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CONCLUSÕES DO ADVOGADO GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ-BORDONA

apresentadas em 5 de outubro de 2023 (1)

Processo C661/22

ABC Projektai UAB, anteriormente Bruc Bond UAB

contra

Lietuvos bankas

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia)]

«Reenvio prejudicial — Operação de uma instituição de pagamento que consiste na detenção de fundos de clientes sem ordem de pagamento específica além do prazo legal de execução da operação de pagamento — Qualificação da operação — Diretiva (UE) 2015/2366 — Serviços de pagamento no mercado interno — Diretiva 2009/110/CE — Emissão de moeda eletrónica»






1.        A jurisprudência do Tribunal de Justiça respeitante às diretivas relativas aos serviços de pagamento (2) desenvolve‑se progressivamente (3), mas, salvo erro da minha parte, o Tribunal de Justiça apenas proferiu até agora um único acórdão (4) que interpreta a Diretiva 2009/110/CE (5), relativa à moeda eletrónica.

2.        O presente reenvio prejudicial permitirá ao Tribunal de Justiça clarificar o conceito de «moeda eletrónica». Concretamente, terá de se determinar se há emissão de moeda eletrónica (atividade sujeita, por conseguinte, à Diretiva 2009/110) quando um prestador de serviços de pagamento (a seguir «PSP») recebe fundos sem uma ordem de pagamento específica e os retém por um período mais longo do que o previsto na lei.

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Diretiva 2015/2366

3.        O artigo 4.o («Definições») estabelece:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

3.      “Serviço de pagamento”, uma atividade comercial constante do anexo I, ou várias dessas atividades;

4.      “Instituição de pagamento”, uma pessoa coletiva à qual tenha sido concedida autorização, nos termos do artigo 11.o, para prestar e executar serviços de pagamento em toda a União;

5.      “Operação de pagamento”, o ato, iniciado pelo ordenante ou em seu nome, ou pelo beneficiário, de depositar, transferir ou levantar fundos, independentemente de quaisquer obrigações subjacentes entre o ordenante e o beneficiário;

[…]

13.      “Ordem de pagamento”, uma instrução dada por um ordenante ou por um beneficiário ao seu prestador de serviços de pagamento requerendo a execução de uma operação de pagamento;

[…]»

4.        O artigo 18.o («Atividades») tem a seguinte redação:

«1.      Para além da prestação de serviços de pagamento, as instituições de pagamento são autorizadas a exercer as seguintes atividades:

a)      Prestação de serviços operacionais e serviços complementares estreitamente conexos, tais como garantias de execução de operações de pagamento, serviços cambiais, atividades de guarda, e ainda armazenamento e processamento de dados;

b)      Exploração de sistemas de pagamento, sem prejuízo do disposto no artigo 35.o;

c)      Atividades profissionais distintas da prestação de serviços de pagamento, nos termos do direito da União e do direito nacional aplicáveis.

2.      Caso as instituições de pagamento prestem um ou mais serviços de pagamento, só podem ser titulares de contas de pagamento que sejam exclusivamente utilizadas para operações de pagamento.

3.      Os fundos que as instituições de pagamento recebem dos utilizadores de serviços de pagamento tendo em vista a prestação de serviços de pagamento não constituem depósitos ou outros fundos reembolsáveis, na aceção do artigo 9.o da Diretiva 2013/36/UE, nem moeda eletrónica, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2009/110/CE.

[…]

5.      As instituições de pagamento não podem exercer a atividade de aceitação de depósitos ou outros fundos reembolsáveis na aceção do artigo 9.o da Diretiva 2013/36/UE.

[…]»

5.        O artigo 78.o («Receção de ordens de pagamento»), n.o 1, prevê:

«Os Estados‑Membros asseguram que o momento da receção seja o momento em que a ordem de pagamento é recebida pelo prestador de serviços de pagamento do ordenante.

A conta do ordenante não pode ser debitada enquanto não for recebida a ordem de pagamento […]»

6.        O artigo 83.o («Operações de pagamento para uma conta de pagamento»), n.o 1, dispõe:

«Os Estados‑Membros exigem que o prestador de serviços de pagamento do ordenante garanta que, após o momento da receção a que se refere o artigo 78.o, o montante da operação de pagamento seja creditado na conta do prestador de serviços de pagamento do beneficiário até ao final do primeiro dia útil seguinte. Esse prazo pode ser prorrogado por mais um dia útil no caso das operações de pagamento iniciadas em suporte papel.»

2.      Diretiva 2009/110

7.        Nos termos do seu artigo 2.o («Definições»):

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)      “Instituições de moeda eletrónica”, as pessoas coletivas autorizadas a emitir moeda eletrónica ao abrigo do título II da presente diretiva;

2)      “Moeda eletrónica”, o valor monetário armazenado eletronicamente, inclusive de forma magnética, representado por um crédito sobre o emitente e emitido após receção de fundos para fazer operações de pagamento na aceção do ponto 5 do artigo 4.o da Diretiva 2007/64/CE e que seja aceite por uma pessoa singular ou coletiva diferente do emitente de moeda eletrónica;

[…]»

8.        O artigo 10.o («Proibição de emitir moeda eletrónica») prevê:

«Sem prejuízo do disposto no artigo 18.o, os Estados‑Membros proíbem a emissão de moeda eletrónica às pessoas singulares ou coletivas que não sejam emitentes de moeda eletrónica.»

9.        Nos termos do artigo 11.o («Emissão e caráter reembolsável»):

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que os emitentes de moeda eletrónica emitam moeda eletrónica pelo valor nominal aquando da receção dos fundos.

2.      Os Estados‑Membros asseguram que, a pedido do portador, os emitentes de moeda eletrónica reembolsem, em qualquer momento e pelo valor nominal, o valor monetário detido em moeda eletrónica.

3.      O contrato entre o emitente de moeda eletrónica e o respetivo portador deve indicar de forma clara e destacada as condições de reembolso, incluindo quaisquer taxas relacionadas com o mesmo, devendo o portador ser informado dessas condições antes de se vincular a qualquer contrato ou oferta.

