Language of document : ECLI:EU:C:2024:356

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

25 de abril de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Regulamento (CE) n.o 1107/2009 — Autorização de colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos — Exame para autorização — Artigo 4.o — Artigo 29.o — Requisitos — Inexistência de efeito nocivo — Critérios — Propriedades desreguladoras do sistema endócrino — Regulamento (UE) 2018/605 — Princípio da precaução — Estado atual dos conhecimentos científicos e técnicos»

Nos processos apensos C‑309/22 e C‑310/22,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica, Países Baixos), por Decisões de 3 de maio de 2022, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 11 de maio de 2022, nos processos

Pesticide Action Network Europe (PAN Europe)

contra

College voor de toelating van gewasbeschermingsmiddelen en biociden

sendo intervenientes:

Adama Registrations BV (Adama) (C‑309/22),

BASF Nederland BV (C‑310/22),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, N. Piçarra e M. Gavalec (relator), juízes,

advogado‑geral: L. Medina,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Pesticide Action Network Europe (PAN Europe), por H. Muilerman e G. Simon, experts, e M. R. J. Baneke, advocaat,

–        em representação da Adama Registrations BV (Adama), por E. Broeren e A. Freriks, advocaten,

–        em representação da BASF Nederland BV, por E. Broeren e A. Freriks, advocaten,

–        em representação do Governo Neerlandês, por M. K. Bulterman e J. M. Hoogveld, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Checo, por S. Šindelková, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Helénico, por K. Konsta, E.‑E. Krompa, E. Leftheriotou e M. Tassopoulou, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. C. Becker e M. ter Haar, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 28 de setembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.os 1 e 3, e do artigo 29.o, n.o 1, alíneas a) e e), do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414/CEE do Conselho (JO 2009, L 309, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2018/605 da Comissão, de 19 de abril de 2018, que altera o anexo II do Regulamento (CE) n.o 1107/2009, estabelecendo critérios científicos para a determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino (JO 2018, L 101, p. 33 e retificação no JO 2018, L 111, p. 10) (a seguir «Regulamento n.o 1107/2009»), lidos em conjugação com o ponto 3.6.5 do anexo II deste regulamento, bem como com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e com o artigo 2.o do Regulamento 2018/605.

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem a Pesticide Action Network Europe (PAN Europe) ao College voor de toelating van gewasbeschermingsmiddelen en biociden (Conselho para a autorização dos produtos fitofarmacêuticos e biocidas, Países Baixos) (a seguir «CTGB»), a respeito do indeferimento, por este último, respetivamente, por um lado, da reclamação da PAN Europe contra a decisão daquele Conselho no sentido de autorizar a colocação no mercado neerlandês do produto fitofarmacêutico Pitcher que contém a substância ativa fludioxonil e, por outro, da reclamação apresentada pela PAN Europe contra a decisão do CTGB de autorizar a colocação no mercado neerlandês do produto fitofarmacêutico Dagonis que contém a substância ativa difenoconazol.

 Quadro jurídico

 Regulamento n.o 1107/2009

3        Os considerandos 8, 24 e 29 do Regulamento n.o 1107/2009 referem:

«(8)      O presente regulamento tem por objetivo garantir um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente, preservando simultaneamente a competitividade da agricultura da Comunidade. Deverá prestar‑se especial atenção à proteção de grupos populacionais vulneráveis, incluindo grávidas, lactentes e crianças. O princípio da precaução deverá ser aplicado e o presente regulamento deverá garantir que a indústria demonstre que as substâncias ou produtos produzidos ou colocados no mercado não têm quaisquer efeitos nocivos na saúde humana ou animal, nem qualquer efeito inaceitável no ambiente.

[…]

(24)      As disposições que regulamentam as autorizações deverão ser garantia de um nível elevado de proteção. Em particular, ao conceder autorizações a produtos fitofarmacêuticos, o objetivo de proteger a saúde humana e animal e o ambiente deverá ter primazia sobre o de melhorar a produção vegetal. Assim, antes de os produtos fitofarmacêuticos serem colocados no mercado, deverá demonstrar‑se que apresentam um benefício claro em termos de produção vegetal e que não têm qualquer efeito nocivo na saúde humana ou animal, nomeadamente na dos grupos vulneráveis, nem quaisquer efeitos inaceitáveis no ambiente.

[…]

(29)      O princípio do reconhecimento mútuo é um dos meios de assegurar a livre circulação de mercadorias na Comunidade. Para evitar duplicações de esforços, para reduzir a carga administrativa para o setor e para os Estados‑Membros e permitir uma maior harmonização da disponibilidade dos produtos fitofarmacêuticos, as autorizações concedidas por um Estado‑Membro deverão ser aceites pelos outros Estados‑Membros sempre que as suas condições agrícolas, fitossanitárias e ambientais (incluindo climáticas) sejam comparáveis. Assim, a Comunidade deverá ser dividida em zonas com condições comparáveis para facilitar esse reconhecimento mútuo. No entanto, as circunstâncias ambientais ou agrícolas específicas do território de um ou mais Estados‑Membros podem requerer que, mediante pedido, os Estados‑Membros reconheçam ou modifiquem a autorização concedida por outro Estado‑Membro, ou recusem autorizar o produto fitofarmacêutico no seu território, se isso se justificar devido a circunstâncias ambientais ou agrícolas específicas ou se o elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente exigido pelo presente regulamento não puder ser alcançado. Podem também ser impostas condições apropriadas no que se refere aos objetivos definidos no plano de ação nacional aprovado em conformidade com a Diretiva 2009/128/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, que estabelece um quadro de ação a nível comunitário para uma utilização sustentável dos pesticidas [(JO 2009, L 309, p. 71)].»

4        O artigo 1.o deste regulamento, sob a epígrafe «Objeto e finalidade», prevê, nos n.os 3 e 4:

«3.      O presente regulamento visa assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente e melhorar o funcionamento do mercado interno através da harmonização das normas relativas à colocação no mercado dos produtos fitofarmacêuticos, melhorando simultaneamente a produção agrícola.

4.      As disposições do presente regulamento assentam no princípio da precaução, a fim de garantir que as substâncias ativas ou os produtos colocados no mercado não afetem negativamente a saúde humana ou animal ou o ambiente. Em particular, os Estados‑Membros não podem ser impedidos de aplicar o princípio da precaução se existir incerteza científica acerca dos riscos para a saúde humana ou animal ou para o ambiente colocados pelos produtos fitofarmacêuticos a autorizar no seu território.»

5        No capítulo II do referido regulamento, intitulado «Substâncias ativas, protetores de fitotoxicidade, agentes sinérgicos e coformulantes», o artigo 4.o, sob a epígrafe «Critérios de aprovação de substâncias ativas», prevê, nos seus n.os 1 e 3:

«1.      As substâncias ativas são aprovadas nos termos do anexo II se, à luz dos atuais conhecimentos científicos e técnicos, for previsível que os produtos fitofarmacêuticos que as contêm preenchem os requisitos previstos nos n.os 2 e 3, tendo em conta os critérios de aprovação previstos nos pontos 2 e 3 daquele anexo.

