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CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE

apresentadas em 11 de julho de 2019 (1)

Processos apensos C370/17 e C37/18

Caisse de retraite du personnel navigant professionnel de l’aéronautique civile (CRPNPAC)

contra

Vueling Airlines SA

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo tribunal de grande instance de Bobigny (Tribunal de Primeira Instância de Bobigny, França)]

e

Vueling Airlines SA

contra

JeanLuc Poignant

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation, chambre sociale (Tribunal de Cassação, Secção Social, França)]

«Reenvio prejudicial — Trabalhadores migrantes — Segurança social — Legislação aplicável — Regulamento (CEE) n.o 1408/71 — Destacamento de trabalhadores — Artigo 14.o, n.o 1, alínea a) — Não aplicabilidade à tripulação das companhias aéreas que efetuam transportes internacionais de passageiros — Artigo 14.o, n.o 2, alínea a), i) — Trabalhadores empregados por uma sucursal ou uma representação permanente que a transportadora aérea possua no território de um Estado‑Membro diferente daquele em que tem a sua sede — Certificado E 101 — Efeito vinculativo — Certificado obtido ou invocado de maneira fraudulenta — Ação de responsabilidade civil contra a entidade patronal autora da fraude ‑ Competência do juiz do Estado‑Membro de acolhimento de declarar a fraude e excluir o certificado — Autoridade do caso julgado penal em sede cível — Proibição de o juiz cível ignorar uma decisão penal que versa sobre os mesmos factos, mesmo que contrária ao direito da União — Incompatibilidade com o direito da União»






I.      Introdução

1.        O certificado E 101 (2), é um documento emitido pela instituição competente de um Estado‑Membro, ao abrigo de uma determinada disposição do Regulamento (CEE) n.o 1408/71, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (3), e em conformidade com o Regulamento (CEE) n.o 574/72, que estabelece as modalidades de aplicação (4). Este certificado atesta a inscrição de um trabalhador que se desloca na União Europeia no regime de segurança social desse Estado‑Membro.

2.        Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, enquanto não for revogado ou declarado inválido pela instituição emitente, esse certificado é vinculativo na ordem jurídica interna do Estado‑Membro para o qual o trabalhador em causa se desloca para exercer a sua atividade e, nessa qualidade, vincula as instituições desse Estado. Assim, essas instituições não podem, designadamente, inscrever o trabalhador em causa no seu próprio regime de segurança social. Um órgão jurisdicional do mesmo Estado também não pode apreciar a validade de um certificado E 101 à luz dos elementos com base nos quais foi emitido. As eventuais dúvidas quanto à validade ou à exatidão de tal certificado devem ser sanadas através de um diálogo entre as instituições dos Estados‑Membros em causa, cujas fases foram determinadas pelo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos e, posteriormente, codificadas pelo legislador da União.

3.        Essa jurisprudência fez correr muita tinta. Para alguns, oferece uma lamentável proteção às empresas que procuram eludir as regras de segurança social aplicáveis, ajudadas por instituições que emitem demasiado facilmente o certificado E 101. Para outros, é a última expressão de uma necessária cooperação entre Estados‑Membros na aplicação dos regulamentos de coordenação.

4.        Em França, os processos principais agudizaram a clivagem entre estas duas visões. Em 2012, a sociedade Vueling Airlines SA (a seguir «Vueling») foi condenada em sede penal por ter empregado, no aeroporto de Paris‑Charles‑de‑Gaulle em Roissy (França), uma tripulação sem a ter inscrito na segurança social francesa. Essa tripulação tinha sido inscrita no regime de segurança social espanhol e submetida ao regime de destacamento de trabalhadores. A Vueling tinha obtido da instituição competente espanhola certificados E 101 que comprovavam tal situação de facto, que foram, porém, excluídos pelo juiz penal francês.

5.        Os presentes reenvios prejudiciais vêm no seguimento dessa condenação. Foram submetidos pelo tribunal de grande instance de Bobigny (Tribunal de Primeira Instância de Bobigny, França) e pela Cour de cassation, chambre sociale (Tribunal de Cassação, Secção Social, França), respeitantes a pedidos de indemnização que versam sobre os mesmos factos e opõem, por um lado, a caisse de retraite du personnel navigant professionnel de l'aéronautique civile (Fundo de Pensões das Tripulações da Aviação Civil, CRPNPAC) e, por outro, Jean‑Luc Poignant à Vueling, relativamente ao prejuízo que os primeiros alegam ter sofrido devido à referida falta de inscrição em França. A questão do efeito vinculativo dos certificados E 101 obtidos por essa companhia é decisiva para o desfecho desses pedidos.

6.        Três das questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio convidam, assim, o Tribunal de Justiça a precisar se a sua jurisprudência relativa ao efeito vinculativo do certificado E 101 é também aplicável quando o juiz do Estado‑Membro de acolhimento verificar que esse certificado foi obtido ou invocado de maneira fraudulenta. Essas questões permitirão ao Tribunal de Justiça especificar o alcance exato do seu Acórdão Altun e o. (5), no qual admitiu, em princípio, que esse juiz não está vinculado por um certificado E 101 em caso de fraude. As referidas questões implicarão também deter‑se sobre o conceito de «fraude», na aceção do direito da União, e, neste contexto interpretar, de forma inédita, as regras previstas pelo Regulamento n.o 1408/71 para a tripulação das companhias aéreas, operadoras de transporte internacional.

7.        Nas presentes conclusões, proponho que o Tribunal de Justiça decida que o juiz do Estado‑Membro de acolhimento é competente para excluir um certificado E 101 quando possua elementos que provam que esse certificado foi obtido ou invocado de maneira fraudulenta, independentemente da forma como decorre o diálogo entre instituições competentes. A meu ver, depende desta solução a eficácia da luta contra o «dumping social»(6)e a confiança reconhecida, normalmente, pelo Tribunal de Justiça ao órgão jurisdicional nacional, enquanto juiz da União, para fazer respeitar o direito da União.

8.        A última questão submetida é referente à relação entre o princípio do primado do direito da União e o princípio do direito francês da autoridade do caso julgado penal em sede cível. Por força deste princípio os órgãos jurisdicionais de reenvio teriam de condenar a Vueling em sede cível pelo simples facto de ter sido condenada anteriormente em sede penal, mesmo na hipótese de a condenação penal ter sido proferida em violação do direito da União. Atendendo à resposta que sugiro que seja dada às outras questões prejudiciais, as minhas considerações nesta matéria serão essencialmente subsidiárias. Proponho, no entanto, que o Tribunal de Justiça declare que o direito da União se opõe à aplicação deste princípio, sempre que se concluir pela incompatibilidade dessa condenação penal com o referido direito.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

9.        O artigo 13.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 dispõe que, sob reserva do disposto nos artigos 14.o a 17.o deste regulamento, «[A] pessoa que exerça uma atividade assalariada no território de um Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado, mesmo se residir no território de outro Estado‑Membro ou se a empresa ou entidade patronal que a emprega tiver a sua sede ou domicílio no território de outro Estado‑Membro».

10.      O artigo 14.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Regras especiais aplicáveis às pessoas que exercem uma atividade assalariada, não sendo pessoal do mar», prevê:

«A regra enunciada no n.o 2, alínea a), do artigo 13.o é aplicada tendo em conta as seguintes exceções e particularidades:

1)      a)      A pessoa que exerça uma atividade assalariada no território de um Estado‑Membro, ao serviço de uma empresa de que normalmente depende, e que seja destacada por esta empresa para o território de outro Estado‑Membro a fim de aí efetuar um trabalho por conta desta última continua sujeita à legislação do primeiro Estado‑Membro, desde que o período previsível desse trabalho não exceda doze meses e que não seja enviada em substituição de outra pessoa que tenha terminado o período do seu destacamento;

b)      Se o período do trabalho a efetuar se prolongar, devido a circunstâncias imprevisíveis, para além do período inicialmente previsto e vier a exceder doze meses, a legislação do primeiro Estado‑Membro continua a ser aplicável até à conclusão desse trabalho, desde que a autoridade competente do Estado‑Membro em cujo território o interessado estiver destacado ou o organismo designado por esta autoridade tenha dado o seu consentimento; este consentimento deve ser solicitado antes do fim do período inicial de doze meses. Todavia, o referido consentimento não pode ser dado por um período superior a doze meses;

2)      A pessoa que normalmente exerça uma atividade assalariada no território de dois ou mais Estados‑Membros está sujeita à legislação determinada do seguinte modo:

a)      A pessoa que faça parte da equipagem ou da tripulação de uma empresa que efetue, por conta própria, transportes internacionais de passageiros ou de mercadorias por caminho de ferro, por estrada, por via aérea ou por via navegável e que tenha a sede no território de um Estado‑Membro, está sujeita à legislação deste último estado. Todavia:

i)      A pessoa empregada por uma sucursal, ou uma representação permanente que essa empresa possua no território de um Estado‑Membro diferente daquele em que tem a sede, está sujeita à legislação do Estado‑Membro em cujo território se encontra essa sucursal ou representação permanente,

ii)      A pessoa empregada a título principal no território do Estado‑Membro em que reside, está sujeita à legislação deste Estado, mesmo que a empresa que a emprega não tenha sede, sucursal ou representação permanente nesse território

[…]»

11.      O artigo 84.o‑A do Regulamento n.o 1408/71, sob a epígrafe «Relações entre as instituições e as pessoas abrangidas pelo regulamento», inserido neste regulamento pelo Regulamento (CE) n.o 631/2004, que altera os Regulamentos n.os 1408/71 e 574/72 no que respeita ao alinhamento dos direitos e simplificação dos procedimentos (7), prevê, no seu n.o 3:

«No caso de dificuldades de interpretação ou de aplicação do presente regulamento suscetíveis de pôr em causa os direitos de uma pessoa por ele abrangida, a instituição do Estado competente ou do Estado de residência do interessado contactará a instituição ou instituições do Estado‑Membro em causa. Na falta de uma solução num prazo razoável, as autoridades em causa podem submeter a questão à Comissão Administrativa.»

12.      O artigo 11.o do Regulamento de aplicação n.o 574/72, sob a epígrafe «Formalidades em caso de destacamento de um trabalhador assalariado, nos termos do n.o 1 do artigo 14.o e do n.o 1 do artigo 14.o‑B do Regulamento [n.o 1408/71], e em caso de acordos celebrados nos termos do artigo 17.o [deste regulamento]», dispõe, no seu n.o 1:

«A instituição designada pela autoridade competente do Estado‑Membro cuja legislação continua a ser aplicável, emitirá um certificado comprovativo de que o trabalhador assalariado continua sujeito a essa legislação, certificado que indicará também até que data esta situação se mantém.

a)      A pedido do trabalhador assalariado ou da sua entidade patronal, nos casos referidos no n.o 1 do artigo 14.o e no n.o 1 do artigo 14.o‑B do Regulamento [n.o 1408/71];

[…]»

13.      O artigo 12.o‑A do Regulamento de aplicação n.o 574/72, sob a epígrafe «Regras aplicáveis às pessoas a que se referem os n.os 2 e 3 do artigo 14.o, os n.os 2 a 4 do artigo 14.o‑A e o artigo 14.o‑C do Regulamento [n.o 1408/71], que normalmente exercem uma atividade assalariada ou não assalariada no território de dois ou mais Estados‑Membros», prevê:

«Para efeitos da aplicação dos n.os 2 e 3 do artigo 14.o, dos n.os 2 a 4 do artigo 14.o‑A e do artigo 14.o‑C do [Regulamento n.o 1408/71], aplicam‑se as seguintes regras:

[…]

1‑A.      Se, nos termos do disposto na alínea a) do n.o 2 do artigo 14.o do [Regulamento n.o 1408/71], a pessoa que faz parte da equipagem ou da tripulação de uma empresa que efetua transportes internacionais estiver sujeita à legislação do Estado‑Membro em cujo território se encontra a sede ou domicílio, sucursal ou estabelecimento permanente dessa empresa, ou em que reside e trabalha a título principal, a instituição designada pela autoridade competente do Estado‑Membro em causa emite um certificado comprovativo de que está sujeita à sua legislação.

[…]»

14.      O Regulamento n.o 1408/71 e o Regulamento de aplicação n.o 574/72 foram revogados e substituídos, a partir de 1 de maio de 2010, respetivamente, pelo Regulamento (CE) n.o 883/2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (8), e pelo Regulamento (CE) n.o 987/2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.o 883/2004 (9). No entanto, os primeiros regulamentos são aplicáveis ratione temporis aos factos em causa nos processos principais.

B.      Direito francês

15.      O artigo L. 8221‑3 do code du travail (Código do Trabalho), resultante da ordonnance n.o 2007‑329 (Despacho n.o2007‑329), de 12 de março de 2007 (10), na versão aplicável à data dos factos, dispõe:

«Considera‑se trabalho não declarado por ocultação de atividade o exercício com fins lucrativos de uma atividade de produção, de transformação, de reparação ou de prestação de serviços ou a realização de atos de comércio por qualquer pessoa que, subtraindo‑se intencionalmente às suas obrigações:

[…]

2.o      […] não apresentou as declarações que devem ser dirigidas aos organismos de proteção social ou à Administração Fiscal nos termos das disposições legais em vigor.»

16.      O artigo L. 1262‑3 do Código do Trabalho, resultante do Despacho n.o 2007‑329, na versão aplicável à data dos factos, prevê:

«Um empregador não pode beneficiar das disposições aplicáveis ao destacamento de trabalhadores assalariados quando a sua atividade é integralmente orientada para o território nacional ou quando é realizada em instalações ou com infraestruturas situadas em território nacional a partir das quais é exercida de forma habitual, estável e contínua. Não pode, nomeadamente, beneficiar dessas disposições quando a sua atividade comporta a procura e a pesquisa de clientes ou o recrutamento de trabalhadores assalariados nesse território.

Nestas situações, o empregador está sujeito às disposições do Código do Trabalho aplicáveis às empresas estabelecidas em território francês.»

17.      Nos termos do artigo R. 330‑2‑1 do code de l'aviation civile (Código da Aviação Civil), do décret n.o 2006‑1425 (Decreto n.o 2006‑1425, de 21 de novembro de 2006 (11):

«O artigo L. 342‑4 do Código do Trabalho (12) é aplicável às empresas de transporte aéreo devido às suas bases operacionais situadas em território francês.

Uma base operacional é um conjunto de instalações ou infraestruturas a partir das quais uma empresa exerce de forma estável, habitual e contínua uma atividade de transporte aéreo com trabalhadores assalariados que têm aí o centro efetivo da sua atividade profissional. Na aceção das disposições que precedem, o centro da atividade profissional de um assalariado é o local onde, de forma habitual, trabalha ou onde inicia o seu serviço e regressa depois de cumprida a sua missão.»

III. Litígios nos processos principais

A.      Processo penal contra a Vueling

18.      A Vueling é uma companhia aérea de transporte internacional de passageiros, com sede social em Barcelona (Espanha). Em 21 de maio de 2007, esta companhia aérea começou a efetuar voos para vários destinos espanhóis a partir do aeroporto de Paris‑Charles‑de‑Gaulle em Roissy. A este título, procedeu à inscrição no Registre du commerce e des sociétés de Bobigny (Registo do Comércio e das Sociedades de Bobigny, França) da constituição de uma empresa de transporte aéreo e de autoassistência em terra, implantada neste aeroporto.

19.      Em 28 de maio de 2008, na sequência de inspeções, a inspeção do trabalho competente lavrou um auto contra a Vueling por trabalho não declarado. Do mesmo constava que esta companhia aérea ocupava, no referido aeroporto, instalações administrativas de operação e de direção comerciais, salas de repouso e de preparação dos voos das tripulações, um escritório de supervisão do balcão de venda de bilhetes e registo dos passageiros. A referida companhia empregava, por um lado, 50 membros da tripulação de cabine e 25 membros da tripulação de voo, com contratos de trabalho regidos pelo direito espanhol, e, por outro, o pessoal de terra (um diretor comercial, um chefe de escala e um mecânico‑chefe), com contratos de trabalho regidos pelo direito francês.

20.      A inspeção do trabalho salientou que apenas o pessoal de terra foi declarado junto dos organismos franceses de segurança social. Os membros das tripulações eram titulares de certificados E 101 comprovativos de que se encontravam destacados temporariamente em França e permaneciam durante o período de destacamento abrangidos pelo regime de segurança social espanhol. A inspeção do trabalho verificou que 48 trabalhadores assalariados não trabalhavam habitualmente por conta da Vueling e tinham sido contratados menos de 30 dias antes do seu destacamento, alguns na véspera ou no próprio dia, e concluiu que tinham sido contratados com vista ao seu destacamento. Para 21 desses trabalhadores assalariados, o recibo de vencimento mencionava uma morada em França e um número significativo de declarações de destacamento continham falsas declarações de residência para ocultar o facto de que dos trabalhadores destacados a maioria não tinha residência em Espanha, alguns deles nunca aí tinham vivido. Considerando aqueles trabalhadores cujo contrato de trabalho tinha chegado ao seu termo, verificou‑se que no total 103 trabalhadores não tinham sido declarados à segurança social francesa.