[…]»

B.      Direito lituano

1.      Lei relativa aos pagamentos (6)

10.      Nos termos do seu artigo 2.o, n.os 11 e 40, respetivamente, entende‑se por «beneficiário» uma pessoa singular ou coletiva, outra instituição ou subdivisão de uma instituição que conste de uma ordem de pagamento como destinatária dos fundos objeto da operação de pagamento; e por «ordenante» uma pessoa singular ou coletiva, outra instituição ou subdivisão de uma instituição que seja titular de uma conta de pagamento e que autorize uma ordem de pagamento a partir dessa conta ou, na ausência de conta de pagamento, que emite uma ordem de pagamento.

11.      Nos termos do seu artigo 5.o, são serviços de pagamento as operações de pagamento, incluindo a transferência de fundos depositados numa conta de pagamento aberta junto do prestador de serviços de pagamento do utilizador ou de outro prestador de serviços de pagamento; os débitos diretos, incluindo os de caráter pontual; as operações de pagamento através de um cartão de pagamento ou de um dispositivo similar ou transferências a crédito, incluindo ordens de domiciliação (ponto 3), bem como as transferências de fundos (ponto 6).

12.      Nos termos do artigo 6.o, n.o 3, as instituições de pagamento fazem parte dos prestadores de serviços de pagamento.

13.      O artigo 38.o, n.o 1, dispõe que o prestador de serviços de pagamento do ordenante reembolsa o ordenante do montante de uma operação de pagamento não autorizada imediatamente após ter tido conhecimento da operação ou após esta lhe ter sido comunicada, o mais tardar até ao final do primeiro dia útil seguinte, e, se for caso disso, repõe a conta de pagamento debitada na situação em que estaria se a operação de pagamento não autorizada não tivesse sido executada, exceto se o prestador de serviços de pagamento do ordenante tiver motivos fundados para suspeitar de fraude e comunicar por escrito esses motivos à autoridade de supervisão. O prestador de serviços de pagamento do ordenante deverá igualmente assegurar que o ordenante não sofra perdas resultantes dos juros devidos ao ou prestador de serviços de pagamento.

14.      O artigo 42.o, n.o 2, prevê que o utilizador de serviços de pagamento que emite a ordem de pagamento e o seu prestador de serviços de pagamento podem acordar que a execução da ordem de pagamento terá início numa data determinada, decorrido um determinado prazo ou ainda na data em que o ordenante colocar fundos à disposição do prestador de serviços de pagamento. Nesse caso, a data acordada é considerada a data da receção da ordem de pagamento. Se a data acordada não for um dia útil para o prestador de serviços de pagamento, considera‑se que a ordem de pagamento foi recebida no dia útil seguinte.

15.      O artigo 46.o, n.o 1, dispõe que o prestador de serviços de pagamento do ordenante garante que, após a receção da ordem de pagamento, o montante de uma operação de pagamento em euros realizada na Lituânia e destinada a outro Estado‑Membro seja creditado na conta do prestador de serviços de pagamento do beneficiário até ao final do primeiro dia útil seguinte, exceto no caso previsto no n.o 3 desse artigo. Esse prazo pode ser prorrogado de um dia útil no caso das operações de pagamento iniciadas em suporte papel.

16.      O artigo 46.o, n.o 3, prevê que, no caso de transferências na Lituânia em euros, o prestador de serviços de pagamento do ordenante deve garantir que, após a receção da ordem de pagamento, o montante da operação de pagamento seja creditado na conta do prestador de serviços de pagamento do beneficiário no mesmo dia se a ordem de pagamento tiver sido recebida num dia útil antes das 12 h 00. Se a ordem de pagamento tiver sido recebida após as 12 h 00, o prestador de serviços de pagamento do ordenante deve garantir que o montante da operação de pagamento é creditado na conta do prestador de serviços de pagamento do beneficiário até ao primeiro dia útil seguinte. Na situação prevista no artigo 42.o, n.o 2, dessa lei, o prestador de serviços de pagamento do ordenante garante que o montante da operação de pagamento é creditado na conta do prestador de serviços de pagamento do beneficiário no dia da execução da ordem de pagamento e, se esse dia não for um dia útil para o prestador do serviço de pagamento, no dia útil seguinte.

2.      Lei relativa às instituições de pagamento (7)

17.      O artigo 4.o, n.o 3, dispõe que uma instituição de pagamento que preste um ou mais serviços de pagamento pode ser titular de contas de pagamento exclusivamente utilizadas para a prestação de serviços de pagamento. Os fundos que a instituição de pagamento recebe dos utilizadores de serviços de pagamento tendo em vista a prestação de serviços de pagamento não constituem depósitos ou outros fundos reembolsáveis nem moeda eletrónica.

18.      O artigo 4.o, n.o 5, prevê que a instituição de pagamento não pode receber depósitos ou outros fundos reembolsáveis de operadores não profissionais do mercado nem emitir moeda eletrónica.

3.      Lei relativa à moeda eletrónica (8)

19.      Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, entende‑se por «moeda eletrónica» um valor monetário, representado por um crédito sobre o emitente, que é colocado em circulação quando os fundos são entregues ao emitente por pessoas singulares ou coletivas e que tem as características seguintes: é armazenado eletronicamente, inclusive de forma magnética, para efeitos de pagamento e aceite por outras pessoas que não o emitente de moeda eletrónica.

20.      O artigo 5.o proíbe a emissão de moeda eletrónica às pessoas singulares ou coletivas que não sejam emitentes de moeda eletrónica.

21.      O artigo 6.o, n.o 1, dispõe que os emitentes de moeda eletrónica emitem moeda eletrónica pelo valor nominal aquando da receção dos fundos de pessoas singulares ou coletivas.

II.    Matéria de facto, litígio e questão prejudicial

22.      A Bruc Bond UAB (posteriormente, ABC Projektai UAB) (9) era uma instituição autorizada pelo Lietuvos bankas (Banco da Lituânia) para prestar serviços de pagamento (10).

23.      Em 16 de abril de 2020, o Banco da Lituânia revogou a licença concedida à ABC Projektai invocando dez fundamentos, dos quais apenas um diz respeito ao presente reenvio prejudicial, a saber, o facto de ter emitido moeda eletrónica sem ter a qualidade de instituição de moeda eletrónica (a seguir «IME»).

24.      Segundo o Banco da Lituânia, a ABC Projektai tinha retido os fundos dos clientes por mais tempo do que o necessário para a execução das operações de pagamento ou por razões técnicas (11). A partir de 20 de fevereiro de 2017, as contas de seis clientes da ABC Projektai foram creditadas com fundos recebidos pelos clientes (pagamentos recebidos) sem um objetivo específico de pagamento e, as transferências de fundos (pagamentos efetuados) não foram efetuadas, durante vários dias (ou, em alguns casos, durante meses) (12), com exceção do débito das taxas da ABC Projektai.