A avaliação das substâncias ativas determina, em primeiro lugar, se foram satisfeitos os critérios de aprovação previstos nos pontos 3.6.2 a 3.6.4 e 3.7 do anexo II. Se esses critérios tiverem sido satisfeitos, a avaliação prossegue a fim de determinar se foram satisfeitos os restantes critérios de aprovação previstos nos pontos 2 e 3 do anexo II.

[…]

3.      Os produtos fitofarmacêuticos, na sequência da sua aplicação de acordo com as boas práticas fitossanitárias e em condições realistas de utilização, devem cumprir os seguintes requisitos:

a)      Serem suficientemente eficazes;

b)      Não terem efeitos nocivos imediatos ou a prazo na saúde humana, nomeadamente na dos grupos de pessoas vulneráveis, ou na saúde animal, diretamente ou através da água potável (tendo em conta as substâncias resultantes do tratamento da água potável), dos géneros alimentícios, dos alimentos para animais ou do ar, nem consequências no local de trabalho, nem outros efeitos indiretos, tendo em conta os efeitos cumulativos e sinérgicos conhecidos, caso estejam disponíveis métodos científicos aceites pela Autoridade [Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA)] para os avaliar, nem nas águas subterrâneas;

c)      Não terem quaisquer efeitos inaceitáveis nos vegetais ou nos produtos vegetais;

d)      Não provocarem sofrimentos nem dores desnecessários aos animais vertebrados a controlar;

e)      Não terem efeitos inaceitáveis no ambiente, tendo particularmente em conta o seguinte, caso estejam disponíveis métodos científicos aceites pela [EFSA] para avaliar esses efeitos:

[…]»

6        Do capítulo III do Regulamento n.o 1107/2009, intitulado «Produtos fitofarmacêuticos», consta uma secção 1, relativa à autorização, cuja subsecção 1, intitulada «Requisitos e conteúdos», inclui os artigos 28.o a 32.o do regulamento.

7        O artigo 29.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Requisitos para autorização de colocação no mercado», prevê:

«1.      Sem prejuízo do artigo 50.o, um produto fitofarmacêutico apenas é autorizado se, de acordo com os princípios uniformes referidos no n.o 6, cumprir os seguintes requisitos:

a)      As suas substâncias ativas, protetores de fitotoxicidade e agentes sinérgicos foram aprovados;

[…]

e)      À luz dos atuais conhecimentos científicos e técnicos, cumpre os requisitos constantes do n.o 3 do artigo 4.o;

[…]

6.      Os princípios uniformes aplicáveis à avaliação e autorização dos produtos fitofarmacêuticos devem incluir os requisitos fixados no anexo VI da Diretiva 91/414/CEE [do Conselho, de 15 de julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO 1991, L 230, p. 1),] e ser estabelecidos em regulamentos aprovados pelo procedimento consultivo a que se refere o n.o 2 do artigo 79.o sem alterações substanciais. As subsequentes alterações a esses regulamentos são aprovadas nos termos da alínea c) do n.o 1 do artigo 78.o

De acordo com estes princípios, a interação entre a substância ativa, os protetores de fitotoxicidade, os agentes sinérgicos e os coformulantes deve ser tida em conta na avaliação dos produtos fitofarmacêuticos.»

8        Os artigos 33.o a 39.o constam da subsecção 2, intitulada «Procedimento de aprovação», que figura na secção 1, relativa à autorização, do capítulo III do Regulamento n.o 1107/2009.

9        Em conformidade com o artigo 36.o deste regulamento, sob a epígrafe «Exame para autorização»:

«1.      O Estado‑Membro que examina o pedido faz uma avaliação independente, objetiva e transparente à luz dos conhecimentos científicos e técnicos atuais, usando os documentos orientadores disponíveis na altura do pedido. O Estado‑Membro deve dar a todos os Estados‑Membros da mesma zona a oportunidade de apresentarem comentários a tomar em consideração na avaliação.

Este Estado‑Membro aplica os princípios uniformes para a avaliação e autorização dos produtos fitofarmacêuticos, referidos no n.o 6 do artigo 29.o, para determinar, na medida do possível, se o produto fitofarmacêutico cumpre os requisitos constantes do artigo 29.o na mesma zona ao ser utilizado de acordo com o artigo 55.o e em condições realistas de utilização.

O Estado‑Membro que examina o pedido disponibiliza a sua avaliação aos restantes Estados‑Membros da mesma zona. O modelo do relatório de avaliação é estabelecido pelo procedimento consultivo a que se refere o n.o 2 do artigo 79.o

2.      Os Estados‑Membros em questão concedem ou recusam as autorizações de acordo com as conclusões da avaliação efetuada pelo Estado‑Membro que examina o pedido, nos termos dos artigos 31.o e 32.o

3.      Em derrogação do n.o 2 e sem prejuízo do direito comunitário, podem ser impostas condições apropriadas no que se refere aos requisitos constantes dos n.os 3 e 4 do artigo 31.o, bem como outras medidas de redução dos riscos decorrentes de condições de utilização específicas.

Caso o estabelecimento das medidas nacionais de redução do risco referidas no primeiro parágrafo não permita dar resposta às preocupações de um Estado‑Membro em matéria de saúde humana ou animal ou ambiente, o Estado‑Membro pode recusar a autorização do produto fitofarmacêutico no seu território se, devido a circunstâncias ambientais ou agrícolas específicas, tiver razões fundamentadas para considerar que o produto em causa continua a constituir um risco inaceitável para a saúde humana ou animal ou para o ambiente.

Esse Estado‑Membro deve informar imediatamente o requerente e a Comissão [Europeia] da sua decisão e justificá‑la do ponto de vista técnico ou científico.

Os Estados‑Membros devem prever a possibilidade de impugnação da decisão de recusa de autorização do produto nos tribunais nacionais ou noutras instâncias de recurso.»

10      Os artigos 43.o a 46.o constam da subsecção 4, intitulada «Renovação, retirada e alteração», que figura na secção 1, relativa à autorização, do capítulo III do Regulamento n.o 1107/2009.

11      Os artigos 69.o a 71.o constam do capítulo IX desse Regulamento, intitulado «Situações de emergência».

12      O artigo 69.o do referido regulamento, com a epígrafe «Medidas de emergência», tem a seguinte redação:

«Caso seja evidente que uma substância ativa, um protetor de fitotoxicidade, um agente sinérgico ou um coformulante aprovados, ou um produto fitofarmacêutico autorizado nos termos do presente regulamento, são suscetíveis de constituir um risco grave para a saúde humana ou animal ou para o ambiente, e que esse risco não pode ser contido satisfatoriamente através de medidas adotadas pelos Estados‑Membros em causa, são imediatamente adotadas medidas para restringir ou proibir a utilização e/ou venda dessa substância ou desse produto pelo procedimento de regulamentação a que se refere o n.o 3 do artigo 79.o, por iniciativa da Comissão ou a pedido de um Estado‑Membro. Antes da adoção das referidas medidas, a Comissão examina os factos e pode solicitar um parecer à [EFSA]. A Comissão pode fixar um prazo [à EFSA] para a emissão desse parecer.»

13      O anexo I do Regulamento n.o 1107/2009 estabelece três zonas de autorização de produtos fitofarmacêuticos [zona A (Norte), zona B (Centro) e zona C (Sul)] e define os Estados‑Membros que pertencem a cada uma dessas zonas.

