Language of document : ECLI:EU:C:2021:404

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

20 de maio de 2021 (*)

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Controlos fronteiriços, asilo e imigração — Política de asilo — Diretiva 2013/32/UE — Procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional — Pedido de proteção internacional — Motivos de não admissibilidade — Artigo 2.o, alínea q) — Conceito de “pedido subsequente” — Artigo 33.o, n.o 2, alínea d) — Indeferimento por um Estado‑Membro de um pedido de proteção internacional por motivo de não admissibilidade devido ao indeferimento de um pedido anterior apresentado pelo interessado num Estado terceiro que celebrou com a União Europeia um acordo relativo aos critérios e mecanismos de determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados partes neste acordo — Decisão definitiva tomada pelo Reino da Noruega»

No processo C‑8/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, ao abrigo do artigo 267.o TFUE, pelo Schleswig‑Holsteinisches Verwaltungsgericht (Tribunal Administrativo de Schleswig‑Holstein, Alemanha), por Decisão de 30 de dezembro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de janeiro de 2020, no processo

L.R.

contra

Bundesrepublik Deutschland,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras (relator), presidente de secção, N. Piçarra, D. Šváby, S. Rodin e K. Jürimäe, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: M. Krausenböck, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 3 de dezembro de 2020,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Bundesrepublik Deutschland, por A. Schumacher, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo alemão, por J. Möller e R. Kanitz, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, inicialmente por G. Wils, A. Azéma e M. Condou‑Durande e, em seguida, por G. Wils, A. Azéma e L. Grønfeldt, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 18 de março de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60), lido em conjugação com o artigo 2.o, alínea q), desta diretiva.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe L.R. à Bundesrepublik Deutschland (República Federal da Alemanha) a respeito da legalidade de uma decisão tomada pelo Bundesamt für Migration und Flüchtlinge — Außenstelle Boostedt (Serviço Federal para as Migrações e os Refugiados, Delegação de Boostedt, Alemanha) (a seguir «Serviço»), que indeferiu o pedido de asilo apresentado pelo interessado por o considerar não admissível.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2011/95/UE

3        Nos termos do seu artigo 1.o, a Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9), tem por objetivo estabelecer normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária, bem como ao conteúdo da proteção concedida.

4        O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      “Proteção internacional”, o estatuto de refugiado e o estatuto de proteção subsidiária, definidos nas alíneas e) e g);

b)      “Beneficiário de proteção internacional”, uma pessoa a quem foi concedido o estatuto de refugiado ou o estatuto de proteção subsidiária, definidos nas alíneas e) e g);

c)      “Convenção de Genebra”, a convenção relativa ao estatuto dos refugiados, celebrada em Genebra, em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)], [conforme] alterada pelo Protocolo [Relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em] Nova Iorque [em] 31 de janeiro de 1967;

d)      “Refugiado”, o nacional de um país terceiro que, receando com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a um determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país, ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões que as acima mencionadas, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar, e aos quais não se aplique o artigo 12.o;

e)      “Estatuto de refugiado”, o reconhecimento por parte de um Estado‑Membro de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida como refugiado;

f)      “Pessoa elegível para proteção subsidiária”, o nacional de um país terceiro ou um apátrida que não possa ser considerado refugiado, mas em relação ao qual se verificou existirem motivos significativos para acreditar que, caso volte para o seu país de origem ou, no caso de um apátrida, para o país em que tinha a sua residência habitual, correria um risco real de sofrer ofensa grave na aceção do artigo 15.o, e ao qual não se aplique o artigo 17.o, n.os 1 e 2, e que não possa ou, em virtude dos referidos riscos, não queira pedir a proteção desse país;

g)      “Estatuto de proteção subsidiária”, o reconhecimento por parte de um Estado‑Membro de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida como pessoa elegível para proteção subsidiária;

h)      “Pedido de proteção internacional”, um pedido de proteção apresentado a um Estado‑Membro por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida que deem a entender que pretendem beneficiar do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária e não solicitem expressamente outra forma de proteção não abrangida pelo âmbito de aplicação da presente diretiva e suscetível de ser objeto de um pedido separado;

[…]»

 Diretiva 2013/32

5        O artigo 2.o, alíneas b), e) e q), da Diretiva 2013/32 tem a seguinte redação:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

b)      “Pedido de proteção internacional” ou “pedido”, um pedido de proteção apresentado a um Estado‑Membro por um nacional de um país terceiro ou um apátrida, o qual dê a entender que pretende beneficiar do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária e não solicite expressamente outra forma de proteção não abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva [2011/95] e suscetível de ser objeto de um pedido separado;