25.      Para o Banco da Lituânia, este comportamento implicava a emissão de moeda eletrónica, embora a ABC Projektai alegue que avisou os clientes da necessidade de enviar ordens de pagamento e que, na falta de receção, procederia ao reembolso dos fundos, como afirma ter feito.

26.      A ABC Projektai recorreu da resolução do Banco da Lituânia no Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional, Vilnius, Lituânia), que negou provimento ao recurso em 8 de junho de 2021.

27.      A ABC Projektai interpôs recurso da decisão proferida em primeira instância para o Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia). Em substância, considera que, quando um serviço de pagamento não é prestado por uma IME e a emissão ou o resgate do valor nominal dos serviços eletrónicos não é a finalidade do serviço prestado, não constitui uma atividade relacionada com a emissão de moeda eletrónica.

28.      O Banco da Lituânia contesta o recurso, insistindo no facto de a ABC Projektai ter emitido moeda eletrónica sem estar autorizada a fazê‑lo. Alega que tal decorre da posição adotada pelo Conselho de Supervisão do próprio Banco da Lituânia no que respeita a fundos detidos em contas de pagamento (13). Acrescenta que essa posição teria sido adotada em concertação com a Comissão Europeia.

29.      Neste contexto, o Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia) submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, em que uma instituição de pagamento aceita fundos sem uma ordem de pagamento específica para os transferir no mesmo dia útil ou no dia útil seguinte e os fundos permanecem na conta da instituição de pagamento destinada à realização de operações de pagamento durante mais tempo do que os prazos de execução do serviço de pagamento fixados pela legislação, devem as ações da instituição de pagamento ser consideradas:

a)      uma parte de um pagamento de serviço ou uma operação de pagamento, conforme definidos no artigo 4.o, n.os 3 e 5, da [Diretiva 2015/2366], ou

b)      uma emissão de moeda eletrónica, conforme definida no artigo 2.o, n.o 2, da [Diretiva 2009/110]?»

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

30.      O pedido de decisão prejudicial foi registado no Tribunal de Justiça em 20 de outubro de 2022.

31.      Apresentaram observações escritas a ABC Projektai, os Governos Alemão, Checo, Polaco e Lituano, e a Comissão Europeia.

32.      Não foi considerada necessária a realização de audiência.

IV.    Apreciação

A.      Considerações preliminares: conceitos aplicáveis

1.      Moeda eletrónica

33.      A evolução digital está a transformar radicalmente a prestação de serviços financeiros e o setor dos pagamentos de pequeno montante está na vanguarda desta tendência (14). A legislação da União, de que se destaca a Diretiva 2015/2366, dificilmente poderá travar esta acelerada mudança tecnológica (15) e, por isso, a Comissão propôs a sua revogação e substituição por outra (16).

34.      Uma das novidades no âmbito da prestação de serviços de pagamento foi o surgimento da moeda eletrónica, emitida pelas IME e atualmente muito difundida (17). O seu regime encontrava‑se previsto na Diretiva 2000/46/CE (18) até à sua revogação pela Diretiva 2009/110 agora em vigor.

35.      O conceito de moeda eletrónica foi atualizado na Diretiva 2009/110, a fim de o tornar mais claro e mais neutro do ponto de vista técnico (19). Nos termos da definição que resulta do seu artigo 2.o, ponto 2, este conceito implica um valor monetário armazenado eletronicamente, inclusive de forma magnética (20):

—      representado por um crédito sobre o emitente;

—      emitido após receção de fundos para fazer operações de pagamento; e

—      que seja aceite por uma pessoa singular ou coletiva diferente do emitente de moeda eletrónica (21);

36.      Os produtos de moeda eletrónica podem basear‑se em hardware ou software, em função da tecnologia utilizada para armazenar o valor monetário. Existem igualmente modelos que combinam características baseadas em hardware e software.

37.      Quando se trate de produtos baseados em hardware, o poder de compra reside num dispositivo físico pessoal, como um cartão com chip eletrónico, com funções de segurança também baseadas em hardware. O valor monetário é normalmente transferido através de leitores de dispositivos que não requerem ligação de rede em tempo real a um servidor à distância.

38.      Os produtos à base de software utilizam software especializado que funciona em dispositivos pessoais comuns, como computadores ou tablets. Para permitir a transferência do valor monetário, o dispositivo pessoal exige geralmente o estabelecimento de uma ligação em linha a um servidor à distância que controla a utilização do poder de compra.

39.      O regime jurídico aplicável, por um lado, à moeda eletrónica e, por outro, aos serviços de pagamento está contido em duas diretivas distintas, mas relacionadas (22), cuja existência separada está a ser repensada (23).

2.      Serviços de pagamento, operação de pagamento e contas de pagamento

40.      O artigo 4.o da Diretiva 2015/2366 contém as definições dos conceitos que utiliza no seu articulado. Quanto ao que importa para este litígio:

—      No seu ponto 3, entende por «serviço de pagamento» as atividades comerciais constantes do anexo I. Entre essas atividades, pelo menos três envolvem interações com uma conta de pagamento (24).

—      No seu ponto 5, entende por «operação de pagamento» o ato, iniciado pelo ordenante ou em seu nome, ou pelo beneficiário, de depositar, transferir ou levantar fundos, independentemente de quaisquer obrigações subjacentes entre o ordenante e o beneficiário.

—      No seu ponto 12, considera «conta de pagamento» uma conta, detida em nome de um ou mais utilizadores de serviços de pagamento, utilizada para a execução de operações de pagamento (25).

B.      Análise da questão prejudicial

41.      O órgão jurisdicional de reenvio expõe claramente a situação com que se defronta. Descreve a atuação de uma instituição de pagamento que:

—      aceita fundos sem uma ordem de pagamento específica para os transferir no mesmo dia útil ou no dia útil seguinte; e

—      mantém esses fundos na conta da própria instituição durante mais tempo do que os prazos de execução do serviço de pagamento fixados pela legislação lituana.

42.      Com base nestes factos, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a atuação assim descrita deve ser abrangida pela Diretiva 2015/2366 ou, pelo contrário, deve ser qualificada de emissão de moeda eletrónica (26), conforme definida na Diretiva 2009/110 (27).

