Language of document : ECLI:EU:C:2024:470

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ANTHONY MICHAEL COLLINS

apresentadas em 6 de junho de 2024 (1)

Processo C264/23

Booking.com BV,

Booking.com (Deutschland) GmbH

contra

25hours Hotel Company Berlin GmbH,

Aletto Kudamm GmbH,

AirHotel Wartburg Tagungs & Sporthotel GmbH,

Andel’s Berlin Hotelbetriebs GmbH,

Angleterre Hotel GmbH & Co. KG,

Atrium Hotelgesellschaft mbH,

Azimut Hotelbetrieb Köln GmbH & Co. KG,

Barcelo Cologne GmbH,

Business Hotels GmbH,

Cocoon München GmbH,

DJC Operations GmbH,

Dorint GmbH,

Eleazar Novum GmbH,

Empire Riverside Hotel GmbH & Co. KG,

Explorer Hotel Fischen GmbH & Co. KG,

Explorer Hotel Nesselwang GmbH & Co. KG,

Explorer Hotel Schönau GmbH & Co. KG,

Fleming’s Hotel Management und Servicegesellschaft mbH & Co. KG,

G. Stürzer GmbH Hotelbetriebe,

Hotel Bellevue Dresden Betriebs GmbH,

Hotel Europäischer Hof W.A.L. Berk GmbH & Co KG,

Hotel Hafen Hamburg. Wilhelm Bartels GmbH & Co. KG,

Hotel John F GmbH,

Hotel Obermühle GmbH,

Hotel Onyx GmbH,

Hotel Rubin GmbH,

Hotel Victoria Betriebs und Verwaltungs GmbH,

Hotel Wallis GmbH,

i31 Hotel GmbH,

IntercityHotel GmbH,

ISA Group GmbH,

KurCafe Hotel Allgäu GmbH,

Lindner Hotels AG,

M Privathotels GmbH & Co. KG,

Maritim Hotelgesellschaft mbH,

MEININGER Shared Services GmbH,

Oranien Hotelbetriebs GmbH,

Platzl Hotel Inselkammer KG,

prize Deutschland GmbH,

Relexa Hotel GmbH,

SANA BERLIN HOTEL GmbH,

SavFra Hotelbesitz GmbH,

Scandic Hotels Deutschland GmbH,

Schlossgarten Hotelgesellschaft mbH,

Seaside Hotels GmbH & Co. KG,

SHK Hotel Betriebsgesellschaft mbH,

Steigenberger Hotels GmbH,

Sunflower Management GmbH & Co. KG,

The Mandala Hotel GmbH,

The Mandala Suites GmbH,

THR Hotel am Alexanderplatz Berlin Betriebs und Management GmbH,

THR III Berlin PragerPlatz Hotelbetriebs und Beteiligungsgesellschaft mbH,

THR München Konferenz und Event Hotelbetriebs und Management GmbH,

THR Rhein/Main Hotelbetriebs und BeteiligungsGmbH,

THR XI Berlin Hotelbetriebs und Beteiligungsgesellschaft mbH,

THR XXX Hotelbetriebs und BeteiligungsGmbH,

Upstalsboom Hotel + Freizeit GmbH & Co. KG,

VI VADI HOTEL Betriebsgesellschaft mbH & Co. KG,

Weissbach Hotelbetriebsgesellschaft mbH,

Wickenhäuser & Egger AG,

Wikingerhof GmbH & Co. KG,

HansHermann Geiling, Hotel Präsident,

Karl Herfurtner, Hotel Stadt München eK

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, Países Baixos)]

«Pedido de decisão prejudicial — Concorrência — Acordos entre empresas — Contratos entre uma plataforma de reservas de hotel em linha e hotéis — Cláusulas de paridade de preços — Artigo 101.° TFUE — Restrições acessórias — Isenção por categoria — Acordos verticais — Regulamento (UE) n.° 330/2010 — Definição de mercado»






 I. Introdução

1.        O presente processo exige que o Tribunal de Justiça responda a duas questões inéditas e importantes que se colocam na aplicação do direito da concorrência aos mercados digitais. As cláusulas de paridade ampla e restrita de preços constituem uma restrição acessória para efeitos do artigo 101.°, n.° 1, TFUE? No contexto das plataformas digitais bifaces, como a Booking.com, que princípios jurídicos se aplicam à definição do mercado de produtos relevante?

 II.      Litígio no processo principal, pedido de decisão prejudicial e processo no Tribunal de Justiça

2.        A Booking.com BV, uma empresa constituída em 1996 nos Países Baixos, explora uma plataforma em linha de reserva de hotéis (2) com o mesmo nome. A Booking.com atua como intermediário entre os prestadores de serviços hoteleiros e os clientes finais. A empresa não fixa o preço a que os quartos de hotel são oferecidos através da sua plataforma. Os clientes finais não pagam uma taxa para utilizar a Booking.com. Quando um cliente final efetua uma reserva através da Booking.com, os hotéis pagam uma comissão a essa plataforma. Os clientes finais podem reservar quartos de hotel diretamente com os hotéis (por telefone, correio eletrónico ou através dos sítios Web dos hotéis) ou através de uma agência de viagens com estabelecimento físico. Através da sua plataforma, a Booking.com oferece quartos de hotel em mais de 1,2 milhões de hotéis em todo o mundo.

3.        Quando a Booking.com entrou no mercado alemão, em 2006, a reserva de hotéis em linha era pouco comum e a maioria dos quartos de hotel era reservada diretamente com os hotéis. Operavam na Alemanha outras OTA, incluindo a Hotel Reservation Service Robert Ragge GmbH (a seguir «HRS») e a Expedia Inc. Essas OTA incluíam cláusulas de paridade ampla de preços nos seus contratos com os hotéis. Estas cláusulas impediam os hotéis de oferecerem quartos a um preço inferior através dos seus próprios canais de venda direta e de quaisquer outros canais de venda, incluindo as OTA concorrentes.

4.        Em 2010, o Bundeskartellamt (Autoridade da Concorrência Federal, Alemanha) abriu um inquérito contra a HRS relativamente à utilização de cláusulas de paridade ampla de preços. Em 20 de dezembro de 2013, a autoridade adotou uma decisão que concluiu que as cláusulas de paridade ampla de preços incluídas nos contratos entre a HRS e os hotéis violavam o artigo 101.° TFUE e a disposição equivalente do direito alemão (a seguir «Decisão HRS»). Em 2013, a Autoridade da Concorrência federal também abriu um inquérito contra a Booking.com relativamente às cláusulas de paridade ampla de preços que esta incluía nos seus contratos.

5.        Por Acórdão de 9 de janeiro de 2015, o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Dusseldorf, Alemanha) negou provimento ao recurso de anulação interposto contra a Decisão HRS (a seguir «Acórdão HRS»). A HRS não interpôs recurso do acórdão, que se tornou definitivo.

6.        Em julho de 2015, tendo consultado as autoridades da concorrência francesas, italianas e suecas, a Booking.com abandonou as cláusulas de paridade ampla de preços que tinha até então incluído em todos os seus contratos, substituindo essas cláusulas por cláusulas de paridade restrita de preços. Estas últimas impedem os hotéis de oferecer quartos a um preço inferior através dos seus canais de venda direta.

7.        Em 22 de dezembro de 2015, a Autoridade da Concorrência federal considerou que as cláusulas de paridade restrita de preços eram contrárias ao artigo 101.° TFUE e à disposição equivalente do direito alemão (a seguir «Decisão Booking.com»). A autoridade considerou que tais cláusulas restringiam a concorrência no mercado da prestação de serviços de alojamento hoteleiro e, na prática, no mercado da prestação de serviços de intermediação em linha por plataformas a hotéis (3). Devido à grande quota da Booking.com no mercado relevante, essas cláusulas não estavam isentas por força do Regulamento (UE) n.° 330/2010 da Comissão, de 20 de abril de 2010, relativo à aplicação do artigo 101.°, n.° 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas (4) (a seguir «Antigo Regulamento de Isenção por Categoria»). As condições de aplicação de uma isenção individual nos termos do artigo 101.°, n.° 3, TFUE também não estavam preenchidas.