[…]

e)      “Decisão definitiva”, a decisão que determina se o estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária pode ser concedido ao nacional de país terceiro ou apátrida, nos termos da Diretiva [2011/95], e que já não é passível de recurso no âmbito do capítulo V da presente diretiva, independentemente de esse recurso permitir aos requerentes permanecer nos Estados‑Membros em causa na pendência da respetiva conclusão;

[…]

q)      “Pedido subsequente”, um pedido de proteção internacional apresentado após ter sido proferida uma decisão definitiva sobre um pedido anterior, incluindo os casos em que o requerente tenha retirado expressamente o seu pedido e aqueles em que o órgão de decisão tenha indeferido um pedido na sequência da sua retirada implícita nos termos do artigo 28.o, n.o 1.»

6        Nos termos do artigo 33.o, n.o 2, desta diretiva:

«Os Estados‑Membros podem considerar não admissível um pedido de proteção internacional apenas quando:

a)      Outro Estado‑Membro tiver concedido proteção internacional;

b)      Um país, que não um Estado‑Membro, for considerado o primeiro país de asilo para o requerente, nos termos do artigo 35.o;

c)      Um país, que não um Estado‑Membro, for considerado país terceiro seguro para o requerente, nos termos do artigo 38.o;

d)      O pedido for um pedido subsequente, em que não surgiram nem foram apresentados pelo requerente novos elementos ou dados relacionados com a análise do cumprimento das condições para o requerente beneficiar da proteção internacional nos termos da Diretiva [2011/95]; ou

e)      Uma pessoa a cargo do requerente tiver introduzido um pedido depois de ter consentido, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, que o seu caso fosse abrangido por um pedido apresentado em seu nome e não existam elementos relativos à situação dessa pessoa que justifiquem um pedido separado.»

 Regulamento Dublim III

7        Nos termos do seu artigo 48.o, primeiro parágrafo, o Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31; a seguir «Regulamento Dublim III»), revogou o Regulamento (CE) n.o 343/2003 do Conselho, de 18 de fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro (JO 2003, L 50, p. 1), o qual tinha substituído, em conformidade com o seu artigo 24.o, a Convenção Sobre a Determinação do Estado Responsável pela Análise de um Pedido de Asilo Apresentado num Estado‑Membro das Comunidades Europeias, assinada em Dublim em 15 de junho de 1990 (JO 1997, C 254, p. 1; a seguir «Convenção de Dublim»).

8        No capítulo II do Regulamento Dublim III, intitulado «Princípios gerais e garantias», o artigo 3.o deste regulamento, sob a epígrafe «Acesso ao procedimento de análise de um pedido de proteção internacional», enuncia, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado‑Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado‑Membro, que será aquele que os critérios enunciados no capítulo III designarem como responsável.»

9        No capítulo V deste regulamento, o artigo 18.o, n.o 1, deste, sob a epígrafe «Obrigações do Estado‑Membro responsável», enuncia, no seu n.o 1:

«1.      O Estado‑Membro responsável por força do presente regulamento é obrigado a:

[…]

c)      Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.o, 24.o, 25.o e 29.o, o nacional de um país terceiro ou o apátrida que tenha retirado o seu pedido durante o processo de análise e que tenha formulado um pedido noutro Estado‑Membro, ou que se encontre no território de outro Estado‑Membro sem possuir um título de residência;

d)      Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.o, 24.o, 25.o e 29.o, o nacional de um país terceiro ou o apátrida cujo pedido tenha sido indeferido e que tenha apresentado um pedido noutro Estado‑Membro, ou que se encontre no território de outro Estado‑Membro sem possuir um título de residência.»

10      O artigo 19.o, n.o 3, do Regulamento Dublim III, sob a epígrafe «Cessação de responsabilidade», dispõe:

«As obrigações previstas no artigo 18.o, n.o 1, alíneas c) e d), cessam se o Estado‑Membro responsável puder comprovar, quando lhe for solicitado para retomar a cargo um requerente ou outra pessoa referida no artigo 18.o, n.o 1, alíneas c) ou d), que a pessoa em causa abandonou o território dos Estados‑Membros em conformidade com uma decisão de regresso ou uma medida de afastamento emitida na sequência da retirada ou do indeferimento do pedido.

Os pedidos apresentados após um afastamento efetivo são considerados novos pedidos e dão lugar a um novo procedimento de determinação do Estado‑Membro responsável.»

