformidade com o n.° 3 do referido artigo, o Estado‑Membro assegura que, pelo menos aquando da apresentação da fundamentação da acusação perante um tribunal, sejam prestadas informações detalhadas sobre a acusação, incluindo a natureza e qualificação jurídica da infração penal, bem como a natureza da participação do acusado.

88.      Tendo em conta a margem de apreciação que o legislador da União reconhece aos Estados‑Membros, cabe a estes últimos definir, tendo em conta as características do seu sistema processual, as modalidades segundo as quais a pessoa relativamente à qual foi proferida uma decisão à revelia deve ser informada dessa decisão. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que estas modalidades não podem, todavia, pôr em causa o objetivo visado nomeadamente no artigo 6.° da Diretiva 2012/13, que consiste, como resulta igualmente do considerando 27 desta diretiva, em permitir a essa pessoa preparar a sua defesa e em garantir a equidade do processo (50).

89.      No contexto particular em que o arguido é detido em execução de uma decisão de condenação proferida à revelia, sem que tenha sido provado que tinha renunciado ao direito de comparecer ou de se defender, a informação que essa pessoa recebe no momento da sua detenção visa, nomeadamente, informá‑lo das razões da sua detenção e das acusações, na aceção do artigo 6.° da Diretiva 2012/13, bem como dos seus direitos processuais.

90.      Esta finalidade não exige, na minha opinião, que se imponha ao Estado‑Membro, quando as autoridades competentes procedem à execução da decisão proferida à revelia ou à detenção do arguido, que essas autoridades cumpram o seu dever de informação comunicando‑lhe, no momento dessa execução ou dessa detenção, uma cópia integral dessa decisão. Tal exigência não é necessária. A simples informação relativa ao conteúdo da referida decisão e ao facto de esta ter sido proferida na ausência dessa pessoa parece suficiente.

91.      Em contrapartida, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, à luz do direito a um recurso efetivo, a pessoa condenada à revelia deverá ter um conhecimento completo dos fundamentos da sua condenação. O Estado‑Membro deverá então prever que as autoridades competentes tenham o particular cuidado de avisar pronta e oficialmente essa pessoa da decisão de condenação proferida à revelia, por exemplo, através de um procedimento de citação ou de notificação (51). Com efeito, esta decisão só se tornará executória a partir do momento em que a referida pessoa tenha sido oficialmente notificada, após esgotar as vias de recurso cujo prazo começa a correr, em princípio, a partir da conclusão desse processo e após ter renunciado ao direito a um novo julgamento ou de este não lhe ter sido reconhecido. Além disso, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, decorre do artigo 4.°‑A, n.° 1, alínea d), da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (52), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (53), que a autoridade judiciária de execução não pode recusar a execução do mandado de detenção europeu se esse mandado indicar, nomeadamente, que o interessado será notificado sem demora da decisão proferida à revelia.

92.      Por último, acrescento que, em aplicação do artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2012/13, caso uma pessoa seja detida e presa em qualquer fase do processo penal, o Estado‑Membro deve assegurar que lhe sejam facultados os documentos relacionados com o processo específico que sejam essenciais para impugnar eficazmente, nos termos do direito nacional, a legalidade da detenção ou prisão. Ora, como especifica a Diretiva 2010/64, a decisão de condenação ou a «sentença» constitui um documento essencial cuja comunicação, e, por outro lado, a tradução, se impõe para permitir à pessoa condenada exercer os seus direitos de defesa e para garantir a equidade do processo (54).

93.      Tendo em conta estes elementos, considero que o artigo 8.°, n.° 4, da Diretiva 2016/343 deve ser interpretado no sentido de que, numa situação em que as autoridades competentes de um Estado‑Membro procedem à execução de uma decisão proferida à revelia ou à detenção de uma pessoa relativamente à qual foi proferida essa decisão, essas autoridades devem informar essa pessoa da acusação, incluindo os fundamentos da sua condenação, em conformidade com as disposições enunciadas no artigo 3.°, n.° 1, alínea c), e no artigo 6.°, n.os 1 a 3, da Diretiva 2012/13. O cumprimento desta exigência não implica a obrigação de o Estado‑Membro prever que seja comunicada à referida pessoa, no momento dessa execução ou dessa detenção, uma cópia integral da referida decisão.