8.        Por acórdão de 4 de junho de 2019, o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Düsseldorf, Alemanha) considerou que as cláusulas de paridade restrita de preços constituíam uma restrição da concorrência, mas eram necessárias para evitar o parasitismo. Estas cláusulas impediam os hotéis de utilizar a Booking.com para contactar os clientes e, em seguida, incitá‑los a reservar diretamente com os hotéis. O Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Düsseldorf, Alemanha) concluiu que tais cláusulas eram restrições acessórias que não violavam o artigo 101.°, n.° 1, TFUE. Por conseguinte, anulou a Decisão Booking.com.

9.        Em 18 de maio de 2021, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha) anulou este acórdão e confirmou a Decisão Booking.com. Considerou que as cláusulas de paridade restrita de preços restringiam a concorrência no mercado da prestação de serviços de alojamento hoteleiro. Estas cláusulas não estavam isentas ao abrigo do Antigo Regulamento de Isenção por Categoria, nem constituíam restrições acessórias. O exercício de ponderação entre os efeitos pró‑concorrenciais e os efeitos anticoncorrenciais das cláusulas de paridade restrita de preços deve ser efetuado no contexto de uma análise individual nos termos do artigo 101.°, n.° 3, TFUE. O Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal) concluiu que essas cláusulas não eram objetivamente necessárias para a realização de uma operação principal, uma vez que não tinha sido demonstrado que, na sua ausência, a rendibilidade da Booking.com ficaria comprometida.

10.      Em 2020, a Hotelverband Deutschland (IHA) eV, uma associação que representa mais de 2 600 hotéis, intentou uma ação de indemnização contra a Booking.com no Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlim, Alemanha).

11.      Em 23 de outubro de 2020, a Booking.com intentou uma ação no Rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, Países Baixos), com vista a obter a declaração de que as suas cláusulas de paridade de preços não infringiam o artigo 101.° TFUE. No âmbito dessa ação, 62 hotéis alemães apresentaram um pedido reconvencional de indemnização à Booking.com por violação do artigo 101.° TFUE (a seguir «hotéis reconvintes»). No referido tribunal, são objeto de litígio duas questões jurídicas principais.

12.      Primeiro, constituem as cláusulas de paridade de preços uma restrição acessória para efeitos do artigo 101.°, n.° 1, TFUE? A Booking.com argumenta que as cláusulas de paridade ampla e restrita de preços são restrições acessórias, porque impedem os hotéis de utilizar os seus serviços sem pagar por esses serviços, evitando assim o parasitismo. Os hotéis reconvintes argumentam que a eliminação das cláusulas em 2016 não teve efeitos negativos apreciáveis nas atividades da Booking.com, demonstrando assim o risco limitado de parasitismo.

13.      O Rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão) observa ainda que existem pontos de vista contraditórios quanto ao tratamento das cláusulas de paridade de preços, como o demonstram as diferentes posições tomadas pela Autoridade Federal da Concorrência e pelo Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Düsseldorf). Acrescenta que as legislações nacionais, da Bélgica, da França, da Itália e da Áustria proíbem o recurso a cláusulas de paridade ampla e restrita de preços.

14.      Segundo, o Rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão) observa que, se as cláusulas de paridade de preços não forem restrições acessórias, é necessário definir o mercado de produtos relevante para averiguar se se aplica o Antigo Regulamento de Isenção por Categoria. Observa que, segundo a antiga Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (5), para definir um mercado de produtos relevante é necessário examinar a substituibilidade do lado da procura e do lado da oferta (6).

15.      A Booking.com alega que o mercado de produtos relevante é o mercado da distribuição e da reserva de alojamento hoteleiro, que é um mercado biface. Os diferentes canais de distribuição, em linha e fora de linha, são substituíveis para hotéis e clientes finais e pertencem, por conseguinte, ao mesmo mercado de produtos relevante. De acordo com um relatório económico encomendado pela Booking.com, 62 % dos clientes finais alemães utilizaram entre dois e quatro sítios Web para procurar alojamento hoteleiro em 2014. Dos clientes finais que utilizaram as OTA para procurar alojamento hoteleiro, 46 % utilizaram também motores de pesquisa. Em 2015, 60 % das reservas de hotel foram feitas fora de linha.

16.      Os hotéis reconvintes argumentam, em contrapartida, que as OTA operam num mercado de produtos distinto, uma vez que oferecem serviços de pesquisa, comparação e reserva. Por conseguinte, a distribuição fora de linha de serviços hoteleiros e os canais de venda direta dos hotéis não fazem parte do mesmo mercado de produtos relevante.

17.      O Rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão) sugere que parece haver uma contradição entre o argumento de que os canais de vendas diretas dos hotéis constituem um mercado de produtos distinto e a alegação de que as cláusulas de paridade restrita de preços restringem a concorrência entre as OTA, como a Booking.com, e os canais de vendas diretas dos hotéis. Também observa que a Decisão C(2011) 3913 final de 31 de maio de 2011 (Processo n.° COMP/M.6163 AXA/PERMIRA/OPODO/GO VOYAGES/EDREAMS), que considerou que o mercado de produtos relevante incluía a distribuição em linha de bilhetes de avião através das OTA e dos sítios Web das companhias aéreas, parece apoiar a posição da Booking.com.

18.      De acordo com o «Summary of the stakeholder consultation to the Evaluation of the Market Definition Notice» («Resumo da consulta das partes interessadas para a Avaliação da Comunicação sobre a definição de mercado») de 18 de dezembro de 2020 (a seguir «Summary of the stakeholder consultation») (7), não existe consenso na literatura económica ou na prática decisória das autoridades da concorrência quanto à forma como os mercados multilaterais devem ser definidos. Existe um debate sobre a questão de saber se devem ser definidos como mercados relevantes múltiplos (um para cada lado da plataforma) ou como um mercado único (para englobar todos os lados da plataforma) (8).

19.      Nestas condições, o Rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      As cláusulas de paridade ampla e restrita constituem uma restrição acessória no contexto do artigo 101.°, n.° 1, TFUE?

2)      No âmbito da aplicação do Regulamento [n.° 330/2010], como deve ser definido o mercado relevante nos casos em que as transações são mediadas através de uma plataforma de agência de viagens em linha [online travel agency platform, OTA], na qual os estabelecimentos de alojamento podem oferecer quartos e entrar em contacto com viajantes, os quais podem reservar quartos através da plataforma?»

20.      A Booking.com, os hotéis reconvintes, os Governos Alemão, Grego, Espanhol e Austríaco, e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Na audiência de 29 de fevereiro de 2024, a Booking.com, os hotéis reconvintes, os Governos Alemão e Espanhol, e a Comissão apresentaram alegações orais e responderam às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça.

 III.      Apreciação

 A. Admissibilidade

21.      Os hotéis reconvintes e o Governo Alemão apõem em causa a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial.

22.      Primeiro, alegam que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível por não cumprir os requisitos do artigo 94.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. O pedido de decisão prejudicial não contém todos os factos relevantes, incluindo a questão de saber se a Decisão Booking.com e a Decisão HRS abordaram as duas questões suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio. Os tribunais alemães confirmaram estas decisões, que transitaram em julgado. Enquanto os hotéis reconvintes consideram que o órgão jurisdicional de reenvio deverá estar vinculado pelas conclusões que figuram nestas decisões, o Governo Alemão alega que estas decisões constituem, pelo menos, um elemento de prova prima facie da existência de uma infração.

23.      Segundo, os hotéis reconvintes alegam que as questões são puramente hipotéticas, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio está vinculado pelas decisões dos órgãos jurisdicionais alemães. No mesmo sentido, o Governo Alemão considera que as questões não são necessárias, uma vez que a Decisão Booking.com e a Decisão HRS, confirmadas pelos tribunais alemães, dissipam quaisquer dúvidas quanto à interpretação do direito da União.