 Acordo entre a União, a Islândia e a Noruega

11      O Acordo entre a Comunidade Europeia e a República da Islândia e o Reino da Noruega Relativo aos Critérios e Mecanismos de Determinação do Estado Responsável pela Análise de um Pedido de Asilo Apresentado num Estado‑Membro, na Islândia ou na Noruega — Declarações (JO 2001, L 93, p. 40; a seguir «Acordo entre a União, a Islândia e a Noruega»), foi aprovado em nome da Comunidade pela Decisão 2001/258/CE do Conselho, de 15 de março de 2001 (JO 2001, L 93, p. 38).

12      Nos termos do artigo 1.o deste acordo:

«1.      As disposições da Convenção de Dublim, referidas na parte 1 do anexo do presente acordo, bem como as decisões do comité instituído pelo artigo 18.o daquela convenção, referidas na parte 2 do referido anexo, devem ser executadas pela [República da] Islândia e [pelo Reino da] Noruega e aplicadas nas suas relações mútuas e nas suas relações com os Estados‑Membros, sob reserva do disposto no n.o 4.

2.      Os Estados‑Membros aplicam as normas referidas no n.o 1, sob reserva do disposto no n.o 4, em relação à [República da] Islândia e [ao Reino da] Noruega.

[…]

4.      Para efeitos dos n.os 1 e 2, as referências a “Estados‑Membros” nas disposições abrangidas pelo anexo devem ser interpretadas no sentido de incluir a [República da] Islândia e [o Reino da] Noruega.

[…]»

 Direito alemão

 AsylG

13      O § 26a da Asylgesetz (Lei Relativa ao Direito de Asilo), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «AsylG»), sob a epígrafe «Países terceiros seguros», dispõe:

«1)      Um nacional estrangeiro que entre no território vindo de um país terceiro, na aceção do § 16a, n.o 2, primeiro período, da Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland [Lei Fundamental da República Federal da Alemanha] (país terceiro seguro), não pode invocar o § 16a, n.o 1, da Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland [Lei Fundamental da República Federal da Alemanha]. […]

2)      Para além dos Estados‑Membros da União Europeia, são Estados terceiros seguros os Estados indicados no anexo I. […]»

14      O § 29 da AsylG, sob a epígrafe «Pedidos inadmissíveis», tem a seguinte redação:

«(1)      Um pedido de asilo é inadmissível quando:

[…]

5.      Tendo sido apresentado um pedido subsequente, na aceção do § 71, ou um segundo pedido, na aceção do § 71a, não haja que realizar mais nenhum procedimento de asilo. […]»

15      O § 71a da AsylG, sob a epígrafe «Segundo pedido», prevê:

«(1)      Se, após a conclusão, por indeferimento, de um procedimento de asilo num país terceiro seguro (§ 26a) ao qual se aplicam as normas jurídicas da [União Europeia] sobre a responsabilidade pelo tratamento dos procedimentos de asilo ou com o qual a República Federal [da Alemanha] tenha celebrado um tratado internacional sobre a matéria, o nacional estrangeiro apresentar no território federal [da Alemanha] um pedido de asilo (segundo pedido), só será efetuado novo procedimento de asilo se a República Federal da Alemanha for responsável pelo tratamento do procedimento de asilo e se estiverem preenchidos os requisitos previstos no § 51, n.os 1 a 3, da Verwaltungsverfahrensgesetz (VwVfG) [Lei do Procedimento Administrativo]; o [Serviço] é responsável pela análise do pedido. […]»

16      O anexo I do § 26a da AsylG contém as seguintes menções:

«Noruega

Suíça»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

17      Em 22 de dezembro de 2014, L.R., nacional iraniano, apresentou ao Serviço um pedido de asilo.

18      A análise deste pedido revelou que L.R. já tinha apresentado um pedido de asilo na Noruega.

19      Chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de tomada a cargo de L.R., o Reino da Noruega, por carta de 26 de fevereiro de 2015, informou o Serviço de que, em 1 de outubro de 2008, o interessado apresentou um pedido de asilo às autoridades norueguesas, o qual foi indeferido em 15 de junho de 2009, e que, em 19 de junho de 2013, este foi entregue às autoridades iranianas. O Reino da Noruega recusou retomar a cargo L.R. com o fundamento de que a sua responsabilidade tinha cessado, em conformidade com o disposto no artigo 19.o, n.o 3, do Regulamento Dublim III.