3.      Informações relativas ao direito a um novo julgamento ou a outras vias de recurso

94.      Recordo que, com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede, em substância, ao Tribunal de Justiça que especifique as modalidades relativas ao respeito do direito de ser informado do seu direito a um novo julgamento ou a outras vias de recurso previstas no artigo 8.°, n.° 4, segundo período, da Diretiva 2016/343.

95.      Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende comparar os princípios enunciados pelo Tribunal de Justiça no Acórdão VB I com o sistema processual búlgaro. Com efeito, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que «a escolha das modalidades para a disponibilização [das informações relativas ao direito a um novo julgamento e à possibilidade de impugnar a decisão proferida à revelia] às pessoas em causa fica ao critério dos Estados‑Membros, desde que sejam levadas ao conhecimento do interessado no momento em que este é informado da decisão em questão» (55). Ora, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, no sistema processual búlgaro, as autoridades competentes decidem sobre a existência do direito a um novo julgamento na sequência da apreciação de um pedido de reabertura do processo penal a apresentar pela pessoa condenada à revelia.

96.      No Acórdão VB I, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 8.°, n.° 4, segundo período, da Diretiva 2016/343 não determina as modalidades precisas segundo as quais a pessoa condenada à revelia deve ser informada do seu direito a um novo julgamento ou a outras vias de recurso (56). Apenas o considerando 39 desta diretiva especifica que essas informações devem ser prestadas por escrito, ou oralmente, na condição, nesta última hipótese, de o facto de essa informação ter sido prestada ser registado em conformidade com o procedimento de registo nos termos da legislação nacional (57).

97.      Para responder à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, importa, em primeiro lugar, remeter para as disposições da Diretiva 2012/13. Com efeito, na medida em que o direito de ser informado do seu direito a um novo julgamento ou a outras vias de recurso constitui um direito processual, o artigo 8.°, n.° 4, segundo período, da Diretiva 2016/343 deve ser lido à luz das disposições gerais previstas nos artigos 3.° e 4.° da Diretiva 2012/13.

98.      O artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2012/13 exige que os Estados‑Membros assegurem que «informações sobre pelo menos os direitos processuais [que figuram nas alíneas a) a e)], tal como aplicáveis nos termos do direito nacional, a fim de permitir o seu exercício efetivo» sejam prontamente comunicadas (58). Esta disposição contém uma lista que compreende o direito de assistência de um advogado; o direito a aconselhamento jurídico gratuito e as condições para a sua obtenção; o direito de ser informado da acusação; o direito à interpretação e tradução e o direito ao silêncio. Como demonstra a utilização da expressão «pelo menos», o legislador da União não pretendeu limitar os direitos processuais de que os suspeitos ou os arguidos devem ser informados, uma vez que esta diretiva se aplica até à prolação da sentença transitada em julgado. Além disso, resulta do considerando 20 da referida diretiva que estas regras «não prejudica[m] as informações a prestar sobre outros direitos processuais decorrentes da Carta, da CEDH, do direito nacional e da legislação da União aplicável».

99.      Em aplicação do artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2012/13, essas informações devem ser «prontamente» levadas ao conhecimento do suspeito ou do acusado, oralmente ou por escrito, em linguagem simples e acessível (59). Aquando da detenção ou prisão dessa pessoa, o artigo 4.° da referida diretiva exige que o Estado‑Membro assegure que lhe seja comunicada prontamente uma Carta dos seus Direitos processuais, tal como aplicáveis nos termos do direito nacional. Esta carta deve ser escrita, em linguagem simples, acessível e que o interessado compreenda. Deve conter as informações relativas aos direitos processuais referidos no artigo 3.° da Diretiva 2012/13, cuja lista não é exaustiva, e os direitos enunciados no artigo 4.°, n.os 2 e 3, desta diretiva, como o direito de acesso aos elementos do processo, bem como as informações de base acerca das possibilidades previstas no direito nacional para impugnar, nomeadamente, a legalidade da detenção. Na hipótese de as autoridades competentes de um Estado‑Membro procederem à detenção do arguido, em execução de uma decisão de condenação proferida à revelia, parece‑me que essa Carta de Direitos pode conter o direito a um novo julgamento ou a outras vias de recurso (60).