14      O anexo II deste regulamento tem por objeto o procedimento e critérios para a aprovação de substâncias ativas, de protetores de fitotoxicidade e de agentes sinérgicos em conformidade com o capítulo II. No referido anexo II, o título 3, intitulado «Critérios para a aprovação de uma substância ativa», cujo subtítulo 3.6 é intitulado «Impacto na saúde humana».

15      O ponto 3.6.5 deste anexo II prevê, com efeitos a partir de 10 de novembro de 2018, os critérios específicos com base nos quais uma substância ativa, um protetor de fitotoxicidade ou um agente sinérgico devem ser considerados como tendo propriedades perturbadoras do sistema endócrino que podem causar efeitos adversos no ser humano.

16      O ponto 3.8.2 deste anexo II prevê, com efeitos a partir de 10 de novembro de 2018, os critérios específicos com base nos quais uma substância ativa, um protetor de fitotoxicidade ou um agente sinérgico devem ser considerados como tendo propriedades perturbadoras do sistema endócrino que podem causar efeitos adversos no ser humano.

 Regulamento (UE) n.o 546/2011

17      Nos termos do artigo 1.o do Regulamento (UE) n.o 546/2011 da Comissão, de 10 de junho de 2011, que dá execução ao Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito aos princípios uniformes aplicáveis à avaliação e autorização dos produtos fitofarmacêuticos (JO 2011, L 155, p. 127), adotado com base no artigo 29.o, n.o 6, e no artigo 84.o do Regulamento n.o 1107/2009:

«Os princípios uniformes aplicáveis à avaliação e autorização dos produtos fitofarmacêuticos previstos no artigo 29.o, n.o 6, do Regulamento [n.o 1107/2009] são os estabelecidos no anexo do presente regulamento.»

18      A parte I do anexo do Regulamento n.o 546/2011, relativa aos «[p]rincípios uniformes aplicáveis à avaliação e autorização dos produtos fitofarmacêuticos químicos», contém um título A, intitulado «Introdução», cujo ponto 2 tem a seguinte redação:

«Ao avaliarem os pedidos e concederem as autorizações, os Estados‑Membros:

[…]

c)      Devem ter em conta outras informações técnicas ou científicas de que possam razoavelmente dispor, relativas ao desempenho do produto fitofarmacêutico ou aos efeitos potencialmente adversos do produto fitofarmacêutico, dos seus componentes ou dos seus resíduos.»

19      Esta parte I inclui um título B, intitulado «Avaliação», cujo ponto 1.1 enuncia:

«Os Estados‑Membros devem avaliar as informações referidas no ponto 2 da parte A em função do estado dos conhecimentos científicos e técnicos e devem, nomeadamente:

a)      Avaliar as características do produto fitofarmacêutico em termos de eficácia e de fitotoxicidade, relativamente a cada uma das utilizações para as quais é requerida autorização; e

b)      Identificar os perigos que o produto apresenta, avaliar a sua significância e apreciar os riscos potenciais para o homem, os animais ou o ambiente.»

 Regulamento 2018/605

20      Os considerandos 1, 2, 5 e 8 do Regulamento 2018/605 enunciam:

«(1)      Devem estabelecer‑se critérios científicos para a determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino das substâncias ativas, dos protetores de fitotoxicidade e dos agentes sinérgicos, tomando em conta os objetivos do Regulamento (CE) n.o 1107/2009, ou seja, assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente, garantindo em especial que as substâncias ou produtos colocados no mercado não tenham efeitos nocivos na saúde humana ou animal nem efeitos inaceitáveis no ambiente, e reforçar o funcionamento do mercado interno melhorando simultaneamente a produção agrícola.

(2)      A Organização Mundial da Saúde (OMS), através do seu Programa Internacional de Segurança Química, propôs, em 2002, uma definição de desreguladores endócrinos […] e, em 2009, uma definição de efeitos adversos […]. Essas definições são atualmente objeto de um consenso geral na comunidade científica. A [EFSA] aprovou essas definições no seu parecer científico sobre desreguladores endócrinos adotado em 28 de fevereiro de 2013 […]. O Comité Científico da Segurança dos Consumidores também partilha este ponto de vista […]. Por conseguinte, é adequado basear os critérios para a determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino nas referidas definições da OMS.

[…]

(5)      Os critérios científicos específicos estabelecidos pelo presente regulamento refletem os conhecimentos científicos e técnicos atuais e devem ser aplicados em vez dos critérios atualmente enunciados no ponto 3.6.5 do anexo II do Regulamento [n.o 1107/2009], pelo que devem constar desse anexo.

[…]

(8)      Os critérios para a determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino refletem o estado atual dos conhecimentos científicos e técnicos e permitem identificar com mais rigor as substâncias ativas que apresentam essas propriedades. Os novos critérios devem, pois, ser aplicáveis com a maior brevidade possível, embora tendo em conta o tempo necessário para que os Estados‑Membros e a Autoridade se preparem para aplicar esses critérios. Por conseguinte, esses critérios devem aplicar‑se a partir de 20 de outubro de 2018, exceto nos casos em que o comité competente tenha procedido à votação de um projeto de regulamento até 20 de outubro de 2018. A Comissão examinará as implicações para cada procedimento pendente ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 e, se necessário, tomará medidas adequadas, respeitando devidamente os direitos dos requerentes. Para este efeito, poderão ser pedidas informações suplementares ao requerente e/ou uma contribuição científica adicional do Estado‑Membro relator e da Autoridade.»

21      O artigo 2.o deste regulamento dispõe:

«O ponto 3.6.5 e o ponto 3.8.2 do anexo II do Regulamento [n.o 1107/2009], com a redação que lhes é dada pelo presente regulamento, são aplicáveis a partir de 10 de novembro de 2018, exceto no caso de procedimentos em que o comité tenha procedido à votação de um projeto de regulamento até 10 de novembro de 2018.»

 Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

 Processo C309/22

22      O Pitcher é um produto fitofarmacêutico, mais especificamente um fungicida para uso profissional, destinado ao tratamento por imersão de determinadas culturas de bolbos e tubérculos de flores e ao tratamento de determinadas culturas perenes e florícolas. É composto por uma mistura das substâncias ativas fludioxonil e folpete e sete auxiliares de formulação.

23      A validade da aprovação da substância ativa fludioxonil, ao abrigo do Regulamento n.o 1107/2009, foi prorrogada na União Europeia, até 31 de outubro de 2022, pelo Regulamento de Execução (UE) 2021/1449 da Comissão, de 3 de setembro de 2021, que altera o Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 no que se refere à prorrogação dos períodos de aprovação das substâncias ativas 2‑fenilfenol (incluindo os seus sais, tal como o sal de sódio), 8‑hidroxiquinolina, amidossulfurão, bifenox, clormequato, clortolurão, clofentezina, clomazona, cipermetrina, daminozida, deltametrina, dicamba, difenoconazol, diflufenicão, dimetacloro, etofenproxe, fenoxaprope‑P, fenepropidina, fludioxonil, flufenacete, fostiazato, indoxacarbe, lenacil, MCPA, MCPB, nicossulfurão, óleos parafínicos, óleo parafínico, penconazol, piclorame, propaquizafope, prossulfocarbe, quizalofope‑P‑etilo, quizalofope‑P‑tefurilo, enxofre, tetraconazol, trialato, triflussulfurão e tritossulfurão (JO 2021, L 313, p. 20).