20      Por conseguinte, o Serviço analisou o pedido de asilo de L.R. e, por Decisão de 13 de março de 2017, indeferiu‑o por o considerar não admissível, em aplicação do § 29, n.o 1, ponto 5, da AsylG. O Serviço considerou que se tratava de um «segundo pedido», na aceção do § 71a da AsylG, e que não estavam preenchidos os requisitos previstos no § 51, n.o 1, da Lei do Procedimento Administrativo para justificar a abertura de um novo procedimento de asilo, uma vez que a exposição de factos apresentados por L.R. para fundamentar o seu pedido não era, de forma global, credível.

21      L.R. interpôs recurso da decisão do Serviço no órgão jurisdicional de reenvio, em cujo âmbito requereu, a título principal, que lhe fosse concedido o estatuto de refugiado, a título subsidiário, que lhe fosse concedida «proteção subsidiária» e, a título ainda mais subsidiário, que fosse declarada uma proibição de afastamento, ao abrigo do direito alemão. Por Despacho de 19 de junho de 2017, o órgão jurisdicional de reenvio, deferindo o pedido de medidas provisórias apresentado por L.R., considerou que este recurso produzia efeitos suspensivos.

22      O órgão jurisdicional de reenvio expõe que, para se pronunciar sobre o litígio que tem pendente, necessita de esclarecimentos sobre a questão de saber se um pedido de proteção internacional pode ser qualificado de «pedido subsequente», na aceção do artigo 2.o, alínea q), da Diretiva 2013/32, quando o primeiro procedimento que conduziu ao indeferimento desse pedido não tenha corrido noutro Estado‑Membro da União, mas num Estado terceiro, a saber, na Noruega.

23      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio especifica que, embora a resposta a esta questão tenha sido deixada em aberto num Acórdão do Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha), de 14 de dezembro de 2016, em seu entender pode estar em causa um «pedido subsequente», na aceção do artigo 2.o, alínea q), da Diretiva 2013/32, quando o primeiro procedimento que conduziu ao indeferimento do primeiro pedido de proteção internacional do interessado tenha corrido noutro Estado‑Membro.

24      O órgão jurisdicional de reenvio reconhece que resulta tanto da redação do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32, lido em conjugação com o artigo 2.o, alíneas b), e) e q), desta, como da sistemática desta diretiva que um pedido de proteção internacional só pode ser qualificado de «pedido subsequente» se a «decisão definitiva» que indeferiu um «pedido anterior» apresentado pelo mesmo requerente tiver sido adotada por um Estado‑Membro. Com efeito, resulta do artigo 2.o, alíneas b) e e), da Diretiva 2013/32 que semelhante «pedido anterior», bem como a decisão definitiva adotada a seu respeito, deve dizer respeito à proteção conferida pela Diretiva 2011/95, que só tem por destinatários os Estados‑Membros.

25      No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio tende a considerar que a Diretiva 2013/32 deve ser interpretada de forma mais ampla no contexto da associação do Reino da Noruega ao sistema europeu comum de asilo, como esta resulta do Acordo entre a União, a Islândia e a Noruega. É certo que o Reino da Noruega não está vinculado pelas Diretivas 2013/32 e 2011/95, mas o sistema norueguês de asilo é, tanto do ponto de vista substancial como do ponto de vista processual, equivalente ao previsto no direito da União. Por conseguinte, seria contrário ao objetivo e à finalidade do sistema europeu comum de asilo, bem como à associação do Reino da Noruega a este, obrigar os Estados‑Membros a realizar um primeiro procedimento de asilo completo numa situação como a que está em causa no processo principal.

26      Nestas condições, o Schleswig‑Holsteinisches Verwaltungsgericht (Tribunal Administrativo de Schleswig‑Holstein, Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«É compatível com o artigo 33.o, n.o 2, alínea d), e com o artigo 2.o, alínea q), da Diretiva [2013/32] uma norma nacional nos termos da qual um pedido de proteção internacional constitui um pedido subsequente inadmissível quando o primeiro procedimento de asilo infrutífero não tiver sido conduzido num Estado‑Membro da União mas na Noruega?»

 Quanto à questão prejudicial

27      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32, lido em conjugação com o artigo 2.o, alínea q), desta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro que prevê a possibilidade de indeferir por motivo de não admissibilidade um pedido de proteção internacional, na aceção do artigo 2.o, alínea b), desta diretiva, apresentado a este Estado‑Membro por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida cujo pedido anterior para concessão do estatuto de refugiado, apresentado a um Estado terceiro que dá execução ao Regulamento Dublim III em conformidade com o Acordo entre a União, a Islândia e a Noruega, foi indeferido por este Estado terceiro.