21.      A inspeção do trabalho salientou ainda que a Vueling dispunha no aeroporto Paris‑Charles‑de‑Gaulle de uma «base operacional», na aceção do artigo R. 330‑2‑1 do Código da Aviação Civil, onde a tripulação iniciava e terminava o seu serviço. Nos termos do artigo L. 1262‑3 do Código do Trabalho, a Vueling não podia, portanto, beneficiar das disposições aplicáveis ao destacamento de trabalhadores. Neste contexto, a inspeção do trabalho considerou que embora, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o certificado E 101 valesse como presunção de inscrição, o referido documento não provava a validade do recurso ao destacamento. Entendeu que estava caracterizada a prática de uma fraude em matéria de destacamento e que existia um prejuízo para os trabalhadores, privados, designadamente, de acesso aos direitos do regime de segurança social francês, e também para a coletividade, dado não terem sido pagos pela entidade patronal os montantes devidos por força desse regime.

22.      Na sequência desta investigação, foi instaurado um processo‑crime contra a Vueling, pela prática da infração de trabalho não declarado por ocultação de atividade, prevista no artigo L. 8221‑3 do Código do Trabalho, ao ter, em Roissy, entre 21 de maio de 2007 e 16 de maio de 2008, exercido intencionalmente a atividade de transportadora aérea de passageiros, sem apresentar as declarações que deveriam ter sido prestadas aos organismos de segurança social, nomeadamente, ao não declarar a atividade exercida em França e equiparando‑a irregularmente a um destacamento de trabalhadores.

23.      Por Sentença de 1 de julho de 2010, o tribunal correctionnel de Bobigny (Tribunal Correcional de Bobigny, França) absolveu a Vueling.

24.      Por Acórdão de 31 de janeiro de 2012, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França) revogou a sentença proferida em primeira instância e condenou a Vueling na pena de multa de 100 000 euros. Esse órgão jurisdicional entendeu, por um lado, que a referida companhia aérea exercia a sua atividade em Roissy numa «base operacional», na aceção do artigo R. 330‑2‑1 do Código da Aviação Civil, e que, por conseguinte, esta atividade estava compreendida nos pressupostos previstos no artigo L. 1262‑3 do Código do Trabalho. O referido órgão jurisdicional salientou que a entidade em causa dispunha de uma autonomia de funcionamento, tendo a Vueling contratado para o efeito um diretor. Esta autonomia implicava também a impossibilidade para a companhia de demonstrar um vínculo orgânico com os trabalhadores destacados. Por outro lado, o mesmo órgão jurisdicional considerou que a Vueling tinha intencionalmente violado as regras aplicáveis, designadamente, ao domiciliar 41 trabalhadores para os quais solicitava o destacamento indicando precisamente a morada da sua própria sede, sem conseguir dar uma explicação séria suscetível de afastar a suspeita de fraude. Por último, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) considerou que, embora os certificados E 101 gerassem uma presunção de inscrição no regime de segurança social espanhol, vinculando as instituições francesas competentes em matéria de segurança social, não podiam impedir o juiz penal de declarar a violação intencional das disposições legais que determinam os requisitos de validade do destacamento de trabalhadores.

25.      A Vueling interpôs recurso de cassação. Por Acórdão de 11 de março de 2014, a Cour de cassation, chambre criminelle (Tribunal de Cassação, Secção Criminal), negou provimento ao seu recurso. Esse órgão jurisdicional considerou que a Vueling não podia invocar as regras aplicáveis ao destacamento de trabalhadores previstas no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71, uma vez que a atividade que exercia em Roissy era realizada de forma habitual, estável e contínua em instalações ou com infraestruturas situadas em território nacional, e se enquadrava, portanto, no âmbito do direito de estabelecimento, na aceção das disposições do artigo L. 1263‑3 do Código do Trabalho e da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Consequentemente, a Vueling não podia invocar os certificados E 101 e foi considerada culpada pela prática da infração de trabalho não declarado, prevista no artigo L. 8221‑3 do Código do Trabalho.

B.      Diálogo encetado entre as instituições francesas e espanholas

26.      Resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, por carta de 4 de abril de 2012, a Union de Recouvrement des cotisations de Sécurité Sociale et d'Allocations Familiales (Urssaf) de Seine‑et‑Marne (Organismo de Cobrança das Contribuições de Segurança Social e de Prestações Familiares de Seine‑et‑Marne, França) comunicou os factos controvertidos à instituição emissora dos certificados E 101 apresentados pela Vueling, a saber, a Tesorería general de la seguridad social de Cornellà de Llobregat (Tesouraria Geral da Segurança Social de Cornellà de Llobregat, Espanha) e pediu a esta instituição a anulação dos certificados em causa.

27.      Por decisão de 17 de abril de 2014, a instituição emissora anulou os certificados E 101 controvertidos. No entanto, manteve as contribuições pagas pela Vueling à Segurança Social espanhola para os trabalhadores em causa, com o fundamento de que o seu reembolso estava prescrito.

28.      Em 29 de maio de 2014, a Vueling interpôs um recurso hierárquico dessa decisão. Por decisão de 1 de agosto de 2014, a autoridade hierárquica negou provimento a este recurso. Porém, por decisão de 5 de dezembro de 2014, a mesma autoridade confirmou a sua decisão inicial, para «deixar sem efeito a anulação dos formulários de deslocação», com o fundamento de que, atendendo ao tempo decorrido desde os factos, não era oportuno declarar a inscrição dos trabalhadores em causa na segurança social espanhola indevida, porquanto não era possível reembolsar as contribuições pagas. Além disso, esses trabalhadores tinham podido beneficiar de prestações com base nessas contribuições, de modo que, em caso de anulação da sua inscrição, poderiam encontrar‑se sem proteção. Nestas condições, segundo essa autoridade, não se justificava anular apenas os certificados E 101, pelo facto de a sua emissão ser a simples consequência da inscrição dos trabalhadores em causa no regime de segurança social espanhol.

29.      Em paralelo, não tendo recebido resposta da instituição emissora, e atendendo à confirmação da condenação da Vueling pela Cour de cassation, chambre criminelle (Tribunal de Cassação, Secção Criminal), em 11 de março de 2014, as autoridades francesas questionaram de novo os seus homólogos espanhóis, em 22 e 23 de outubro de 2014.

30.      Por carta de 9 de dezembro de 2014, as autoridades espanholas informaram as autoridades francesas da decisão final da instituição emissora, de 5 de dezembro de 2014, que mantém os certificados E 101 controvertidos. Em 11 de dezembro de 2014, as autoridades espanholas comunicaram o texto da decisão em causa às autoridades francesas.

31.      Por carta de 7 de abril de 2015, as autoridades francesas convidaram a instituição emissora a reconsiderar essa decisão. Em 24 de junho de 2015, foi realizada uma videoconferência entre as instituições competentes francesa e espanhola, que não permitiu desbloquear o desacordo.

C.      Ação judicial da CRPNPAC (processo C370/17)

32.      Em 11 de agosto de 2008, a CRPNPAC intentou uma ação no tribunal de grande instance de Bobigny (Tribunal de Primeira Instância de Bobigny). Esta ação destina‑se, nomeadamente, a que lhe seja atribuída uma indemnização pelo prejuízo que lhe foi causado pela não inscrição no regime de reforma complementar, por ela gerido, da tripulação empregada pela Vueling em Roissy.

33.      O Tribunal de Primeira Instância de Bobigny suspendeu a instância até que seja proferida decisão definitiva no âmbito do processo‑crime instaurado contra a Vueling. Na sequência do Acórdão de 31 de março de 2014 da Cour de cassation, chambre criminelle (Tribunal de Cassação, Secção Criminal), o processo prosseguiu os seus termos naquele tribunal.

34.      Neste contexto, o Tribunal de Primeira Instância de Bobigny interroga‑se se a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao efeito vinculativo do certificado E 101 é aplicável no caso de os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de acolhimento dos trabalhadores em causa terem condenado em sede penal o empregador, por trabalho não declarado, o que implica a existência de uma intenção fraudulenta ou de um abuso de direito.

35.      Nestas condições, por decisão de 30 de março de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de junho de 2017, o Tribunal de Primeira Instância de Bobigny suspendeu a instância e recorreu ao Tribunal de Justiça.

D.      Ação judicial de J.L. Poignant (processo C37/18)

36.      Em 21 de abril de 2007, J.‑L. Poignant foi contratado pela Vueling na qualidade de copiloto, ao abrigo de um contrato de trabalho de direito espanhol. Em virtude de uma cláusula adicional ao contrato, foi destacado, em 14 de junho de 2007, para o aeroporto de Paris‑Charles‑de‑Gaulle.

37.      Por carta de 30 de maio de 2008, J.‑L. Poignant demitiu‑se, invocando, designadamente, a ilegalidade da sua situação contratual à luz do direito francês e retratou‑se, posteriormente, por correio eletrónico de 2 de junho de 2008. Por carta de 9 de junho de 2008, deu como cessado o seu contrato de trabalho, invocando de novo essa ilegalidade.

38.      Em 11 de junho de 2008, J.‑L. Poignant intentou uma ação no conseil des prud’hommes de Bobigny (Tribunal do Trabalho de Bobigny, França), requerendo a requalificação da sua demissão como uma tomada de conhecimento produzindo os efeitos de um despedimento sem justa causa (13), e pedindo, nomeadamente, a fixação de uma indemnização pelo trabalho não declarado e pela falta de contribuições para a segurança social francesa.

39.      Por Sentença de 14 de abril de 2011, o Tribunal do Trabalho de Bobigny julgou improcedentes os pedidos de J.‑L. Poignant. Esse órgão jurisdicional considerou que a Vueling tinha regularmente cumprido as formalidades administrativas aplicáveis, nomeadamente ao requerer junto dos organismos de segurança social espanhóis os certificados E 101 para os seus trabalhadores. O referido órgão jurisdicional salientou ainda que o destacamento de J.‑L. Poignant não tinha excedido um ano e que este não tinha sido destacado para substituir outro trabalhador.

40.      Por Acórdão de 4 de março de 2016, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) revogou a sentença laboral. Com fundamento na autoridade do caso julgado do Acórdão que proferiu em sede penal, em 31 de janeiro de 2012, esse órgão jurisdicional condenou a Vueling a indemnizar J.‑L. Poignant e, concretamente, a pagar‑lhe uma indemnização fixa por trabalho não declarado e por falta de contribuições para a segurança social francesa.

41.      A Vueling interpôs recurso de cassação. Neste âmbito, a Cour de cassation, chambre sociale (Tribunal de Cassação, Secção Social) refere que resulta do Acórdão proferido, em sede penal, pela cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris), em 31 de janeiro de 2012, que esta companhia aérea tinha, à data dos factos controvertidos, uma «base operacional» em Roissy, ou seja, uma «sucursal», na aceção do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), i), do Regulamento n.o 1408/71. Por outro lado, o facto de os certificados E 101 invocados pela Vueling terem sido emitidos ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento, quando, na realidade, a situação da sua tripulação estava abrangida pelo referido artigo 14.o, n.o 2, alínea a), i), e mencionarem como local de atividade dos trabalhadores em causa o aeroporto de Paris‑Charles‑de‑Gaulle seria, por si só, suscetível de revelar que estes certificados tinham sido obtidos de maneira fraudulenta. A Cour de cassation, chambre sociale (Tribunal de Cassação, Secção Social) interroga‑se sobre se a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao efeito vinculativo do certificado E 101, reafirmada no Acórdão A‑Rosa Flussschiff (14), é aplicável em tais circunstâncias.

42.      Em caso de resposta afirmativa, colocar‑se‑ia então a questão de saber se o princípio do primado do direito da União se opunha a que, no seu Acórdão de 4 de março de 2016, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris), sujeita, por força do seu direito interno, à autoridade do caso julgado penal em sede cível, extraísse consequências do Acórdão por ela proferido em sede penal, em 31 de janeiro de 2012, e condenasse a Vueling no pagamento de uma indemnização a J.‑L. Poignant apenas devido a essa condenação penal anterior.

43.      Nestas condições, por decisão de 10 de janeiro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de janeiro de 2018, a Cour de cassation, chambre sociale (Tribunal de Cassação, Secção Social), suspendeu a instância e recorreu ao Tribunal de Justiça.

IV.    Questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

44.      No processo C‑370/17, o tribunal de grande instance de Bobigny (Tribunal de Primeira Instância de Bobigny) submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o efeito associado ao certificado E 101 emitido, em conformidade com os artigos 11.o, n.o 1, e 12.o‑A, ponto 1‑A, do [Regulamento de aplicação n.o 574/72], pela instituição designada pela autoridade do Estado‑Membro cuja legislação de segurança social continua a ser aplicável à situação do trabalhador assalariado, ser mantido mesmo que o certificado E 101 tenha sido obtido na sequência de fraude ou de abuso de direito, definitivamente declarado por um órgão jurisdicional do Estado‑Membro onde o trabalhador assalariado exerce ou deve exercer a sua atividade?

2)      Em caso de resposta afirmativa a esta questão, a emissão de certificados E 101 obsta a que pessoas vítimas do prejuízo sofrido devido ao comportamento do empregador, autor da fraude, obtenham a respetiva reparação, sem que a inscrição dos trabalhadores assalariados nos regimes designados pelo certificado E 101 seja posta em causa pela ação fundada em responsabilidade intentada contra o empregador?»

45.      No processo C‑37/18, a Cour de cassation, chambre sociale (Tribunal de Cassação, Secção Social), submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão […] A‑Rosa Flussschiff […] ao artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento [n.o 1408/71] ser aplicável a um litígio relativo à infração de trabalho [não declarado], em que foram emitidos certificados E 101 nos termos do artigo 14.o, n.o 1, alínea a) [deste regulamento], em aplicação do artigo 11.o, n.o 1, do [Regulamento de aplicação n.o 574/72], quando a situação estava abrangida pelo artigo 14.o, n.o 2, alínea a), i), [do Regulamento n.o 1408/71], no que respeita aos trabalhadores assalariados que exercem a sua atividade no território do Estado‑Membro de que são nacionais e em que a empresa de transporte aéreo com sede noutro Estado‑Membro dispõe de uma sucursal, e a mera leitura do certificado E 101, que refere um aeroporto como local de atividade do trabalhador assalariado e uma empresa aérea como entidade patronal, permitia deduzir que este certificado tinha sido obtido de maneira fraudulenta?

2)      Em caso de resposta afirmativa, deve o princípio do primado do direito da União ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional, sujeito, por força do seu direito interno, à autoridade do caso julgado penal no âmbito civil, extraia consequências de uma decisão proferida por um tribunal penal que viola as regras do direito da União Europeia ao condenar civilmente uma entidade patronal no pagamento de indemnizações a um trabalhador assalariado apenas com fundamento na condenação penal desta entidade patronal por trabalho [não declarado]?»

46.      Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2018, os processos C‑370/17 e C‑37/18 foram apensados, em razão da sua conexão, para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

47.      A CRPNPAC, J.‑L. Poignant, a Vueling, os Governos francês e checo, a Irlanda e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas no Tribunal de Justiça. As mesmas partes e interessados, com exceção do Governo checo, fizeram‑se representar na audiência de alegações que se realizou em 29 de janeiro de 2019.

V.      Análise

A.      Observações preliminares

48.      Não é necessário recordar em detalhe a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao efeito vinculativo do certificado E 101 (15). Os seus pontos fundamentais são bem conhecidos: nem a instituição competente nem o juiz do Estado‑Membro de acolhimento podem desconsiderar, ou, a fortiori, anular, um certificado E 101 emitido, em nome de um trabalhador, pela instituição competente do Estado‑Membro de envio (16).

49.      Conforme referi na introdução das presentes conclusões, a receção desta jurisprudência pelos órgãos jurisdicionais franceses não foi isenta de controvérsia. O processo Vueling é emblemático a este respeito. O Acórdão proferido pela Cour de cassation, chambre sociale (Tribunal de Cassação, Secção Criminal), em 31 de março de 2014, pelo qual esse órgão jurisdicional confirmou a condenação da interessada por trabalho não declarado, foi, com o Acórdão proferido na mesma data contra a EasyJet num processo similar (17), algo que não passou despercebido. Por um lado, porque a Secção Criminal, nesses acórdãos, validou o entendimento dos juízes que tinha consistido em excluir os certificados E 101 apresentados por essas companhias aéreas, considerando‑os sem pertinência para caracterizar a infração em causa. Por outro, porque não submeteu ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial sobre este ponto.

50.      No entanto, a solução não era assim tão óbvia à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, tal como era naquela época. Com efeito, o elemento material desta infração penal consiste na falta de inscrição na segurança social nacional. Esta inscrição só pode ser imposta em conformidade com as regras de conflitos do Regulamento n.o 1408/71. A boa aplicação destas regras é, por conseguinte, uma questão prévia para caracterizar esta infração. Ora, segundo o Tribunal de Justiça, o certificado E 101 comprova não só a inscrição do trabalhador em causa no regime de segurança social do Estado‑Membro da instituição emissora, como também os elementos de facto e de direito em que se baseia (18). Por outras palavras, o referido certificado prova que esta inscrição respeita essas mesmas regras. Por conseguinte, não era de todo evidente que o juiz do Estado‑Membro de acolhimento, ainda que não se pronunciasse sobre a inscrição do trabalhador enquanto tal, mas sobre esta infração penal, pudesse negar qualquer pertinência ao certificado E 101 e apreciar ele próprio a aplicação do Regulamento n.o 1408/71.