24      A validade da aprovação do folpete, como substância ativa, ao abrigo do Regulamento n.o 1107/2009, foi prorrogada na União, até 31 de julho de 2022, pelo Regulamento de Execução (UE) 2021/745 da Comissão, de 6 de maio de 2021, que altera o Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 no que se refere à prorrogação dos períodos de aprovação das substâncias ativas sulfato de alumínio e amónio, silicato de alumínio, beflubutamida, bentiavalicarbe, bifenazato, boscalide, carbonato de cálcio, captana, dióxido de carbono, cimoxanil, dimetomorfe, etefão, extrato de Melaleuca alternifolia, famoxadona, resíduos de destilação de gorduras, ácidos gordos C7 a C20, flumioxazina, fluoxastrobina, flurocloridona, folpete, formetanato, ácido giberélico, giberelinas, heptamaloxiloglucano, proteínas hidrolisadas, sulfato de ferro, metazacloro, metribuzina, milbemectina, Paecilomyces lilacinus estirpe 251, fenemedifame, fosmete, pirimifos‑metilo, óleos vegetais/óleo de colza, hidrogenocarbonato de potássio, propamocarbe, protioconazol, areia de quartzo, óleo de peixe, repulsivos olfativos de origem animal ou vegetal/gordura de ovino, S‑metolacloro, feromonas lepidópteras de cadeia linear, tebuconazol e ureia (JO 2021, L 160, p. 89).

25      Foram apresentados pedidos de renovação da validade dessas aprovações, que, à data do pedido de decisão prejudicial, ainda não tinham obtido resposta.

26      Em 15 de setembro de 2015, a Adama Registrations BV (Adama) apresentou, nos Países Baixos, um pedido de primeira autorização de colocação no mercado do Pitcher.

27      Por Decisão de 4 de outubro de 2019, o CTGB concedeu essa autorização até 31 de julho de 2021.

28      A PAN Europe reclamou desta decisão. O CTGB declarou essa reclamação infundada, por Decisão de 2 de setembro de 2020.

29      A PAN Europe interpôs então um recurso de anulação da Decisão de 2 de setembro de 2020 no College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica, Países Baixos), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

30      Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a PAN Europe alega que o CTGB não avaliou as propriedades desreguladoras do sistema endócrino da substância ativa fludioxonil. Uma vez que esta substância, contida no produto Pitcher, possui tais propriedades, o CTGB deveria ter recusado a autorização de colocação no mercado neerlandês do Pitcher. Segundo a PAN Europe, no contexto do exame do pedido de autorização de colocação no mercado, o CTGB deve avaliar as propriedades desreguladoras do sistema endócrino do produto fitofarmacêutico à luz do estado dos conhecimentos científicos e técnicos à data da decisão desse pedido.

31      O CTGB alega, no órgão jurisdicional de reenvio, que as propriedades desreguladoras do sistema endócrino não têm de ser reavaliadas no contexto do exame do pedido de autorização do produto fitofarmacêutico em causa, do qual a substância ativa aprovada é um componente. Em seu entender, os novos critérios científicos para determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino, conforme resultam do Regulamento 2018/605, apenas dizem respeito à aprovação da substância ativa fludioxonil ou à revisão da aprovação dessa substância ativa ao nível da União. Além disso, os fatores determinantes para efeitos da avaliação dos riscos relativos a esse produto são o estado dos conhecimentos científicos e técnicos, bem como os documentos de orientação, disponíveis à data do pedido de autorização de colocação no mercado do produto fitofarmacêutico.

32      Partindo da premissa de que as propriedades desreguladoras do sistema endócrino devem ser avaliadas aquando do exame a nível nacional de um pedido de autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, antes de mais, se o artigo 2.o do Regulamento 2018/605 implica que a autoridade nacional competente é obrigada a aplicar os novos critérios de determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino, enunciados por este regulamento, incluindo no âmbito dos procedimentos iniciados antes de 10 de novembro de 2018, data de aplicação desses novos critérios, que ainda estavam pendentes nessa data.

33      Salienta, a este respeito, que o pedido de autorização de colocação no mercado do Pitcher foi apresentado antes de 10 de novembro de 2018, ou seja, em 15 de setembro de 2015, e que o CTGB tomou uma decisão a este respeito após 10 de novembro de 2018, concretamente, em 4 de outubro de 2019. Por conseguinte, o Regulamento 2018/605 entrou em vigor quando este pedido estava pendente.

34      Em seguida, na hipótese de os novos critérios de determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino não serem aplicáveis no âmbito dos processos iniciados antes de 10 de novembro de 2018 e que ainda estavam pendentes nessa data, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se esses processos devem ser suspensos enquanto se aguardam as conclusões da Comissão sobre as consequências do Regulamento 2018/605, tendo em conta o considerando 8 deste regulamento.

35      Por último, caso os referidos procedimentos não devam ser suspensos, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se basta que a autoridade nacional competente efetue uma avaliação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino do produto fitofarmacêutico em causa apenas com base nos dados conhecidos aquando do pedido de autorização de colocação desse produto no mercado, mesmo que, à data da adoção da decisão sobre esse pedido, os conhecimentos científicos e técnicos a que se refere esse pedido já não sejam atuais.

36      Nestas circunstâncias, o College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Resulta do artigo 2.o do Regulamento 2018/605 que a autoridade competente deve igualmente aplicar os novos critérios para a determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino no processo de avaliação e de decisão dos pedidos de autorização pendentes em 10 de novembro de 2018, tendo também em conta o artigo 29.o, n.o 1, proémio e alínea e), em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009?

2.      Em caso de resposta negativa à primeira questão, incumbe à autoridade competente ter em conta o processo de avaliação e de decisão dos pedidos de autorização enquanto aguarda as conclusões da [Comissão] sobre as consequências do Regulamento 2018/605 para todos os processos pendentes no âmbito do Regulamento n.o 1107/2009, tendo em conta o considerando 8 do preâmbulo do Regulamento 2018/605?

3.      Em caso de resposta negativa à segunda questão, pode a autoridade competente limitar‑se a efetuar uma avaliação com base unicamente nos dados conhecidos no momento do pedido, mesmo que os conhecimentos científicos e técnicos aí incluídos no momento da adoção da decisão recorrida já não estejam atualizados?»

 Processo C310/22

37      O Dagonis é um produto fitofarmacêutico, mais especificamente um fungicida destinado, nomeadamente, a lutar contra o oídio e a septoriose. Contém as substâncias ativas difenoconazol e fluxapiroxade.

38      A substância ativa difenoconazol foi inscrita no anexo I da Diretiva 91/414 pela Diretiva 2008/69/CE da Comissão, de 1 de julho de 2008, que altera a Diretiva 91/414/CEE do Conselho com o objetivo de incluir as substâncias ativas clofentezina, dicamba, difenoconazol, diflubenzurão, imazaquina, lenacil, oxadiazão, piclorame e piriproxifena (JO 2008, L 172, p. 9), enquanto substância ativa cuja incorporação é autorizada nos produtos fitofarmacêuticos, com efeito a partir de 1 de janeiro de 2009.