28      A título preliminar, há que salientar que, no pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio partiu da premissa de que o artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32, lido em conjugação com o artigo 2.o, alínea q), desta, se aplica a um novo pedido de proteção internacional apresentado a um Estado‑Membro após o indeferimento, por meio de uma «decisão definitiva», na aceção do artigo 2.o, alínea e), desta diretiva, de um pedido anterior, apresentado pelo mesmo requerente a outro Estado‑Membro. Nas suas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, o Governo alemão partilha deste entendimento.

29      Em contrapartida, nas suas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, a Comissão Europeia sustenta que o novo pedido de proteção internacional só pode ser qualificado de «pedido subsequente», na aceção do artigo 2.o, alínea q), e do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32, se for apresentado ao Estado‑Membro cujas instâncias competentes tenham indeferido, por decisão definitiva, um pedido anterior apresentado pelo mesmo requerente.

30      No entanto, uma vez que a questão submetida tem por objeto um pedido de proteção internacional apresentado a um Estado‑Membro depois de ter sido indeferido um pedido anterior apresentado pelo mesmo requerente a um Estado terceiro parte no Acordo entre a União, a Islândia e a Noruega, é apenas necessário, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, determinar se semelhante pedido constitui um «pedido subsequente», na aceção do artigo 2.o, alínea q), e do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32.

31      Feita esta ressalva, há que recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 enumera de forma exaustiva as situações nas quais os Estados‑Membros podem considerar um pedido de proteção internacional não admissível [Acórdão de 19 de março de 2020, Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal (Tompa), C‑564/18, EU:C:2020:218, n.o 29 e jurisprudência referida].

32      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, só o artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32 pode justificar o indeferimento, por motivo de não admissibilidade, de um pedido como o que está em causa no processo principal.

33      Esta disposição prevê que os Estados‑Membros podem indeferir um pedido de proteção internacional por motivo de não admissibilidade quando este constitua um pedido subsequente no qual não surgiram nem foram apresentados pelo requerente novos elementos ou dados relacionados com a análise do cumprimento das condições para o requerente beneficiar da proteção internacional ao abrigo da Diretiva 2011/95.

34      O conceito de «pedido subsequente» é definido no artigo 2.o, alínea q), da Diretiva 2013/32 como um pedido de proteção internacional apresentado após ter sido proferida uma decisão definitiva sobre um pedido anterior.

35      Esta definição retoma assim os conceitos de «pedido de proteção internacional» e de «decisão definitiva», também definidos no artigo 2.o desta diretiva, respetivamente na alínea b) e na alínea e) deste.

36      No que respeita, em primeiro lugar, ao conceito de «pedido de proteção internacional» ou de «pedido», este é definido no artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2013/32 como pedido de proteção «apresentado a um Estado‑Membro» por um nacional de um país terceiro ou um apátrida, o qual dê a entender que pretende beneficiar do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária, na aceção da Diretiva 2011/95.

37      Assim, decorre da redação clara desta disposição que um pedido dirigido a um Estado terceiro não pode ser entendido como um «pedido de proteção internacional» ou um «pedido», na aceção da referida disposição.

38      No que se refere, em segundo lugar, ao conceito de «decisão definitiva», este é definido no artigo 2.o, alínea e), da Diretiva 2013/32 como a decisão que determina se o estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária pode ser concedido ao nacional de país terceiro ou apátrida, ao abrigo da Diretiva 2011/95, e a qual já não é passível de ser objeto de recurso no âmbito do capítulo V da Diretiva 2013/32.

39      Ora, uma decisão tomada por um Estado terceiro não pode ser abrangida por esta definição. Com efeito, a Diretiva 2011/95, que é dirigida aos Estados‑Membros e não abrange os Estados terceiros, não se limita a prever o estatuto de refugiado, como este está estabelecido no direito internacional, a saber, na Convenção de Genebra, antes consagrando também o estatuto conferido pela proteção subsidiária, o qual, como decorre do considerando 6 desta diretiva, completa as regras relativas ao estatuto de refugiado.

40      À luz destes elementos, e sem prejuízo da questão distinta de saber se o conceito de «pedido subsequente» se aplica a um novo pedido de proteção internacional apresentado a um Estado‑Membro após o indeferimento, através de uma decisão definitiva, de um pedido anterior por outro Estado‑Membro, resulta da leitura conjugada das alíneas b), e) e q) do artigo 2.o da Diretiva 2013/32 que um pedido de proteção internacional apresentado a um Estado‑Membro não pode ser qualificado de «pedido subsequente» se for apresentado depois de a concessão do estatuto de refugiado ter sido recusada ao requerente por um Estado terceiro.