51.      No contexto das discussões geradas pelos acórdãos da sua Secção Criminal) (19), a Cour de cassation (Tribunal de Cassação), chamada a pronunciar‑se de novo no âmbito de um processo de trabalho não declarado, decidiu, em tribunal pleno, submeter a questão prejudicial que deu origem ao Acórdão A‑Rosa Flussschiff. Com esta questão, convidava o Tribunal de Justiça a reconsiderar a sua jurisprudência relativa ao efeito vinculativo do certificado E 101, ou, pelo menos, a mitigá‑la em caso de erro manifesto. Recordo que, no referido acórdão, o Tribunal de Justiça reafirmou essa jurisprudência ao julgar que, mesmo perante tal erro manifesto, o juiz do Estado‑Membro de acolhimento está vinculado por este certificado (20).

52.      No entanto, o Tribunal de Justiça não se pronunciou, no Acórdão A‑Rosa Flussschiff, sobre a hipótese da fraude. Esta hipótese foi abordada no Acórdão Altun. Neste acórdão, proferido em Grande Secção, o Tribunal de Justiça admitiu, pelo menos como princípio, que o juiz do Estado‑Membro de acolhimento possa excluir um certificado E 101 se verificar que esse certificado foi obtido ou invocado de maneira fraudulenta.

53.      As duas questões no processo C‑370/17 e a primeira questão no processo C‑37/18 dão ao Tribunal de Justiça a oportunidade de precisar o alcance do Acórdão Altun. À luz das circunstâncias em causa nos processos principais, e atendendo às observações apresentadas no Tribunal de Justiça, são necessários, a meu ver, dois esclarecimentos.

54.      Por um lado, importa precisar o poder reconhecido ao juiz do Estado‑Membro de acolhimento de excluir um certificado E 101 obtido ou invocado de maneira fraudulenta. Explicarei por que razão, em meu entender, esse juiz é competente para excluir tal certificado sempre que dispuser de elementos que provem a fraude, e independentemente da condução do diálogo entre as instituições competentes previsto no artigo 84.o‑A, n.o 3, do Regulamento n.o 1408/71 (21) (secção B).

55.      Por outro lado, há que voltar ao conceito de «fraude», na aceção do direito da União e, neste âmbito, precisar de que forma se aplicam as regras de segurança social previstas pelo Regulamento n.o 1408/71 à tripulação das companhias aéreas que efetuam o transporte internacional. A meu ver, e sob reserva de apreciação pelos órgãos jurisdicionais de reenvio, circunstâncias como as que concorrem nos processos principais são suscetíveis de caracterizar tal fraude (secção C).

56.      Por último, relativamente à segunda questão no processo C‑37/18, explicarei por que razão, em meu entender, o direito da União se opõe a uma regra interna relativa à autoridade do caso julgado que obriga o juiz cível a aplicar uma decisão penal definitiva, quando está provado que esta decisão é incompatível com esse direito (secção D).

B.      Quanto à competência do juiz do EstadoMembro de acolhimento para excluir um certificado E 101 obtido ou invocado fraudulentamente

57.      O certificado E 101 tem por objetivo assegurar o respeito do princípio, enunciado no artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71, da unicidade da legislação aplicável a um trabalhador em matéria de segurança social. Este certificado visa evitar uma apreciação divergente desta legislação pelas instituições de diferentes Estados‑Membros e prevenir os conflitos de competência daí resultantes. O certificado E 101 contribui, assim, para garantir a segurança jurídica dos trabalhadores que se deslocam na União e, por extensão, a das suas entidades patronais. Nisso facilita a livre circulação dos trabalhadores e a livre prestação de serviços na União (22).

58.      Se as instituições do Estado‑Membro de acolhimento não estivessem, regra geral, vinculadas às menções do certificado E 101, esses objetivos estariam comprometidos. Ao reconhecer um efeito vinculativo ao referido certificado e ao consagrar a competência exclusiva da instituição emissora para o revogar, o Tribunal de Justiça pretendia prevenir as consequências que este documento visa precisamente evitar: decisões contrárias quanto à legislação aplicável a um determinado trabalhador e a dupla sujeição daí resultante (23).

59.      O princípio da cooperação leal, que figura no artigo 4.o, n.o 3, TUE, justifica, por outro lado, esta solução. Em conformidade com este princípio, as instituições competentes dos Estados‑Membros devem assistir‑se mutuamente na aplicação das regras de conflitos previstas no Regulamento n.o 1408/71. Daí resulta um conjunto de obrigações sinalagmáticas: a instituição emissora deve proceder a uma apreciação correta dos factos pertinentes para a aplicação destas regras e, portanto, garantir a exatidão das menções constantes do certificado E 101; as instituições do Estado‑Membro de acolhimento devem, dentro desse espírito de cooperação, reconhecer, em princípio, a validade deste certificado e, se houver dúvida acerca das suas menções, informar a instituição emissora. Neste caso, cabe a esta reconsiderar a justeza da emissão desse certificado, dentro do mesmo espírito de cooperação (24).

60.      O efeito vinculativo do certificado E 101 impõe‑se ainda à luz do princípio da confiança mútua (25). Este princípio impõe que cada Estado‑Membro tenha por adquirido que, em princípio, todos os restantes Estados‑Membros respeitam o direito da União (26). Em conformidade com o referido princípio, as instituições do Estado‑Membro de acolhimento devem, por conseguinte, presumir que a instituição emissora, ao emitir esse certificado, aplicou corretamente as regras de conflitos previstas no Regulamento n.o 1408/71.

61.      Assim sendo, conforme julgou o Tribunal de Justiça no Acórdão Altun, a jurisprudência relativa ao efeito vinculativo do certificado E 101 não pode permitir que os particulares se prevaleçam fraudulenta ou abusivamente das normas do direito da União (27).

62.      A este respeito, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça recordou que existe, no direito da União, um princípio geral de proibição da fraude e do abuso de direito, cujo respeito se impõe aos particulares. Com efeito, a aplicação da regulamentação da União não pode ser alargada com a finalidade de beneficiar fraudulenta ou abusivamente das vantagens previstas pelo direito da União (28).

63.      Ao abrigo desse princípio geral, o Tribunal de Justiça julgou, no referido acórdão, que um certificado E 101 fraudulento não pode ter o mesmo efeito vinculativo. Admitiu, em princípio, que o juiz do Estado‑Membro de acolhimento é competente para excluir um certificado E 101 e retirar as consequências, previstas no direito nacional, da violação das regras de segurança social aplicáveis, sempre que verificar, com base em elementos objetivos (29), e sob reserva de o interessado ter tido a possibilidade de refutar estes elementos, no respeito das garantias ligadas ao direito a um processo equitativo, que este certificado foi obtido ou invocado de maneira fraudulenta (30).

64.      O Tribunal de Justiça reconheceu, no entanto, essa competência ao juiz do Estado‑Membro de acolhimento num contexto um tanto ao quanto particular. A este respeito, no processo que deu origem ao Acórdão Altun, a instituição competente do Estado‑Membro de acolhimento, que verificou um determinado número de elementos indicativos de que os certificados E 101 tinham sido obtidos de maneira fraudulenta, dirigiram à instituição emissora um pedido fundamentado de reexame ou de revogação destes certificados. Esta instituição respondeu, após insistência e mais de um ano e meio após esse pedido, enviando um recapitulativo dos referidos certificados, indicando a sua validade, e precisando que as condições de destacamento estavam, no momento da emissão dos referidos certificados, preenchidas pelas diferentes entidades patronais em causa. Em contrapartida, não foram tidos em conta, na resposta, os elementos levados ao seu conhecimento pela primeira instituição (31). Nestas circunstâncias, o Tribunal de Justiça declarou que:

«[…] quando, no âmbito do diálogo previsto no artigo 84.o‑A, n.o 3, do Regulamento n.o 1408/71, a instituição do Estado‑Membro para o qual foram destacados trabalhadores comunica à instituição emissora [dos] certificados E 101 elementos concretos que levam a crer que esses certificados foram obtidos fraudulentamente, cabe à segunda instituição, nos termos do princípio da cooperação leal, reexaminar, à luz desses elementos, a justeza da emissão dos referidos certificados e, sendo caso disso, revogá‑los […]. Se esta última instituição se abstiver de proceder a tal reexame num prazo razoável, os referidos elementos devem poder ser invocados no âmbito de um processo judicial, para efeitos de obter por parte do juiz do Estado‑Membro para o qual os trabalhadores foram destacados que não tome em consideração os certificados em causa» (32).

65.      Ora, este trecho pode ser interpretado de duas formas. Por um lado, é possível considerar, como a Vueling, o Governo checo, a Irlanda e a Comissão, que, com esses termos, o Tribunal de Justiça quis subordinar a competência do juiz do Estado‑Membro de acolhimento de excluir um certificado E 101 obtido ou invocado de maneira fraudulenta à efetivação do diálogo entre as instituições competentes, conforme previsto no artigo 84.o‑A, n.o 3, do Regulamento n.o 1408/71. Mais especificamente, esse juiz só dispõe desta competência se estiverem preenchidos dois requisitos cumulativos, a saber (1) quando a instituição competente do Estado‑Membro de acolhimento tiver comunicado à instituição emissora elementos concretos que levam a crer que o certificado E 101 em causa foi obtido de maneira fraudulenta e (2) quando esta última instituição se abstiver de proceder a um reexame deste certificado, à luz desses elementos, num prazo razoável.

66.      Por outro lado, o referido trecho pode ser lido, conforme o fazem J.‑L. Poignant e a CRPNPAC, no sentido de que o Tribunal de Justiça não quis estabelecer quaisquer requisitos gerais, mas limitar‑se a dar uma resposta decalcada sobre as circunstâncias do caso em apreço, sem prever a competência do juiz do Estado‑Membro de acolhimento noutros processos.

67.      Recordo que, no que respeita ao referido diálogo entre instituições competentes, as circunstâncias em causa nos processos principais diferem sensivelmente das que deram origem ao Acórdão Altun (33). A questão de saber se, nestas circunstâncias, os órgãos jurisdicionais penais franceses podiam, e se os órgãos jurisdicionais de reenvio podem, excluir os certificados E 101 controvertidos dividiu assim as partes e os intervenientes no Tribunal de Justiça.

68.      A meu ver, o Acórdão Altun não pode ser interpretado no sentido de limitar a competência do juiz do Estado‑Membro de acolhimento, quando dispõe de elementos objetivos que permitam verificar a fraude, de excluir um certificado E 101. As considerações relativas ao diálogo entre instituições competentes, previsto no artigo 84.o‑A, n.o 3, do Regulamento n.o 1408/71, que figuram nesse acórdão não podem considerar‑se como sendo requisitos dessa competência (1). Caso o entendimento do Tribunal de Justiça seja outro, explicarei as razões pelas quais, em todo o caso, esses requisitos devem ser considerados preenchidos em circunstâncias como as dos processos principais (2).

1.      Quanto à falta de incidência do diálogo entre instituições competentes sobre o poder do juiz do EstadoMembro de acolhimento para excluir um certificado E 101 obtido ou invocado de maneira fraudulenta

69.      A interpretação que proponho resulta, a meu ver, de uma correta aplicação do princípio geral do direito da União da proibição de práticas fraudulentas ou abusivas (a). Uma restrição à competência do juiz do Estado‑Membro de acolhimento para excluir um certificado E 101 obtido ou invocado de maneira fraudulenta não pode ser justificada por nenhuma das razões que, normalmente, subjazem ao efeito vinculativo desse certificado [(b) a (d)]. A título exaustivo, esta interpretação é confirmada, no processo C‑37/18, por considerações atinentes à proteção efetiva de que um trabalhador deve poder beneficiar em caso de fraude cometida pela sua entidade patronal (e). Por último, a referida interpretação não compromete, em meu entender, o sistema baseado neste certificado (f).

a)      Quanto ao princípio geral da proibição de práticas fraudulentas ou abusivas

70.      A interpretação segundo a qual o juiz do Estado‑Membro de acolhimento é competente para excluir um certificado E 101 quando verifica, com base em elementos objetivos, que esse certificado foi obtido ou invocado de maneira fraudulenta é, em meu entender, uma consequência direta e necessária do princípio segundo o qual os particulares não podem, de maneira fraudulenta ou abusiva, invocar as normas do direito da União.

71.      Com efeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça relativa a esse princípio geral, a fraude ou o abuso de direito da União, quando se prova através de elementos objetivos, implica a negação ao interessado do direito ou da vantagem pretendida ‑ que, aliás, não é mais do que a simples consequência da constatação de que, em caso de fraude ou de abuso de direito, as condições objetivas para a obtenção do referido direito ou vantagem não estão, na realidade, satisfeitas (34).

72.      O Tribunal de Justiça reafirmou veementemente esta solução nos seus recentes Acórdãos N Luxembourg 1 e o. (35) e T Danmark e Y Denmark (36), proferidos em Grande Secção. Confirmou ainda, nestes acórdãos, que um juiz nacional confrontado com o uso abusivo ou fraudulento das disposições do direito da União tem, ao abrigo desse direito, não uma simples faculdade, mas o dever de recusar ao interessado o benefício dessas disposições (37).

73.      Portanto, ao abrigo do princípio geral em causa, o juiz do Estado‑Membro de acolhimento, quando dispõe de elementos que provam que um certificado E 101 foi obtido ou invocado de maneira fraudulenta, não só é competente para recusar esse certificado, como ainda tem o dever de o fazer.

74.      A condução do diálogo entre a instituição competente do Estado‑Membro de acolhimento e a instituição emissora, relativamente à validade de um certificado E 101, com fundamento no artigo 84.o‑A, n.o 3, do Regulamento n.o 1408/71, não pode, na minha opinião, ter incidência sobre a competência do juiz do primeiro Estado‑Membro, em circunstâncias como as referidas no número anterior, para excluir o certificado em questão (38).

75.      A este respeito, observo que, em conformidade com a leitura do Acórdão Altun sugerida pela Vueling, pelo Governo checo, pela Irlanda, e pela Comissão, resumida no n.o 65 das presentes conclusões, se a instituição competente do Estado‑Membro de acolhimento não submeter um pedido de reexame do certificado E 101 à instituição emissora, se não tiver decorrido um prazo razoável desde esse pedido ou ainda se esta instituição tiver respondido, no referido prazo, afirmando que, à luz dos elementos comunicados, em seu entender, não houve fraude, o juiz do Estado‑Membro de acolhimento não pode excluir o certificado em questão, ainda que disponha de elementos objetivos que provem essa fraude.

76.      Ora, a meu ver, tal resultado é incompatível com o princípio geral acima referido e equivale a tolerar o inaceitável numa União de direito: por um lado, um particular poderia tirar proveito do seu comportamento fraudulento; por outro, um juiz deveria tolerar, ou mesmo caucionar, a fraude (39).

77.      Devo sublinhar que a fraude causa uma perturbação fundamental à ordem pública, quer seja a do Estado‑Membro de acolhimento quer seja a da União, as quais se confundem, a meu ver, em caso de fraude em matéria de segurança social (40). Compete aos juízes nacionais, enquanto órgãos jurisdicionais da União guardiões desta ordem pública, fazer cessar, oficiosamente, essa perturbação. Esta competência não deve sofrer nenhuma restrição e, de resto, nenhuma das razões subjacentes, normalmente, ao efeito vinculativo do certificado E 101 o justifica.

b)      Quanto ao princípio da cooperação leal

78.      Em primeiro lugar, o princípio da cooperação leal, tal como concretizado no artigo 84.o‑A, n.o 3, do Regulamento n.o 1408/71, não pode servir de fundamento para tal violação da proibição das práticas fraudulentas ou abusivas.

79.      É certo que as instituições dos Estados‑Membros devem cooperar na aplicação do Regulamento n.o 1408/71. O princípio da cooperação leal impõe, portanto, que a instituição competente do Estado‑Membro de acolhimento se dirija à instituição emissora quando dispõe de elementos comprovativos da existência de uma fraude ao certificado E 101, a fim de permitir a esta última instituição reconsiderar a justeza da emissão desse certificado e revogá‑lo ou anulá‑lo (41).

80.      A instituição competente do Estado‑Membro de acolhimento não pode, por conseguinte, eximir‑se do diálogo com a instituição emissora, mesmo em caso de fraude (42). Tal violação do dever de cooperação leal, em especial, se se provasse que é sistemática, poderia nomeadamente ser sancionada no âmbito de uma ação por incumprimento.

81.      Todavia, essa necessária cooperação não pode, a meu ver, servir de fundamento para que se limite a competência do juiz do Estado‑Membro de acolhimento de declarar uma fraude ao certificado E 101. Independentemente da condução do diálogo entre instituições competentes previsto no artigo 84.o‑A, n.o 3, do Regulamento n.o 1408/71, esse juiz deve poder excluir um certificado E 101 quando dispõe de elementos que provam que esse certificado foi obtido ou invocado de maneira fraudulenta, e isto, quer tenha sido chamado a pronunciar‑se pela instituição competente desse Estado‑Membro, quer tenha que se pronunciar sobre um pedido de indemnização apresentado por terceiros interessados, tais como os trabalhadores vítimas dessa fraude, ou ainda que, perante ele um particular tenha invocado o referido certificado com parte demandante.

82.      Com efeito, não se pode, com o único intuito de exortar à cooperação entre instituições, impedir o juiz de agir contra a fraude em matéria de segurança social. A este respeito, uma luta eficaz contra esta fraude constitui um imperativo essencial. Ao nível dos Estados‑Membros, a fraude relacionada com a emissão dos certificados E 101 representa uma ameaça para a coerência e o equilíbrio financeiro dos regimes de segurança social desses Estados e, à escala da União, esta fraude é de natureza a prejudicar a coesão económica e o bom funcionamento do mercado interno, falseando as condições de concorrência (43).