43.      Da Diretiva 2015/2366 constam as regras de execução das operações de pagamento quando os fundos assumem a forma de moeda eletrónica. Todavia, essa mesma diretiva não regula a emissão de moeda eletrónica abrangida pela Diretiva 2009/110. Os PSP, enquanto tais, não estão habilitados a emitir moeda eletrónica, atividade que exige uma autorização específica.

44.      O artigo 18.o da Diretiva 2015/2366 prevê que:

—      As instituições de pagamento que prestem um ou mais serviços de pagamento (28) só podem ser titulares de contas de pagamento (29) que sejam exclusivamente utilizadas para operações de pagamento (n.o 2).

—      «Os fundos que as instituições de pagamento recebem dos utilizadores de serviços de pagamento tendo em vista a prestação de serviços de pagamento não constituem depósitos ou outros fundos reembolsáveis […], nem moeda eletrónica […]» (n.o 3).

45.      Nas reflexões que se seguem, defenderei que a retenção, por uma instituição de pagamento, dos fundos recebidos de um utilizador constitui, em princípio, uma operação que pressupõe a gestão de uma conta de pagamento. Na minha opinião, não perde essa natureza quando esses fundos são mantidos durante mais tempo do que os prazos fixados pela legislação para a execução de ordens de pagamento relativas aos mesmos (30).

46.      Por conseguinte, à primeira vista, a atividade descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio constitui, um serviço de pagamento, conforme definido no artigo 4.o, ponto 3, e no anexo I da Diretiva 2015/2366.

47.      Ora, seria (teoricamente) possível que essa atividade implicasse a emissão de moeda eletrónica, sujeita à Diretiva 2009/110?

48.      Para responder a esta dúvida, importa ponderar, em primeiro lugar, a incidência de que exista um determinado prazo para que um PSP execute as ordens de pagamento recebidas do utilizador e, em segundo lugar, se a atividade descrita no despacho de reenvio pode ser incluída nas abrangidas pela Diretiva 2009/110.

1.      Prazo de execução das ordens de pagamento

49.      O artigo 83.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2366 fixa um prazo curto para que o PSP do ordenante credite o montante da operação de pagamento na conta do beneficiário (mais precisamente, na conta do PSP do beneficiário) (31).

50.      Esse prazo começa a correr a partir do momento da receção da ordem de pagamento. Ora, nos termos do artigo 78.o, n.o 2, o PSP e o ordenante podem acordar outra data como «momento da receção para efeitos do artigo 83.o» da Diretiva 2015/2366 (32).

51.      Como salienta o Governo Checo (33), o artigo 78.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2366 ficaria desprovido de sentido se o PSP tivesse a obrigação de respeitar o prazo do artigo 83.o, n.o 1, a contar da receção dos fundos e não a partir da receção da ordem de pagamento do ordenante.

52.      O prazo de execução do artigo 83.o da Diretiva 2015/2366 começa a correr a partir da receção da ordem de pagamento, e não quando o titular da conta de pagamento transfere fundos para essa conta. Por outras palavras, o prazo não começa a correr no momento da receção dos fundos se o ordenante não tiver emitido uma ordem de pagamento relativa a esses fundos.

53.      A ligação entre o prazo de execução da operação de pagamento e a receção da ordem de pagamento garante que o PSP atua em conformidade com um ato iniciado pelo ordenante (artigo 4.o, ponto 5, da Diretiva 2015/2366) ou com uma instrução dada pelo ordenante (artigo 4.o, ponto 13, da Diretiva 2015/2366).

54.      Essa ligação justifica que o titular possa (como é frequente) transferir fundos para a sua conta de pagamento, sem fazer acompanhar essa transferência de uma ordem de pagamento. O titular está habilitado a manter fundos na conta a partir da qual serão executadas futuras ordens de pagamento. Logicamente, o PSP não poderá executar uma ordem de pagamento recebida na ausência de fundos na conta de pagamento do ordenante.

55.      Na mesma ordem de ideias, a Diretiva 2015/2366 refere hipóteses de serviços de pagamento que necessitam para a sua boa execução de uma disponibilidade «contínua» de fundos na conta de pagamento. Por exemplo, a execução dos débitos diretos (34) pressupõe, de certo modo, uma disponibilidade contínua de fundos na conta de pagamento: seria muito pouco operacional para o utilizador fazer a transferência de fundos para cada débito com uma antecedência mínima, com o risco adicional de eventuais variações do montante do débito.

56.      A disponibilidade contínua de fundos na conta de pagamento é igualmente patente em situações como a do artigo 78.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2366, que prevê a execução a posteriori e num prazo acordado de ordens de pagamento.

57.      Pelo contrário, o Governo Lituano e o órgão jurisdicional de reenvio parecem sugerir que haverá emissão de moeda eletrónica se o PSP receber fundos numa conta de pagamento sem que o titular transmita ordens de pagamento para a sua execução, caso em que o PSP deveria proceder ao reembolso destes fundos e não retê‑los (pendentes) na conta de pagamento. Foi esta a alegação do Banco da Lituânia relativamente à ABC Projektai.

58.      Penso que esta argumentação não encontra apoio na Diretiva 2015/2263, no que respeita à conversão dos fundos em moeda eletrónica.

59.      Em meu entender, uma PSP violará essa diretiva (35), embora mantendo‑se no seu âmbito de aplicação, se receber ordens de pagamento e não as executar nos termos dos seus artigos 78.o e 83.o Ao violar as disposições contratuais aplicáveis à gestão da conta de pagamento, o PSP poderia igualmente incorrer na responsabilidade prevista no artigo 89.o da Diretiva 2015/2366, mas tal não implicaria a conversão dos fundos em moeda eletrónica. Essa conversão não ocorre pelo simples facto de os fundos serem transferidos e retidos numa conta de pagamento para efeitos da execução de ordens de pagamento futuras.

60.      A Diretiva 2015/2366, salvo casos expressamente determinados, procede a uma harmonização total (artigo 107.o, n.o 1). Consequentemente, as regras nacionais que se lhe oponham não devem ser aplicadas, como seria o caso se um Estado‑Membro fixasse um prazo obrigatório para que o PSP executasse ordens de pagamento a contar da receção dos fundos na conta do ordenante.