100. No que respeita, em segundo lugar, ao conteúdo da informação a comunicar, parece‑me que este deve ser apreciado, por um lado, à luz das particularidades do processo nacional em causa e, por outro, em função da finalidade do artigo 8.°, n.° 4, segundo período, da Diretiva 2016/343, ou seja, garantir a efetividade dos direitos de defesa do arguido e o seu direito a um novo julgamento consagrado no artigo 9.° da Diretiva 2016/343.

101. Com efeito, já referi que o legislador da União não pretende impor um sistema processual único em que o Estado‑Membro seja obrigado a prever a necessidade de organizar um novo julgamento na fase da prolação da decisão à revelia. Além disso, é expressamente indicado no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2012/13 que os Estados‑Membros comunicam aos acusados as informações relativas aos seus direitos processuais «tal como aplicáveis nos termos do direito nacional». Isto implica, num sistema processual como o que está em causa, que a Carta de Direitos deve mencionar à pessoa condenada à revelia o procedimento que está então à sua disposição para que possa requerer, em conformidade com o artigo 9.° da Diretiva 2016/343, um novo julgamento.

102. No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o artigo 15.°, n.° 3, do NPK lhe fornece uma base jurídica suficiente para lhe permitir tomar as medidas necessárias para assegurar que o arguido seja informado dos seus direitos processuais em conformidade com o artigo 8.°, n.° 4, segundo período, da Diretiva 2016/343. Nestas circunstâncias, na minha opinião, nada se opõe a que este órgão jurisdicional indique, na decisão que profere à revelia, as modalidades segundo as quais o arguido possa requerer um novo julgamento ou outras vias de recurso nas condições enunciadas no artigo 9.° desta diretiva.

103. Tendo em conta estes elementos, penso que o artigo 8.°, n.° 4, segundo período, da Diretiva 2016/343 deve ser interpretado no sentido de que, numa situação em que as autoridades competentes de um Estado‑Membro procedem à execução de uma decisão proferida à revelia ou à detenção de uma pessoa relativamente à qual foi proferida uma decisão de condenação à revelia, essas autoridades devem, no âmbito da Carta de Direitos referida no artigo 4.° da Diretiva 2012/13, informá‑la do seu eventual direito a um novo julgamento ou a outras vias de recurso, tal como aplicáveis nos termos do direito nacional.

104. Num sistema processual como o que está em causa que estabelece um procedimento nos termos do qual essa pessoa deve, para efeitos do reconhecimento do direito a um novo julgamento previsto no artigo 9.° da Diretiva 2016/343, apresentar um pedido prévio de reabertura do processo penal à autoridade judiciária competente, o artigo 8.°, n.° 4, desta diretiva exige que esta Carta de Direitos mencione esse procedimento.

C.      Forma e alcance das vias de recurso disponíveis após uma decisão proferida à revelia (quinta e sexta questões prejudiciais)

105. Com as suas questões quinta e sexta, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se o artigo 8.°, n.° 4, da Diretiva 2016/343 deve ser interpretado no sentido de que a pessoa relativamente à qual foi proferida uma decisão à revelia deve beneficiar de duas vias de recurso distintas em que uma permite interpor recurso dessa decisão e a outra beneficiar de um novo julgamento ou de outras vias de recurso em conformidade com o artigo 9.° desta diretiva.

106. Recordo que o artigo 8.°, n.° 4, da Diretiva 2016/343 exige que a pessoa objeto de uma decisão proferida à revelia, quando seja informada dessa decisão, também seja informada da «possibilidade de impugnar a [referida] decisão e do [seu] direito a um novo julgamento ou de usar outras vias de recurso», permitindo esta última, em conformidade com o artigo 9.° da referida diretiva, «a reapreciação do mérito da causa [...] [que] pode conduzir a uma decisão distinta da inicial».

107. Resulta dos termos do artigo 8.°, n.° 4, da Diretiva 2016/343 e, em especial, da utilização da conjunção coordenativa «ou», que os Estados‑Membros devem assegurar que a pessoa relativamente à qual tenha sido proferida uma decisão à revelia, sem que as condições do artigo 8.°, n.° 2, desta diretiva estejam preenchidas, tenha a possibilidade de impugnar essa decisão, quer requerendo um novo julgamento, quer exercendo uma via de recurso.