24.      Terceiro, as questões são inadmissíveis, uma vez que não são relativas à interpretação do direito da União, mas à sua aplicação. É impossível responder à questão de saber se as cláusulas de paridade ampla e restrita são restrições acessórias em abstrato e separadas do contexto factual, jurídico e económico em que se aplicam. A definição de mercado de produtos relevante não é um conceito jurídico mas exige uma apreciação factual.

25.      Segundo jurisprudência constante, o procedimento instituído pelo artigo 267.° TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução do litígio que lhes cabe decidir. No quadro desta cooperação, compete apenas ao juiz nacional, ao qual o litígio foi submetido e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a proferir, apreciar tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas digam respeito à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (9).

26.      Daqui resulta que as questões relativas à interpretação do direito da União, colocadas pelo juiz nacional no quadro factual e normativo que define sob sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, beneficiam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar responder a uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas (10).

27.      Quanto à primeira objeção à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, a decisão de reenvio fornece elementos de facto, de direito e de processo suficientes para permitir ao Tribunal de Justiça responder às questões suscitadas. Contém, nomeadamente, informações sobre a Decisão HRS, sobre a Decisão Booking.com e sobre as subsequentes decisões dos tribunais alemães relativas a estas decisões.

28.      No que diz respeito à pertinência destas decisões e dos acórdãos posteriores dos tribunais alemães para o processo perante o órgão jurisdicional de reenvio, o âmbito de aplicação material da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União (11) está limitado às ações de indemnização por danos causados por infrações às regras da concorrência. Não se aplica a outros tipos de ações que aleguem infrações ao direito da concorrência (12), tais como ações com vista à obtenção da declaração de não verificação de uma infração, sempre que tais ações existam segundo a legislação nacional. Resulta dos autos perante o Tribunal de Justiça que, embora a Booking.com peça ao órgão jurisdicional de reenvio que declare que as suas cláusulas de paridade de preços não violam as regras da concorrência, os hotéis reconvintes intentaram uma ação de indemnização contra a Booking.com no referido órgão jurisdicional. Este pedido reconvencional insere o processo perante o órgão jurisdicional de reenvio no âmbito de aplicação material da Diretiva 2014/104.

29.      Segundo o artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva 2014/104, uma infração ao direito da concorrência declarada por decisão de uma autoridade nacional da concorrência ou de um tribunal de recurso é considerada irrefutavelmente estabelecida para efeitos de uma ação de indemnização intentada nos tribunais desse Estado‑Membro (13). O artigo 9.°, n.° 2, da Diretiva 2014/104 regula a situação em causa no contexto do presente processo. Quando uma ação de indemnização por danos causados por uma infração ao direito da concorrência é intentada nos tribunais de um Estado‑Membro, estes são obrigados a ter em conta as decisões definitivas proferidas noutro Estado‑Membro como prova prima facie de que foi cometida uma infração ao direito da concorrência, sem prejuízo da possibilidade de apresentar prova em contrário (14). O órgão jurisdicional de reenvio não está, por conseguinte, vinculado pelas conclusões que figuram na Decisão Booking.com, na Decisão HRS ou nos acórdãos posteriores dos tribunais alemães. O facto de tais decisões poderem constituir um elemento de prova prima facie de uma infração ao direito da concorrência não torna o reenvio prejudicial inadmissível.

30.      A segunda objeção à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial pode ser rejeitada por razões semelhantes. As questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não são hipotéticas, uma vez que as decisões acima referidas não o vinculam. A existência dessas decisões também não implica que seja desnecessário que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas, uma vez que o Tribunal de Justiça é o intérprete último do direito da União (15).

31.      Por último, no âmbito do procedimento instituído pelo artigo 267.° TFUE, o Tribunal de Justiça não tem poder para aplicar regras do direito da União aos factos de um caso concreto, o que é da competência do órgão jurisdicional de reenvio. O Tribunal de Justiça pode, no âmbito da cooperação judiciária estabelecida por esse artigo, a partir dos elementos dos autos, fornecer ao órgão jurisdicional nacional os elementos de interpretação do direito da União que lhe possam ser úteis na apreciação dos efeitos de uma determinada disposição deste (16).

32.      No caso em apreço, as questões suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio dizem respeito à interpretação do direito da União, nomeadamente do conceito de restrições acessórias e dos princípios jurídicos que orientam a definição de mercados de produtos relevantes em que operam as OTA do setor hoteleiro.

33.      Por estas razões, aconselho o Tribunal de Justiça a rejeitar as diferentes objeções à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial.

 B. Quanto ao mérito

 1.      Primeira questão

–       Observações das partes

34.      No que diz respeito às cláusulas de paridade ampla de preços, a Comissão considera que a Decisão HRS e o Acórdão HRS constituem indícios de que tais cláusulas são, em princípio, contrárias ao artigo 101.°, n.° 1, TFUE, uma vez que restringem a concorrência tanto entre as OTA como entre os hotéis. A sua conclusão mantém‑se, mesmo considerando que a Booking.com não é parte nesses processos e que, por conseguinte, o artigo 9.°, n.° 2, da Diretiva 2014/104 não é aplicável.

35.      No que respeita às cláusulas de paridade restrita de preços, a Comissão alega que a Decisão Booking.com e o subsequente acórdão do Bundesgerichtsthof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha), que concluíram que tais cláusulas restringem a concorrência entre hotéis e OTA, constituem elementos de prova prima facie, nos termos do artigo 9.°, n.° 2, da Diretiva 2014/104, de que foi cometida uma infração ao direito da concorrência. A Comissão considera que não há indícios de que as conclusões das autoridades alemãs relativas às cláusulas de paridade ampla e restrita de preços estejam viciadas por uma análise jurídica incorreta ou que tenham desvirtuado as provas.

36.      Segundo a Comissão, uma restrição deve ser considerada acessória quando estejam preenchidas duas condições. Primeiro, a restrição é objetivamente necessária para a realização de uma operação principal, que seria impossível sem a restrição acessória. A operação principal deve ter efeitos positivos ou, pelo menos, ser neutra do ponto de vista da concorrência. Segundo, a restrição acessória deve ser proporcional aos objetivos prosseguidos pela operação principal. As observações da Comissão centram‑se na primeira dessas condições. A Comissão considera que a atividade principal no caso vertente, a saber, a prestação de serviços de intermediação em linha pelas OTA aos hotéis, tem efeitos positivos. Aumenta a concorrência entre os hotéis e permite que os clientes finais procurem e comparem ofertas concorrentes de serviços hoteleiros. A Comissão alega ainda que as autoridades alemãs parecem ter aplicado o critério jurídico correto, procurando determinar se as cláusulas de paridade de preços são objetivamente necessárias. Embora não caiba à Comissão substituir pela sua própria apreciação a das autoridades nacionais da concorrência e dos órgãos jurisdicionais nacionais no âmbito dos pedidos de decisão prejudicial, não parece existir nenhum indício de que, sem as cláusulas de paridade de preços, a sobrevivência económica da Booking.com estaria em risco. Embora as cláusulas de paridade restrita de preços possam ser úteis para prevenir o parasitismo, a análise deve ser efetuada no âmbito da aplicação do artigo 101.°, n.° 3, TFUE a circunstâncias individuais (17).

37.      Segundo os hotéis reconvintes e os Governos Alemão, Grego e Austríaco, as cláusulas de paridade de preços só podem ser consideradas restrições acessórias se forem indispensáveis para assegurar a viabilidade da Booking.com. É insuficiente demonstrar que as atividades da Booking.com podem ser menos rendíveis. Os mesmos consideram que as cláusulas de paridade de preços não são restrições acessórias, porque não são objetivamente necessárias. Primeiro, a Booking.com introduziu cláusulas de paridade de preços alguns anos após a sua entrada bem sucedida no mercado alemão. Segundo, a Booking.com continuou a reforçar a sua posição no mercado alemão depois de ter deixado de recorrer a tais cláusulas (18). Terceiro, a Booking.com alega que, embora muitos hotéis não tenham respeitado as cláusulas de paridade de preços, não procurou executá‑las.