41      Por conseguinte, a existência de uma decisão anterior de um Estado terceiro, que indeferiu um pedido de concessão do estatuto de refugiado, como este está previsto na Convenção de Genebra, não permite qualificar de «pedido subsequente», na aceção do artigo 2.o, alínea q), e do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32, um pedido de proteção internacional, na aceção da Diretiva 2011/95, apresentado pelo interessado a um Estado‑Membro depois de esta decisão anterior ter sido adotada.

42      Nenhuma outra conclusão pode ser tirada do Acordo entre a União, a Islândia e a Noruega.

43      É certo que, por força do artigo 1.o deste acordo, o Regulamento Dublim III é executado não apenas pelos Estados‑Membros mas também pela República da Islândia e pelo Reino da Noruega. Assim, numa situação como a que está em causa no processo principal, na qual o interessado apresentou um pedido de concessão do estatuto de refugiado a um destes dois Estados terceiros, um Estado‑Membro ao qual esse interessado tenha apresentado um novo pedido de proteção internacional pode, se as condições mencionadas na alínea c) ou na alínea d) do artigo 18.o, n.o 1, deste regulamento estiverem reunidas, pedir à República da Islândia ou ao Reino da Noruega que retome a cargo o referido interessado.

44      Todavia, daqui não se pode deduzir que, quando essa retomada a cargo não seja possível ou não ocorra, o Estado‑Membro em causa tenha o direito de considerar que o novo pedido de proteção internacional que o mesmo interessado apresentou às suas próprias instâncias constitui um «pedido subsequente», na aceção do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32.

45      Com efeito, embora o Acordo entre a União, a Islândia e a Noruega preveja, em substância, a execução, pela República da Islândia e pelo Reino da Noruega, de determinadas disposições do Regulamento Dublim III e enuncie, no seu artigo 1.o, n.o 4, que, para este efeito, as referências a «Estados‑Membros» que figuram nas disposições retomadas no anexo deste acordo devem também ser interpretadas no sentido de incluir estes dois Estados terceiros, não deixa de ser certo que nenhuma disposição da Diretiva 2011/95 ou da Diretiva 2013/32 é retomada neste anexo.

46      Admitindo, como o órgão jurisdicional de reenvio observa, que o sistema norueguês de asilo prevê um nível de proteção dos requerentes de asilo equivalente ao previsto na Diretiva 2011/95, esta circunstância não pode conduzir a uma conclusão diferente.

47      Além de resultar da redação unívoca das disposições pertinentes da Diretiva 2013/32 que, no estado atual do direito da União, um Estado terceiro não pode ser equiparado a um Estado‑Membro para efeitos da aplicação do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), desta, tal equiparação não pode depender, sob pena de afetar a segurança jurídica, de uma avaliação do nível concreto da proteção dos requerentes de asilo no Estado terceiro em causa.

48      Atendendo a todas as considerações que precedem, há que responder à questão submetida que o artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32, lido em conjugação com o artigo 2.o, alínea q), desta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro que prevê a possibilidade de indeferir por motivo de não admissibilidade um pedido de proteção internacional, na aceção do artigo 2.o, alínea b), desta diretiva, apresentado a este Estado‑Membro por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida cujo pedido anterior para concessão do estatuto de refugiado, apresentado a um Estado terceiro que dá execução ao Regulamento Dublim III em conformidade com o Acordo entre a União, a Islândia e a Noruega, foi indeferido por esse Estado terceiro.

 Quanto às despesas

49      Revestindo o processo, quanto às partes no processo principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

O artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, lido em conjugação com o artigo 2.o, alínea q), desta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um EstadoMembro que prevê a possibilidade de indeferir por motivo de não admissibilidade um pedido de proteção internacional, na aceção do artigo 2.o, alínea b), desta diretiva, apresentado a este EstadoMembro por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida cujo pedido anterior para concessão do estatuto de refugiado, apresentado a um Estado terceiro que dá execução ao Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do EstadoMembro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos EstadosMembros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, em conformidade com o Acordo entre a Comunidade Europeia e a República da Islândia e o Reino da Noruega relativo aos critérios e mecanismos de determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num EstadoMembro, na Islândia ou na Noruega — Declarações, foi indeferido por esse Estado terceiro.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.