108. Como o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão de 19 de maio de 2022, Spetsializirana prokuratura (Julgamento de um arguido em fuga) (61), esta possibilidade deve permitir ao interessado obter a reabertura do processo ou o acesso a uma via de recurso equivalente que conduza a uma reapreciação, na sua presença, do mérito da causa. O alcance deste novo julgamento está expressamente definido no artigo 9.° da Diretiva 2016/343. O legislador da União impõe obrigações precisas e inequívocas aos Estados‑Membros. Exige que estes últimos prevejam a reabertura do processo ou que estabeleçam um procedimento que permita uma nova apreciação quanto ao mérito do processo, incluindo a apreciação de novos elementos de prova, e que permita revogar a decisão inicial. Além disso, obriga os Estados‑Membros a assegurar que o arguido beneficia, no âmbito desse novo julgamento ou do exercício desta nova via de recurso, do direito de comparecer e de participar efetivamente no processo, em conformidade com os procedimentos previstos pelo direito nacional, e que possa exercer os direitos de defesa.

109. Como já referi nas minhas conclusões no processo que deu origem a este acórdão (62), o legislador da União integra os requisitos essenciais do novo julgamento estabelecidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (63). Com efeito, exige que o arguido tenha a possibilidade de obter uma nova apreciação do mérito das acusações, de facto como de direito, por um tribunal «com jurisdição plena» e na sua presença (64), concedendo‑lhe todas as garantias de um processo equitativo previstas pelo artigo 6.° da CEDH. Recordo que deixa aos Estados contratantes «uma ampla margem de apreciação na escolha dos meios que permitam aos seus sistemas judiciais cumprir os requisitos [deste artigo]», desde que «os recursos concedidos pelo direito interno se mostrem efetivos caso o arguido não tenha renunciado a comparecer e a defender‑se nem tenha tido a intenção de se subtrair à justiça» (65).

110. Recordo igualmente que, do mesmo modo, a Diretiva 2016/343 não opera uma harmonização exaustiva do processo penal. Por força do princípio da autonomia processual, os Estados‑Membros dispõem, assim, de uma grande margem para definir o sistema de vias de recurso e de procedimentos que permitem assegurar o respeito pelos direitos de defesa da pessoa relativamente à qual foi proferida uma decisão à revelia, desde que, por um lado, não sejam menos favoráveis do que os que regulam situações semelhantes de direito interno (princípio da equivalência) e, por outro, não tornem, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade).

111. Atendendo a estas considerações, o artigo 8.°, n.° 4, da Diretiva 2016/343 deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros devem prever que a pessoa relativamente à qual foi proferida uma decisão à revelia, sem que tenha sido provado que tinha renunciado ao direito de comparecer ou de se defender, possa beneficiar de duas vias de recurso distintas que lhe permitam impugnar essa decisão, quer obtendo a reabertura do processo quer acedendo a uma via de recurso equivalente que conduza a uma reapreciação, na sua presença, do mérito da causa em conformidade com o artigo 9.° desta diretiva.

V.      Conclusão

112. Atendendo às considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Sofiyski gradski sad (Tribunal da cidade de Sófia, Bulgária) da seguinte forma:

1)      O artigo 8.°, n.° 4, e o artigo 9.° da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal,

devem ser interpretados no sentido de que:

são aplicáveis à pessoa relativamente à qual foi proferida uma decisão de absolvição à revelia.

2)      O artigo 8.°, n.° 4, da Diretiva 2016/343

deve ser interpretado no sentido de que:

–        no que diz respeito à análise do cumprimento das condições do artigo 8.°, n.° 2, desta diretiva e ao reconhecimento do direito a um novo julgamento na aceção do artigo 9.° da referida diretiva,

a)      a autoridade judiciária que decide sobre o mérito da acusação contra o arguido pode, segundo o sistema processual nacional, verificar se essas condições estão preenchidas e, na sua falta, informar essa pessoa, na decisão proferida à revelia, da possibilidade de impugnar essa decisão e do seu direito a um novo julgamento;

b)      essa autoridade é obrigada a ouvir tanto a acusação como a defesa para efeitos dessa avaliação;

c)      o Estado‑Membro pode estabelecer um procedimento que obrigue a pessoa relativamente à qual foi proferida uma decisão de condenação à revelia, sem que tenha sido provado que tinha renunciado ao direito de comparecer ou de se defender, a apresentar, perante a autoridade judiciária competente, um pedido de reabertura do processo penal, desde que as características desse procedimento permitam garantir a essa pessoa o direito de comparecer em julgamento e o exercício efetivo dos seus direitos de defesa.