39      Após a entrada em vigor do Regulamento n.o 1107/2009, esta inclusão do difenoconazol foi convertida numa aprovação, como substância ativa, ao abrigo deste regulamento, pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 da Comissão, de 25 de maio de 2011, que dá execução ao Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito à lista de substâncias ativas aprovadas (JO 2011, L 153, p. 1).

40      A validade dessa aprovação do difenoconazol foi prorrogada várias vezes, nomeadamente pelo Regulamento de Execução (UE) 2021/1449, até 31 de dezembro de 2022.

41      O órgão jurisdicional de reenvio indica que o Regulamento de Execução (UE) 2015/408 da Comissão, de 11 de março de 2015, que dá execução ao artigo 80.o, n.o 7, do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, e que estabelece uma lista de substâncias candidatas para substituição (JO 2015, L 67, p. 18), designa o difenoconazol como uma substância ativa candidata para substituição.

42      O fluxapiroxade foi aprovado como substância ativa pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 589/2012 da Comissão, de 4 de julho de 2012, que aprova a substância ativa fluxapiroxade, em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, e que altera o anexo do Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 da Comissão Texto relevante para efeitos do EEE (JO 2012, L 175, p. 7), com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2013 e termo previsto para 31 de dezembro de 2022.

43      A BASF Nederland BV solicitou a autorização de colocação no mercado do Dagonis em vários Estados‑Membros.

44      No que diz respeito ao Reino dos Países Baixos, este pedido foi apresentado em 22 de janeiro de 2016, pelo que cabia a este Estado‑Membro decidir da autorização desse produto, enquanto Estado‑Membro em causa, na aceção do artigo 36.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1107/2009.

45      Para a zona B (Centro), que inclui o Reino dos Países Baixos, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte procedeu a uma avaliação científica dos riscos relativos ao Dagonis, enquanto Estado‑Membro que examina o pedido ao abrigo do artigo 36.o, n.o 1 daquele regulamento.

46      Por Decisão de 3 de maio de 2019, o CTGB concedeu ao Dagonis uma autorização de introdução no mercado nos Países Baixos, até 31 de dezembro de 2020, para o tratamento da batata, do morango e de diversos produtos hortícolas, plantas aromáticas e flores.

47      A PAN Europe apresentou reclamação desta decisão no CTGB, que, por Decisão de 13 de novembro de 2019, indeferiu parcialmente a reclamação e confirmou a Decisão de 3 de maio de 2019, alterando os seus fundamentos.

48      A PAN Europe interpôs recurso de anulação da Decisão de 13 de novembro de 2019 perante o órgão jurisdicional de reenvio.

49      Nesse órgão jurisdicional, a PAN Europe alegou que o CTGB não avaliou as propriedades desreguladoras do sistema endócrino do Dagonis e que, por conseguinte, não deveria ter autorizado a sua colocação no mercado neerlandês. A este respeito, resulta do dossiê fornecido pela BASF Nederland e de seis estudos apresentados pela PAN Europe que a substância ativa difenoconazol tem essas propriedades. Segundo a PAN Europe, decorre do artigo 29.o, n.o 1, alínea e), lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009, bem como do Acórdão de 1 de outubro de 2019, Blaise e o. (C‑616/17, EU:C:2019:800), que o CTGB deve avaliar as propriedades desreguladoras endócrinas de um produto fitofarmacêutico, no âmbito do exame do pedido de autorização deste, à luz dos conhecimentos científicos e técnicos existentes à data da decisão sobre esse pedido. A PAN Europe alega que do Regulamento 2018/605 e do documento «Guidance for the Identification of endocrine disruptors in the context of Regulations (EU) n. o 528/2012 and (EC) n. o 1107/2009» [Guia para a identificação dos desreguladores endócrinos no âmbito dos Regulamentos (UE) n.o 528/2012 e (CE) n.o 1107/2009], elaborado pela EFSA, decorrem novos critérios de avaliação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino, com os quais o Dagonis não é conforme.

50      O CTGB alega, perante o órgão jurisdicional de reenvio, que estas propriedades não têm de ser reavaliadas no âmbito do exame do pedido de autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico do qual a substância ativa aprovada é um componente. Na sua opinião, decorre nomeadamente do ponto 3.6.5 do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009, do Regulamento 2018/605 e do documento da EFSA referido no número anterior do presente acórdão que os novos critérios para a determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino apenas dizem respeito à aprovação da substância ativa ou à revisão da sua aprovação ao nível da União. O CTGB alega que, para que seja concedida uma autorização de colocação no mercado, basta que esteja cumprido o requisito previsto no artigo 29.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1107/2009, ao abrigo do qual a substância ativa deve ser aprovada. Por outro lado, o Regulamento 2018/605 só se aplica às decisões de aprovação tomadas após 10 de novembro de 2018. Ora, a decisão de aprovação da substância ativa difenoconazol foi adotada em 1 de julho de 2008.

51      A BASF Nederland, que apoia a posição do CTGB perante o órgão jurisdicional de reenvio, alega que as propriedades desreguladoras do sistema endócrino da substância ativa difenoconazol foram tidas em conta na análise do pedido de autorização do Dagonis, como resulta da avaliação de base («Core Assessment») efetuada pelo Reino Unido, da qual resulta que foi estudada a exposição de peixes‑zebra ao difenoconazol com vista a identificar eventuais efeitos desreguladores endócrinos.

52      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, primeiro, sobre o mérito da abordagem segundo a qual resulta do artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, lido em conjugação com o ponto 3.6.5 do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009, que as propriedades desreguladoras do sistema endócrino não devem ser avaliadas aquando do exame, a nível nacional, de um pedido de autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico.

53      Segundo, indica que, se esta abordagem for considerada correta, não há que ter em conta os conhecimentos científicos sobre as propriedades desreguladoras do sistema endócrino no contexto do exame do pedido de autorização de colocação no mercado do Dagonis, como as que estão subjacentes ao Regulamento n.o 283/2013 da Comissão, de 1 de março de 2013, que estabelece os requisitos em matéria de dados aplicáveis às substâncias ativas, em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO 2013, L 93, p. 1), e ao Regulamento 2018/605. No entanto, resulta do artigo 29.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1107/2009 que este exame deve ser efetuado com base nos atuais conhecimentos científicos e técnicos.

54      Terceiro, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, caso as objeções respeitantes às propriedades desreguladoras do sistema endócrino de uma substância ativa só possam ser suscitadas no âmbito de um procedimento de aprovação dessa substância, coloca‑se a questão de saber se uma organização não governamental como a PAN Europe pode levantar essas objeções. A este respeito, resulta do Despacho de 28 de setembro de 2016, PAN Europe e o./Comissão (T‑600/15, EU:T:2016:601), nomeadamente do seu n.o 62, que tal organização não pode contestar diretamente em juízo a aprovação de uma substância ativa e que, por conseguinte, não dispõe de nenhuma via de recurso efetivo no que respeita às propriedades desreguladoras do sistema endócrino das substâncias ativas aprovadas que são incorporadas em produtos fitofarmacêuticos cuja colocação no mercado é pedida.

55      Quarto, uma vez que, tendo em conta o artigo 29.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1107/2009, as propriedades desreguladoras do sistema endócrino podem ser avaliadas em sede de exame de um pedido de autorização de colocação no mercado nacional de um produto fitofarmacêutico que contém a substância ativa em causa, coloca‑se a questão de saber se as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais devem apreciar os fundamentos invocados contra a aprovação da substância ativa com base nos conhecimentos científicos e técnicos existentes no momento da decisão a adotar a respeito do referido pedido de autorização nacional ou no momento da aprovação da substância ativa.