83.      Ora, embora uma cooperação estreita e eficaz entre as instituições competentes seja, é certo, um fator essencial em qualquer ação de combate à fraude (44), essa cooperação não dispõe, porém, no estado atual do direito da União, de um quadro vinculativo que lhe permita funcionar sempre de forma bastante célere e eficaz nesta matéria (45). Com efeito, recordo que o direito da União não prevê, por enquanto, nenhum procedimento de emissão ou reapreciação dos certificados E 101, que se regem pelo direito nacional de cada Estado‑Membro, e qualquer prazo imperativo para as comunicações entre instituições competentes (46).

84.      Além disso, em caso de discordância entre as instituições competentes, o recurso ao procedimento de conciliação perante a Comissão Administrativa é igualmente suscetível de prolongar o prazo antes de qualquer sanção. De resto, as decisões da Comissão Administrativa não têm efeito jurídico vinculativo (47). Restringir a luta contra a fraude a esta única cooperação equivaleria a que, de facto, esta luta não fosse desenvolvida com toda a celeridade necessária.

85.      Neste contexto, não sugiro opor o unilateralismo de ações perante o juiz do Estado‑Membro de acolhimento à cooperação leal entre instituições competentes. Em meu entender, esses dois meios de ação devem na realidade coexistir, uma vez que se completam. É, aliás, o espírito da Diretiva 2014/67/EU, respeitante à execução da Diretiva 96/71/CE relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços e que altera o Regulamento (UE) n.o ° 1024/2012 relativo à cooperação administrativa através do Sistema de Informação do Mercado Interno (48).

86.      Com efeito, o diálogo entre instituições competentes, que ocorre a montante da apreciação do juiz do Estado‑Membro de acolhimento, pode permitir dissipar eventuais dúvidas sobre as circunstâncias factuais do caso em causa, especialmente quando a verificação da fraude necessita de diligências no Estado‑Membro em que foi emitido o certificado (49). Além disso, no caso de a instituição emissora proceder à anulação ou à revogação do certificado E 101 na sequência de um pedido da instituição competente do Estado‑Membro de acolhimento, o recurso ao órgão jurisdicional deste Estado‑Membro poderia afigurar‑se supérfluo. O diálogo entre instituições competentes pode assim permitir uma economia processual (50). Mesmo após uma condenação pelo juiz do Estado‑Membro de acolhimento, este diálogo permanece essencial. Em especial, a anulação de um certificado E 101, válida para toda a União, só pode ser declarada pela instituição emissora (51), podendo apenas o juiz do Estado‑Membro de acolhimento excluir o certificado no âmbito do processo que lhe foi submetido. Além disso, o referido diálogo permite assegurar a resolução das consequências financeiras da fraude e evitar que os trabalhadores sofram prejuízos no exercício do seu direito à segurança social (52).

c)      Quanto ao princípio da confiança mútua

87.      Em segundo lugar, o princípio da confiança mútua não requer, a meu ver, uma interpretação diferente da que proponho. Antes de mais, há que salientar que, ao declarar que um certificado E 101 foi obtido de maneira fraudulenta, o juiz do Estado‑Membro de acolhimento não põe em causa o respeito do direito da União pela instituição que o emitiu. Tal declaração de fraude não implica um incumprimento do direito da União que lhe seja imputável, mas simplesmente que foi enganada pelas manobras fraudulentas da entidade patronal.

88.      Além disso, na hipótese de a instituição emissora, no âmbito do seu diálogo, ter procedido, a pedido da instituição competente do Estado‑Membro de acolhimento, ao reexame de um certificado E 101 e decidido mantê‑lo, alegando que, em seu entender, esse certificado não foi obtido ou invocado de maneira fraudulenta, o princípio da confiança mútua impõe, é certo, ao juiz do Estado‑Membro de acolhimento ter devidamente em conta esta resposta e os eventuais elementos invocados por essa instituição em seu apoio. No entanto, o referido princípio não pode obrigar esse juiz a sentir‑se vinculado por essa resposta, quando dispõe, por outro lado, de elementos que provam a fraude.

89.      Sobre este ponto, não se pode raciocinar por analogia com os instrumentos do direito da União em matéria civil e penal, impondo aos órgãos jurisdicionais nacionais que reconheçam ou executem determinados documentos provenientes de outros Estados‑Membros sem poder, em princípio, pôr em causa a sua justeza. Com efeito, esses instrumentos inscrevem‑se no âmbito de uma cooperação entre autoridades judiciárias, e este elemento justifica o elevado grau de confiança subjacente ao sistema de reconhecimento e de execução previsto por esses instrumentos (53). O mesmo grau de confiança não pode ser exigido de um juiz relativamente a um entendimento expressado por uma autoridade administrativa de outro Estado‑Membro. Por outras palavras, o princípio da confiança mútua não pode servir de fundamento para que a instituição emissora disponha de uma espécie de «direito de veto» sobre a competência do juiz do Estado‑Membro de acolhimento de excluir um certificado E 101 obtido ou invocado de maneira fraudulenta.

90.      Em todo o caso, recordo, por último, que o princípio da confiança mútua estabelece uma presunção de respeito do direito da União, sem dúvida forte, mas não inilidível. Esta presunção pode, pelo contrário, ser elidida em «circunstâncias excecionais» (54). Em meu entender, a prova de uma fraude constitui uma dessas circunstâncias.

d)      Quanto aos princípios da unicidade da inscrição e da segurança jurídica

91.      Em terceiro lugar, o princípio da unicidade da inscrição (55) também não sugere uma interpretação diferente. É certo que, como sublinha a Vueling, nos processos principais, a declaração da fraude e a exclusão dos certificados E 101 controvertidos teriam, nomeadamente, por consequência a sua condenação no pagamento à CRPNPAC de uma indemnização equivalente a uma parte das contribuições não pagas em França, apesar de a instituição emissora recusar atualmente a devolver as contribuições já pagas em Espanha, o que equivaleria, de facto, a impor uma dupla contribuição para a mesma atividade.

92.      Todavia, essas consequências não são prejudiciais para os trabalhadores em causa, mas sim para a entidade patronal fraudadora. Ora, esta assume o risco de sofrer tais consequências ao perturbar, com a sua fraude, o funcionamento das regras do Regulamento n.o 1408/71. Essas consequências são, além disso, suscetíveis de ter um efeito dissuasivo contra a fraude (56).

93.      Em quarto lugar, quanto ao princípio da segurança jurídica, basta recordar que uma pessoa que criou artificialmente ou contornou as condições referentes à obtenção de um benefício resultante do direito da União não pode invocar esse princípio para se opor à perda do benefício em causa em aplicação do princípio da proibição de práticas fraudulentas ou abusivas (57).

e)      Direito a uma tutela jurisdicional efetiva

94.      Em quinto lugar e a título exaustivo, no processo C‑37/18, a interpretação que sugiro é apoiada por considerações respeitantes à tutela jurisdicional efetiva de que deve poder beneficiar um trabalhador como J.‑L. Poignant no caso de fraude por parte da sua entidade patronal.

95.      A este respeito, ao cometer uma fraude através de um certificado E 101, a entidade patronal priva o trabalhador em causa das contribuições para o regime de segurança social no qual este deveria estar inscrito, nos termos das regras de conflitos estabelecidas pelo legislador da União no Regulamento n.o 1408/71. Se esta legislação for mais favorável do que a legislação a que foi sujeito o trabalhador pelas manobras fraudulentas da entidade patronal, resulta para o primeiro um prejuízo que deve ser indemnizado. Seria, a meu ver, um curioso revés que a jurisprudência relativa ao efeito vinculativo do certificado E 101, adotada pelo Tribunal de Justiça, designadamente, com vista a proteger o direito à livre circulação dos trabalhadores, possa restringir a possibilidade de pedir judicialmente tal indemnização.

96.      Além desta consideração, saliento que um trabalhador não tem o poder de encetar um diálogo entre instituições competentes, ao abrigo do artigo 84.o‑A, n.o 3, do Regulamento n.o 1408/71, ou de fazer com que esse diálogo seja encetado. Assim, se, no âmbito dessa ação de indemnização, a competência do tribunal do Estado‑Membro de acolhimento de excluir um certificado E 101, que foi comprovadamente obtido de maneira fraudulenta, devesse depender da condução do referido diálogo, tal equivaleria a condicionar o acesso ao tribunal por parte desse trabalhador por exigências sobre as quais não tem qualquer domínio. Este resultado é, a meu ver, dificilmente compatível com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, conforme previsto no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

97.      É certo que a Comissão alegou na audiência, em resposta a uma pergunta do Tribunal de Justiça, que o trabalhador poderia intentar uma ação nos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de envio (seja o da instituição emissora e aquele onde se situa, em princípio, a sede da entidade patronal) que seriam plenamente competentes para excluir ou invalidar o certificado E 101.

98.      A este respeito, admito que, de modo geral, o direito a uma tutela jurisdicional efetiva não garante a um particular a faculdade de apresentar o seu pedido no órgão jurisdicional da sua escolha. O que importa, em princípio, é que haja algures um foro, que oferece as garantias associadas ao direito a um processo equitativo, perante o qual esse particular possa intentar a sua ação (58).

99.      Todavia, considero que um trabalhador, enquanto parte fraca na relação laboral, deve beneficiar de um acesso facilitado ao juiz, para invocar os seus direitos contra a sua entidade patronal. Esta consideração integra‑se, em meu entender, nas exigências impostas pelo direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva.

100. Sobre este ponto, o artigo 21.o do Regulamento Bruxelas I A (59) é um referencial pertinente. Em conformidade com esta disposição, o trabalhador tem, é certo, a escolha de demandar a sua entidade patronal nos tribunais do Estado‑Membro em que esta tiver a sua sede. Todavia, o legislador da União permitiu ao trabalhador, acima de tudo, propor a sua ação no tribunal do lugar em que presta habitualmente o seu trabalho, sendo este foro considerado idóneo, tanto em termos de proximidade com o litígio como à luz do imperativo de proteção do trabalhador (60).

101. Alargar a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o efeito vinculativo do certificado E 101 a tal contexto equivaleria, na prática, a privar o trabalhador do foro que melhor pode decidir do litígio e proteger os seus interesses e que, além disso, me parece ser o único foro «realista» em caso de fraude ao certificado E 101. Com efeito, é provável que o desconhecimento da língua, e do direito local, bem como o afastamento relativamente ao seu domicílio façam com que o trabalhador renuncie ao exercício dos seus direitos nos tribunais do Estado‑Membro de envio (61).

f)      Quanto aos limites da interpretação que proponho

102. Quero, finalmente, sublinhar os limites da interpretação que proponho. Não se trata de reconhecer um poder geral de impugnar o certificado E 101 no Estado‑Membro de acolhimento. Por um lado, só o juiz desse Estado poderá excluí‑lo (62). Por outro lado, mesmo perante esse juiz, a presunção de regularidade da inscrição estabelecida por este certificado não desaparece. De inilidível, passa a ser simplesmente mista: pode ser elidida pela prova de uma fraude, na aceção não do direito nacional, mas do direito da União, e cuja definição é estrita. Por último, conforme indiquei ao longo desta secção, o certificado E 101 poderá ser excluído com base não em meras suspeitas de fraude, mas em elementos de prova desta, que devem ser carreados pelos particulares que invocam a existência da fraude.

103. Quanto ao risco de protecionismo, por vezes evocado na doutrina, que implicaria tal solução, limitar‑me‑ei a sublinhar que os Estados‑Membros devem ter uma confiança mútua nos seus órgãos jurisdicionais, que cumprem, em colaboração com o Tribunal de Justiça, uma função que lhes é atribuída em comum, com vista a assegurar o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados. Um juiz nacional não pode, assim, ser objeto de tais suspeitas de protecionismo, pressupondo a sua independência o respeito da objetividade e a inexistência de qualquer interesse na resolução do litígio que não seja a estrita aplicação da regra de direito. O Tribunal de Justiça zela, aliás, ativamente pelo respeito desta independência (63). Além disso, poderá fiscalizar, no âmbito do mecanismo do reenvio prejudicial, a bom uso da exceção de fraude (64).

g)      Conclusão intercalar

104. O conjunto das considerações precedentes leva‑me, por conseguinte, à conclusão de que o juiz do Estado‑Membro de acolhimento é competente para excluir um certificado E 101 obtido ou invocado de maneira fraudulenta. A condução do diálogo entre instituições competentes, previsto no artigo 84.o‑A, n.o 3, do Regulamento n.o 1408/71, não tem incidência sobre esta competência. Quer o referido diálogo não tenha ainda sido encetado pela instituição desse Estado ou esteja em curso, quer a instituição emissora não partilhe do entendimento da primeira instituição, esse juiz deve excluir este certificado, quando disponha de elementos comprovativos da fraude. O Acórdão Altun não pode, em meu entender, ser interpretado no sentido de que estabelece requisitos contrários a esta interpretação.

2.      A título subsidiário: quanto à aplicação dos requisitos relativos à condução do diálogo entre instituições competentes em circunstâncias como as dos processos principais

105. Recordo que, segundo a leitura do Acórdão Altun sugerida, nomeadamente, pela Vueling, pelo Governo checo, pela Irlanda, e pela Comissão, o juiz do Estado‑Membro de acolhimento é competente para excluir um certificado E 101 em caso de fraude desde que as autoridades do Estado‑Membro de acolhimento tenham comunicado à instituição emissora elementos concretos que levam a crer que esse certificado foi obtido de maneira fraudulenta e que esta última instituição se tenha abstido de proceder a um reexame do referido certificado, à luz desses elementos, num prazo razoável.

106. Segundo eles, estes requisitos não estão preenchidos no presente caso. As autoridades francesas deviam ter interrogado a instituição emissora em maio de 2008, após o auto ter sido levantado pela inspeção do trabalho. Ora, só o fizeram posteriormente à condenação da Vueling, em sede penal, pela cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris), em 31 de janeiro de 2012 (65). Segundo esta companhia, o facto de as autoridades francesas terem posteriormente comunicado com essa instituição é irrelevante. A Comissão acrescenta que, uma vez que a referida instituição tomou uma decisão que previa a manutenção dos certificados E 101 controvertidos (66), o procedimento de cooperação deveria prosseguir sob a forma de uma tentativa de conciliação perante a Comissão Administrativa.

107. Em meu entender, por um lado, o juiz do Estado‑Membro de acolhimento não pode ser privado da sua competência de excluir um certificado E 101 obtido ou invocado de maneira fraudulenta só pelo facto de ter sido chamado a pronunciar‑se antes que o diálogo tenha sido iniciado pela instituição competente do Estado‑Membro de acolhimento, em conformidade com o artigo 84.o‑A, n.o 3, do Regulamento n.o 1408/71. Tal interpretação impõe‑se, quando mais não seja porque uma ação, penal ou cível, pode ser instaurada por um particular, como J.‑L. Poignant, que não tem nenhum controlo sobre o início do diálogo entre instituições competentes nem conhecimento da sua condução. Como sustenta o Governo francês, a fim de permitir à instituição emissora, em conformidade com o princípio da cooperação leal, pronunciar‑se e, se for o caso, proceder à revogação do certificado E 101, é necessário e suficiente que este diálogo tenha lugar antes de o juiz do EstadoMembro de acolhimento se pronunciar definitivamente.

108. Por outro lado, relativamente ao desfecho do diálogo, compreendo da leitura do Acórdão Altun sugerida pela Vueling, pelo Governo checo, pela Irlanda e pela Comissão que o juiz do Estado‑Membro de acolhimento é competente para excluir um certificado E 101 obtido ou invocado de maneira fraudulenta quer quando a instituição emissora não tenha reexaminado a justeza do certificado em causa e tomado, num prazo razoável, uma decisão que preveja a sua manutenção ou revogação, quer quando esta instituição tenha tomado tal decisão no referido prazo, mas não tenha discutido expressamente, na fundamentação dessa decisão, os elementos comunicados pela instituição competente do Estado‑Membro de acolhimento (67).

109. Ora, no caso vertente, por um lado, a instituição emissora tomou uma primeira decisão relativa aos certificados E 101 controvertidos dois anos após o pedido inicial das autoridades francesas, sendo que a sua decisão definitiva foi tomada mais de dois anos e meio após esse  pedido (68). Estas decisões não foram manifestamente tomadas num prazo  razoável (69). Por outro lado, a instituição emissora não discutiu, na fundamentação dessa decisão final, os elementos apresentados pelas autoridades francesas referentes à fraude, a saber, nomeadamente, as falsas declarações de residência (70).

110. Entendo, por conseguinte, que, em circunstâncias como as dos processos principais, os (eventuais) requisitos relativos ao diálogo entre instituições competentes devem ser considerados preenchidos.

C.      Quanto ao conceito de «fraude», na aceção do direito da União

111. As questões prejudiciais formuladas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio assentam na premissa de que a Vueling cometeu uma fraude, definitivamente declarada pelo juiz penal francês.