A regra segundo a qual tal procedimento não tem efeito suspensivo e exige, além disso, a comparência pessoal da pessoa condenada à revelia numa pena privativa de liberdade é incompatível com estes princípios.

–        No que respeita às modalidades de informação da pessoa relativamente à qual foi proferida uma decisão de condenação à revelia, sem que tenha sido provado, tendo em conta as condições previstas no artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 2016/343, que tinha renunciado ao direito de comparecer ou de se defender,

a)      se opõe a que essa pessoa não seja informada, aquando da sua detenção, dessa decisão, nem da possibilidade de a impugnar, nem do seu direito a novo julgamento ou a outras vias de recurso;

b)      exige que o Estado‑Membro informe a referida pessoa das razões da sua detenção, em conformidade com o direito de ser informado da acusação a que se referem o artigo 3.°, n.° 1, alínea c), e o artigo 6.°, n.os 1 a 3, da Diretiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativa ao direito à informação em processo penal. O cumprimento desta exigência não implica a obrigação de o Estado‑Membro lhe transmitir uma cópia integral da referida decisão aquando da sua detenção;

c)      exige que o Estado‑Membro, no âmbito da Carta de Direitos referida no artigo 4.° da Diretiva 2012/13, informe a mesma pessoa do seu direito a um novo julgamento ou a outras vias de recurso, tal como aplicáveis nos termos do direito nacional;

d)      num sistema processual que estabelece um procedimento nos termos do qual uma pessoa relativamente à qual foi proferida uma decisão à revelia deve, para efeitos do reconhecimento do direito a um novo julgamento previsto no artigo 9.° da Diretiva 2016/343, apresentar um pedido prévio de reabertura do processo penal à autoridade judiciária competente, requer que essa Carta de Direitos mencione esse procedimento.

–        No que respeita à forma e ao alcance das vias de recurso disponíveis após uma decisão proferida à revelia, a pessoa relativamente à qual foi proferida essa decisão, sem que tenha sido provado, à luz das condições referidas no artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 2016/343, que tinha renunciado ao direito de comparecer ou de se defender, deve beneficiar de duas vias de recurso distintas que lhe permitam impugnar essa decisão, quer obtendo a reabertura do processo quer acedendo a uma via de recurso equivalente que conduza a uma reapreciação, na sua presença, do mérito da causa em conformidade com o artigo 9.° desta diretiva.


1      Língua original: francês.


2      JO 2016, L 65, p. 1.


3      C‑430/22 e C‑468/22; a seguir «Acórdão VB I», EU:C:2023:458.


4      V. Acórdão VB I (n.º 30).


5      JO 2012, L 142, p. 1.


6      Os factos são idênticos aos expostos pelo Tribunal de Justiça no Acórdão VB I.


7      V. Acórdão de 19 de maio de 2022, Spetsializirana prokuratura (Julgamento de um arguido em fuga) (C‑569/20, EU:C:2022:401, n.os 25 e 36).


8      V. considerandos 2, 4 e 10 da Diretiva 2016/343 e, a título de exemplo, Acórdão de 22 de dezembro de 2017, Ardic (C‑571/17 PPU, EU:C:2017:1026), relativo à execução de um mandado de detenção europeu emitido contra uma pessoa que foi definitivamente condenada numa pena privativa de liberdade na sequência de um processo que decorreu na sua ausência.


9      V., a título de exemplo, processo Khuzdar (C‑95/24), atualmente pendente.


10      O considerando 35 dessa mesma diretiva especifica que o direito do suspeito e do arguido de comparecerem no próprio julgamento não tem caráter absoluto e que, em determinadas condições, o suspeito e o arguido deverão poder renunciar a esse direito, expressa ou tacitamente, mas de forma inequívoca [v. Acórdão de 19 de maio de 2022, Spetsializirana prokuratura (Julgamento de um arguido em fuga) (C‑569/20, EU:C:2022:401, n.º 26), que diz respeito à questão de saber em que medida uma pessoa em fuga pode beneficiar de um novo julgamento].