56      Nestas circunstâncias, o College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Resulta da leitura conjugada do artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, com o ponto 3.6.5. do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009 que as eventuais propriedades desreguladoras do sistema endócrino [também designadas pela expressão “propriedades perturbadoras do sistema endócrino”] de uma substância ativa deixaram de ser incluídas na avaliação, a nível nacional, do pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico?

2.      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, tal significa que os conhecimentos científicos e técnicos relativos às propriedades desreguladoras do sistema endócrino, como, por exemplo, os que estão na base dos Regulamentos n.o 283/2013 e 2018/605, não são tomados em consideração na avaliação da autorização de um produto fitofarmacêutico? Como se concilia tal conclusão com a exigência imposta pelo artigo 29.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1107/2009, de que a referida avaliação deve ser efetuada à luz dos conhecimentos científicos e técnicos atuais?

3.      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, como pode uma organização não governamental como a recorrente exercer o direito à ação, na aceção do artigo 47.o da Carta, para impugnar judicialmente a aprovação de uma substância ativa?

4.      Em caso de resposta negativa à primeira questão, tal significa que são decisivos, no momento da avaliação de um pedido de autorização, os conhecimentos científicos e técnicos atuais relativos às propriedades desreguladoras do sistema endócrino?»

57      Por Decisão de 10 de maio de 2023, os processos C‑309/22 e C‑310/22 foram apensados para efeitos da fase oral e do acórdão.

 Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

58      Na sequência da leitura das Conclusões da advogada‑geral, em 28 de setembro de 2023, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 23 de outubro de 2023, a Adama e a BASF Nederland pediram a reabertura da fase oral, nos termos do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

59      Ao abrigo desta disposição, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal de Justiça, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

60      No seu pedido, a Adama e a BASF Nederland alegam que o Tribunal de Justiça não dispõe de informações suficientes para proferir uma decisão nos processos apensos C‑309/22 e C‑310/22, que as suas observações escritas não foram suficientemente tidas em consideração nas conclusões da advogada‑geral e que estas incluem elementos sobre os quais a Adama e a BASF Nederland não se puderam pronunciar.

61      A este respeito, cabe recordar que, por força do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, o advogado‑geral apresenta publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção, para o assistir no cumprimento da sua missão que é assegurar o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados.

62      O Tribunal de Justiça não está vinculado nem pelas referidas conclusões nem pela fundamentação na qual o advogado‑geral baseia essas mesmas conclusões. Além disso, nem o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia nem o Regulamento de Processo preveem a possibilidade de as partes apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral. Por conseguinte, o desacordo de um interessado com as conclusões do advogado‑geral não constitui, em si, um fundamento que justifique a reabertura da fase oral do processo (Acórdão de 28 de setembro de 2023, LACD, C‑133/22, EU:C:2023:710, n.o 22 e jurisprudência referida).

63      No caso em apreço, uma vez que, por um lado, a Adama e a BASF Nederland se limitam, em substância, a contestar certas passagens das conclusões da advogada‑geral e a apresentar observações sobre o conteúdo destas e que, por outro, o Tribunal de Justiça não está vinculado pela descrição dos argumentos jurídicos tal como figura nessas conclusões, não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão prejudicial no processo C309/22 e quanto à primeira e quarta questões prejudiciais do processo C310/22

64      Cumpre salientar, a título preliminar, que a primeira questão no processo C‑309/22 visa, nomeadamente, o artigo 2.o do Regulamento 2018/605. Segundo este artigo, o ponto 3.6.5 do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009, conforme alterado pelo Regulamento 2018/605, é aplicável a partir de 10 de novembro de 2018, exceto no que se refere aos procedimentos em que o comité referido no artigo 79.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009 tenha votado um projeto de regulamento até 10 de novembro de 2018. Embora o artigo 2.o do Regulamento 2018/605 faça parte do contexto regulamentar em que se insere a primeira questão no processo C‑309/22 e a primeira e quarta questões no processo C‑310/22, este artigo não é, todavia, aplicável ao litígio no processo C‑309/22.

65      Com efeito, por um lado, o referido artigo estabelece a data de entrada em vigor dos critérios que permitem a identificação das substâncias ativas que apresentam propriedades desreguladoras do sistema endócrino para efeitos da aprovação de uma substância ativa. Não regula a tomada em consideração, por parte de um Estado‑Membro, aquando do exame de um pedido de autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico que contenha essa substância, dos efeitos nocivos que esse produto é suscetível de causar.

66      Por outro lado, a exceção prevista no referido artigo só se aplica aos procedimentos em que o comité referido no artigo 79.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009 tenha votado um projeto de regulamento até 10 de novembro de 2018, o que não se verifica no caso em apreço.

67      Além disso, mesmo que o prazo de seis meses concedido pelo legislador da União aos Estados‑Membros e à EFSA para que se preparassem para a aplicação dos novos critérios enunciados no ponto 3.6.5. do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009 fosse aplicável por analogia aos procedimentos de autorização de colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, cumpre observar que, no âmbito dos processos principais, foi posteriormente a esse período que o CTGB concedeu uma autorização de colocação no mercado, respetivamente, do Dagonis e do Pitcher.

68      Assim sendo, há que considerar que, com a sua primeira questão no processo C‑309/22 e com a primeira e quarta questões no processo C‑310/22, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 29.o, n.o 1, alíneas a) e e), e o artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, e n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009, lidos em conjugação com o ponto 3.6.5 do anexo II deste regulamento, devem ser interpretados no sentido de que a autoridade competente de um Estado‑Membro encarregada de avaliar um pedido de autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico é obrigada, na análise desse pedido, a ter em conta os efeitos indesejáveis que as propriedades desreguladoras do sistema endócrino de uma substância ativa contida no referido produto são suscetíveis de causar no ser humano, tendo em conta os conhecimentos científicos ou técnicos pertinentes e fiáveis disponíveis no momento em que se procede a essa análise e que são, nomeadamente, retomados nos critérios enunciados nesse ponto 3.6.5.

69      Em primeiro lugar, no que respeita à letra do artigo 29.o do Regulamento n.o 1107/2009, importa recordar que este artigo, relativo aos requisitos para autorização de colocação no mercado dos produtos fitofarmacêuticos, prevê, no seu n.o 1, que, sem prejuízo do artigo 50.o deste regulamento, um produto fitofarmacêutico só pode ser autorizado se cumprir os diferentes requisitos enunciados no referido artigo.

70      Assim, decorre do artigo 29.o, n.o 1, alíneas a) e e), do regulamento em causa, que esse produto só pode ser autorizado se as suas substâncias ativas tiverem sido aprovadas e se, no estado atual dos conhecimentos científicos e técnicos, o mesmo cumprir os requisitos previstos no artigo 4.o, n.o 3, do mesmo regulamento.

71      Ora, segundo esta última disposição, um produto fitofarmacêutico deve cumprir, em condições de aplicação de acordo com as boas práticas fitossanitárias e em condições realistas de utilização, nomeadamente o requisito, constante da sua alínea b), de não ter efeitos nocivos imediatos ou a prazo na saúde humana.