112. No entanto, por um lado, esta premissa baseia‑se no conceito de fraude tal como entendido no direito francês. Neste quadro, a fraude é caracterizada pela violação intencional desse direito. Ora, no Acórdão Altun, o Tribunal de Justiça entendeu dar à fraude em matéria de segurança social uma aceção autónoma. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que a conclusão pela existência de uma fraude assenta num conjunto de indícios concordantes que determinam a reunião de um elemento objetivo e de um elemento subjetivo. O elemento objetivo consiste no facto de as condições exigidas para efeitos da obtenção e da invocação de um certificado E 101, previstas no título II do Regulamento n.o 1408/71, não estarem preenchidas. O elemento subjetivo corresponde, por sua vez, à intenção dos interessados de contornar ou de eludir as condições de emissão do referido certificado com vista a obter a vantagem que lhe está associada (71).

113. Por outro lado, a premissa de uma fraude, na aceção do direito da União, é posta em causa no Tribunal de Justiça. A Vueling sustenta que não se verifica em nenhum dos seus elementos. O Governo checo é igualmente dessa opinião, enquanto a Comissão emite reservas a este respeito. Só J.‑L. Poignant, a CRPNPAC e o Governo francês consideram que foi incontestável (e definitivamente) provada uma fraude no caso em apreço.

114. Nestas condições, há que, a meu ver, fornecer todos os elementos de interpretação úteis referentes ao conceito de «fraude», na aceção do direito da União, quando mais não seja para permitir aos órgãos jurisdicionais de reenvio verificar se se encontram preenchidos os elementos deste conceito nos presentes processos. Além disso, estas precisões impõem‑se por razões de segurança jurídica, a fim de evitar as divergências de apreciação e as decisões contraditórias nos Estados‑Membros relativamente ao que constitui uma prática fraudulenta em matéria de segurança social.

115. Consequentemente, debruçar‑me‑ei sobre a interpretação dos elementos objetivo (2) e subjetivo (3) da fraude, à luz das circunstâncias em causa nos processos principais. Considero, no entanto, útil dar, a título preliminar, algumas explicações que permitem, a meu ver, compreender melhor o contexto geral em que se inscrevem os presentes processos (1).

1.      Quanto à estrutura organizacional adotada pelas companhias aéreas low cost e à reação dos legisladores francês e da União

116. Conforme os estudos que pude consultar, as companhias aéreas «históricas» são tradicionalmente organizadas segundo um modelo de transporte dito «hubandspoke». A este título, dispõem de uma base operacional (por vezes de várias), ou seja, um aeroporto pivô (hub) em torno do qual se organizam os destinos (spokes) e onde são também efetuadas as correspondências entre esses destinos. Esta base operacional concentra, nomeadamente, a sede da companhia e o parque das aeronaves e constitui a «base [de afetação]» (72) da tripulação, ou seja, o aeroporto a partir do qual esse pessoal recebe os seus planos de voo, inicia as suas tarefas e volta após a conclusão das mesmas. Em contrapartida, os destinos constituem meras escalas.

117. As companhias aéreas lowcost, por sua vez, adotaram progressivamente um outro modelo, dito «pointtopoint». Embora, em geral, disponham sempre de uma base operacional principal que serve de hub, estas companhias asseguram essencialmente ligações relativamente curtas entre dois destinos que permitem múltiplas rotações de aeronaves a um ritmo acelerado. O objetivo de facilitar ao máximo estas rotações incitou essas companhias a afetar de forma prolongada pessoal e equipamento junto dos aeroportos onde operam e, neste quadro, a constituir novas bases que ganham progressivamente importância no plano logístico e humano.

118. Neste contexto, certas companhias low cost desenvolveram uma prática que consiste em recrutar trabalhadores que são, por elas e de forma duradoura, afetos às bases operacionais secundárias situadas no território de outros Estados‑Membros, aplicando‑lhes o direito laboral e o direito da segurança social do Estado‑Membro da respetiva base operacional principal, com exclusão das normas e das contribuições previstas nos Estados‑Membros onde se situam essas bases secundárias. Para o efeito, essas mesmas companhias recorreram, nomeadamente, à figura do destacamento de trabalhadores, alegando que a presença destes em Estados‑Membros diferentes do da base operacional principal se encontra abrangida pela liberdade de prestação de serviços (73).

119. O legislador francês quis combater essa prática, especificando o que constitui, para uma companhia aérea, um estabelecimento estável, de acordo com uma definição próxima da que foi dada a este conceito na jurisprudência do Tribunal de Justiça, a fim de justificar a aplicação do direito francês ao abrigo do artigo L. 1262‑3 do Code du travail (Código do Trabalho) (74). Para o efeito, foi adotado o artigo R. 330‑2‑1 do Code de l'aviation civile (Código da Aviação Civil), que precisa que o referido artigo L. 1262‑3 é aplicável às empresas de transporte aéreo com «bases operacionais» situadas no território francês, sendo tal «base» definida como «um conjunto de instalações ou de infraestruturas a partir das quais uma empresa exerce de forma estável, habitual e contínua uma atividade de transporte aéreo com trabalhadores assalariados que nelas têm o centro efetivo da sua atividade profissional» (75). No caso vertente, a Cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) fundamentou o seu Acórdão de 31 de janeiro de 2012, que condena penalmente a Vueling, ao abrigo dessas disposições. Esse órgão jurisdicional excluiu a aplicação das regras do destacamento, uma vez que esta companhia dispunha, em Roissy, de tal «base» (76).

120. O legislador da União também registou a prática em causa. A este respeito, há que recordar que, enquanto o Regulamento n.o 1408/71 prevê, no seu artigo 14.o, n.o 2, alínea a), regras especiais para a tripulação das companhias aéreas — que são aplicáveis ratione temporis nos presentes processos e sobre as quais voltarei infra —, o legislador da União não retomou, na versão inicial do Regulamento n.o 883/2004, essas regras especiais por motivos de simplificação. A situação da tripulação devia, portanto, ser apreciada à luz das regras gerais relativas aos trabalhadores empregados em dois ou mais Estados‑Membros, as quais, aplicadas à tripulação, tendiam a designar, a maior parte das vezes, a lei da sede da entidade patronal. No entanto, aproveitou a adoção do Regulamento (UE) n.o 465/2012 (77) para introduzir no Regulamento n.o 883/2004 uma nova regra especial, sob a forma de uma ficção jurídica, nos termos da qual a atividade da tripulação é considerada exercida apenas no EstadoMembro da sua base [de afetação], implicando assim essa ficção a aplicação da lei deste Estado ao abrigo da lex loci laboris (78). Por outras palavras, a «base [de afetação]» tornou‑se o critério de conexão em matéria de segurança social para a tripulação das companhias aéreas.

2.      Quanto ao elemento objetivo da fraude

121. Recordo que o elemento objetivo da fraude reside no facto de as condições exigidas para efeitos de obtenção e invocação de um certificado E 101 não estarem preenchidas.

122. No caso em apreço, há que esclarecer desde já um ponto, relativo ao fundamento jurídico com base no qual os certificados E 101 controvertidos foram emitidos pelas autoridades espanholas. Com efeito, este certificado apenas pode, em todo o caso, comprovar o respeito das condições previstas pela disposição ao abrigo da qual foi emitido (79).

123. A este respeito, a Cour de cassation, chambre sociale (Tribunal de Cassação, Secção Social), refere na sua decisão de reenvio e na sua primeira questão no processo C‑37/18 que esses certificados foram emitidos ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 e do artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento de aplicação n.o 574/72, isto é, de regras aplicáveis ao destacamento de trabalhadores.

124. Em contrapartida, o tribunal de grande instance de Bobigny (Tribunal de Primeira Instância de Bobigny) dá a entender, na decisão de reenvio no processo C‑370/17, que os referidos certificados foram, na realidade, emitidos ao abrigo do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 e do artigo 12.o‑A, ponto 1‑A, do Regulamento de aplicação n.o 574/72, ou seja, as regras aplicáveis à equipagem ou à tripulação das empresas de transporte internacional. A primeira questão desse órgão jurisdicional mantém a dúvida, indicando que esses mesmos certificados foram emitidos «em conformidade» com as disposições conjugadas dos artigos 11.o, n.o 1, e 12.o‑A, ponto 1‑A, do Regulamento de aplicação n.o 574/72, ou seja, ao abrigo tanto das regras do destacamento como das regras aplicáveis à equipagem ou à tripulação.

125. Na realidade, conforme resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe e foi indicado pela Cour de cassation, chambre sociale (Tribunal de Cassação, Secção Social), os certificados E 101 controvertidos foram, efetivamente, pedidos pela Vueling e emitidos pela instituição emissora com fundamento (apenas) nas regras aplicáveis ao destacamento de trabalhadores. Procederei, portanto, com base nesta premissa nas presentes conclusões. Cabe ao tribunal de grande instance de Bobigny (Tribunal de Primeira Instância de Bobigny), único competente para apreciar os factos, verificá‑lo por si mesmo (80).

126. Após esta precisão, explicarei por que razão os certificados E 101 não podiam ser validamente emitidos com fundamento nas regras aplicáveis ao destacamento de trabalhadores em circunstâncias como as dos processos principais (a). Explicarei, em seguida, por que razão os trabalhadores em causa também não podiam ter sido abrangidos pela legislação da sede da entidade patronal ao abrigo das regras aplicáveis à equipagem ou à tripulação (b).

a)      Quanto à inaplicabilidade do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 à tripulação das companhias aéreas internacionais que efetuam transporte internacional

127. A Vueling alega que as regras relativas ao destacamento de trabalhadores previstas no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 e no artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento de aplicação n.o 574/72 podiam ser aplicadas à tripulação de uma companhia aérea que efetue, como ela, transporte internacional de passageiros.

128. Todavia, a meu ver, conforme alegou o representante de J.‑L. Poignant e da CRPNPAC na audiência, a tripulação dessa companhia aérea está abrangida pelo artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 e não pode ser «destacada» para um Estado‑Membro ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento.

129. Esta interpretação decorre, em primeiro lugar, da economia do Regulamento n.o 1408/71. As regras do destacamento e as regras aplicáveis à equipagem ou à tripulação das empresas de transporte internacional constituem, como indica o cabeçalho do artigo 14.o desse regulamento, duas exceções ao princípio da lex loci laboris previsto no artigo 13.o, n.o 2, alínea a), do referido regulamento. A estrutura do artigo 14.o e a sua relação com o artigo 13.o sublinham que a primeira exceção não se destina a ser invocada para derrogar a segunda exceção.

130. A referida interpretação impõe‑se, em seguida, atendendo a própria redação das disposições pertinentes do Regulamento n.o 1408/71, lido à luz do contexto geral em que essas disposições se inscrevem. Recordo que o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento visa «a pessoa que exerça uma atividade assalariada no território de um EstadoMembro […] e que seja destacada […] para o território de outro EstadoMembro». Pelo contrário, o artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do referido regulamento visa a situação de trabalhadores que se presume exercerem uma atividade assalariada, como indica o cabeçalho deste número, «no território de dois ou mais EstadosMembros» (81).

131. A este respeito, embora o conceito de «destacamento», na aceção do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71, não esteja definido neste regulamento, as condições previstas por esta disposição traduzem a ideia de um trabalhador sedentário, que exerce habitualmente a sua atividade num Estado‑Membro, enviado temporariamente para outro Estado‑Membro e que, no final, regressa ao primeiro Estado‑Membro. Ora, a tripulação de uma companhia aérea, a bordo de aviões que fazem voos internacionais, não pode incluir‑se nesse esquema, por falta de conexão com o território de um EstadoMembro em que o trabalho é habitualmente efetuado. Para esse pessoal navegante, móvel por hipótese, o exercício de atividades em vários EstadosMembros constitui um aspeto normal das modalidades de trabalho (82). Este contexto justifica que o legislador da União tenha previsto, no referido regulamento, um critério de conexão específico para esse mesmo pessoal (83).

132. Por último, o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 deve, segundo o Tribunal de Justiça, enquanto derrogação, ser interpretado de forma estrita (84). Esta disposição não pode, portanto, ser aplicada por analogia à equipagem ou à tripulação abrangidas pelo n.o 2, alínea a), desse artigo (85).

b)      Quanto à interpretação do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 em circunstâncias como as dos processos principais

133. A meu ver, a constatação de que os certificados E 101 controvertidos não podiam validamente ser emitidos com fundamento nas disposições aplicáveis ao destacamento de trabalhadores é suscetível, por si só, de caracterizar o elemento objetivo da fraude.

134. Assim sendo, uma vez que o artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 prevê, em princípio, a aplicação da lei do Estado‑Membro da sede da entidade patronal e que os certificados E 101 poderiam, hipoteticamente, ser emitidos ao abrigo desta disposição, considero oportuno, para evitar qualquer acusação de formalismo, explicar por que razão tais certificados também não podiam ser validamente emitidos pela instituição emitente ao abrigo dessa disposição.

135. A este respeito, recordo que, embora o artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 preveja, em princípio, a aplicação da lei da sede da entidade patronal, esta disposição reserva igualmente a aplicação de determinadas exceções. Em especial, o seu ponto i) prevê que «a pessoa empregada por uma sucursal, ou uma representação permanente que essa empresa possua no território de um Estado‑Membro diferente daquele em que tem a sede, está sujeita à legislação do Estado‑Membro em cujo território se encontra essa sucursal ou representação permanente».

136. De acordo com esta redação, devem estar preenchidos dois requisitos cumulativos para que essa regra se aplique a um trabalhador: por um lado, deve existir uma «sucursal ou uma representação permanente» da entidade patronal num Estado‑Membro diferente do da sua sede; por outro lado, esse trabalhador deve ser «empregado por» essa entidade.

137. A este respeito, relativamente ao primeiro destes requisitos, os debates que se realizaram no Tribunal de Justiça quanto à existência de uma «sucursal ou representação permanente» nas circunstâncias em causa nos processos principais, a meu ver, retomam as explicações que figuram nos n.os 117 a 119 das presentes conclusões. Com efeito, a Vueling sustenta que, à data dos factos, se limitava a efetuar, a título experimental, voos regulares entre várias cidades espanholas e Paris em faixas horárias que implicavam que à noite, entre dois voos, algumas aeronaves estacionassem na pista do aeroporto Paris‑Charles‑de‑Gaulle. Assim, ao fazê‑lo, rejeita a ideia segundo a qual ela dispunha de uma tal entidade ou de qualquer outra forma de  estabelecimento secundário neste aeroporto e, em substância, invoca o exercício da livre prestação de serviços.

138. No entanto, não restam dúvidas, a meu ver, quanto à existência de uma «sucursal ou de uma representação permanente», na aceção do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), i), do Regulamento n.o 1408/71, em circunstâncias como as dos processos principais.

139. A este respeito, importa salientar que o referido conceito de «sucursal ou representação permanente» não é definido por este regulamento, o qual também não remete, nesta matéria, para o direito dos Estados‑Membros. Por conseguinte, esse conceito deve ser objeto de uma interpretação autónoma, que deve ser procurada de acordo com o sentido habitual desse termos na linguagem comum, tendo em atenção o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (86).

140. No seu sentido habitual, o termo «sucursal» remete para uma forma de estabelecimento secundário (por oposição ao estabelecimento principal da empresa) que não tem personalidade jurídica própria (por oposição a uma filial) e que dispõe de uma certa autonomia. O termo «representação permanente» traduz uma realidade próxima, que implica uma entidade estável que atua em nome e por conta de um estabelecimento principal.

141. Quanto ao contexto e aos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 1408/71, sendo este simultaneamente um instrumento que se inscreve no âmbito do mercado interno e um instrumento de direito internacional privado, as definições dadas pelo Tribunal de Justiça a conceitos vizinhos nesses domínios fornecem indicações pertinentes. A este respeito, por um lado, lembro que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma sucursal criada num Estado‑Membro por uma sociedade abrangida pelo direito de outro Estado‑Membro constitui uma forma de estabelecimento secundário, abrangida pelo artigo 49.o TFUE (87). Neste contexto, o conceito de «estabelecimento» implica uma infraestrutura que permita exercer de forma estável e contínua uma atividade profissional e, a partir dessa infraestrutura, oferecer os seus serviços, entre outros, aos nacionais do Estado‑Membro em causa (88). Por outro lado, encontra‑se uma realidade análoga na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativamente ao conceito de «sucursal, agência ou qualquer outro estabelecimento», constante do artigo 7.o, ponto 5, do Regulamento Bruxelas I A, que implica um centro de operações que se manifesta de forma duradoura para o exterior, como prolongamento de uma casa‑mãe, e que tem uma direção e está materialmente equipado para poder negociar com terceiros (89).

142. Resulta do conjunto destes elementos que uma «sucursal ou uma representação permanente», na aceção do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), i), do Regulamento n.o 1408/71, é uma forma de estabelecimento secundário, com caráter de estabilidade, que exerce uma atividade económica voltada para o exterior e que dispõe, para o efeito, de meios materiais e humanos organizados, e de uma certa autonomia em relação ao estabelecimento principal da entidade patronal.

143. No domínio do transporte aéreo, parece‑me, tal como a Cour de cassation, chambre sociale (Tribunal de Cassação, Secção Social), na sua decisão de reenvio no processo C‑37/18 (90), que a realidade visada pelo referido conceito de «sucursal ou representação permanente» se confunde em larga medida, se não integralmente, com a de uma «base operacional», tal como definida, designadamente, em direito francês (91).

144. Ora, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris), no seu Acórdão de 31 de janeiro de 2012, que condenou a Vueling em sede penal, deu como provado, atendendo às circunstâncias referidas nos n.os 19, 21 e 24 das presentes conclusões, que esta companhia aérea dispunha de uma base em Roissy. Sob reserva de verificação pelos órgãos jurisdicionais de reenvio, únicos competentes para apreciar os factos, a caracterização de uma «sucursal ou representação permanente», na aceção do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), i), do Regulamento n.o 1408/71, é, a meu ver, um dado adquirido (92).