11      Quanto à interpretação dos artigos 8.° e 9.° da Diretiva 2016/343, v. Conclusões que apresentei no processo Spetsializirana prokuratura (Julgamento de um arguido em fuga) (C‑569/20, EU:C:2022:26).


12      O sublinhado é meu.


13      O sublinhado é meu.


14      O sublinhado é meu.


15      V. n.º 40 da exposição de motivos da Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em tribunal em processo penal [COM (2013) 821 final], e considerando 23, que especifica que, «[e]m certas condições claramente definidas que garantam o respeito efetivo pelo direito a um processo equitativo, deve ser possível que um processo que culmine numa decisão de culpabilidade ou de absolvição se desenrole na ausência do suspeito ou arguido».


16      V. considerando 33 da Diretiva 2016/343.


17      Neste contexto, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decide igualmente que a presença do arguido no seu julgamento reveste uma importância fundamental em razão quer do direito de ser ouvido quer da necessidade de fiscalizar a exatidão das suas afirmações e de as confrontar com as declarações da vítima, cujos interesses devem igualmente de ser protegidos, bem como das testemunhas [v. Acórdão do TEDH de 23 de maio de 2000, Van Pelt c. França (CE:ECHR:2000:0523JUD003107096, § 66)].


18      V. Acórdãos de 13 de fevereiro de 2020, Spetsializirana prokuratura (Audiência na ausência do arguido) (C‑688/18, EU:C:2020:94, n.º 30 e jurisprudência referida), e de 15 de setembro de 2022, HN (Processo de um arguido afastado do território) (C‑420/20, EU:C:2022:679, n.º 41 e jurisprudência referida).


19      V. Acórdão de 30 de março de 2023, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Suspensão do prazo de transferência em sede de recurso) (C‑556/21, EU:C:2023:272, n.º 31 e jurisprudência referida).


20      A seguir «Carta».


21      Assinada em Roma em 4 de novembro de 1950; a seguir «CEDH».


22      Do mesmo modo, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considera que a CEDH deixa aos Estados contratantes uma grande margem de liberdade de escolha dos meios adequados para permitir que os seus sistemas judiciais cumpram os requisitos do artigo 6.º desta convenção, desde que, todavia, os recursos concedidos pelo direito interno se revelem efetivos se o arguido não tiver renunciado a comparecer e a defender‑se, nem tiver tido a intenção de se subtrair à justiça [v., a título de exemplo, Acórdão do TEDH, de 14 de junho de 2001, Medenica c. Suíça (CE:ECHR:2001:0614JUD002049192, § 55).


23      V. Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o. (C‑159/21, EU:C:2022:708, n.º 49 e jurisprudência referida).


24      V. Acórdão de 17 de julho de 2014, Sánchez Morcillo e Abril García (C‑169/14, EU:C:2014:2099, n.º 49).


25      O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considera que o direito de qualquer arguido a ser efetivamente defendido por um advogado, se necessário nomeado oficiosamente, é um dos elementos fundamentais do processo equitativo que um acusado não perde esse direito pelo simples facto de estar ausente dos debates. Considera que é de importância crucial para a equidade do sistema penal que a ausência do arguido no seu julgamento não seja penalizada por uma derrogação ao direito de assistência de um defensor e que seja adequadamente defendido tanto em primeira instância como em sede de recurso [Acórdãos do TEDH de 21 de janeiro de 1999, Van Geyseghem c. Bélgica (CE:ECHR:1999:0121JUD002610395, § 34); de 13 de fevereiro de 2001, Krombach c. França (CE:ECHR:2001:0213JUD002973196, § 89), e de 1 de março de 2006, Sejdovic c. Itália (CE:ECHR:2006:0301JUD005658100, § 91)].


26      Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, há que ter em conta as particularidades e a natureza do processo em causa, a sua importância no âmbito global do processo, o modo como os interesses da pessoa em causa foram expostos e o modo como devem ser protegidos, tendo em conta a questão que importa decidir e a sua importância para o interessado [V. Acórdão do TEDH, de 25 de março de 1998, Belziuk c. Polónia, (CE:ECHR:1998:0325JUD002310393, § 37 e jurisprudência referida).