38.      Os hotéis reconvintes e o Governo Grego alegam ainda que as cláusulas de paridade de preços são desproporcionadas, uma vez que a Booking.com poderia proteger os seus interesses comerciais legítimos por outros meios. Poderia, por exemplo, cobrar aos hotéis uma taxa de inscrição ou exigir aos clientes finais o pagamento por clique.

39.      Os Governos Alemão e Grego consideram que as cláusulas de paridade ampla de preços são restrições excluídas nos termos do artigo 5.°, n.° 1, alínea d), do Novo Regulamento de Isenção por Categoria. Esta disposição demonstra que tais cláusulas não são restrições acessórias e que a sua compatibilidade com o direito da concorrência exige uma apreciação individual nos termos do artigo 101.°, n.° 3, TFUE. As cláusulas de paridade restrita de preços podem, contudo, ser abrangidas pelo âmbito de aplicação do Novo Regulamento de Isenção por Categoria, desde que sejam respeitados os limiares de quota de mercado e outras condições aplicáveis.

40.      O Governo Espanhol propõe uma apreciação diferente das cláusulas de paridade ampla e restrita de preços. Uma vez que as cláusulas de paridade ampla de preços têm efeitos particularmente nocivos sobre a concorrência, constituem restrições da concorrência por objetivo, o que deve conduzir ao seu tratamento como restrições graves na aceção do artigo 4.° do Novo Regulamento de Isenção por Categoria. Em contrapartida, o Novo Regulamento de Isenção por Categoria pode isentar as cláusulas de paridade restrita de preços quando as empresas em causa não ultrapassem os limiares de 30 % de quota de mercado. Quando estes limiares de quotas de mercado forem ultrapassados, será necessário efetuar uma análise individual da compatibilidade das cláusulas de paridade restrita de preços. O Governo Espanhol não exclui que, nessa hipótese, tais cláusulas possam ser consideradas restrições acessórias, desde que sejam necessárias para evitar o parasitismo, se não existirem meios alternativos e menos restritivos para atingir esse objetivo.

41.      A Booking.com apresenta duas razões pelas quais as cláusulas de paridade ampla e restrita de preços são restrições acessórias. Primeiro, as cláusulas de paridade de preços estavam diretamente ligadas à realização dos principais contratos entre a Booking.com e os hotéis, que tiveram um impacto positivo na concorrência e proporcionaram benefícios aos hotéis e aos clientes finais. Graças à plataforma da Booking.com, os hotéis obtiveram uma maior visibilidade e conseguiram chegar a um maior número de clientes finais em todo o mundo. Os clientes finais têm acesso a uma oferta mais vasta de hotéis e podem comparar e reservar alojamentos de uma forma simples e eficaz. A plataforma da Booking.com aumentou a concorrência entre os hotéis, o que conduziu a preços mais baixos para os clientes finais.

42.      Segundo, devido aos seus investimentos significativos na criação, desenvolvimento e promoção da sua plataforma, as cláusulas de paridade de preços eram uma necessidade objetiva para proteger o modelo comercial da Booking.com. Os hotéis não pagam uma taxa para oferecer os seus quartos na plataforma da Booking.com. As empresas pagam apenas quando o cliente reserva um quarto através da Booking.com e não o cancela. Os clientes finais utilizam os serviços da Booking.com gratuitamente. As cláusulas de paridade de preços eram indispensáveis, a fim de impedir que os hotéis adotassem comportamentos de parasitismo, anunciando os seus quartos na plataforma da Booking.com, tentando simultaneamente evitar o pagamento da taxa de reserva mediante oferta dos mesmos quartos a um preço inferior através de outros canais de venda. A Booking.com alega que as cláusulas de paridade de preços (i) constituíam uma medida adequada para garantir o êxito do seu modelo comercial (2) prosseguiam um objetivo legítimo e (iii) constituíam a medida menos restritiva para combater o parasitismo (19).

–       Análise

43.      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as cláusulas de paridade ampla e restrita de preços, que uma OTA pretende impor aos hotéis enquanto parte das suas condições comerciais, devem ser consideradas restrições acessórias para efeitos do artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

44.      Como consequência do artigo 9.°, n.° 2, da Diretiva 2014/104, o órgão jurisdicional de reenvio está obrigado a considerar a Decisão Booking.com e os acórdãos subsequentes dos tribunais alemães pelo menos como elemento de prova prima facie de que as cláusulas de paridade restrita de preços da Booking.com violam o direito da concorrência. O órgão jurisdicional de reenvio pode também considerar a Decisão HRS, que não foi dirigida à Booking.com, e os subsequentes acórdãos dos tribunais alemães a esse respeito, bem como «quaisquer outros elementos [de prova]», se forem aduzidos pelas partes, para determinar se as cláusulas de paridade ampla de preços da Booking.com violam o direito da concorrência. O órgão jurisdicional de reenvio não está vinculado pelas decisões definitivas proferidas noutro Estado‑Membro quando se afigure que essas decisões estão viciadas por um erro de direito ou por um erro manifesto de apreciação, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

45.      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que se uma operação ou uma atividade determinada não estiver abrangida pela proibição prevista no artigo 101.° TFUE, devido à sua neutralidade ou ao seu efeito positivo no plano da concorrência, uma restrição da autonomia comercial de um ou de vários dos participantes nessa operação ou nessa atividade também não está abrangida pela referida proibição se essa restrição for objetivamente necessária para realizar a referida operação ou atividade e proporcionada aos objetivos de qualquer uma delas (20).

46.      Tratando‑se de determinar se uma restrição anticoncorrencial pode escapar à proibição prevista no artigo 101.°, n.° 1, TFUE, por constituir o acessório de uma operação principal desprovida de tal caráter anticoncorrencial, há que apurar se a realização dessa operação seria impossível na falta dessa restrição. O facto de uma operação se tornar mais difícil de realizar ou até menos rendível sem o recurso a uma restrição é insuficiente para conferir a esta restrição o carácter «objetivamente necessário» exigido para poder ser qualificada de acessória. Se assim não fosse, o conteúdo das restrições acessórias incluiria restrições que não são estritamente indispensáveis à realização da operação principal. Se fosse aceite, este resultado poria em causa o efeito útil da proibição prevista no artigo 101.°, n.° 1, TFUE (21). O critério da necessidade objetiva tem por objeto a questão de saber se, na falta de uma determinada restrição da autonomia comercial, uma operação ou atividade principal não abrangida pela proibição imposta pelo artigo 101.°, n.° 1, TFUE, e em relação à qual essa restrição é secundária corre o risco de não se realizar ou de não prosseguir (22).

47.      Para evitar uma amálgama das condições estabelecidas pela jurisprudência para a qualificação de uma restrição como acessória na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, e do critério da indispensabilidade que o artigo 101.°, n.° 3, TFUE exige para isentar uma restrição, o exame da necessidade objetiva de uma restrição é efetuado a um nível relativamente abstrato. Embora a ponderação entre os efeitos pró‑concorrenciais e anticoncorrenciais de um acordo se faça no âmbito do artigo 101.°, n.° 3, TFUE, só as restrições que sejam necessárias para que a operação principal possa, em qualquer hipótese, funcionar (23) podem ser consideradas abrangidas pela teoria das restrições acessórias (24).

48.      No caso em apreço, é evidente que a prestação de serviços de reserva de alojamento em linha por OTA como a Booking.com teve efeitos positivos para a concorrência, visto que esta atividade aumenta a concorrência entre os hotéis e permite aos clientes finais procurar e comparar ofertas concorrentes de serviços de alojamento. A verdadeira questão consiste em saber se as cláusulas de paridade ampla e/ou restrita de preços são objetivamente necessárias e proporcionadas para o exercício da atividade principal examinada pelo órgão jurisdicional de reenvio. Como a maioria das partes no presente processo afirma, as cláusulas de paridade ampla e restrita de preços não parecem ser indispensáveis. Não parece existir uma ligação inerente entre a atividade principal das OTA e a imposição de cláusulas de paridade de preços. Também não parecem ser objetivamente necessárias para garantir a viabilidade económica das OTA. O processo do Tribunal de Justiça sugere que as OTA continuam a prestar os seus serviços e até a prosperar em vários Estados‑Membros depois de lhes ter sido proibido o recurso a cláusulas de paridade de preços. Como alegaram várias partes no processo perante o Tribunal de Justiça, podem ser considerados outros meios alternativos e menos restritivos para atingir o objetivo legítimo de evitar o parasitismo, por exemplo, cobrar aos hotéis uma taxa de inscrição. Por conseguinte, é discutível que as cláusulas de paridade ampla e restrita de preços preencham o critério de proporcionalidade que as restrições acessórias devem satisfazer.