145. Quanto ao segundo requisito que resulta desta disposição, de acordo com a qual o trabalhador em causa deve ser «empregado pela» sucursal ou representação da entidade patronal, a Vueling sustentou que tal não poderia suceder com os trabalhadores «destacados» junto da sua base de Roissy (de que, recordo, ela contesta a existência), dado que esta não dispunha da autoridade própria de uma entidade patronal ou de uma competência em matéria de gestão da tripulação aérea, gestão que sempre pertenceu à sede social em Barcelona. No entanto, também aqui restam poucas dúvidas, a meu ver, de que este requisito está preenchido em circunstâncias como as que estão em causa nos processos principais.

146. A este respeito, saliento que, enquanto a regra de princípio da lex loci laboris, prevista no artigo 13.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71, visa garantir a igualdade de tratamento de todos os trabalhadores que trabalham no território de um mesmo Estado‑Membro (93), as regras previstas no artigo 14.o, n.o 2, alínea a), deste regulamento traduzem, por sua vez, na falta de possibilidade de identificar um único território onde a atividade profissional é exercida, a preocupação de prever critérios de conexão que designem a lei mais próxima do trabalhador, ao abrigo de um princípio de proximidade usual em direito internacional privado. Assim, quando o trabalhador é empregado por uma sucursal ou uma representação permanente da entidade patronal, a lei do Estado‑Membro em que se situa essa entidade aplica‑se pelo facto de ser considerada mais próxima do trabalhador em causa do que seria a lei do Estado da sede da entidade patronal (94).

147. Quanto às implicações deste princípio de proximidade, é possível raciocinar por analogia com a jurisprudência relativa ao direito internacional privado do trabalho. Nesta matéria, admite‑se há muito que uma relação laboral está, regra geral, estreitamente relacionada com, por um lado, a lei e, por outro, o juiz do lugar onde o trabalhador exerce efetivamente as suas atividades (95). Quando um trabalhador exerce a sua atividade numa multiplicidade de lugares, o Tribunal de Justiça declarou, em especial no Acórdão Nogueira e o. (96), no que toca, precisamente, à tripulação, que a relação laboral apresentava uma conexão significativa com o lugar a partir do qual o trabalhador cumpre o essencial das suas obrigações para com o empregador, que corresponde ao lugar em que recebe as instruções sobre as suas missões de transporte e organiza o seu trabalho, a partir do qual efetua as suas missões e regressa após o seu cumprimento. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça salientou que esse lugar coincide, relativamente a essa mesma tripulação, e salvo indícios em contrário, com a sua «base» (97).

148. Transposto no artigo 14.o, n.o 2, alínea a), i), do Regulamento n.o 1408/71, esse raciocínio implica que, para efeitos de aplicação desta disposição, basta verificar se o trabalhador exerce a sua atividade na ou a partir da sucursal ou da representação permanente da entidade patronal. No que respeita à tripulação, tal acontece, regra geral, quando a sua «base» aí se situar, o que parecia ser o caso nos processos principais, atendendo às circunstâncias descritas nos n.os 19 e 21 das presentes conclusões. Caberá, todavia, aos órgãos jurisdicionais de reenvio, também aqui, fazer essa verificação.

3.      Quanto ao elemento subjetivo da fraude

149. Para concluir pela existência de uma fraude, é necessário, como indiquei anteriormente, provar que o interessado teve a intenção de contornar ou de eludir as condições de emissão do certificado E 101, com vista a obter a vantagem que lhe está associada. No caso em apreço, a Vueling alega que não existiu nenhuma tentativa de não declaração da sua parte, tendo declarado o destacamento dos seus trabalhadores às autoridades francesas e pedido o prolongamento desse destacamento junto da instituição francesa competente.

150. Não cabe ao Tribunal de Justiça determinar se se fez prova de tal intenção fraudulenta por parte da Vueling nas circunstâncias em causa nos processos principais. No entanto, importa fornecer aos órgãos jurisdicionais de reenvio, tendo em conta as referidas circunstâncias, todos os elementos de interpretação do direito da União suscetíveis de os ajudar a decidir.

151. A este respeito, há que recordar desde já que a prova de uma intenção fraudulenta pode decorrer de uma ação voluntária, tal como a apresentação errónea da situação real do trabalhador destacado ou da empresa que destaca esse trabalhador, ou de uma omissão voluntária, tal como a não declaração de uma informação pertinente (98). Em meu entender, o caráter voluntário da ação ou da omissão em causa pode ser inferido de circunstâncias factuais objetivas (99). Neste quadro, farei duas observações complementares.

152. Em primeiro lugar, a circunstância de uma companhia aérea que efetua o transporte internacional de passageiros ter solicitado a emissão de certificados E 101 ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 para enviar a sua tripulação para uma sucursal noutro Estado‑Membro é, já por si, suscetível de suscitar questões quanto às suas reais motivações.

153. Com efeito, observo que a aplicação do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), deste regulamento implica dois grandes inconvenientes para essa companhia. Por um lado, no plano processual, o artigo 12.o‑A, n.o 1‑A, do Regulamento de aplicação n.o 574/72 não lhe permite pedir à instituição competente do Estado‑Membro da sua sede a emissão de certificados E 101 para a sua tripulação (devendo tal certificado ser pedido pelo próprio trabalhador), quando, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 1, deste regulamento, pode fazê‑lo em caso de destacamento. Por outro, quanto ao âmbito material, o artigo 14.o, n.o 2, alínea a), i), do Regulamento n.o 1408/71 prevê, a título de exceção, a aplicação da lei da sucursal ou da representação permanente que emprega os trabalhadores em causa, ao passo que as regras do destacamento permitem evitar a aplicação dessa exceção e assegurar a aplicação da lei do Estado‑Membro da sede.

154. Em segundo lugar, os órgãos jurisdicionais de reenvio indicaram, conforme referido nos n.os 20 e 24 das presentes conclusões, que a Vueling tinha domiciliado um grande número de trabalhadores «destacados» na morada da sua própria sede em Espanha, embora, na realidade, residissem em França, sendo, além disso, nacionais franceses, enquanto que, por outro lado, metade deles não trabalhava habitualmente por conta desta companhia e tinham sido contratados menos de 30 dias antes do seu destacamento, alguns na véspera ou no próprio dia. Estas circunstâncias suscitam igualmente questões.

155. Com efeito, mesmo admitindo que uma companhia aérea que efetue transporte internacional acredite, por erro, que as regras relativas ao destacamento de trabalhadores são suscetíveis de serem aplicadas à sua tripulação (100), o facto de não divulgar à instituição emissora o local de residência real dos trabalhadores em causa pode contribuir para ocultar um desvio dessas regras.

156. A este respeito, saliento que o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 não impede, é certo, uma empresa de destacar trabalhadores para o Estado‑Membro onde residem. Esta disposição também não proíbe que esses trabalhadores tenham a nacionalidade do Estado‑Membro para qual são enviados. Além disso, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a mera circunstância de um trabalhador ter sido contratado com vista ao seu destacamento não obsta, por si só, a que seja abrangido pelas regras do destacamento (101).

157. Todavia, parece‑me que, em caso de acumulação dessas circunstâncias — a contratação de trabalhadores com a nacionalidade de um Estado‑Membro, que residem nesse Estado, para trabalhar nesse mesmo Estado — a figura do destacamento é artificial (102). A este respeito, recordo que o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 tem, essencialmente, por objetivo promover a livre prestação de serviços em benefício das empresas que a ela recorrem, enviando trabalhadores para Estados‑Membros diferentes daquele onde têm a sua sede e, neste contexto, evitar dificuldades administrativas (103). As regras do destacamento não podem, por conseguinte, ser aplicadas a trabalhadores diretamente contratados no Estado para o qual se destinam a ser destacados (104).

158. Caberá, em definitivo, aos órgãos jurisdicionais de reenvio apreciar o comportamento da Vueling nos processos principais. Neste contexto, esta companhia deverá dispor da possibilidade de refutar os elementos discutidos nas presentes conclusões, no respeito das garantias relacionadas com o direito a um processo equitativo. Deverá, designadamente, poder explicar‑se sobre as declarações de residência erróneas que prestou às autoridades espanholas.

D.      Quanto à autoridade do caso julgado penal no cível

159. Com a sua segunda questão no processo C‑37/18, a Cour de cassation, chambre sociale (Tribunal de Cassação, Secção Social), pergunta, em substância, se o princípio do primado do direito da União se opõe a que um órgão jurisdicional nacional, sujeito, por força do seu direito interno, à autoridade do caso julgado penal em sede cível, extraia as consequências de uma decisão penal que é incompatível com o direito da União ao condenar uma entidade patronal no pagamento de uma indemnização a um trabalhador apenas com fundamento na condenação penal desta entidade patronal pelos mesmos factos.

160. O princípio da autoridade do caso julgado penal em sede cível é, na ordem jurídica francesa, um princípio pretoriano, objeto de jurisprudência constante da Cour de cassation (Tribunal de Cassação), segundo a qual as decisões dos órgãos jurisdicionais penais revestem para todos autoridade de caso julgado em sede cível. Esta autoridade não se limita ao dispositivo da decisão penal, ou seja, à declaração de culpabilidade ou de inocência do arguido e à sua condenação numa determinada pena ou absolvição. Estende‑se também aos fundamentos dessa decisão (105). Consequentemente, está vedado ao juiz do cível que conhece dos mesmos factos que conheceu o juiz penal, pôr em causa não só a condenação ou absolvição no penal do acusado enquanto tal, mas também a apreciação da matéria de facto e as qualificações jurídicas feitas pelo juiz penal. Estes elementos gozam de uma presunção inilidível de verdade e, portanto, não podem voltar a ser discutidos perante o juiz cível (106).

161. A cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris), no seu Acórdão de 4 de março de 2016, baseou‑se, assim, na qualificação de trabalho não declarado, adotada no Acórdão por ela proferido em sede penal, em 31 de janeiro de 2012, contra a Vueling, para condenar esta companhia no pagamento de uma indemnização a J.‑L. Poignant (107). Na hipótese de o Tribunal de Justiça declarar (contrariamente ao que proponho) que o juiz do Estado‑Membro de acolhimento não pode excluir um certificado E 101 em circunstâncias como as dos processos principais, essa qualificação seria incompatível com o direito da União (108). Tratar‑se‑ia, então, de saber se este último acórdão podia validamente ter, no cível, autoridade de caso julgado quanto à qualificação do delito imputado à Vueling.

162. Preciso, desde já, que, em meu entender, o princípio do primado do direito da União não oferece, por si só, um critério idóneo para decidir esta questão. Com efeito, não se trata de dar, desde logo, primazia à aplicação do Regulamento n.o 1408/71 em detrimento do princípio da autoridade do caso julgado tal como previsto no direito francês. Também não creio que a autonomia processual dos Estados‑Membros e, nesse âmbito, os critérios da equivalência e da efetividade, invocados pelo Governo francês, sejam pertinentes. Com efeito, a questão de saber o que pode ter força de caso julgado não é uma questão de ordem processual, mas uma questão de fundo.

163. Neste contexto, observo que, por um lado, o princípio da autoridade do caso julgado penal em sede cível pode obstar à efetividade do direito da União. Na hipótese de uma decisão penal ser contrária a esse direito, deveria, ainda assim, ser aplicada pelo juiz cível. Por outro lado, o princípio da autoridade do caso julgado penal em sede cível reflete, como indicam J.‑L. Poignant e o Governo francês, um objetivo legítimo de segurança jurídica, que consiste em evitar contradições entre decisões penais e decisões civis que incidem sobre os mesmos factos. Transparecem, em filigrana, considerações de política judiciária relativas ao papel particular reconhecido aos órgãos jurisdicionais penais. (109). A meu ver, há, portanto, que proceder a uma ponderação entre a efetividade do direito da União e esse objetivo legítimo (110).

164. No que respeita a esta ponderação, o Tribunal de Justiça tem, é certo, reiteradamente reconhecido a importância que reveste, tanto na ordem jurídica da União como nas ordens jurídicas nacionais, o princípio da autoridade do caso julgado. Com efeito, a fim de garantir tanto a estabilidade do direito e das relações jurídicas como uma boa administração da justiça, importa que decisões judiciais que se tornaram definitivas após esgotamento das vias de recurso disponíveis ou decorridos os prazos nelas previstos já não possam ser postas em causa. Por conseguinte, o direito da União não impõe, em princípio, ao juiz nacional que afaste a aplicação das regras processuais internas que conferem autoridade do caso julgado a uma decisão judicial, mesmo que isso permita sanar uma situação incompatível com esse direito (111).

165. Todavia, como alega a Comissão, embora o direito da União não se oponha a que a condenação ou absolvição proferida por uma decisão penal (por outras palavras, o dispositivo dessa decisão) tenha força de caso julgado e não possa mais ser posta em causa, ainda que seja contrária ao direito da União (112), alargar essa autoridade às qualificações feitas pelo juiz penal quando a incompatibilidade destas com o direito da União está provada perante o juiz cível prejudicaria consideravelmente a efetividade desse direito. O particular em causa veria de novo violados, no âmbito de uma segunda decisão, os direitos que lhe advêm do efeito direto do direito da União. Por conseguinte, o direito da União opõe‑se, a meu ver, a tal regra interna relativa à autoridade do caso julgado (113).

166. Contrariamente ao que sustenta o Governo francês, esta interpretação não é posta em causa pelo Acórdão Di Puma e Zecca (114). Recordo que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que a obrigação de os Estados‑Membros, resultante da legislação da União, preverem sanções administrativas efetivas, proporcionadas e dissuasivas em matéria de abuso de informação privilegiada não se opõe a uma regra nacional que prevê que os factos apurados numa decisão penal, quanto à verificação dos elementos constitutivos de tal abuso, beneficiam da autoridade do caso julgado, regra que tem por consequência que, em caso de absolvição do arguido pelo juiz penal, deve ser findo sem condenação um procedimento de sanção administrativa pecuniária que versa sobre os mesmos factos.

167. Ora, o Tribunal de Justiça limitou‑se a declarar que a autoridade de caso julgado penal em sede administrativa não obstava a que as infrações nessa matéria pudessem ser declaradas e punidas de forma efetiva, na medida em que os factos apurados com força de caso julgado foram objeto de contraditório perante o juiz penal e que a autoridade nacional encarregada de impor essas sanções administrativas tem os meios para garantir que uma sentença penal condenatória ou absolutória seja proferida atendendo ao conjunto dos elementos de prova de que dispõe (115). Por conseguinte, não se pronunciou sobre a hipótese de o juiz penal ter feito qualificações incompatíveis com o direito da União — adotando, por exemplo, uma interpretação do conceito de «abuso de informação privilegiada» contrária a esse direito.

168. Tendo em conta tudo o que precede, proponho que o Tribunal de Justiça responda à segunda questão da Cour de cassation, chambre sociale (Tribunal de Cassação, Secção Social), no processo C‑37/18 que o direito da União se opõe a que um órgão jurisdicional nacional, sujeito, por força do seu direito interno, à autoridade do caso julgado penal em sede cível, extraia as consequências de uma decisão penal incompatível com o direito da União ao condenar uma entidade patronal no pagamento de uma indemnização a um trabalhador apenas com fundamento na condenação penal desta entidade patronal pelos mesmos factos.

VI.    Conclusão

169. Tendo em conta todas as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo tribunal de grande instance de Bobigny, France (Tribunal de Primeira Instância de Bobigny, França), no processo C‑370/17 e pela Cour de cassation, chambre sociale, France (Tribunal de Cassação, Secção social, França), no processo C‑37/18:

1)      O artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, conforme alterado e atualizado pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1992/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, e o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento (CEE) n.o 574/72 do Conselho, de 21 de março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.o 1408/71, conforme alterado e atualizado pelo Regulamento n.o 118/97, devem ser interpretados no sentido de que o juiz do Estado‑Membro de acolhimento é competente para excluir um certificado E 101 quando disponha de elementos que provam que esse certificado foi obtido ou invocado de maneira fraudulenta. A condução do diálogo entre instituições competentes, previsto no artigo 84.o‑A, n.o 3, do Regulamento n.o 1408/71, conforme alterado pelo Regulamento n.o 1992/2006, não tem incidência sobre esta competência.

2)      O direito da União opõe‑se a que um órgão jurisdicional nacional, sujeito, em aplicação do seu direito interno, à autoridade do caso julgado penal em sede cível, extraia as consequências de uma decisão penal incompatível com o direito da União condenando uma entidade patronal no pagamento de uma indemnização a um trabalhador apenas com fundamento na condenação penal desta entidade patronal pelos mesmos factos.


1      Língua original: francês.


2      O certificado E 101, intitulado «certificado relativo à legislação aplicável», é um formulário normalizado redigido pela Comissão Administrativa para a Segurança Social dos Trabalhadores Migrantes (a seguir «Comissão Administrativa»). V. Decisão n.o 202 da Comissão Administrativa, de 17 de março de 2005, relativa aos modelos de formulários necessários à aplicação dos Regulamentos (CEE) n.o 1408/71 e (CEE) n.o 574/72 do Conselho (E 001, E 101, E 102, E 103, E 104, E 106, E 107, E 108, E 109, E 112, E 115, E 116, E 117, E 118, E 120, E 121, E 123, E 124, E 125, E 126, E 127) (JO 2006, L 77, p. 1). Posteriormente este certificado passou a ser o documento portátil A1. Atendendo à data dos factos em causa nos processos principais, utilizarei nas presentes conclusões a designação de certificado E 101.


