Language of document : ECLI:EU:T:2014:683

Processo T‑457/09

Westfälisch‑Lippischer Sparkassen‑ und Giroverband

contra

Comissão Europeia

«Auxílios estatais ― Reestruturação do WestLB ― Auxílios destinados a corrigir uma grave perturbação da economia de um Estado‑Membro ― Artigo 87.°, n.° 3, alínea b), CE ― Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado comum em determinadas condições ― Recurso de anulação ― Afetação individual ― Interesse em agir ― Admissibilidade ― Colegialidade ― Dever de fundamentação ― Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação a empresas em dificuldade ― Proporcionalidade ― Princípio da não discriminação ― Artigo 295.° CE ― Artigo 7.°, n.° 4, do Regulamento (CE) n.° 659/1999»

Sumário ― Acórdão do Tribunal Geral (Primeira Secção alargada) de 17 de julho de 2014

1.      Recurso de anulação ― Pessoas singulares ou coletivas ― Atos que lhes dizem direta e individualmente respeito ― Afetação individual ― Critérios ― Decisão da Comissão que declara um auxílio compatível com o mercado interno em determinadas condições ― Recurso interposto por um grupo de caixas de poupança que goza de personalidade jurídica ― Qualidade de concedente do auxílio ― Inexistência ― Inadmissibilidade

(Artigo 230.°, quarto parágrafo, CE)

2.      Recurso de anulação ― Pessoas singulares ou coletivas ― Atos que lhes dizem direta e individualmente respeito ― Afetação individual ― Critérios ― Decisão da Comissão que declara um auxílio compatível com o mercado comum em determinadas condições ― Recurso interposto por um acionista da empresa beneficiária do auxílio ― Interesse em agir distinto do da empresa beneficiária do auxílio ― Admissibilidade

(Artigo 230.°, quarto parágrafo, CE)

3.      Recurso de anulação ― Interesse em agir ― Recurso contra um ato revogado ― Efeitos da revogação e da anulação

(Artigos 231.° CE e 233.° CE)

4.      Processo judicial ― Dedução de novos fundamentos no decurso da instância ― Requisitos ― Novo fundamento ― Conceito

[Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigos 44.°, n.° 1, alínea c), e 48.°, n.° 2]

5.      Comissão ― Princípio da colegialidade ― Alcance ― Adoção de uma decisão em matéria de auxílios estatais num procedimento escrito ― Violação do Regulamento Interno da Comissão ― Inexistência

(Regulamento Interno da Comissão, artigos 1.° e 12.°)

6.      Auxílios concedidos pelos Estados ― Proibição ― Derrogações ― Auxílios que podem ser considerados compatíveis com o mercado comum ― Auxílios destinados a corrigir uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro ― Sujeição da autorização do auxílio a certas condições ― Admissibilidade

[Artigo 87.°, n.° 3, alínea b), CE]

7.      Auxílios concedidos pelos Estados ― Proibição ― Derrogações ― Poder de apreciação da Comissão ― Fiscalização jurisdicional ― Limites ― Possibilidade de adotar orientações ― Consequências ― Autolimitação do seu poder de apreciação

(Artigo 87.°, n.° 3, CE)

8.      Auxílios concedidos pelos Estados ― Proibição ― Derrogações ― Auxílios que podem ser considerados compatíveis com o mercado comum ― Auxílios destinados a corrigir uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro ― Auxílios a favor de um banco em situação de dificuldade sistémica ― Exame do auxílio à luz das orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação ― Admissibilidade

[Artigo 87.°, n.° 3, alínea b), CE; comunicação 2004/C 244/02 da Comissão]

9.      Atos das instituições ― Fundamentação ― Dever ― Alcance ― Decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado ― Caracterização da infração à concorrência e da afetação das trocas comerciais entre Estados‑Membros ― Referência à fundamentação fornecida numa decisão provisória ― Admissibilidade

(Artigos 87.°, n.° 1, CE e 253.° CE)

10.    Atos das instituições ― Fundamentação ― Dever ― Alcance ― Decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado ― Decisão relativa a um auxílio à reestruturação de uma empresa em dificuldade ― Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado comum sob certas condições previstas pelo plano de reestruturação ― Obrigação de explicar a necessidade de cada condição ― Inexistência

(Artigo 253.° CE; Regulamento n.° 659/1999 do Conselho, artigo 7.°, n.° 4; Comunicação 2004/C 244/02 da Comissão)