49.      As considerações que precedem não prejudicam o exercício de ponderação dos efeitos pró‑concorrenciais e anticoncorrenciais de tais restrições no contexto de uma análise individual ao abrigo do artigo 101.°, n.° 3, TFUE. Evitar o parasitismo é um objetivo legítimo suscetível de justificar restrições da concorrência quando as condições de aplicação do artigo 101.°, n.° 3, TFUE são cumpridas (25). Por conseguinte, as OTA podem apresentar tais argumentos no contexto do quadro previsto no artigo 101.°, n.° 3, TFUE, em vez de o fazer no âmbito da averiguação da existência de restrições acessórias (26).

50.      Uma vez que a questão foi debatida na audiência, gostaria de acrescentar que as cláusulas de paridade ampla e restrita de preços não são restrições graves na aceção do artigo 4.° do Antigo Regulamento de Isenção por Categoria. O Antigo Regulamento de Isenção por Categoria não faz referência a cláusulas de paridade ampla ou restrita de preços. A restrição grave prevista no artigo 4.°, alínea a), do Antigo Regulamento de Isenção por Categoria (27) diz respeito à «manutenção do preço de revenda», ou seja, acordos ou práticas concertadas que tenham por objeto direto ou indireto o estabelecimento de um preço de revenda fixo ou mínimo. O conceito de manutenção do preço de revenda refere‑se a uma restrição da capacidade do comprador para determinar o seu preço de revenda (28). As cláusulas de paridade ampla e restrita de preços funcionam de forma bastante diferente. Primeiro, as OTA prestam serviços de intermediação aos hotéis. Não prestam serviços de alojamento que os hotéis revendem aos clientes finais. O conceito de manutenção do preço de revenda não se enquadra facilmente nessa matriz contratual. Segundo, mesmo que se pudesse estabelecer uma analogia entre a manutenção do preço de revenda e a imposição pela OTA de um preço de venda fixo ou mínimo em relação às transações em que atua como intermediário (29), as cláusulas de paridade ampla e restrita de preços não impedem os hotéis de baixar o preço de venda das transações realizadas através dessa OTA (30).

51.      A afirmação de que as cláusulas de paridade de preços não são restrições graves para efeitos do Antigo Regulamento de Isenção por Categoria é apoiada por duas considerações adicionais extraídas do Novo Regulamento de Isenção por Categoria e as novas Orientações Verticais (31). Primeiro, o artigo 5.°, n.° 1, alínea d), do Novo Regulamento de Isenção por Categoria prevê expressamente que as cláusulas de paridade ampla de preços são «restrições excluídas» (32) e não restrições graves nos termos do artigo 4.° do Novo Regulamento de Isenção por Categoria (33). Tal parece implicar que o Novo Regulamento de Isenção por Categoria isenta as cláusulas de paridade restrita de preços, que são menos restritivas da concorrência (34). Segundo, as novas Orientações Verticais confirmam expressamente que as cláusulas de paridade restrita de preços podem beneficiar da isenção prevista no Novo Regulamento de Isenção por Categoria (35).

52.      Uma vez que o Antigo Regulamento de Isenção por Categoria não contém uma disposição semelhante ao artigo 5.°, n.° 1, alínea d), do Novo Regulamento de Isenção por Categoria e as cláusulas de paridade de preços não são restrições graves, nada parece, em princípio, impedir que o Antigo Regulamento de Isenção por Categoria se aplique tanto a cláusulas de paridade ampla de preços como a cláusulas de paridade restrita de preços, desde que sejam cumpridas as outras condições que esse regulamento estabelece.

53.      Por conseguinte, convido o Tribunal de Justiça a responder à primeira questão no sentido de que as cláusulas de paridade ampla e restrita de preços que uma OTA procura impor aos hotéis enquanto parte das suas condições comerciais não são restrições acessórias para efeitos do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, a menos que sejam indispensáveis e proporcionais para garantir a viabilidade económica da OTA, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar sem prejuízo da sua análise nos termos do artigo 101.°, n.° 3, TFUE.

 2.      Segunda questão

–       Observações das partes

54.      A Comissão observa que, de acordo com a Decisão Booking.com, que se tornou definitiva, o mercado de produtos relevante era o da prestação de serviços de intermediação em linha por plataformas a hotéis. Os canais de venda direta dos hotéis e os motores de metapesquisa não faziam parte desse mercado de produtos relevante. A Comissão, apoiada pelo Governo Alemão, alega que não há indícios de que estas conclusões estejam viciadas por um erro manifesto de apreciação (36). Assim, essa decisão deve constituir pelo menos um elemento de prova prima facie para a definição do mercado relevante pelo órgão jurisdicional de reenvio.

55.      A Comissão sublinha que o limiar da quota de mercado referido no artigo 3.°, n.° 1, do Antigo Regulamento de Isenção por Categoria diz respeito ao mercado relevante no qual o fornecedor vende os bens ou serviços contratuais. A Comissão e o Governo Alemão referem, por analogia, o ponto 67 das novas Orientações Verticais.

56.      Os hotéis reconvintes parecem pôr em causa a natureza vertical da relação entre a Booking.com e os hotéis, com base no argumento da Booking.com de que os canais de venda direta dos hotéis concorrem com a sua plataforma. Com base neste argumento, o Antigo Regulamento de Isenção por Categoria não seria aplicável. De qualquer modo, os hotéis reconvintes, apoiados pelos Governos Grego, Espanhol e Austríaco, alegam que os motores de metapesquisa não fazem parte do mercado de produtos relevante, uma vez que os utilizadores não podem efetuar uma reserva através deles. Os canais de venda direta dos hotéis não fazem parte do mercado de produtos relevante, porque não oferecem funcionalidades de pesquisa e de comparação.

57.      A Booking.com alega que o mercado de produtos relevante deve incluir a pressão concorrencial exercida direta e indiretamente pelos canais de venda fora de linha e em linha, incluindo os sítios Web dos hotéis. O facto de os clientes recorrerem a múltiplos servidores, visto que reservam alojamento hoteleiro através de canais de vendas fora de linha e em linha, incluindo OTA, motores de metapesquisa e os canais de vendas diretas dos hotéis, milita neste sentido. Independentemente do canal de venda, o serviço oferecido ao cliente final é o mesmo, ou seja, um quarto de hotel. Se não existisse o risco de os clientes poderem reservar quartos de hotel através de outros canais de venda, as cláusulas de paridade de preços seriam desnecessárias do ponto de vista comercial.

–       Análise

58.      Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta como deve ser definido o mercado do produto relevante relativamente às atividades de uma OTA que faz a intermediação entre os hotéis e os clientes finais para efeitos da aplicação do artigo 3.°, n.° 1, do Antigo Regulamento de Isenção por Categoria.

59.      A título de observação preliminar, faço notar que o argumento apresentado pelos hotéis reconvintes, segundo o qual a relação entre os hotéis e a Booking.com não é vertical e de que o Antigo Regulamento de Isenção por Categoria não se aplica a este tipo de situação parece assentar numa conceção errada.

60.      O artigo 1.°, n.° 1, alínea a), do Antigo Regulamento de Isenção por Categoria define «acordo vertical» como um acordo ou prática concertada entre duas ou mais empresas, exercendo cada uma delas, para efeitos do acordo ou da prática concertada, a um nível diferente da cadeia de produção ou distribuição e que digam respeito às condições em que as partes podem adquirir, vender ou revender certos bens ou serviços (37). Uma empresa, como a Booking.com, que presta serviços de intermediação a hotéis para chegar aos clientes finais que procuram serviços de alojamento hoteleiro, está claramente abrangida por esta definição, uma vez que, para efeitos do referido acordo, a Booking.com e os hotéis operam a níveis diferentes das cadeias de produção e de distribuição.