3      Regulamento do Conselho de 14 de junho de 1971, conforme alterado e atualizado pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado, por sua vez, pelo Regulamento (CE) n.o 1992/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006 (JO 2006, L 392, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 1408/71»).


4      Regulamento do Conselho de 21 de março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.o 1408/71, conforme alterado e atualizado pelo Regulamento n.o 118/97, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 647/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de abril de 2005 (a seguir «Regulamento de aplicação n.o 574/72»).


5      Acórdão de 6 de fevereiro de 2018, Altun e o. (C‑359/16, a seguir «Acórdão Altun», EU:C:2018:63).


6      Segundo a definição dada pela Resolução do Parlamento Europeu, de 14 de setembro de 2016, sobre o dumping social na União Europeia (A8‑0255/2016), o conceito de «dumping social» «abrange uma vasta gama de práticas intencionalmente abusivas e a evasão da legislação europeia e nacional vigentes (incluindo as leis e convenções coletivas de aplicação geral), que permitem o desenvolvimento de uma concorrência desleal, pela minimização ilegal dos custos do trabalho e de funcionamento e geram violações nos direitos e a exploração dos trabalhadores».


7      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de março de 2004 (JO 2004, L 100, p. 1).


8      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho de 29 de abril de 2004 (JO 2004, L 166, p. 1).


9      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de setembro de 2009 (JO 2009, L 284, p. 1).


10      JORF de 13 de março de 2007.


11      JORF de 23 de novembro de 2006.


12      Imediatamente após a entrada em vigor do artigo R. 330‑2‑1 do Código da Aviação Civil, o artigo L. 342‑4 do Código do Trabalho foi substituído pelo artigo L. 1262‑3 deste último código. Contudo, o referido artigo R. 330‑2‑1 não foi alterado em conformidade.


13      No direito francês, quando um trabalhador põe fim unilateralmente ao seu contrato de trabalho devido a factos que imputa à entidade patronal, o contrato considera‑se como uma tomada de conhecimento que produz os efeitos de um despedimento sem justa causa. Todavia, o trabalhador só pode rescindir o contrato de trabalho por culpa da entidade patronal se o incumprimento, por parte desta, for suficientemente grave para impedir a continuação do contrato de trabalho. Caso contrário, a tomada de conhecimento produz os efeitos de uma demissão.


14      Acórdão de 27 de abril de 2017 (C‑620/15, a seguir «Acórdão A‑Rosa Flussschiff», EU:C:2017:309).


15      A este respeito, remeto o leitor para as minhas Conclusões no processo A‑Rosa Flussschiff (C‑620/15, EU:C:2017:12, n.os 44 a 55) e no processo Altun e o. (C‑359/16, EU:C:2017:850, n.os 32 a 37).


16      Se o certificado E 101 pode ser emitido ao abrigo das regras aplicáveis ao destacamento de trabalhadores, que constam do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 e do artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento de aplicação n.o 574/72, também o pode ser com fundamento noutras disposições, entre as quais o artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71, aplicável aos membros da equipagem ou da tripulação das empresas de transporte (v. n.os 124 e 134 das presentes conclusões).


17      Cour de cassation, chambre criminelle (Tribunal de Cassação, Secção Criminal), n.o 11‑88420.


18      V. Acórdão de 26 de janeiro de 2006, Herbosch Kiere (C‑2/05, EU:C:2006:69, n.os 19 e 32).


19      Os acórdãos em causa dividiram, designadamente, a doutrina nacional. V, nomeadamente, entre os detratores, Lhernould, J. P., «Une compagnie aérienne peut‑elle détacher des navigants en France? L’étonnante leçon anti‑européenne de la chambre criminelle à propos du formulaire E 101», RJS, 2014, e, entre os entusiastas, Muller, F., «Face aux abus et contournements, la directive d’exécution de la directive détachement est‑elle à la hauteur?», Dr. Soc., 2014, p. 788. Por outro lado, na sequência de uma queixa da Vueling, a Comissão iniciou um procedimento EU Pilot contra a França. Essa queixa foi, porém, arquivada após a prolação do Acórdão A‑Rosa Flussschiff.


20      V. Acórdão A‑Rosa Flussschiff, n.o 61. Neste acórdão, o Tribunal de Justiça também julgou, implícita mas necessariamente, que a natureza civil ou penal do processo instaurado não tem nenhuma influência sobre o efeito vinculativo do certificado E 101, que vincula todos os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros. V. Despacho de 24 de outubro de 2017, Belu Dienstleistung e Nikless (C‑474/16, não publicado, EU:C:2017:812, n.o 17).


21      Por outras palavras, emitindo embora reservas quanto à forma um pouco precipitada como os órgãos jurisdicionais penais franceses excluíram os certificados E 101 apresentados pela Vueling e a jurisprudência respetiva do Tribunal de Justiça, considero que a solução a que esses tribunais chegaram é, no seu princípio, conforme com o direito da União.


22      V. as minhas Conclusões no processo Altun e o. (C‑359/16, EU:C:2017:850, n.o 35).


23      V. as minhas Conclusões no processo Altun e o. (C‑359/16, EU:C:2017:850, n.o 36).


24      V., neste sentido, Acórdão Altun, n.os 37 a 39 e 41 a 43 e jurisprudência aí referida.


25      Acórdão Altun, n.os 39 e 40.


26      V., nomeadamente, Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 36 e jurisprudência aí referida).


27      Acórdão Altun, n.o 48.


28      V. Acórdão Altun, n.o 49. V., igualmente, Acórdão de 22 de novembro de 2017, Cussens e o. (C‑251/16, EU:C:2017:881, n.os 27, 30, 31 e 33).


29      Sobre os elementos constitutivos de uma fraude, na aceção do direito da União, e os indícios que permitem comprová‑la, v. secção C das presentes conclusões.


30      V. Acórdão Altun, n.os 55, 56 e 60.


31      V. Acórdão Altun, n.os 20 e 21.


32      Acórdão Altun, n.os 54 e 55.


33      V. n.os 26 a 31 das presentes conclusões.


34      V. Acórdão de 22 de novembro de 2017, Cussens e o. (C‑251/16, EU:C:2017:881, n.o 32 e jurisprudência aí referida).


35      Acórdão de 26 de fevereiro de 2019 (C‑115/16, C‑118/16, C‑119/16 e C‑299/16, EU:C:2019:134, n.os 96 a 102).


36      Acórdão de 26 de fevereiro de 2019 (C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135, n.os 70 a 76).


37      V. Acórdãos de 26 de fevereiro de 2019, N Luxembourg 1 e o. (C‑115/16, C‑118/16, C‑119/16 e C‑299/16, EU:C:2019:134, n.os 110 e 120), e T Danmark e Y Denmark (C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135, n.os 76 e 82).


38      V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral C. O. Lenz no processo Calle Grenzshop Andresen (C‑425/93, EU:C:1995:12, n.o 63). V., por analogia, Acórdão de 27 de setembro de 1989, van de Bijl (130/88, EU:C:1989:349, n.os 20 a 27), e Conclusões do advogado‑geral M. Darmon no processo van de Bijl (130/88, não publicadas, EU:C:1989:157, n.o 17). V., ainda, Conclusões do advogado‑geral J. Mischo no processo Paletta (C‑45/90, não publicadas, EU:C:1991:434, n.os 29 a 34) e Acórdão de 2 de maio de 1996, Paletta (C‑206/94, EU:C:1996:182, n.os 24 a 28). Nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça admitiu que determinados documentos emitidos pelas instituições de um Estado‑Membro e que vinculam, em princípio, as instituições de outro Estado‑Membro, possam ser excluídos pelo juiz deste último Estado em caso de fraude. Rejeitou, nestes processos, as sugestões de intervenientes que propunham privilegiar a cooperação entre instituições.


39      V. as minhas Conclusões no processo Altun e o. (C‑359/16, EU:C:2017:850, n.o 44).


40      V. considerações que figuram no n.o 82 das presentes conclusões.


41      V. as minhas Conclusões no processo Altun e o. (C‑359/16, EU:C:2017:850, n.o 71).


42      V., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2018, Comissão/Bélgica (C‑356/15, EU:C:2018:555, n.o 105), em que o Tribunal de Justiça salientou que a legislação em causa nesse processo, destinada a combater os certificados E 101 obtidos ou invocados de maneira fraudulenta, não satisfazia as exigências do Acórdão Altun, uma vez que, nomeadamente, essa regulamentação não previa nenhuma obrigação para a Administração de encetar o procedimento de diálogo e de conciliação previsto nos Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009.


43      V. as minhas Conclusões no processo Altun e o. (C‑359/16, EU:C:2017:850, n.o 46). V., igualmente, Resolução do Parlamento Europeu, de 14 de setembro de 2016, sobre o «dumping social» na União Europeia, acima referida. V. ainda, por analogia, no que respeita ao «dumping fiscal», Acórdãos de 26 de fevereiro de 2019, N Luxembourg 1 e o. (C‑115/16, C‑118/16, C‑119/16 e C‑299/16, EU:C:2019:134, n.o 107), e T Danmark e Y Denmark (C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135, n.o 79).


44      V. considerando 4 da Decisão n.o H5 da Comissão Administrativa, de 18 de março de 2010, sobre a cooperação em matéria de luta contra a fraude e o erro no quadro do [Regulamento n.o 883/2004] e [do Regulamento n.o 987/2009] (JO 2010, C 149, p. 5).


45      V., por analogia, Conclusões do advogado‑geral M. Darmon no processo van de Bijl (130/88, não publicadas, EU:C:1989:157, n.o 17).


46      As decisões da Comissão Administrativa que preveem esses prazos não têm, recordo, efeito vinculativo. Observo, no entanto, que a proposta de alteração dos regulamentos de coordenação atualmente debatida pelo legislador da União prevê a introdução de prazos para o reexame pela instituição emissora da justeza da emissão do certificado E 101 e, se for o caso, a revogação ou a retificação do referido certificado, a pedido de uma instituição competente de outro Estado‑Membro. Em caso de fraude irrefutável cometida pelo requerente do documento, a instituição emissora deve revogar ou retificar imediatamente o documento, com efeitos retroativos. V., para mais detalhes, as minhas Conclusões no processo Altun e o. (C‑359/16, EU:C:2017:850, n.o 21).


47      O processo que deu origem ao Acórdão de 6 de setembro de 2018, Alpenrind e o. (C‑527/16, EU:C:2018:669), fornece a este respeito um exemplo eloquente. Nesse processo, a instituição competente do Estado‑Membro de acolhimento tinha indicado à instituição emissora que os documentos portáteis A1 por ela emitidos a determinados trabalhadores não eram válidos. A instituição emissora recusou‑se a proceder a revogação desses documentos. Na sequência desse desacordo, os Estados‑Membros em causa tinham recorrido à Comissão Administrativa que tinha proferido uma decisão sobre a revogação dos referidos documentos. Esses mesmos documentos não tinham sido, porém, revogados pela instituição emissora no seguimento do referido procedimento de conciliação.


48      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de maio de 2014 (JO 2014, L 159, p. 11). Em especial, o artigo 6.o, n.o 10, desta diretiva dispõe que um pedido de informação entre instituições competentes em matéria de destacamento não impede que as autoridades competentes do Estado‑Membro de acolhimento tomem medidas em conformidade com a legislação nacional e da União no sentido de investigar e prevenir alegadas violações das regras de destacamento de trabalhadores.


49      Penso, nomeadamente, no tipo de fraude em causa no processo que deu origem ao Acórdão Altun, que consistia em criar sociedades «caixas postais» num determinado Estado‑Membro com o único intuito de destacar trabalhadores para outro Estado‑Membro. No entanto, a Irlanda e a Comissão vão ao ponto de sustentar que o juiz do Estado‑Membro de acolhimento não pode dispor de elementos que provem a fraude sem um diálogo com a instituição emissora. O caráter excessivo desta afirmação impõe‑se de imediato. Embora tal diálogo possa afigurar‑se útil para obter elementos de prova, não é indispensável. Esta instituição nem sempre está melhor colocada do que as autoridades do Estado‑Membro de acolhimento para comprovar a fraude. Em especial, é possível verificar frequentemente a existência de elementos decisivos no Estado‑Membro de acolhimento. Assim é, em circunstâncias como as dos processos principais, em que se deve, nomeadamente, apurar a existência, nesse Estado, de uma sucursal da entidade patronal e de um vínculo dos trabalhadores à mesma (v. secção C das presentes conclusões). Aliás, o próprio legislador da União insistiu na função de controlo atribuída às autoridades do Estado‑Membro de acolhimento, na Diretiva 2014/67, cujo artigo 7.o prevê, em substância, que a fiscalização do cumprimento desta diretiva e da Diretiva 96/71 é da responsabilidade das autoridades desse Estado assistidas, se for o caso, pelas autoridades do Estado‑Membro de envio.


50      No presente caso, se as autoridades francesas tivessem encetado o diálogo mais cedo, a instituição emissora teria provavelmente anulado os certificados E 101 controvertidos, uma vez que renunciou a fazê‑lo essencialmente por razões de prescrição.


51      V. as minhas Conclusões no processo Altun e o. (C‑359/16, EU:C:2017:850, n.o 56).


52      V. considerações que figuram na nota 56 das presentes conclusões.


53      V., por exemplo, no que respeita à Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1), Acórdão de 10 de novembro de 2016, Poltorak (C‑452/16 PPU, EU:C:2016:858, n.o 45). V., ainda, no âmbito do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1) (a seguir «Regulamento Bruxelas I‑A»), Acórdão de 16 de julho de 2015, Diageo Brands (C‑681/13, EU:C:2015:471, n.os 40 e 63).


54      V., nomeadamente, Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 82 e jurisprudência aí referida).


55      V., a respeito deste princípio, n.o 57 das presentes conclusões.


56      De um modo geral, a declaração de uma fraude deveria, em especial, implicar a inscrição retroativa dos trabalhadores em causa no regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento. Atualmente, os regulamentos de coordenação não contêm, porém, disposições que regulem as consequências financeiras de tal alteração retroativa, em especial, no que respeita às contribuições indevidamente pagas pela entidade patronal. As dificuldades geradas por essa alteração de inscrição podem, contudo, ser resolvidas por uma solução negociada entre instituições competentes, num espírito de cooperação. A este respeito, considero que, sempre que o juiz do Estado‑Membro de acolhimento declarasse a existência de uma fraude numa sentença definitiva, a instituição emissora deveria tirar as consequências dessa decisão judicial, revogando os certificados controvertidos e negociando tal solução. Com efeito, a confiança mútua deve funcionar nos dois sentidos [v. as minhas Conclusões no processo Altun e o. (C‑359/16, EU:C:2017:850, n.o 65). Por outro lado, estão previstos mecanismos destinados a facilitar a resolução dessas consequências financeiras na Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o [Regulamento n.o 883/2004] e o [Regulamento n.o 987/2009] [COM(2016) 815 final], ainda pendente.


57      V., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2017, Cussens e o. (C‑251/16, EU:C:2017:881, n.o 43 e jurisprudência aí referida), e as minhas Conclusões no processo Altun e o. (C‑359/16, EU:C:2017:850, n.o 66).


58      V. Acórdão de 21 de outubro de 2015, Gogova (C‑215/15, EU:C:2015:710, n.os 45 e 46), e Fawcett, J. J., «The impact of Article 6(1) of the ECHR on private international law», International & Comparative Law Quarterly, 2007, 56(1), p. 1.


59      Em conformidade com o seu artigo 1.o, n.o 2, alínea c), a segurança social é uma matéria excluída do Regulamento Bruxelas I A. Por conseguinte, uma eventual ação do trabalhador contra a instituição emissora não está abrangida pelo referido regulamento. Em contrapartida, esta exclusão não se aplica à ação de indemnização intentada pelo trabalhador contra a sua entidade patronal, mesmo quando tem como pano de fundo o incumprimento por esta das suas obrigações em matéria de segurança social [v. Acórdão de 14 de novembro de 2002, Baten (C‑271/00, EU:C:2002:656, n.o 48)].


60      V. Acórdãos de 15 de janeiro de 1987, Shenavai (266/85, EU:C:1987:11, n.o 16), e de 27 de fevereiro de 2002, Weber (C‑37/00, EU:C:2002:122, n.o 40). Quanto a este aspeto, entendo que, numa situação como as dos processos principais, o local habitual de trabalho dos trabalhadores em causa situa‑se não no Estado‑Membro de envio, mas no Estado‑Membro de acolhimento (v., n.o 147 das presentes conclusões).


61      V., por analogia em matéria de competência territorial no âmbito da proteção dos consumidores, Acórdão de 27 de junho de 2000, Océano Grupo Editorial e Salvat Editores (C‑240/98 a C‑244/98, EU:C:2000:346, n.os 22 a 24).


62      V., a contrario, aqui também, o Acórdão de 11 de julho de 2018, Comissão/Bélgica (C‑356/15, EU:C:2018:555, n.o 105), em que o Tribunal de Justiça censurou a legislação em causa com o segundo fundamento de que não se limitava a conferir apenas ao juiz o poder de declarar a existência de uma fraude e de excluir, por este motivo, um documento portátil A1, mas dava esta possibilidade às autoridades administrativas nacionais fora de qualquer processo judicial.