11.    Auxílios concedidos pelos Estados ― Proibição ― Derrogações ― Auxílios que podem ser considerados compatíveis com o mercado comum ― Auxílios à reestruturação de uma empresa em dificuldade ― Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado comum sob certas condições previstas pelo plano de reestruturação ― Respeito do princípio da proporcionalidade ― Alcance

(Artigo 87.°, n.° 3, CE)

12.    Auxílios concedidos pelos Estados ― Proibição ― Derrogações ― Decisão relativa a um auxílio à reestruturação de uma empresa em dificuldade ― Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado comum sob certas condições previstas pelo plano de reestruturação ― Violação do princípio da igualdade de tratamento ― Inexistência

[Artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE]

13.    Auxílios concedidos pelos Estados ― Proibição ― Derrogações ― Auxílios que podem ser considerados compatíveis com o mercado comum ― Apreciação tendo em conta o artigo 87.° CE ― Possibilidade de a Comissão tomar em conta a evolução do mercado comum relativamente a uma decisão anterior

[Artigo 87.°, n.° 3, alínea b), CE]

14.    Recurso de anulação ― Fundamentos ― Desvio de poder ― Conceito

(Artigo 230.° CE)

15.    Auxílios concedidos pelos Estados ― Proibição ― Derrogações ― Auxílios que podem ser considerados compatíveis com o mercado comum ― Decisão que declara um auxílio à reestruturação de uma empresa compatível com o mercado comum sob certas condições ― Obrigação de vender a empresa beneficiária do auxílio ― Respeito do regime da propriedade nos Estados‑Membros ― Inexistência de violação

(Artigos 87.°, n.° 3, CE e 295.° CE)

1.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 83‑109)

2.      Salvo se puder invocar um interesse em agir distinto do de uma sociedade afetada por um ato da União Europeia e de que detém uma parte do capital, uma pessoa só pode defender os seus interesses em relação a este ato exercendo os seus direitos de associado dessa sociedade, que, ela sim, tem o direito de interpor recurso.

Relativamente a uma decisão da Comissão que declara o auxílio de Estado a um banco compatível com o mercado comum sob certas condições, o interesse em agir dos acionistas do banco beneficiário do auxílio confunde‑se com o do banco na medida em que a referida decisão obriga este último a reduzir o seu balanço, de modo que os acionistas não são individualmente afetados quanto a este aspeto. Em contrapartida, os acionistas do banco são individualmente afetados por esta decisão na medida em que a autorização do auxílio seja submetida ao respeito da obrigação de os acionistas venderem o banco a um terceiro independente.

(cf. n.os 112, 120)

3.      Deixa de ser necessário conhecer de mérito de um recurso de anulação no caso de o recorrente ter perdido qualquer interesse na anulação do ato recorrido devido à ocorrência de um facto na pendência da lide, o que tem por consequência que a anulação deste ato deixa de ser suscetível, por si só, de produzir consequências jurídicas.

Porém, uma parte recorrente pode continuar a demonstrar interesse na anulação de um ato revogado na medida em que a revogação não produz os mesmos efeitos jurídicos de uma eventual anulação pelo Tribunal Geral. Com efeito, a revogação de um ato de uma instituição não constitui o reconhecimento da sua ilegalidade e produz um efeito ex nunc, ao passo que a sua anulação produz um efeito ex tunc.

Nestas condições, um recorrente pode manter interesse em pedir a anulação de um ato não executado que o afeta diretamente, revogado após a interposição do recurso de anulação, a fim de levar o juiz da União a declarar que foi cometida uma ilegalidade em relação a ele, de modo a que essa declaração possa servir de base a uma eventual ação de indemnização destinada a reparar adequadamente o prejuízo causado pelo ato impugnado.

(cf. n.os 130, 131, 137)

4.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 160, 161)

5.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 164‑173)

6.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 181‑186)

7.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 190, 191)

8.      As orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação a empresas em dificuldade, adotadas pela Comissão, podem, em princípio, ser consideradas apropriadas para avaliar a compatibilidade dos auxílios considerados necessários para corrigir uma grave perturbação da economia de um Estado‑Membro com o mercado comum, em particular se os beneficiários forem bancos de importância sistémica cuja viabilidade económica estava comprometida a ponto de pôr em perigo a sua existência.