61.      O artigo 10.o da Diretiva 2015/2366 exige a salvaguarda dos fundos do utilizador de serviços de pagamento detidos pelo PSP, providenciando‑se no sentido: a) de que não sejam agregados aos fundos de qualquer pessoa singular ou coletiva distinta dos utilizadores dos serviços de pagamento em nome dos quais os fundos são detidos, b) ou de que sejam cobertos por uma apólice de seguro ou outra garantia equivalente, prestada por uma companhia de seguros ou instituição de crédito que não pertença ao mesmo grupo do próprio PSP.

62.      Por conseguinte, não existe risco para o utilizador quando este transfere para uma conta de pagamento ou nela mantém fundos durante um período de tempo e emite posteriormente ordens de pagamento a partir desses fundos. Será a contar da receção dessa ordem de pagamento que o PSP deverá proceder à sua execução com a celeridade exigida pelo artigo 83.o da Diretiva 2015/2366.

63.      Os fundos recebidos pelos PSP dos utilizadores que dispõem de uma conta de pagamento só podem ser utilizados para operações de pagamento (artigo 18.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2366). Por conseguinte, devem estar sempre disponíveis e sob controlo do titular da conta, que não receberá juros se os mantiver na conta para realizar operações de pagamento futuras. Estes fundos, como já salientei aquando da transcrição do artigo 18.o, n.o 3, da Diretiva 2015/2366, não constituem depósitos ou outros fundos reembolsáveis, na aceção do artigo 9.o da Diretiva 2013/36, nem moeda eletrónica.

2.      Elementos determinantes para a emissão de moeda eletrónica

64.      Pode deduzir‑se da definição constante da Diretiva 2009/110 e de outras disposições desta que a emissão de moeda eletrónica inclui os seguintes elementos (36):

—      O utilizador disponibiliza fundos à IME e esta cria um ativo suplementar por um montante não inferior a esse valor monetário. O pré‑pagamento constitui o ponto de partida para a emissão de moeda eletrónica.

—      O utilizador e a IME celebram um contrato nos termos do qual esta emite moeda eletrónica para realizar operações de pagamento. O destino da moeda eletrónica consiste precisamente em servir de instrumento do pagamento que o utilizador fará a uma pessoa que aceita essa modalidade monetária.

—      A moeda eletrónica é armazenada eletronicamente, inclusive de forma magnética.

—      O valor monetário representa um direito (um crédito) do utilizador sobre o emitente. Este último obriga‑se a reembolsá‑lo (37), a pedido do seu portador (38).

—      A moeda eletrónica é aceite como meio de pagamento por uma pessoa singular ou coletiva diferente do emitente.

65.      Na minha opinião, que, no essencial, coincide com a da ABC Projektai e com a dos Governos Alemão, Checo e Polaco, bem como com a da Comissão, nas circunstâncias expostas pelo órgão jurisdicional de reenvio não estão reunidos alguns dos elementos indispensáveis para considerar que a atividade da ABC Projektai constituía uma emissão de moeda eletrónica.

66.      Em primeiro lugar, como acabei de explicar, a emissão de moeda eletrónica exige um acordo específico, estipulado num contrato. O utilizador deve acordar com a IME entregar‑lhe, sob esta fórmula, os fundos correspondentes, com vista a efetuar operações de pagamento. A IME emite moeda eletrónica precisamente porque o utilizador exprime a sua vontade de beneficiar desta modalidade e entrega‑lhe esses fundos para os destinar aos seus pagamentos posteriores.

67.      Ora, sem prejuízo da apreciação final do órgão jurisdicional de reenvio, nada nos autos revela que esse contrato tenha existido, nem que o utilizador tenha manifestado a sua vontade de que a ABC Projektai emita moeda eletrónica pelo valor monetário dos fundos entregues. Transferir fundos para uma conta de pagamento e mantê‑los na mesma sem ordenar imediatamente operações de pagamento no valor desses fundos não implica uma manifestação de vontade (tácita) do utilizador para a emissão de moeda eletrónica.

68.      É verdade que a componente subjetiva, ou seja, a finalidade (39) prosseguida pelo utilizador, não seria determinante em si se não se traduzisse num contrato com a IME, contrato que constitui um elemento estrutural (e, nessa mesma medida, objetivo) da emissão de moeda eletrónica.

69.      Nesse contrato, a vontade das duas partes deve ficar clara, de forma que o utilizador e a IME acordem expressamente que esta última emite moeda eletrónica pelo valor monetário dos fundos recebidos do utilizador. Se assim não fosse, estaríamos perante uma transferência de fundos para uma conta de pagamento para que o PSP ou a mesma IME (40) prestem serviços de pagamento em favor do utilizador.

70.      Em segundo lugar, nas circunstâncias referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, também não está preenchido o requisito de pré‑pagamento, que constitui outro elemento distintivo da moeda eletrónica. A partir do pré‑pagamento, a IME beneficia do controlo dos fundos que o utilizador lhe entregou para realizar pagamentos posteriores, uma vez estes convertidos em moeda eletrónica.

71.      Na emissão de moeda eletrónica, o controlo dos fundos cabe à IME (41) e não ao utilizador que utiliza o valor monetário como instrumento de pagamento. Até ao termo do contrato, a IME controla os fundos recebidos do utilizador (42) sob a forma de valor monetário armazenado eletronicamente. A moeda eletrónica constitui um ativo suplementar criado pela IME com base nesses fundos.

72.      Em contrapartida, nos serviços de pagamento prestados com base numa conta de pagamento, é o utilizador e não o PSP que controla, em qualquer momento, os fundos transferidos para essa conta.

73.      No presente processo, sem prejuízo da apreciação do órgão jurisdicional de reenvio, não parece que o controlo dos fundos das contas de pagamento fosse realizado pela ABC Projektai, mas sim pelos titulares dessas contas, que podiam a todo o momento dirigir‑lhe ordens de pagamento com vista à sua execução.

74.      Em terceiro lugar, sendo a moeda eletrónica um ativo suplementar controlado pela IME, esta instituição deve dispor de uma contabilidade específica que permita a aplicação do método concreto de cálculo dos seus fundos próprios, previsto no artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2009/110.

75.      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a ABC Projecktai dispunha dessa contabilidade específica para a moeda eletrónica e para o cálculo das exigências de fundos próprios, aspeto que não pode ser deduzido das informações fornecidas ao Tribunal de Justiça.