27      Resulta da decisão de reenvio que, em conformidade com a legislação búlgara, o prazo de recurso de uma condenação à revelia é apenas de quinze dias e corre, ininterruptamente, a contar da data dessa condenação, mesmo que o arguido não tenha podido ter conhecimento da referida condenação.


28      Não resulta da exposição do quadro jurídico nacional nem da decisão de reenvio se a pessoa condenada à revelia pode ser representada por um advogado.


29      V. Acórdão de 19 de maio de 2022, Spetsializirana prokuratura (Julgamento de um arguido em fuga) (C‑569/20, EU:C:2022:401, n.º 37).


30      V. Acórdão do TEDH de 19 de dezembro de 1989, Kamasinski c. Autriche (CE:ECHR:1989:1219JUD000978382, § 74).


31      V. Acórdão do TEDH de 23 de novembro de 1993, Poitrimol c. França (CE:ECHR:1993:1123JUD001403288, § 35).


32      De facto, o legislador da União expôs claramente, nos considerandos 11, 13, 27, 45, 47 e 48 da Diretiva 2016/343, a sua vontade de reforçar e garantir uma aplicação efetiva do direito a um processo equitativo no âmbito do processo penal integrando, no direito da União, a jurisprudência desenvolvida por esse Tribunal quanto ao respeito pelo artigo 6.º, n.º 1, da CEDH [v., a este respeito, Acórdão de 13 de fevereiro de 2020, Spetsializirana prokuratura (Audiência na ausência do arguido) (C‑688/18, EU:C:2020:94, n.os 34 e 35)].


33      V. Acórdão do TEDH de 13 de fevereiro de 2001, Krombach c. França (CE:ECHR:2001:0213JUD002973196, § 84 e 90), relativo ao artigo 630.º do Código de Processo Penal francês, que estabelecia uma proibição absoluta de uma pessoa condenada à revelia ser representada por um advogado e que não podia ser derrogada pela decisão da cour d’assises (Tribunal de Júri) proferida à revelia.


34      V. Acórdão do TEDH de 12 de fevereiro de 2015, Sanader c. Croácia (CE:ECHR:2015:0212JUD006640812, § 80 e seguintes).


35      V. Acórdão do TEDH de 13 de fevereiro de 2001, Krombach c. França (CE:ECHR:2001:0213JUD002973196, § 87).


36      V. Acórdão do TEDH de 14 de dezembro de 1999, Khalfaoui c. França (CE:ECHR:1999:1214JUD003479197, § 44), a seguir «Acórdão Khalfaoui c. Francça».


37      V. Acórdão Khalfaoui c. França, (§ 49).


38      Acórdão Khalfaoui c. França (§ 47).


39      Acórdão Khalfaoui c. França (§ 40).


40      Acórdão Khalfaoui c. França (§ 40).


41      Para uma compreensão global da ligação entre as Diretivas 2016/343, 2012/13 e 2010/64, v. as Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe no processo IS (Ilegalidade do despacho de reenvio) (C‑564/19, EU:C:2021:292, n.º 60).


42      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal (JO 2010, L 280, p. 26).


43      V., a este respeito, considerandos 10 e 14 da Diretiva 2012/13, e Acórdão de 13 de junho de 2019, Moro (C‑646/17, EU:C:2019:489, n.º 34).


44      Acórdão de 13 de junho de 2019, Moro (C‑646/17, EU:C:2019:489, n.º 43 e jurisprudência referida).


45      C‑216/14, EU:C:2015:686.


46      V. Acórdão de 15 de outubro de 2015, Covaci (C‑216/14, EU:C:2015:686, n.º 61).


47      V. Acórdão de 15 de outubro de 2015, Covaci (C‑216/14, EU:C:2015:686, n.º 20).


48      Este artigo dispõe o seguinte: «[a] presente diretiva é aplicável a partir do momento em que a uma pessoa seja comunicado pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro de que é suspeita ou acusada da prática de uma infração penal e até ao termo do processo, ou seja, até ser proferida uma decisão definitiva sobre a questão de saber se o suspeito ou acusado cometeu a infração penal, incluindo, se for caso disso, até que a sanção seja decidida ou um eventual recurso seja apreciado.»