72      Por conseguinte, com base na letra do artigo 29.o, n.o 1, alíneas a) e e), e do artigo 4.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1107/2009, afigura‑se que um produto fitofarmacêutico pode ser autorizado por uma autoridade nacional competente quando, nomeadamente, todas as substâncias ativas que esse produto contém forem aprovadas e o referido produto não tiver efeitos nocivos imediatos ou diferidos, no estado atual dos conhecimentos científicos e técnicos, sobre a saúde humana.

73      Quanto ao ponto 3.6.5 do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009, há que recordar que o mesmo prevê, com efeitos a partir de 10 de novembro de 2018, os critérios específicos que determinam, nomeadamente, se uma substância ativa deve ser considerada como tendo propriedades desreguladoras do sistema endócrino que podem causar efeitos indesejáveis no ser humano.

74      Nos litígios nos processos principais coloca‑se pois a questão de saber se a autoridade competente de um Estado‑Membro à qual tenha sido apresentado um pedido de autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico deve ter em conta esses critérios no âmbito da apreciação dos efeitos potenciais desse produto na saúde humana.

75      Segundo a posição defendida pela Adama, pela BASF Nederland, pelos Governos Neerlandês e Helénico, bem como pela Comissão, as propriedades desreguladoras do sistema endócrino que uma substância ativa pode apresentar não devem ser avaliadas no âmbito do exame a nível nacional de um pedido de autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico que contenha essa substância ativa. Com efeito, esse exame seria contrário à sistemática do Regulamento n.o 1107/2009, à distinção entre a apreciação, ao nível da União, das propriedades intrínsecas das substâncias ativas e a análise, ao nível dos Estados‑Membros, dos pedidos de autorização de colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos, bem como à repartição de competências entre a União e os Estados‑Membros instituída por este regulamento.

76      Em contrapartida, a PAN Europe e o Governo Checo consideram que, quando uma autoridade nacional competente, que decide de um pedido de autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico, tiver à sua disposição conhecimentos científicos e técnicos atuais e pertinentes que demonstrem a existência de um risco de que um produto fitofarmacêutico comporte efeitos indesejáveis no ser humano devido às propriedades desreguladoras do sistema endócrino de uma substância ativa que o mesmo contém, essa autoridade deve apreciar esse risco e tirar as conclusões adequadas.

77      A este respeito, há que salientar que não resulta da letra do artigo 29.o, n.o 1, alíneas a) e e), nem do artigo 4.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1107/2009, evocado nos n.os 69 a 71 do presente acórdão, que, quando deva ser adotada uma decisão a respeito da autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico, as autoridades competentes do Estado‑Membro em causa apenas devem ter em conta certas categorias de conhecimentos científicos ou técnicos em função da sua fonte ou do momento em que esses conhecimentos se tornaram acessíveis.

78      Daqui resulta que, com base numa interpretação literal destas disposições, nada impede que, ao analisarem um pedido de autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico, ao abrigo do artigo 29.o do Regulamento n.o 1107/2009, as autoridades nacionais competentes verifiquem se, à luz dos conhecimentos científicos e técnicos atuais, esse produto não tem efeitos nocivos imediatos ou a prazo na saúde humana, na aceção do artigo 4.o, n.o 3, alínea b), deste regulamento, à luz dos critérios que figuram, nomeadamente, no ponto 3.6.5 do anexo II do referido regulamento e das propriedades de uma substância ativa contida no referido produto.

79      Em segundo lugar, esta interpretação literal é corroborada pelo contexto em que estas disposições se inscrevem.

80      Primeiro, há que observar que o Regulamento n.o 1107/2009 distingue a aprovação de substâncias ativas ao nível da União das autorizações de colocação no mercado e de utilização de produtos fitofarmacêuticos. Enquanto a aprovação das substâncias ativas se rege pelas disposições do capítulo II deste regulamento, entre as quais figura o artigo 4.o do referido regulamento, e é da competência da Comissão, as autorizações de colocação no mercado e de utilização dos produtos fitofarmacêuticos estão previstas no capítulo III do mesmo regulamento e são adotadas pelos Estados‑Membros.

81      Importa, todavia, observar que, no âmbito dos pedidos de autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico, o artigo 29.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1107/2009 impõe que os Estados‑Membros verifiquem o cumprimento dos requisitos previstos no artigo 4.o, n.o 3, deste regulamento. Ora, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de precisar que, por força do artigo 29.o, n.o 1, alínea e), do referido regulamento, entre os requisitos da autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico consta a exigência de que, no estado atual dos conhecimentos científicos e técnicos, o produto cumpra os requisitos previstos no artigo 4.o, n.o 3, do mesmo regulamento. Em conformidade com estas disposições, esse produto só pode ser autorizado se se provar que não tem efeitos nocivos imediatos ou a prazo na saúde humana (v., neste sentido, Acórdão de 1 de outubro de 2019, Blaise e o., C‑616/17, EU:C:2019:800, n.os 71 e 114).

82      Por conseguinte, embora a aprovação da substância ativa por parte da Comissão não possa ser reexaminada pelos Estados‑Membros no momento em que analisam um pedido de autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico que contenha essa substância, não pode, em contrapartida, considerar‑se que a autorização desse produto constitui uma aplicação puramente automática da aprovação por parte da Comissão de uma substância ativa contida nesse produto (v., neste sentido, Acórdão de 28 de outubro de 2020, Associazione GranoSalus/Comissão, C‑313/19 P, EU:C:2020:869, n.os 55 e 58).

83      Por conseguinte, como salientou a advogada‑geral no n.o 58 das suas conclusões, embora o Regulamento n.o 1107/2009 obste a que um Estado‑Membro conceda uma autorização de colocação no mercado para um produto fitofarmacêutico que contém uma substância ativa que não foi aprovada, os Estados‑Membros não são obrigados a autorizar a colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico que contenha substâncias ativas que tenham sido todas aprovadas, se existirem conhecimentos científicos ou técnicos que identifiquem um risco inaceitável para a saúde humana ou animal ou para o ambiente relacionado com a utilização desse produto.

84      Segundo, há igualmente que ter em conta os princípios uniformes de avaliação e de autorização dos produtos fitofarmacêuticos para os quais o artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009 remete, e que estão estabelecidos no anexo do Regulamento n.o 546/2011.

85      Ora, segundo o ponto 2, alínea c), que figura no título A da parte I desse anexo, aquando da avaliação dos pedidos de autorização e da sua concessão, os Estados‑Membros devem ter em conta outras informações técnicas ou científicas de que possam razoavelmente dispor, relativas aos efeitos potencialmente adversos do produto fitofarmacêutico ou dos seus componentes. Ora, não há dúvida de que os critérios enunciados no ponto 3.6.5 do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009 constituem elementos de informação de ordem científica desse tipo.

86      Por um lado, resulta do considerando 2 do Regulamento 2018/605 que estes critérios se baseiam nas definições de desreguladores endócrinos e dos seus efeitos indesejáveis propostos pela OMS, os quais são objeto de um amplo consenso entre cientistas e foram aprovados pela EFSA no seu parecer científico relativo aos desreguladores endócrinos de 28 de fevereiro de 2013.