76.      Em quarto lugar, nas contas de pagamento, o titular detém o controlo dos fundos, como acabei de sublinhar, e pode levantá‑los à sua vontade. No caso da moeda eletrónica, o ordenante pode igualmente solicitar à IME o «reembolso» do que não tenha utilizado para efetuar pagamentos a terceiros. Todavia, a reconversão da moeda eletrónica no seu valor nominal e o subsequente pagamento dos fundos por ordem do portador da moeda eletrónica dependerão das condições estabelecidas no contrato celebrado entre o utilizador e a IME que, por exemplo, pode prever o pagamento de taxas pelo cliente em caso de reembolso antecipado (43).

77.      É o que prevê o artigo 11.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2009/110, ao dispor que:

—      o contrato entre o emitente de moeda eletrónica e o respetivo portador deve indicar de forma clara e destacada as condições de reembolso, incluindo quaisquer taxas relacionadas com o mesmo, devendo o portador ser informado dessas condições antes de se vincular a qualquer contrato ou oferta; e

—      o reembolso apenas pode ser sujeito a uma taxa se tal for declarado no contrato, nos termos do n.o 3, e num dos seguintes casos: a) o reembolso ser pedido antes da expiração do contrato; b) o contrato fixar uma data de expiração e o portador denunciar o contrato antes dessa data; ou c) o reembolso ser pedido mais de um ano após a data de expiração do contrato. A referida taxa deve ser proporcional e baseada nos custos efetivamente suportados pelo emitente de moeda eletrónica.

78.      Cabe, mais uma vez, ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se foi celebrado um contrato entre o utilizador e a IME estipulando essas condições de reembolso claras e destacadas, como pressuposto da emissão da moeda eletrónica.

79.      Em quinto lugar, a moeda eletrónica é armazenada eletronicamente, inclusive de forma magnética, e só pode ser utilizada com utilizadores que a aceitem de forma voluntária (44) e que disponham dos instrumentos para a sua utilização. Em contrapartida, as ordens de pagamento executadas a partir de uma conta de pagamento devem ser aceites pelos PSP de todos os operadores económicos.

80.      Não resulta dos elementos dos autos que a ABC Projektai dispusesse de dinheiro armazenado eletronicamente ou de forma magnética, utilizável com uma rede de clientes que o aceitasse de forma voluntária. Pelo contrário, tudo parece indicar que se tratava de fundos depositados em contas de pagamento e utilizáveis apenas para executar as ordens de pagamento dos utilizadores.

81.      Em definitivo, sem prejuízo das verificações do órgão jurisdicional de reenvio, a atividade controvertida está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2015/2366 e não pode ser qualificada de emissão de moeda eletrónica conforme definida na Diretiva 2009/110.

V.      Conclusão

82.      Atendendo ao exposto, proponho que se responda ao Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia) nos seguintes termos:

«O artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva 2009/110/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao acesso à atividade das instituições de moeda eletrónica, ao seu exercício e à sua supervisão prudencial, que altera as Diretivas 2005/60/CE e 2006/48/CE e revoga a Diretiva 2000/46/CE, e o artigo 4.o, pontos 3 e 5, da Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, que altera as Diretivas 2002/65/CE, 2009/110/CE e 2013/36/UE e o Regulamento (UE) n.o 1093/2010, e que revoga a Diretiva 2007/64/CE,

devem ser interpretados no sentido de que:

a atividade de uma instituição de pagamento que consiste em aceitar fundos de um utilizador sem que tenha sido celebrado um contrato para a emissão de moeda eletrónica a partir desses fundos não é regulada pela Diretiva 2009/110, mas sim pela Diretiva 2015/2366.

O mesmo acontece quando, na falta desse contrato, a instituição de pagamento aceita fundos do utilizador sem uma ordem de pagamento específica para os transferir no mesmo dia útil ou no dia útil seguinte e os fundos permanecem na conta da instituição de pagamento destinada à realização de operações de pagamento durante mais tempo do que os prazos de execução do serviço de pagamento fixados legalmente para a prestação dos serviços de pagamento.»


1      Língua original: espanhol.


2      A diretiva atualmente em vigor é a Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, que altera as Diretivas 2002/65/CE, 2009/110/CE e 2013/36/UE e o Regulamento (UE) n.o 1093/2010, e que revoga a Diretiva 2007/64/CE (JO 2015, L 337, p. 35).


3      Entre outros, Acórdãos de 9 de abril de 2014, T‑Mobile Austria (C‑616/11, EU:C:2014:242); de 4 de outubro de 2018, ING‑DiBa Direktbank Austria (C‑191/17, EU:C:2018:809); de 11 de abril de 2019, Mediterranean Shipping Company (Portugal) — Agentes de Navegação (C‑295/18, EU:C:2019:320); de 11 de novembro de 2020, DenizBank (C‑287/19, EU:C:2020:897); de 2 de setembro de 2021, CRCAM (C‑337/20, EU:C:2021:671); e de 23 de março de 2023, Beobank (C‑351/21, EU:C:2023:215).


4      Acórdão de 16 de janeiro de 2019, Paysera LT (C‑389/17, EU:C:2019:25). A seguir «Acórdão Paysera LT».


5      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao acesso à atividade das instituições de moeda eletrónica, ao seu exercício e à sua supervisão prudencial, que altera as Diretivas 2005/60/CE e 2006/48/CE e revoga a Diretiva 2000/46/CE (JO 2009, L 267, p. 7).


6      Lietuvos Respublikos mokėjimų įstatymas (Lei da República da Lituânia relativa aos pagamentos), na versão aplicável ao litígio, em vigor desde 20 de outubro de 2019. Esta lei procede à transposição da Diretiva 2015/2366 para o direito lituano.


7      Lietuvos Respublikos mokėjimo įstaigų įstatymas (Lei da República da Lituânia relativa às instituições de pagamento), na versão aplicável ao litígio, em vigor desde 1 de agosto de 2018.


8      Lietuvos Respublikos elektroninių pinigų ir elektroninių pinigų įstaigų įstatymas (Lei da República da Lituânia relativa à moeda eletrónica e às instituições de moeda eletrónica), na versão aplicável ao litígio, em vigor desde 1 de agosto de 2018. Esta lei procede à transposição da Diretiva 2009/110 para o direito lituano.