63      V. Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117), e de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586).


64      Os eventuais desvios dos órgãos jurisdicionais nacionais, quando cometidos em última instância, poderiam, de resto, ser condenados através de uma ação de responsabilidade [Acórdão de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513)], ou de uma ação por incumprimento [Acórdão de 4 de outubro de 2018, Comissão/França (Imposto sobre os rendimentos mobiliários) (C‑416/17, EU:C:2018:811)] contra o Estado‑Membro em causa.


65      A este respeito, o Governo francês explicou, na audiência, que a prática seguida à data dos factos consistia, para a inspeção do trabalho, em comunicar os seus autos de infração tanto à Urssaf competente como ao procurador. Sempre que este acusasse a entidade patronal num tribunal penal, a Urssaf esperava o desfecho desse processo. No caso de sentença condenatória, essa instituição informava a instituição emissora. Por outras palavras, as autoridades francesas consideravam que não havia que informar a instituição emissora logo que surgissem dúvidas sobre a validade de um certificado E 101, mas uma vez provada a violação das regras de segurança social, em processo contraditório, por um juiz.


66      A Vueling sustenta perante o Tribunal de Justiça que a instituição emissora confirmou a justeza dos certificados E 101 controvertidos. Observo, todavia, que resulta da decisão de 5 de dezembro de 2014, cuja tradução oficial foi fornecida ao Tribunal de Justiça por esta companhia, que a referida instituição partilhava da apreciação das autoridades francesas quanto à legislação de segurança social que deveria ter sido aplicada aos trabalhadores em causa, tendo os certificados em questão sido mantidos por razões de oportunidade (v. n.os 27 e 28 das presentes conclusões). No entanto, cabe aos órgãos jurisdicionais de reenvio, os únicos competentes para apreciar os factos, verificá‑lo, se for o caso.


67      Recordo que, no processo que deu origem ao Acórdão Altun, a instituição emissora dos certificados E 101 tinha respondido às autoridades do Estado‑Membro de acolhimento. Em contrapartida, a referida instituição não teve em conta, na sua resposta, os elementos invocados por essas autoridades.


68      V. n.os 27 e 28 das presentes conclusões.


69      A título exemplificativo, a Comissão pretende, na proposta de regulamento atualmente debatida perante o legislador da União, dar um prazo de 25 dias úteis à instituição emissora a contar do pedido de outra instituição para reexaminar e, se for o caso, retificar ou revogar um certificado E 101.


70      A carta de 9 de dezembro de 2014, evocada no n.o 30 das presentes conclusões, refere, é certo, que as autoridades espanholas não teriam verificado a intenção fraudulenta. Essa indicação não consta, porém, da decisão de 5 de dezembro de 2014. Por outro lado, nem nessa carta nem nessa decisão são discutidos os elementos apresentados a este respeito pelas autoridades francesas.


71      Acórdão Altun, n.os 50 a 52.


72      Este conceito era definido, à data dos factos, no anexo III do Regulamento (CEE) n.o 3922/91 do Conselho, de 16 de dezembro de 1991, relativo à harmonização de normas técnicas e dos procedimentos administrativos no setor da aviação civil (JO 1991, L 373, p. 4), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1899/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006 (JO 2006, L 377, p. 1). Esse anexo III definia o conceito de «base [de afetação]» como o «[l]ocal designado pelo operador para um membro da tripulação, no qual este inicia e termina normalmente um período de trabalho ou uma série de períodos de trabalho e no qual, em circunstâncias normais, o operador não é responsável pelo alojamento desse membro da tripulação». Este conceito é, neste quadro, decisivo para a aplicação das regras em matéria de tempo de voo máximo e de períodos de repouso obrigatório. Uma base deve, assim, ser designada para cada membro da tripulação. O referido anexo III foi substituído por duas vezes, respetivamente, pelo Regulamento (CE) n.o 8/2008 da Comissão, de 11 de dezembro de 2007 (JO 2008, L 10, p. 1), e pelo Regulamento (CE) n.o 859/2008 da Comissão, de 20 de agosto de 2008 (JO 2008, L 254, p. 1), sem que, todavia, tenha sido alterada essa definição.


73      V., para mais amplas explicações, Urban, Q., «Le droit individuel applicable au personnel d’une compagnie aérienne low cost à l’épreuve de son organisation en réseau», in Lyon‑Caen, A. e Urban, Q., Le droit du travail à l’épreuve de la globalisation, Dalloz, 2008, pp. 119 e segs.; Jorens, Y., Fair aviation for all, a discussion on some legal issues, ETF, janeiro de 2019, especialmente pp. 12, 13 e 19 a 31, e Relatório da Comissão Europeia ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, de 1 de março de 2019, intitulado «Estratégia de Aviação para a Europa: Manter e promover elevados padrões sociais» [COM (2019) 120 final]. V. ainda, sobre o tema, Acórdão de 14 de setembro de 2017, Nogueira e o. (C‑168/16 e C‑169/16, EU:C:2017:688).


74      Recordo que este artigo prevê, em substância, que uma entidade patronal não pode prevalecer‑se das disposições aplicáveis ao destacamento quando dispõe de um estabelecimento estável em território francês. Não pretendo, nas presentes conclusões, tomar posição sobre a compatibilidade do referido artigo com o direito da União.


75      É, aliás, sugerido na doutrina que seja acrescentada no Regulamento (CE) n.o 1008/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de setembro de 2008, relativo a regras comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade (JO 2008, L 293, p. 3), uma definição do conceito de «base operacional», próxima da prevista no direito francês («an airport at which the airline permanently bases aircraft and crew and from where it operates routes. Both fleet and personnel return to the base at the end of the day»), a fim de identificar uma infraestrutura a partir da qual uma companhia aérea exerce a sua atividade de forma estável e contínua, isto é, um estabelecimento secundário abrangido pelas disposições do Tratado FUE relativas à liberdade de estabelecimento. V. Jorens, Y., doc. já referido, pp. 29 e 30.


76      A meu ver, é particularmente lamentável que esse órgão jurisdicional não tenha fundamentado a sua decisão ao abrigo do Regulamento n.o 1408/71. Ao invés, raciocinou à luz das disposições internas (o que já por si é suscetível de suscitar questões em termos de respeito do primado do direito da União), que, em meu entender, visam transpor a Diretiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços (JO 1997, L 18, p. 1). Por conseguinte, essas disposições fazem parte do direito do trabalho e não podiam ser diretamente pertinentes para apreciar o respeito das regras de segurança social previstas pelo regulamento. Os conceitos de destacamento e as condições que lhe estão associados são, é certo, vizinhos, mas, no entanto, distintos nesses dois instrumentos. Portanto, embora sejam possíveis algumas analogias em determinados pontos, não se pode, à partida, considerar que as soluções aplicáveis numa matéria sejam automaticamente transponíveis para outra matéria.


77      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de maio de 2012, que altera os Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009 (JO 2012, L 149, p. 4).


78      V. artigo 11.o, n.o 5, do Regulamento n.o 883/2004, conforme alterado pelo Regulamento n.o 465/2012.


79      V. as minhas Conclusões no processo A‑Rosa Flussschiff (C‑620/15, EU:C:2017:12, n.o 35).


80      As explicações dadas pelo tribunal de grande instance de Bobigny (Tribunal de Primeira Instância de Bobigny) e a formulação da primeira questão desse órgão jurisdicional lembram a argumentação da Vueling. Com efeito, nas suas observações perante o Tribunal de Justiça, esta companhia, embora alegando que as condições previstas no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 estavam preenchidas no caso em apreço, afirma que os certificados E 101 controvertidos foram emitidos ao abrigo do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), desse regulamento e do artigo 12.o‑A, ponto 1‑A, do Regulamento de aplicação n.o 574/72.


81      O sublinhado é meu.


82      V, neste sentido, Acórdão de 19 de março de 2015, Kik (C‑266/13, EU:C:2015:188, n.o 59).


83      V., no mesmo sentido, Gamet, L., «Personnel des aéronefs et lois sociales françaises: les compagnies low cost dans les turbulences du droit social français», Droit social, 2012, p. 502, e, por analogia, no que respeita à equipagem, Lhernould, J. F. e Palli, B., «Le statut social du chauffeur routier international à la lumière des dernières propositions législatives communautaires», Droit social, 2017, p. 1057.


84      V., por analogia, Acórdão de 6 de setembro de 2018, Alpenrind e o. (C‑527/16, EU:C:2018:669, n.o 95).


85      Preciso contudo que, uma vez que o artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 apenas visa a tripulação empregada no território de dois ou mais Estados‑Membros, não se aplica aos trabalhadores que só efetuam voos internos. Neste caso, a regra de princípio da lex loci laboris constante do artigo 13.o, n.o 2, deve aplicar‑se [v., sobre este tema, o processo que deu origem ao Acórdão de 27 de abril de 2017, A‑Rosa Flussschiff (C‑620/15, EU:C:2017:309)] e os trabalhadores em causa poderiam beneficiar das regras de destacamento. Todavia, esta configuração específica não está em causa no presente caso, uma vez que a tripulação de uma companhia aérea que efetua transporte internacional está destinada a trabalhar habitualmente em aparelhos que têm por destino diferentes Estados‑Membros. Por outro lado, observo que a solução poderia ser diferente ao abrigo do artigo 11.o, n.o 5, do Regulamento n.o 883/2004, conforme alterado pelo Regulamento n.o 465/2012. Com efeito, no quadro da ficção jurídica aí prevista, a atividade da tripulação já não é considerada exercida em vários Estados‑Membros, mas presume‑se efetuada apenas no Estado‑Membro da base (v. n.o 120 das presentes conclusões).


86      V., nomeadamente, Acórdão de 22 de março de 2018, Anisimovienė e o. (C‑688/15 e C‑109/16, EU:C:2018:209, n.o 89 e jurisprudência aí referida).


87      V. Acórdãos de 9 de março de 1999, Centros (C‑212/97, EU:C:1999:126, n.os 17 a 21), e de 26 de setembro de 2013, Texdata Software (C‑418/11, EU:C:2013:588, n.o 63).


88      V. Acórdãos de 30 de novembro de 1995, Gebhard (C‑55/94, EU:C:1995:411, n.o 28), e de 11 de dezembro de 2003, Schnitzer (C‑215/01, EU:C:2003:662, n.o 32).


89      V. Acórdãos de 22 de novembro de 1978, Somafer (33/78, EU:C:1978:205, n.o 12), e de 11 de abril de 2019, Ryanair (C‑464/18, EU:C:2019:311, n.o 33).


90      V. n.o 41 das presentes conclusões.


91      V, para esta definição, n.o119 das presentes conclusões.


92      Uma diferença entre os conceitos de «sucursal ou representação permanente» e de «base operacional» poderia eventualmente residir na exigência de autonomia, prevista no primeiro conceito, mas que não me parece, em princípio, resultar da segunda. Em todo o caso, é ponto assente que a base de que dispunha a Vueling em Roissy tinha um diretor e representante legal, de modo que não é necessário aprofundar a questão nos presentes processos.


93      V., por analogia, Acórdão de 6 de setembro de 2018, Alpenrind e o. (C‑527/16, EU:C:2018:669, n.o 98).


94      V. Omarjee, I., Droit européen de la protection sociale, Larcier, 1.a edição, 2018, pp. 223 e segs.


95      V. Acórdãos de 26 de maio de 1982, Ivenel (133/81, EU:C:1982:199, n.os 15 e 20), e de 15 de janeiro de 1987, Shenavai (266/85, EU:C:1987:11, n.o 16).


96      Acórdão de 14 de setembro de 2017 (C‑168/16 e C‑169/16, EU:C:2017:688). V., igualmente, as minhas Conclusões nos processos apensos Nogueira e o. (C‑168/16 e C‑169/16, EU:C:2017:312).


97      V. Acórdão de 14 de setembro de 2017, Nogueira e o. (C‑168/16 e C‑169/16, EU:C:2017:688, n.os 61, 63 e 77). V., sobre o conceito de «base [de afetação]» e a sua utilização no direito da União, os n.os 116 e 120 das presentes conclusões.


98      V. Acórdão Altun, n.o 53.


99      V., por analogia, considerando 11 da Diretiva (UE) 2017/1371 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2017, relativa à luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União através do direito penal (JO 2017, L 198, p. 29).


100      V., sobre esta questão, n.os 127 a 132 das presentes conclusões.


101      V., por analogia, Acórdãos de 17 de dezembro de 1970, Manpower (35/70, EU:C:1970:120, n.o 14), e de 25 de outubro de 2018, Walltopia (C‑451/17, EU:C:2018:861, n.os 34 e 35).


102      As circunstâncias em causa nos processos principais poderiam, assim, situar‑se na fronteira entre a fraude e o abuso de direito. Em princípio, estes conceitos são distintos. Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a prova de tal abuso requer, por um lado, um conjunto de circunstâncias objetivas das quais resulte que, apesar do respeito formal das condições previstas na regulamentação da União, o objetivo prosseguido por essa regulamentação não foi alcançado e, por outro, um elemento subjetivo que consiste na vontade de obter uma vantagem resultante da regulamentação da União, criando artificialmente as condições exigidas para a sua obtenção [v. as minhas Conclusões no processo Altun e o. (C‑359/16, EU:C:2017:850, nota 45)]. No entanto, nem sempre é possível distingui‑los nitidamente.


103      V. Acórdãos de 10 de fevereiro de 2000, FTS (C‑202/97, EU:C:2000:75, n.o 28), e de 4 de outubro de 2012, Format Urządzenia i Montaże Przemysłowe (C‑115/11, EU:C:2012:606, n.os 30 e 31).


104      V. considerando 13 da Decisão n.o 181 da Comissão Administrativa, de 13 de dezembro de 2000, relativa à interpretação do n.o 1 do artigo 14.o, do n.o 1 do artigo 14.o‑A e dos n.os 1 e 2 do artigo 14.o‑B do Regulamento n.o 1408/71 (JO 2001, L 329, p. 73) e Steinmeyer, H. D., «Title II — Determination of the legislation applicable», in Fuchs, M., e Cornelissen, R., EU Social Security Law — A Commentary on EU Regulations 883/2004 and 987/2009, Nomos, 2015, p. 167.


105      Mais especificamente, a autoridade do caso julgado beneficia tudo o que foi definitiva, necessária e certamente julgado pelo juiz penal, no que respeita à existência do facto que forma a base comum da ação cível e da ação penal, à sua qualificação e à culpabilidade da pessoa a quem é imputado o facto.


106      V. Cour de cassation, chambre civile (Tribunal de Cassação, Secção Cível), de 7 de março de 1855, Quertier, Bull. civ. n.o 31; Cour de cassation, 1ère chambre civile (Tribunal de Cassação, Primeira Secção Cível), de 24 de outubro de 2012, n.o 11‑20.442, e Cour de cassation, chambre sociale (Tribunal de Cassação, Secção Social), de 18 de fevereiro de 2016, n.o 14‑23.468. Este princípio deve ser comparado com o princípio segundo o qual «o processo penal suspende o processo civil no estado em que se encontrar», que impõe ao juiz cível, quando, pelos mesmos factos, tenham sido instaurados um processo civil e um processo penal, a suspensão da instância até ser proferida uma decisão definitiva em sede penal. V., para uma aplicação deste último princípio nos processos principais, n.o 33 das presentes conclusões.


107      V. n.os 24 e 40 das presentes conclusões.


108      V. as explicações constantes do n.o 50 das presentes conclusões.


109      A Cour de Cassation (Tribunal de Cassação) justificou, assim, essa autoridade com o facto de que «a ordem social teria de sofrer um antagonismo que, tendo apenas em vista um interesse privado, teria por resultado abalar à fé devida aos acórdãos da justiça criminal, e questionar a inocência do condenado que foi por ela declarado culpado, ou a culpabilidade do arguido que declarou não ser o autor do facto imputado» [Cour de cassation, chambre civile (Tribunal de Cassação, Secção Cível), de 7 de março de 1855, Quertier, Bull. civ. n.o 31].


110      V., neste sentido, Kornezov, A., «Res Judicata of national judgments incompatible with EU law: time for a major rethink?», Common Market Law Review, n.o 51, 2014, pp. 809 e segs.


111      V., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 2018, XC e o. (C‑234/17, EU:C:2018:853, n.os 52 e 53 e jurisprudência aí referida).


112      V., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 2018, XC e o. (C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 54 e jurisprudência aí referida).


113      V., neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2009, Fallimento Olimpiclub (C‑2/08, EU:C:2009:506, n.os 29 a 31). De resto, essa conceção da autoridade do caso julgado não é comummente aceite nos Estados‑Membros. O princípio da autoridade do caso julgado penal em sede cível foi abandonado na Alemanha e em Espanha e é desconhecido dos países da Common law. Por último, nos Países Baixos e em Portugal, a lei dispõe que os elementos objeto de decisão do juiz penal apenas têm valor de presunções simples (v. Pradel, J., Droit pénal comparé, Précis Dalloz, 4.aa edição, 2016, pp. 564 a 567).


114      Acórdão de 20 de março de 2018 (C‑596/16 e C‑597/16, EU:C:2018:192, n.os 25, 28, 29 e 32 a 34).


115      V. Acórdão de 20 de março de 2018, Di Puma e Zecca (C‑596/16 e C‑597/16, EU:C:2018:192, n.os 32 a 34).