Assim, por um lado, o facto de tal auxílio ser necessário para corrigir uma grave perturbação de uma economia não significa que o mesmo não possa ser considerado um auxílio a favor de uma empresa em dificuldade, na aceção do n.° 9 das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação, segundo o qual essa empresa é incapaz, com os seus próprios recursos financeiros ou com os recursos que os seus proprietários/acionistas e credores estão dispostos a conceder‑lhe, de suportar prejuízos que a condenam, na falta de uma intervenção externa dos poderes públicos, ao desaparecimento quase certo a curto ou a médio prazo. Em princípio, um banco cuja viabilidade económica está comprometida a ponto de pôr em perigo a sua existência pode ser considerado uma empresa em dificuldade.

Por outro lado, as referidas orientações exigem, a fim de se poder considerar que um auxílio à reestruturação é compatível com o mercado comum, que o beneficiário seja submetido a um plano de reestruturação que permita restabelecer num período razoável a sua viabilidade a longo prazo, que o auxílio seja acompanhado de medidas destinadas a prevenir qualquer distorção excessiva da concorrência e que seja limitado aos custos mínimos estritamente necessários para permitir a reestruturação. Ora, a Comissão tem o direito de exigir que a autorização dos auxílios concedidos aos bancos de importância sistémica, em virtude da crise financeira, fique subordinada ao respeito dessas condições, mesmo na hipótese de o auxílio visar corrigir uma grave perturbação da economia de um Estado‑Membro.

(cf. n.os 195‑197)

9.      O artigo 87.°, n.° 1, CE proíbe os auxílios que afetem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e falseiem ou ameacem falsear a concorrência. Todavia, no quadro da apreciação destas duas condições, a Comissão não é obrigada a demonstrar os efeitos reais dos auxílios sobre as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e uma distorção efetiva da concorrência, devendo apenas examinar se esses auxílios são suscetíveis de afetar essas trocas e de falsear a concorrência.

Assim, o facto de a Comissão não ter feito, numa decisão na qual declare um auxílio compatível com o mercado comum em certas condições, a prova das distorções de concorrência provocadas pelo auxílio não pode constituir uma violação do artigo 87.°, n.° 1, CE, nem uma violação do seu dever de fundamentação. As únicas questões pertinentes são: por um lado saber se a Comissão indicou, nesta decisão, as razões pelas quais este auxílio era suscetível de provocar essa distorção e, por outro, se for esse o caso, se o recorrente conseguiu demonstrar que essas razões estão erradas.

Assim, a fundamentação da decisão impugnada sobre a qualificação de uma medida estatal de auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE e, portanto, sobre a questão de saber se essa medida era suscetível de falsear a concorrência, a Comissão podia limitar‑se a efetuar uma remissão, na decisão final, para a fundamentação constante da decisão provisória, desde que, por um lado, o Estado‑Membro que tiver admitido na sua notificação que a medida em causa comportava um auxílio, não tiver contestado essa qualificação após a adoção da decisão provisória e, por outro, a decisão provisória dissesse respeito à mesma medida estatal, ao mesmo beneficiário e ao mesmo objetivo, de modo que se possa considerar que estas duas decisões foram tomadas num quadro factual e jurídico conexo e suficientemente similar. Por conseguinte, a Comissão não está necessariamente obrigada a efetuar um novo exame da situação concorrencial existente à data em que adota a decisão final que continua a qualificar de auxílio estatal a mesma medida.

Por outro lado, a fundamentação de uma decisão que qualifica de auxílio estatal um auxílio à reestruturação a favor de uma empresa com importantes atividades transfronteiriças, que opera num setor que foi objeto de liberalização na União e que poderia ter desaparecido do mercado se o auxílio não tivesse sido concedido, pode ser particularmente sucinta.

(cf. n.os 228, 229, 235, 240, 241, 243, 254, 259)

10.    No quadro da sua decisão de autorização de um auxílio à reestruturação, incumbe designadamente à Comissão, em primeiro lugar, demonstrar que a medida autorizada deve ser efetivamente qualificada de auxílio estatal na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE, em segundo lugar, verificar que o Estado‑Membro em causa demonstrou que o auxílio podia beneficiar de uma das derrogações referidas no artigo 87.°, n.° 3, CE, e, em terceiro lugar, constatar que, tendo em conta o conjunto das medidas previstas pelo plano de reestruturação em relação ao qual o Estado‑Membro se comprometeu, é possível considerar que o beneficiário do auxílio será viável a longo prazo e que as distorções da concorrência provocadas pelo auxílio não serão excessivas.