61.      Uma questão jurídica diferente é a de saber se o Antigo Regulamento de Isenção por Categoria é ou não aplicável, porque a plataforma da Booking.com está em concorrência com os canais de venda direta dos hotéis. Segundo o artigo 2.°, n.° 4, do Antigo Regulamento de Isenção por Categoria, a isenção prevista no artigo 2.°, n.° 1, não é aplicável aos acordos verticais concluídos entre empresas concorrentes. Existe uma exceção a esta disposição: a isenção por categoria é aplicável quando empresas concorrentes concluem um acordo vertical não recíproco e o fornecedor é um prestador de serviços a vários níveis de comércio, enquanto o comprador fornece os seus bens ou serviços a nível retalhista e não é uma empresa concorrente no nível de comércio em que adquire os serviços contratuais (38). Esta exceção abrange situações de «dupla distribuição», ou seja, quando um fornecedor não só vende os seus serviços através de distribuidores independentes mas também os vende diretamente aos clientes finais em concorrência com os seus distribuidores independentes (39). Por conseguinte, mesmo partindo do princípio de que a plataforma Booking.com e os canais de venda direta dos hotéis devem ser considerados concorrentes efetivos ou potenciais no mesmo mercado de produtos relevante (40), a situação em que os hotéis vendem os seus quartos através de OTA bem como através dos seus próprios sítios Web é abrangida pelo artigo 2.°, n.° 4, do Antigo Regulamento de Isenção por Categoria. Assim, contrariamente ao argumento apresentado pelos hotéis reconvintes, o Antigo Regulamento de Isenção por Categoria é aplicável.

62.      Esta conclusão torna‑se ainda mais clara quando analisada no contexto do Novo Regulamento de Isenção por Categoria e das novas Orientações Verticais. O artigo 1.°, alínea e), subalínea ii), do Novo Regulamento de Isenção por Categoria define «serviços de intermediação em linha» como serviços da sociedade da informação que permitem que as empresas ofereçam bens ou serviços aos consumidores finais, com vista a facilitar o início de transações diretas entre essas empresas e os consumidores finais. O artigo 2.°, n.° 4, alínea b), do Novo Regulamento de Isenção por Categoria, que é relativo à dupla distribuição, está redigido em termos idênticos aos do artigo 2.°, n.° 4, alínea b), do Antigo Regulamento de Isenção por Categoria. O Novo Regulamento de Isenção por Categoria inclui, no entanto, um novo artigo 2.°, n.° 6, que estabelece que as exceções previstas no artigo 2.°, n.° 4, do mesmo regulamento não são aplicáveis aos acordos verticais relativos à prestação de serviços de intermediação em linha quando o prestador desses serviços for uma empresa concorrente no mercado relevante da venda dos bens ou serviços intermediados (41).

63.      Os pontos 104 a 106 das novas orientações verticais indicam claramente que o objetivo do artigo 2.°, n.° 6, o Novo Regulamento de Isenção por Categoria consiste em restringir o âmbito da zona de proteção no que diz respeito às plataformas com uma função «híbrida» (42). Isso pode acontecer quando os vendedores de géneros alimentícios colocam os seus produtos à venda num mercado em linha, ao passo que o operador do mercado em linha oferece simultaneamente os seus próprios produtos em concorrência com esses vendedores. A lógica desta exclusão é que, em tais circunstâncias, os prestadores de serviços de intermediação em linha podem ter um incentivo para favorecer as suas próprias vendas e a capacidade de influenciar o resultado da concorrência. Daqui resulta que o Novo Regulamento de Isenção por Categoria continua a prever uma isenção para os prestadores de serviços de intermediação em linha que não têm uma função híbrida, como uma OTA que não oferece os seus próprios quartos de hotel através da sua plataforma.

64.      No que respeita à segunda questão, observo que a definição do mercado é um instrumento que permite identificar e definir os limites da concorrência entre empresas. O seu principal objetivo consiste em identificar de uma forma sistemática as pressões concorrenciais efetivas e imediatas que as empresas enfrentam quando vendem produtos específicos (43).

65.      De acordo com a jurisprudência, o mercado de produtos relevante compreende todos os produtos e/ou serviços que o consumidor considera permutáveis ou substituíveis, com base nas suas características, preços e utilização pretendida. O conceito de mercado relevante implica que possa haver uma concorrência efetiva entre os produtos ou os serviços que dele fazem parte, o que pressupõe um grau suficiente de permutabilidade para efeitos da mesma utilização entre todos os produtos ou todos os serviços que façam parte de um mesmo mercado. A permutabilidade ou a substituibilidade não se aprecia apenas tendo em conta as características objetivas dos produtos ou dos serviços em questão. Há também que tomar em consideração as condições da concorrência e a estrutura da procura e da oferta no mercado (44). A permutabilidade ou substituibilidade dos produtos é dinâmica e a definição do mercado relevante pode evoluir ao longo do tempo (45).

66.      Os mercados de dois lados são aqueles em que um operador económico, frequentemente uma plataforma em linha, liga dois grupos de utilizadores diferentes. Nestas circunstâncias, a procura de um grupo de utilizadores influencia a procura do outro grupo, dando origem a efeitos de rede indiretos (46). Exemplos de tais mercados de dois lados incluem um mercado em linha em que uma plataforma reúne vendedores de produtos e compradores de um produto e uma rede social profissional que liga utilizadores finais e potenciais empregadores (47).

67.      De acordo com a nova Comunicação relativa à definição de mercado relevante, na presença de plataformas multilaterais, pode ser adequado definir um mercado de produtos relevante para os produtos oferecidos pela plataforma no seu conjunto, para abranger todos os grupos de utilizadores. Pode ser adequado definir mercados de produtos relevantes distintos, embora inter‑relacionados, para os produtos oferecidos em cada lado da plataforma (48). Certo número de fatores tem impacto nessa determinação, incluindo o facto de se tratar de uma plataforma de transações ou de outro tipo (49).

68.      Neste contexto, como a Comissão e o Governo Alemão alegam corretamente, a Decisão Booking.com e os acórdãos subsequentes dos tribunais alemães constituem pelo menos elementos de prova prima facie para que o órgão jurisdicional de reenvio defina o mercado relevante nos termos do artigo 9.°, n.° 2, da Diretiva 2014/104, em conformidade com as considerações expostas no n.° 29 das presentes conclusões. No entanto, os órgãos jurisdicionais nacionais não estão vinculados pelas decisões proferidas noutro Estado‑Membro, nomeadamente quando se afigure que estas estão viciadas por um erro de direito ou por um erro manifesto de apreciação, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio decidir.

69.      É indiscutível que, no caso em apreço, a Booking.com opera num mercado biface, na qualidade de prestador de serviços de intermediação em linha tanto para hotéis como para clientes finais (50). Embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se é adequado definir um único mercado do produto relevante que englobe os utilizadores de ambos os lados da plataforma ou dois mercados do produto relevantes distintos, um de cada lado da plataforma, as novas Orientações Verticais indicam que, para efeitos dos limiares de quota de mercado previstos no n.° 1 do artigo 3.°, n.° 1, do Novo Regulamento de Isenção por Categoria (51), um prestador de serviços de intermediação em linha como a Booking.com é qualificado de prestador desses serviços e uma empresa que oferece ou vende bens ou serviços através de um prestador de serviços de intermediação em linha, tal como um hotel, é qualificada de comprador relativamente aos serviços de intermediação em linha (52). Consequentemente, a quota de mercado da empresa que presta os serviços de intermediação em linha é calculada por referência ao mercado relevante da prestação desses serviços às empresas categorizadas como compradoras (53). As novas Orientações Verticais estabelecem ainda que o âmbito do mercado de produtos relevante dependerá do grau de substituibilidade entre os serviços de intermediação em linha e fora de linha, entre os serviços de intermediação utilizados para diferentes categorias de bens e serviços e entre os serviços de intermediação e os canais de venda direta (54).