9      A seguir utilizarei a nova denominação para me referir à instituição.


10      A licença de 13 de outubro de 2016 permitia‑lhe prestar os seguintes serviços de pagamento: execução de operações de pagamento, incluindo a transferência de fundos depositados numa conta de pagamento aberta junto do PSP do utilizador dos serviços de pagamento ou de outro PSP: execução de débitos diretos, incluindo os de caráter pontual; execução de operações de pagamento através de um cartão de pagamento ou de um dispositivo similar e execução de transferências a crédito, incluindo ordens de domiciliação e transferências de dinheiro.


11      No âmbito do litígio, é pacífico entre as partes que a ABC Projektai reteve os fundos por mais tempo do que o necessário, embora tenha sido demonstrado que, em alguns casos, não conseguiu executar ordens de pagamento devido ao facto de os clientes não terem especificado a finalidade do pagamento. Além disso, consta que devolveu todos os fundos que lhe foram transferidos sem uma ordem de pagamento.


12      O plano de negócios da ABC Projektai especifica que essa instituição não controla os fundos por mais tempo do que o necessário para realizar as operações; que os fundos são mantidos na conta por um período não superior a 48 horas; e que são devolvidos ao ordenante se não for efetuada uma ordem de pagamento no prazo de 48 horas. Segundo o Banco da Lituânia, a ABC Projektai não cumpriu estes requisitos.


13      Trata‑se da Lietuvos Banko Priežiūros tarnybos pozicija dėl mokėjimo sąskaitose laikomų lėšų (Posição do Conselho de Supervisão do Banco da Lituânia no que respeita a fundos detidos em contas de pagamento), adotada pelo Lietuvos banko Priežiūros tarnybos direktoriaus 2016 m. vasario 29 d. sprendimas Nr. 241‑53 (Resolução n.o 241‑53 do Diretor do Conselho de Supervisão do Banco da Lituânia, de 29 de fevereiro de 2016). Segundo o despacho de reenvio, nessa posição declara‑se que um PSP «apenas pode receber fundos numa conta de pagamento por si aberta em conjugação com uma ordem de pagamento que deve ser executada dentro dos prazos fixados na Lei relativa aos pagamentos […], e deve tomar medidas suficientes para assegurar que os fundos recebidos de terceiros na conta de pagamento do cliente não sejam detidos por mais tempo do que o necessário para executar os pagamentos devidos. Se estas condições não forem cumpridas, os fundos detidos na conta de pagamento do [PSP] devem ser considerados depósitos ou outros fundos reembolsáveis ou moeda eletrónica».


14      V. BCE, Study on the payment attitudes of consumers in the euro area (SPACE 2022), Francoforte sobre o Meno, 2023, https://www.ecb.europa.eu/stats/ecb_surveys/space/html/ecb.spacereport202212~783ffdf46e.en.html; bem como o Documento COM (2020) 592 final, de 27 de setembro de 2020, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre uma Estratégia para os pagamentos de pequeno montante na UE.


15      Como indicava a Comissão em A Study on the application and impact of the Directive (EU) 2015/2366 on Payment Services (PSD2), FISMA/2021/OP/0002, https://op.europa.eu/en/publication‑detail/‑/publication/f6f80336‑a3aa‑11ed‑b508‑01aa75ed71a1/language‑en.


16      Documento COM(2023) 366 final, de 28 de junho de 2023, Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos serviços de pagamento e aos serviços de moeda eletrónica no mercado interno que altera a Diretiva 98/26/CE e revoga as Diretivas 2015/2366/UE e 2009/110/CE.


17      Existem atualmente muitas empresas que prestam serviços de moeda eletrónica. Entre estas, a Paypal, a Apple Pay, a Google Pay e a Amazon Pay.


18      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de setembro de 2000, relativa ao acesso à atividade das instituições de moeda eletrónica e ao seu exercício, bem como à sua supervisão prudencial (JO 2000, L 275, p. 39).


19      Considerando 7 da Diretiva 2009/110: «[é] conveniente estabelecer uma definição clara do conceito de “moeda eletrónica” que seja neutra do ponto de vista técnico. Essa definição deverá abranger todas as situações em que o prestador de serviços de pagamento emita em troca de fundos um determinado valor pré‑pago armazenado, que pode ser utilizado para fins de pagamento por ser aceite como pagamento por terceiros.»


20      Considerando 8 da Diretiva 2009/110: «[a]definição de moeda eletrónica deverá abranger tanto a moeda eletrónica mantida num dispositivo de pagamento na posse do utilizador da moeda eletrónica como a que é armazenada eletronicamente num servidor e gerida pelo utilizador de moeda eletrónica através de uma conta específica para moeda eletrónica. Esta definição deverá ser suficientemente ampla para evitar os entraves à inovação tecnológica e incluir não só todos os produtos de moeda eletrónica atualmente disponíveis no mercado, mas também os produtos que poderão vir a ser desenvolvidos no futuro».


21      De um modo geral, considera‑se moeda eletrónica um depósito eletrónico de valor monetário num dispositivo técnico que pode ser utilizado para efetuar pagamentos a instituições diferentes do emitente. O dispositivo funciona como um instrumento ao portador de pré‑pagamento, que não implica necessariamente contas bancárias nas transações. V. BCE, Electronic money, em https://www.ecb.europa.eu/stats/money_credit_banking/electronic_money/html/index.es.html.


22      Sobre estas interações v. Riefa C., «Directive 2009/110 on the taking up, pursuit and prudential supervision of the business of electronic money institutions and Directive 2015/2366/EU on the control of electronic payments in the EU», em Lodder, R., e Murray, A. (eds.): EU Regulation of ECommerce. A Commentary, Elgar Commentaries series, Edward Elgar, Londres, 2017, pp. 157 a 160.


23      A Comissão opta por fundir as duas diretivas na proposta de nova diretiva constante do Documento COM/2023/366 final, referido supra na nota 16.


24      Nomeadamente, os serviços que permitam depositar numerário numa conta de pagamento, bem como todas as operações necessárias para a gestão dessa conta; os serviços que permitam levantar numerário de uma conta de pagamento, bem como todas as operações necessárias para a gestão dessa conta; a execução de operações de pagamento, incluindo a transferência de fundos depositados numa conta de pagamento aberta junto do PSP do utilizador ou de outro PSP: a) execução de débitos diretos, incluindo os de caráter pontual, b) execução de operações de pagamento através de um cartão de pagamento ou de um dispositivo similar, c) execução de transferências a crédito, incluindo ordens de domiciliação.