87      Por outro lado, a identificação de uma substância ativa com propriedades desreguladoras do sistema endócrino que podem causar efeitos indesejáveis no ser humano devem, nomeadamente, basear‑se, nos termos do sexto parágrafo do ponto 3.6.5 do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009, em todos os dados científicos pertinentes disponíveis e numa avaliação desses dados com base numa análise do seu valor probatório.

88      Resulta das considerações precedentes que o contexto do artigo 29.o, n.o 1, do artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, e n.o 3, e do ponto 3.6.5 do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009 confirma a interpretação literal destas disposições enunciada no n.o 78 do presente acórdão.

89      Em terceiro lugar, esta interpretação também é corroborada pelo objetivo do Regulamento n.o 1107/2009 que, como precisado no artigo 1.o, n.o 3, do mesmo, e como está refletido no seu considerando 8, é, nomeadamente, assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente (Acórdão de 19 de janeiro de 2023, Pesticide Action Network Europe e o., C‑162/21, EU:C:2023:30, n.o 46).

90      A este respeito, fazendo referência ao considerando 24 do referido regulamento, o Tribunal de Justiça já declarou que as disposições que regulam a concessão das autorizações de colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos devem garantir um elevado nível de proteção e que, ao conceder essas autorizações, o objetivo de proteção da saúde humana e animal e do ambiente «deverá ter primazia» sobre o de melhorar a produção vegetal (Acórdão de 19 de janeiro de 2023, Pesticide Action Network Europe e o., C‑162/21, EU:C:2023:30, n.o 48 e jurisprudência referida).

91      Do mesmo modo, ao mesmo tempo que insiste na necessidade de prever uma disponibilização mais harmonizada dos produtos fitofarmacêuticos, o considerando 29 do Regulamento n.o 1107/2009 reconhece que circunstâncias ambientais ou agrícolas específicas do território de um ou mais Estados‑Membros poderão requerer que esse Estado ou esses Estados‑Membros recusem autorizar o produto fitofarmacêutico no seu território, se isso se justificar devido a circunstâncias ambientais ou agrícolas específicas ou se o elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente exigido pelo presente regulamento não puder ser alcançado.

92      Além disso, importa recordar que as disposições deste regulamento se baseiam, em conformidade com o seu artigo 1.o, n.o 4, lido à luz do considerando 8 do mesmo regulamento, no princípio da precaução, a fim de evitar que substâncias ativas ou produtos colocados no mercado afetem negativamente a saúde humana.

93      Ora, a circunstância de, na apreciação dos efeitos prejudiciais potenciais de um produto fitofarmacêutico cuja autorização de colocação no mercado é pedida, serem tomados em consideração os critérios científicos que figuram no ponto 3.6.5 do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009, contribui, no respeito do princípio da precaução, para a realização do objetivo recordado no n.o 89 do presente acórdão.

94      Por outro lado, as considerações expostas nos números anteriores do presente acórdão não são postas em causa pela exigência de respeito do princípio da segurança jurídica.

95      Nas suas observações escritas, a Adema e o Governo Helénico alegam, no essencial, que este princípio exige que o exame de um pedido de autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico seja efetuado em função dos conhecimentos científicos e técnicos existentes à data da apresentação desse pedido.

96      Segundo jurisprudência constante, o princípio da segurança jurídica exige que as normas jurídicas tenham efeitos claros, precisos e previsíveis para que os interessados se possam orientar nas situações e relações jurídicas abrangidas pela ordem jurídica da União (Acórdão de 6 de maio de 2021, Bayer CropScience e Bayer/Comissão, C‑499/18 P, EU:C:2021:367, n.o 101).

97      Todavia, no domínio específico das autorizações de colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, este princípio deve ser ponderado com o princípio da precaução no qual o Regulamento n.o 1107/2009 se baseia e cujo objetivo é, como recordado no n.o 89 do presente acórdão, assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e animal, bem como do ambiente. Assim, caso surjam elementos que demonstrem que uma substância ativa ou que um produto fitofarmacêutico apresenta um efeito nocivo para a saúde humana ou animal ou um efeito inaceitável no ambiente, a Comissão e/ou os Estados‑Membros podem ser obrigados a retirar a aprovação dessa substância ativa ou a autorização de colocação no mercado desse produto fitofarmacêutico, bem como, se for caso disso, a tomar medidas de emergência.

98      Daqui resulta que, no contexto deste regulamento, qualquer requerente que pretenda colocar um produto fitofarmacêutico no mercado pode esperar que o estado dos conhecimentos científicos ou técnicos se altere durante o procedimento de autorização ou durante o período para o qual a substância ativa for aprovada ou o produto fitofarmacêutico for autorizado. Além disso, resulta dos artigos 46.o e 69.o a 71.o do referido regulamento que a revogação de uma autorização ou a adoção de uma medida de emergência podem produzir efeitos imediatos, deixando de permitir a colocação no mercado e a utilização das existências do produto em causa.

99      Por conseguinte, a tomada em consideração de um conhecimento científico ou técnico pertinente e fiável que ainda não estava acessível no momento da apresentação do pedido de autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico não pode ser considerada contrária ao princípio da segurança jurídica.

100    Atendendo aos fundamentos acima expostos, há que responder à primeira questão no processo C‑309/22 e à primeira e quarta questões no processo C‑310/22, que o artigo 29.o, n.o 1, alíneas a) e e), e o artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, e n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009, lidos em conjugação com o ponto 3.6.5 do anexo II deste regulamento, devem ser interpretados no sentido de que a autoridade competente de um Estado‑Membro encarregada de avaliar um pedido de autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico é obrigada, na análise desse pedido, a ter em conta os efeitos indesejáveis que as propriedades desreguladoras do sistema endócrino de uma substância ativa contida no referido produto são suscetíveis de causar no ser humano, tendo em conta os conhecimentos científicos ou técnicos pertinentes e fiáveis disponíveis no momento em que se procede a essa análise e que são, nomeadamente, retomados nos critérios enunciados nesse ponto 3.6.5.

 Quanto à segunda e terceira questões no processo C309/22 e quanto à segunda e terceira questões no processo C310/22

101    Tendo em conta a resposta dada à primeira questão no processo C‑309/22 e à primeira e quarta questões no processo C‑310/22, não há que responder à segunda e terceira questões no processo C‑309/22 nem à segunda e terceira questões no processo C‑310/22.

 Quanto às despesas

102    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O artigo 29.o, n.o 1, alíneas a) e e), e o artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, e n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414/CEE do Conselho, conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2018/605 da Comissão, de 19 de abril de 2018, que altera o anexo II do Regulamento (CE) n.o 1107/2009, estabelecendo critérios científicos para a determinação das propriedades desreguladoras do sistema endócrino, lidos em conjugação com o ponto 3.6.5 do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009, conforme alterado,

devem ser interpretados no sentido de que:

a autoridade competente de um EstadoMembro encarregada de avaliar um pedido de autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico é obrigada, na análise desse pedido, a ter em conta os efeitos indesejáveis que as propriedades desreguladoras do sistema endócrino de uma substância ativa contida no referido produto são suscetíveis de causar no ser humano, tendo em conta os conhecimentos científicos ou técnicos pertinentes e fiáveis disponíveis no momento em que se procede a essa análise e que são, nomeadamente, retomados nos critérios enunciados nesse ponto 3.6.5.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.