70.      Para efeitos de aplicação do artigo 3.°, n.° 1, do Antigo Regulamento de Isenção por Categoria ao presente caso, será necessário calcular a quota de mercado enquanto prestadora de serviços de intermediação. Neste contexto, pode ser adequado considerar se outros tipos de serviços de intermediação e outros canais de venda são substituíveis por serviços de intermediação do ponto de vista dos hotéis (do lado da procura desses serviços de intermediação) e dos clientes finais (presentes do outro lado dessa plataforma biface)(55). Pode, assim, ser adequado considerar a substituibilidade dos serviços das agências de viagens fora de linha, dos canais de venda direta dos hotéis e mesmo de outros serviços em linha, como os fornecidos pelos motores de metapesquisa. A este respeito, constato que todas as partes no processo no órgão jurisdicional de reenvio, com exceção da Booking.com, consideram que não existe substituibilidade entre os serviços de intermediação em linha e os acima referidos canais de venda, no essencial, porque não oferecem as mesmas funcionalidades de pesquisa e de comparação, bem como a possibilidade de fazer uma reserva (56).

71.      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio definir o mercado de produtos relevante à luz das considerações precedentes, tendo em conta a Decisão Booking.com e os acórdãos subsequentes dos tribunais alemães como elementos de prova prima facie, bem como quaisquer outros elementos de prova pertinentes. Acrescento que, segundo o acórdão do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal) relativo à Decisão Booking.com, esta não se opôs, no decurso desse litígio, à definição do mercado relevante.

72.      O órgão jurisdicional de reenvio pode também procurar orientação em precedentes de outras autoridades da concorrência, como a Decisão C(2023) 6376 final da Comissão, de 25 de setembro de 2023, que declara uma concentração incompatível com o mercado interno e o funcionamento do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (Processo M.10615 — Booking Holdings/ Traveli Group), discutido na audiência. Embora a Booking.com tenha interposto um recurso de anulação desta decisão no Tribunal Geral (57), em resposta às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça, os seus representantes responderam que, apesar de certas reservas, não tinham contestado especificamente a definição de mercado adotada nesta decisão.

73.      Por último, como a Comissão corretamente alega, não existe nenhuma contradição entre o argumento de que os canais de venda direta dos hotéis constituem um mercado de produtos distinto e a alegação de que as cláusulas de paridade restrita de preços restringem a concorrência entre as OTA como a Booking.com e os canais de venda direta dos hotéis. Embora a definição do mercado de produtos relevante procure identificar a pressão concorrencial mais direta sentida pelas empresas em causa, a apreciação em matéria de concorrência pode também ter em conta formas de pressão concorrencial menos diretas, como as pressões concorrenciais exteriores ao mercado.

74.      Assim, convido o Tribunal de Justiça a responder à segunda questão no sentido de que, para efeitos da aplicação do artigo 3.°, n.° 1, do Antigo Regulamento de Isenção por Categoria, é necessário definir o mercado de produtos relevante em relação às atividades de uma OTA que faz a intermediação entre os hotéis e os clientes finais, avaliando se outros canais de venda são substituíveis do ponto de vista dos hotéis e dos clientes finais, a fim de calcular a quota de mercado de uma OTA enquanto prestadora de serviços de intermediação em linha aos hotéis.

 IV.      Conclusão

75.      Proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, Países Baixos) da seguinte forma:

1)      O artigo 101.°, n.° 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que

as cláusulas de paridade ampla e restrita que uma OTA procura impor aos hotéis como parte das suas condições comerciais não são restrições acessórias, a menos que sejam indispensáveis e proporcionais para garantir a viabilidade económica da OTA, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar sem prejuízo da sua análise nos termos do artigo 101.°, n.° 3, TFUE;

2)      O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento (UE) n.° 330/2010 [da Comissão], de 20 de abril de 2010, relativo à aplicação do artigo 101.°, n.° 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas deve ser interpretado no sentido de que

é necessário definir o mercado de produtos relevante em relação às atividades de uma OTA que atua como intermediário entre os hotéis e os clientes finais, avaliando se outros canais de venda são substituíveis do ponto de vista dos hotéis e dos clientes finais, a fim de calcular a quota de mercado da OTA enquanto prestadora de serviços de intermediação em linha aos hotéis.


1      Língua original: inglês.


2      As plataformas em linha de reserva de hotéis são frequentemente conhecidas como «agências de viagens em linha» («OTA») e serão assim descritas ao longo das presentes conclusões.


3      De acordo com a Autoridade da Concorrência federal, os hotéis tinham poucos incentivos para oferecer alojamento a preços mais baixos através de outras OTA. As cláusulas de paridade restrita de preços impostas pela Booking.com levavam a que esses quartos fossem propostos a um preço mais elevado através dos canais de venda diretos dos hotéis para igualarem o preço oferecido na Booking.com.


4      JO 2010, L 102, p. 1. O artigo 2.°. n.° 1, do Antigo Regulamento de Isenção por Categoria declarava que, nos termos do artigo 101.°, n.° 3, TFUE e sem prejuízo do disposto nesse regulamento, o artigo 101.°, n.° 1, TFUE, era inaplicável aos acordos verticais, se estes contivessem restrições verticais. Esta isenção aplicava‑se na condição de a quota de mercado do fornecedor não ultrapassar 30 % do mercado relevante em que vendia os bens ou serviços contratuais e de a quota de mercado do comprador não ultrapassar 30 % do mercado relevante em que comprava os bens ou serviços contratuais (artigo 3.°, n.° 1). O Regulamento (UE) 2022/720 da Comissão, de 10 de maio de 2022, relativo à aplicação do artigo 101.°, n.° 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas (JO 2022, L 134, p. 4; a seguir «Novo Regulamento de Isenção por Categoria») substituiu o Antigo Regulamento de Isenção por Categoria.


5      JO 1997, C 372, p. 5.


6      Substituída pela nova Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito da concorrência da União (JO C C/2024/1645; a seguir «nova Comunicação relativa à definição de mercado relevante»).


7      Ares(2020)7730543.


8      Summary of the stakeholder consultation, p. 8. Embora o Rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão) faça referência ao Documento de trabalho dos serviços da Comissão intitulado avaliação da Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência de 9 de dezembro de 1997), [SWD (2021) 199 final, de 1, de julho de 2021; a seguir «Documento de trabalho dos serviços da Comissão»], que apresenta uma conclusão semelhante (v. p. 54), a citação exata pode ser encontrada em Summary of the stakeholder consultation.


9      Acórdão de 8 de dezembro de 2016, Eurosaneamientos e o. (C‑532/15 e C‑538/15, EU:C:2016:932, n.os 26 e 27 e jurisprudência referida).


10      Ibidem, n.° 28.


11      JO 2014, L 349, p. 1.


12      Acórdão de 20 de abril de 2023, Repsol Comercial de Productos Petrolíferos (C‑25/21, EU:C:2023:298, n.° 31).


13      Ibid., n.os 38 e 43.


14      V., para o efeito, Conclusões do advogado‑geral G. Pitruzzella no processo Repsol Comercial de Productos Petrolíferos (C‑25/21, EU:C:2022:659, n.° 107).


15      V., para o efeito, Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no Parecer 1/17 (Acordo ECG UE‑Canada, EU:C:2019:72, n.° 116).


16      Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.° 132).


17      O Governo Grego alega também que o conceito de restrições acessórias, que está relacionado com a aplicação do artigo 101.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1493/1999, é um conceito que não pode ser interpretado como uma restrição de caráter geral nos termos do artigo 101.°, n.° 3, TFUE.


18      O Governo Austríaco acrescenta que, apesar da proibição, desde 2017, sobre a utilização, enquanto prática desleal, de cláusulas de paridade de preços no seu território, as OTA continuaram a aumentar as suas quotas de mercado na Áustria.


19      A Booking.com absteve‑se de impor obrigações de exclusividade aos hotéis para esse efeito, o que teria sido uma medida mais restritiva.