25      A Diretiva 2015/2366 não define especificamente o que se deve entender por «gestão de uma conta de pagamento».


26      Como se recorda no Acórdão Paysera LT, n.o 24, a Diretiva 2009/110 não define o conceito de «emissão de moeda eletrónica».


27      As dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio são compreensíveis, uma vez que a diferença entre os serviços de pagamento e a emissão de moeda eletrónica não é evidente para todos os PSP. Este facto foi sublinhado na Opinion of the European Banking Authority on its technical advice on the review of Directive (EU) 2015/2036 on payment services in the internal market (PSD2), EBA/Op/2022/06, de 23 de junho de 2022, p. 25.


28      Quanto aos conceitos de serviços de pagamento e de utilizador de serviços de pagamento, v. Acórdão de 11 de abril de 2019, Mediterranean Shipping Company (Portugal) — Agentes de Navegação (C‑295/18, EU:C:2019:320, n.os 37 a 48 e 54).


29      V. Diretiva 2014/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014, relativa à comparabilidade das comissões relacionadas com as contas de pagamento, à mudança de conta de pagamento e ao acesso a contas de pagamento com características básicas (JO 2014, L 257, p. 214). No Acórdão de 4 de outubro de 2018, ING‑DiBa Direktbank Austria (C‑191/17, EU:C:2018:809), afirma‑se que «a possibilidade de efetuar, a partir de uma conta, operações de pagamento a favor de um terceiro ou de beneficiar de tais operações efetuadas por um terceiro é um elemento constitutivo do conceito de “conta de pagamento”» (n.o 31) e que «[u]ma conta a partir da qual tais operações de pagamento não possam ser efetuadas diretamente, mas seja necessário recorrer a uma conta intermediária, não pode, portanto, ser considerada uma “conta de pagamento”, no sentido da diretiva contas de pagamento e, em consequência, no sentido da Diretiva Serviços de Pagamento» (n.o 32).


30      A Comissão defendeu essa opinião na sua resposta de 12 de março de 2012 à pergunta ID 2018/4221 (Ability of a payment account operated by a payment institution to hold a credit balance in readiness for future payment transactions), disponível em EBA, Single Rulebook Q&A, Question ID 2018_4221, https://www.eba.europa.eu/single‑rule‑book‑qa/‑/qna/view/publicId/2018_4221. Segundo a Comissão, «[…] A payment institution may hold clients’ funds on payment accounts for the purpose of providing payment services, including the execution of not yet specified future payment transactions, in accordance with the framework contract for setting up the referred payment account […]».


31      «Os Estados‑Membros exigem […] que […] o montante da operação de pagamento seja creditado na conta do prestador de serviços de pagamento do beneficiário até ao final do primeiro dia útil seguinte. Esse prazo pode ser prorrogado por mais um dia útil no caso das operações de pagamento iniciadas em suporte papel».


32      O artigo 78.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2366 exige que os Estados‑Membros assegurem que o momento da receção seja o momento em que a ordem de pagamento é recebida pelo PSP do ordenante e dispõe que a conta do ordenante não pode ser debitada enquanto não for recebida a ordem de pagamento. Nos termos do seu n.o 2, «[s]e o utilizador de serviços de pagamentos que emite a ordem de pagamento e o prestador de serviços de pagamento acordarem em que a execução da ordem de pagamento terá início numa data determinada ou decorrido um determinado prazo, ou ainda na data em que o ordenante colocar fundos à disposição do prestador de serviços de pagamento, considera‑se que o momento da receção para efeitos do artigo 83.o é a data acordada».


33      N.o 8 das suas observações escritas.


34      «Débito direto» é um «serviço de pagamento que consiste em debitar a conta de pagamento de um ordenante, sendo a operação de pagamento iniciada pelo beneficiário com base no consentimento dado pelo ordenante ao beneficiário, ao prestador de serviços de pagamento do beneficiário ou ao prestador de serviços de pagamento do próprio ordenante» (artigo 4.o, ponto 23, da Diretiva 2015/2366).


35      Sujeitando‑se, nesse caso, à responsabilidade prevista no artigo 89.o da Diretiva 2015/2366.


36      V. análise detalhada de Storrer, P., Droit de la monnaie électronique, RB Édition, Paris, 2014, p. 41 e segs.


37      No n.o 27 do Acórdão Paysera LT, o Tribunal de Justiça declarou que o «reembolso» consiste na reconversão da moeda eletrónica no seu valor nominal e o subsequente pagamento dos fundos por ordem do portador da moeda eletrónica. Não se impõe «[…] que esses fundos sejam depositados na conta do portador da moeda eletrónica ou na conta de um terceiro».


38      O artigo 11.o, n.o 2, da Diretiva 2009/110 obriga que, a pedido do portador da moeda eletrónica, os emitentes desta reembolsem, em qualquer momento e pelo valor nominal, o valor monetário detido em moeda eletrónica. Como especificado pela Comissão, o contrato celebrado entre o emitente e o utilizador pode prever determinadas condições para o reembolso, incluindo o pagamento de taxas, se tal for solicitado dentro de um determinado prazo.


39      A importância da finalidade na emissão de moeda eletrónica decorre, a contrario sensu, do artigo 18.o, n.o 3, da Diretiva 2015/2366. A finalidade da transferência de fundos é também referida no Acórdão Paysera LT, n.os 29, 32 e 33, no que respeita às atividades associadas à emissão de moeda eletrónica.


40      Além de prestarem serviços de emissão de moeda eletrónica e de gerirem esses ativos, as IME podem prestar serviços de pagamento aos utilizadores através de contas de pagamento.


41      O controlo das IME sobre os montantes destinados à emissão de moeda eletrónica justifica que as exigências de fundos próprios sejam mais elevadas para essas instituições (artigo 5.o da Diretiva 2009/110) do que para as instituições que atuam como PSP. V., a esse respeito, Acórdão Paysera LT, n.os 18 a 22.


42      Logicamente, o utilizador tem o direito de efetuar pagamentos a partir da moeda eletrónica.


43      V, neste sentido, carta de 26 de outubro de 2015, enviada pela Comissão ao Banco da Lituânia (anexo I das observações da Comissão).


44      A título de exemplo, não é possível pagar com PayPal a um operador económico que não aceite este tipo de moeda eletrónica nas suas transações.