Em contrapartida, a Comissão não é obrigada a explicar a necessidade de cada medida prevista pelo plano de reestruturação, nem a procurar impor unicamente as medidas menos gravosas possíveis entre as que são suscetíveis de garantir a execução dos referidos objetivos, a não ser que o Estado‑Membro em causa se tenha comprometido previamente com um plano de reestruturação menos gravoso, que responda de uma forma igualmente adequada a esses objetivos, ou que esse Estado‑Membro se tenha oposto à inclusão de determinadas medidas no plano de reestruturação e se tenha comprometido com este porque a Comissão lhe tinha indicado definitivamente que o auxílio não seria autorizado na falta dessas medidas, não podendo a decisão de condicionar a concessão do auxílio ao respeito das referidas medidas ser atribuída nessas hipóteses ao Estado‑Membro em causa.

Estes princípios são igualmente válidos quando a Comissão decide, ao abrigo do artigo 7.°, n.° 4 do Regulamento n.° 659/1999 que estabelece as regras de execução do artigo [88.°] do Tratado CE, estabelecer uma condição numa decisão que autoriza um auxílio à reestruturação que reflita uma medida prevista no plano de reestruturação com o qual o Estado‑Membro em causa se comprometeu.

Consequentemente, quando adota semelhante decisão, o dever de fundamentação da Comissão quanto à necessidade de subordinar a autorização do auxílio em causa às condições previstas no plano de reestruturação, destinadas a garantir a viabilidade a longo prazo do beneficiário do auxílio, consiste em indicar as razões pelas quais considera que o respeito do referido plano é suficiente para alcançar esse objetivo. Em contrapartida, não há que examinar isoladamente a fundamentação de tal decisão relativa a cada uma das condições previstas pelo plano de reestruturação e retomadas na decisão.

(cf. n.os 296, 297, 303, 304, 317, 318)

11.    Quanto à adoção de uma decisão que declara o auxílio compatível com o mercado comum em determinadas condições igualmente previstas no plano de reestruturação, a aplicação pela Comissão do princípio da proporcionalidade neste contexto limita‑se a reconhecer, por um lado, que o plano de reestruturação em relação ao qual o Estado‑Membro em causa se comprometeu permite considerar que o beneficiário do auxílio será viável a longo prazo e que as distorções da concorrência excessivas serão evitadas e, por outro lado, que o Estado‑Membro em causa não se comprometeu em relação a um contendo medidas menos gravosas suscetíveis de permitir garantir suficientemente essa viabilidade económica e evitar distorções.

(cf. n.° 350)

12.    A observância do princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente, e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado.

A este respeito, o facto de subordinar a autorização de um auxílio à reestruturação ao respeito das medidas previstas no plano de reestruturação em relação ao qual o Estado‑Membro em causa se comprometeu não pode ter como consequência a violação do princípio da igualdade de tratamento.

Com efeito, na hipótese de a autorização de dois auxílios à reestruturação comparáveis ser subordinada a condições diferentes, previstas nos planos de reestruturação em relação aos quais os Estados‑Membros em causa se tinham comprometido, a situação diferente em que se encontrariam os beneficiários do auxílio não resultaria da escolha da Comissão mas da natureza dos compromissos adotados em cada caso por esses Estados‑Membros, estando a Comissão obrigada a examinar se esses compromissos permitiam garantir o regresso dos beneficiários à viabilidade e a prevenção de distorções excessivas da concorrência.

(cf. n.os 364, 370, 371)

13.    É exclusivamente no âmbito do artigo 87.°, n.° 3, alínea b), CE que deve ser apreciada a legalidade de uma decisão da Comissão que declara que um auxílio novo não corresponde às condições de aplicação dessa exceção, e não à luz de uma anterior prática decisória da Comissão, admitindo que esta esteja demonstrada. O conceito de auxílio de Estado bem como as condições necessárias para garantir o regresso à viabilidade do beneficiário correspondem a uma situação objetiva que é apreciada na data em que a Comissão adota a sua decisão. Assim, as razões pelas quais a Comissão tinha feito uma apreciação diferente da situação numa decisão anterior não devem ter incidência na apreciação da legalidade da decisão impugnada.

Por outro lado, a Comissão não pode ser privada da possibilidade de fixar condições de compatibilidade mais estritas do que nas decisões anteriores se a evolução do mercado comum e o objetivo de uma concorrência não falseada em tal mercado o exigirem, não tendo os operadores económicos uma razão legítima para assentar a sua confiança legítima na manutenção de uma situação existente que pode ser modificada no âmbito do poder de apreciação das instituições da União.

(cf. n.os 368, 369)

14.    V. texto da decisão.

(cf. n.° 372)

15.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 387‑399)