20      Acórdãos de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão (C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.° 89); de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o. (C‑179/16, EU:C:2018:25, n.° 69), e de 26 de outubro de 2023, EDP — Energias de Portugal e o. (C‑331/21, EU:C:2023:812, n.° 88).


21      Acórdãos de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão (C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.° 91); de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o. (C‑179/16, EU:C:2018:25, n.° 71), e de 26 de outubro de 2023, EDP — Energias de Portugal e o. (C‑331/21, EU:C:2023:812, n.° 90).


22      Acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão (C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.° 93).


23      As considerações relativas à situação da concorrência no mercado em causa não fazem, portanto, parte da análise do caráter acessório da restrição e devem, pelo contrário, ser tomadas em conta no âmbito da aplicação do artigo 101.°, n.° 3, TFUE.


24      V., nesse sentido, os Acórdãos de 18 de setembro de 2001, M6 e o./Comissão (T‑112/99, EU:T:2001:215, n.os 107 e 109), e de 24 de maio de 2012, MasterCard e o./Comissão (T‑111/08, EU:T:2012:260, n.° 89).


25      V., nesse sentido, as Conclusões do advogado‑geral Mazák no processo Pierre Fabre Dermo‑Cosmétique (C‑439/09, EU:C:2011:113, n.os 39 e 40) e as Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:1958, n.° 123).


26      Os n.os 372 a 375 das novas Orientações sobre as restrições verticais (JO 2022 C 248, p. 1, a seguir «orientações verticais») dão indicações relativamente à avaliação das obrigações de paridade de preços nos termos do artigo 101.°, n.° 3, TFUE para fazer face ao problema do parasitismo.


27      O artigo 4.°, alínea a), do Novo Regulamento de Isenção por Categoria está redigido em termos idênticos.


28      V. n.° 48 das antigas Orientações Verticais e ponto 185 das novas Orientações Verticais. Um exemplo de manutenção do preço de revenda é o caso de um fornecedor que fixa o preço a que o distribuidor deve revender os produtos que fornece.


29      V., para o efeito, o n.° 67, alínea c), e o n.° 194 das novas Orientações Verticais.


30      Uma cláusula de paridade de preços restrita não impede o hotel X de baixar o preço do quarto Y através da Booking.com. Exige simplesmente que, se o hotel X baixar o preço do quarto Y através do seu canal de vendas direto (por exemplo, no seu sítio Web), será também obrigado a baixar o preço desse alojamento no Booking.com. Do mesmo modo, uma cláusula de paridade de preços ampla também não impede o hotel X de baixar o preço do quarto Y através da Booking.com. A cláusula implica que se o hotel X baixar o preço do quarto Y na plataforma de outra OTA, é obrigado a baixar o preço desse quarto também em Booking.com.


31      Para que não haja dúvidas, a definição de restrição grave incluída no artigo 4.°, alínea a), do Antigo Regulamento de Isenção por Categoria está redigida em termos idênticos aos constantes do artigo 4.°, alínea a), do Novo Regulamento de Isenção por Categoria.


32      O artigo 5.°, n.° 1, do Novo Regulamento de Isenção por Categoria exclui a aplicação desse regulamento de isenção por categoria a qualquer obrigação direta ou indireta que impeça o comprador de serviços de intermediação em linha de oferecer, vender ou revender bens ou serviços a utilizadores finais em condições mais favoráveis através de serviços de intermediação em linha concorrentes.


33      O n.° 67, alínea d), e o n.° 253 das novas Orientações Verticais confirmam expressamente essa afirmação.


34      V., para o efeito, os pontos 360 e 374 das novas Orientações Verticais.


35      V. ponto 254, alínea a), e ponto 359 das Orientações Verticais.


36      A Comissão observa ainda que as autoridades da concorrência francesas, italianas e suecas definiram o mercado de produto relevante em termos semelhantes.


37      O artigo 1.°, n.° 1, alínea a), do Novo Regulamento de Isenção por Categoria tem a mesma redação.


38      Artigo 2.°, n.° 4, alínea b), do Antigo Regulamento de Isenção por Categoria.


39      V., neste sentido, ponto 28 das antigas Orientações Verticais.


40      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar essa apreciação tendo em conta as considerações expostas nos pontos 64 a 74 das presentes conclusões.


41      A exceção à exceção significa que, nessas situações, o Novo Regulamento de Isenção por Categoria não se aplica.


42      Para o efeito, ver a nota explicativa da Comissão sobre o Novo Regulamento de Isenção por Categoria e as novas Orientações Verticais, disponível no seu sítio Web: https://competition‑policy.ec.europa.eu/system/files/2022‑05/explanatory_note_VBER_and_Guidelines_2022.pdf. V. também alínea e) do ponto 67 , das novas Orientações Verticais.


43      V. ponto 6 da nova Comunicação sobre a definição de mercado relevante.


44      Acórdãos de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o. (C‑179/16, EU:C:2018:25, n.os 50 e 51) e de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52, n.° 129).


45      V., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52, n.° 130).


46      V., para o efeito, o ponto 94 da nova Comunicação sobre a definição de mercado relevante.


47      O fenómeno dos efeitos indiretos de rede resulta do facto de que quanto mais vendedores oferecerem os seus produtos através do mercado em linha, mais compradores estarão interessados nesse mercado em linha, e vice‑versa.


48      V. ponto 95 da nova Comunicação sobre a definição de mercado relevante.


49      Ibidem. Observo que a nova Comunicação sobre a definição de mercado relevante não subscreveu a teoria defendida por alguns académicos, segundo a qual, regra geral, deve ser definido um único mercado relevante que englobe todos os grupos de utilizadores, no caso das plataformas de transações (por exemplo, um mercado em linha), e devem ser definidos mercados relevantes separados em cada lado da plataforma, no caso das plataformas que não são de transações (como uma rede social). De acordo com a nova Comunicação relativa à definição de mercado relevante, este é apenas um dos vários fatores a ter em conta. A razão para esta abordagem parece ser a falta de consenso na literatura académica e na prática das autoridades da concorrência. V., para o efeito, o documento de trabalho dos serviços da Comissão, p. 54. Para mais pormenores sobre esta tese, v. Filistrucchi, L., Geradin, D., van Damme, E., Affeldt, P., «Market Definition in Two‑sided Markets: Theory and Practice», Journal of Competition Law & Economics, 2014, Vol. 10(2), págs. 293 a 339.


50      Na perspetiva dos clientes finais, estes serviços de intermediação consistem na possibilidade de procurar e comparar ofertas de hotéis e, em última análise, de efetuar uma reserva.


51      O artigo 3.°, n.° 1, do Novo Regulamento de Isenção por Categoria está redigido em termos idênticos aos do artigo 3.°, n.° 1, do Antigo Regulamento de Isenção por Categoria.


52      Ponto 67 das novas Orientações Verticais.


53       Ponto 67 das novas Orientações Verticais.


54      Ibidem.


55      Tal como acima referido, mesmo quando são definidos mercados de produto relevantes distintos em cada lado do mercado, ambos os lados estão, no entanto, inter‑relacionados e as suas características devem ser reciprocamente tidas em conta para definir o mercado relevante. V. Filistrucchi, L., Geradin, D., van Damme, E., Affeld, P., «Market Definition in Two‑sided Markets: Theory and Practice», Journal of Competition Law & Economics, 2014, Vol. 10(2), págs. 293 a 339.


56      Parece claro que os serviços fora de linha de agência de viagens prestados por operadores tradicionais com estabelecimento físico apresentam características e funcionalidades muito diferentes. Por seu lado, os canais de venda direta dos hotéis não dão aos clientes a possibilidade de procurar e comparar ofertas de diferentes fornecedores. Os motores de metapesquisa também parecem ter características e funcionalidades diferentes, dado que encontram ofertas de OTA e de fornecedores de serviços hoteleiros e que, quando o cliente clica nos resultados, este é redirecionado para o sítio Web da OTA ou do hotel em questão para fazer uma reserva.


57      Processo T‑1139/23, Booking Holdings/Comissão (pendente).