49      V. Acórdão de 13 de junho de 2019, Moro (C‑646/17, EU:C:2019:489, n.º 51 e jurisprudência referida).


50      Acórdão de 13 de junho de 2019, Moro (C‑646/17, EU:C:2019:489, n.º 51 e jurisprudência referida).


51      V. processo que deu origem à decisão sobre a admissibilidade do TEDH de 30 de janeiro de 2007, Pala c. França (CE:ECHR:2007:0130DEC003338704), no qual a pessoa condenada à revelia foi informada por carta registada, do depósito da sentença condenatória à revelia, na câmara municipal.


52      JO 2002, L 190, p. 1.


53      JO 2009, L 81, p. 24.


54      Como refere expressamente o considerando 25 da Diretiva 2012/13, quando forem prestadas informações aos suspeitos ou aos acusados nos termos desta diretiva, os interessados devem dispor, se for caso disso, de uma tradução ou de uma interpretação numa língua que compreendam, de acordo com as normas que constam da Diretiva 2010/64/UE. Em conformidade com o artigo 3.º desta diretiva, na hipótese de essa pessoa não compreender a língua do processo penal em causa, o legislador da União exige que o Estado‑Membro faculte, num lapso de tempo razoável, uma tradução escrita e de qualidade dessa decisão. Só a título excecional é que este último pode facultar uma tradução oral ou um resumo oral desse documento, desde que, todavia, tais formalidades não prejudiquem a equidade do processo.


55      Acórdão VB I (n.º 30).


56      V. Acórdão VB I (n.º 27).


57      V. Acórdão VB I (n.º 28).


58      O sublinhado é meu.


59      No que respeita à execução concreta e efetiva desta obrigação, o considerando 38 desta diretiva enuncia que a mesma pode ser alcançada através «de diferentes meios [...] como uma formação adequada das autoridades competentes ou através de uma Carta de Direitos redigida em linguagem simples e não técnica, de maneira a ser facilmente compreendida por uma pessoa leiga, sem quaisquer conhecimentos de direito processual penal».


60      De acordo com o relatório elaborado em 2016 pela Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA), «Rights of Suspected and Accused Persons Across the EU: Translation, Interpretation and Information», 26 Estados‑Membros emitiram uma Carta de Direitos, dispondo, 23 dos quais dispõem de uma Carta de Direitos uniforme emitida pelas autoridades policiais aquando da detenção do arguido (ponto 3.3, «Letter of Rights», pp. 69 e seguintes).


61      C‑569/20, EU:C:2022:401, n.º 59.


62      Conclusões no processo Spetsializirana prokuratura (Julgamento de um arguido em fuga) (C‑569/20, EU:C:2022:26).


63      V. Conclusões que apresentei no processo Spetsializirana prokuratura (Julgamento de um arguido em fuga) (C‑569/20, EU:C:2022:26, n.º 43). O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos exige, assim, em conformidade com jurisprudência constante, que o indivíduo condenado à revelia possa ser julgado de novo por um órgão jurisdicional, depois de o ter ouvido, sobre a procedência da acusação, quanto à matéria de facto e ao direito, se não tiver sido provado que renunciou ao seu direito de comparecer na audiência de julgamento e de se defender ou que teve a intenção de se subtrair à justiça [v. Acórdão do TEDH de 1de março de 2006, Sejdovic c. Itália (CE:ECHR:2006:0301JUD005658100, § 82)]. V., a título de exemplo, Acórdão do TEDH, de 14 de junho de 2001, Medenica c. Suíça (CE:ECHR:2001:0614JUD002049192, § 55).


64      V. Acórdão do TEDH de 12 de fevereiro de 1985, Colozza c. Itália (CE:ECHR:1985:0212JUD000902480, § 31 e 32).


65      V. Acórdão do TEDH de 14 de junho de 2001, Medenica c. Suíça (CE:ECHR:2001:0614JUD002049192, § 55). V., também, Acórdão do TEDH de 12 de fevereiro de 1985, Colozza c. Itália (CE:ECHR:1985:0212JUD000902480, § 30).