Language of document : ECLI:EU:T:2005:197

DESPACHO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

2 de Junho de 2005 (*)

«Processo de concurso – Processo de medidas provisórias – Urgência – Inexistência»

No processo T‑125/05 R,

Umwelt‑ und Ingenieurtechnik GmbH Dresden, com sede em Dresden (Alemanha), representada por H. Robl, advogado,

requerente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por M. Wilderspin e S. Fries, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

requerida,

que tem por objecto, a título principal, um pedido de suspensão da execução das decisões da Comissão de não atribuir à requerente o lote n.° 2 do contrato EuropeAid/119151/D/S/UA, intitulado «Projecto de modernização das instalações da central nuclear do Sul da Ucrânia», e de o atribuir a outra empresa e, a título subsidiário, um pedido com vista a que sejam ordenadas outras medidas provisórias,

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS

profere o presente

Despacho

 Factos que deram origem ao litígio

1        O Regulamento (CE, Euratom) n.° 99/2000 do Conselho, de 29 de Dezembro de 1999, relativo à prestação de assistência aos Estados parceiros da Europa Oriental e da Ásia Central (JO 2000, L 12, p. 1), prevê, nomeadamente, o financiamento de programas de segurança nuclear nos referidos Estados.

2        No quadro do Regulamento n.° 99/2000 foi estabelecido um programa anual de acção no domínio da segurança nuclear para o ano de 2001. Nesse contexto, foi lançado um concurso para a adjudicação de um contrato público intitulado «Projecto de modernização das instalações da central nuclear do Sul da Ucrânia». O lote n.° 2 desse contrato era relativo ao fornecimento de um sistema especializado de recolha e de tratamento de dados respeitantes ao controlo da qualidade das águas numa central nuclear do Sul da Ucrânia.

3        Em resposta a esse anúncio de concurso, publicado em 19 de Junho de 2004 no Jornal Oficial da União Europeia (JO S 119), foram apresentadas três propostas no prazo estabelecido, entre as quais a da requerente.

4        Em 4 de Outubro de 2004, as propostas apresentadas foram abertas na presença dos proponentes.

5        O comité responsável pela avaliação técnica das propostas (a seguir «comité de avaliação») procedeu ao exame das diferentes propostas recebidas e verificou que elas respeitavam as especificações administrativas e técnicas.

6        Neste contexto, o comité de avaliação pediu à requerente que esclarecesse vários elementos da sua proposta por cartas, respectivamente, de 6, 8 e 12 de Outubro de 2004, às quais a requerente respondeu por cartas datadas, respectivamente, de 7, 12 e 14 de Outubro de 2004.

7        Considerando que as explicações fornecidas pela requerente sobre dois aspectos técnicos («Actualização n.° 9» e «Actualização n.° 13») eram insuficientes, a sua proposta não foi aceite. Os preços propostos pela requerente não foram, portanto, comparados com os dos outros proponentes.

8        O contrato foi adjudicado à sociedade All Trade, cuja proposta era a mais vantajosa das propostas apresentadas pelos candidatos.

9        A adjudicação foi notificada à All Trade e foram tomadas as medidas necessárias para a assinatura do contrato. O contrato foi celebrado directamente entre a Energoatom, beneficiária do projecto, e a adjudicatária. Foi assinado em 20 de Dezembro de 2004.

10      Por carta de 23 de Dezembro de 2004, recebida pela requerente em 10 de Janeiro de 2005, a Comissão informou‑a de que o contrato não lhe tinha sido adjudicado porque a sua proposta não respeitava as prescrições técnicas (a seguir «primeira decisão»). Além disso, essa carta informava a requerente de que o contrato tinha sido atribuído à All Trade (a seguir «segunda decisão»).

11      Por carta de 14 de Janeiro de 2005 dirigida à Comissão, a requerente contestou as razões que justificam essas duas decisões.

12      Por carta de 31 de Janeiro de 2005, a Comissão respondeu às críticas avançadas pela requerente.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

13      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 18 de Março de 2005, a requerente interpôs, nos termos do quarto parágrafo do artigo 230.° CE, um recurso com vista à anulação da primeira e da segunda decisão (a seguir, tomadas em conjunto, «decisões controvertidas»).

14      Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 21 de Março seguinte, de acordo com o disposto no artigo 104.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância e dos artigos 242.° CE e 243.° CE, a requerente apresentou o presente pedido de medidas provisórias, em que pede:

–        A título principal, a suspensão da execução das decisões controvertidas até que o Tribunal se pronuncie sobre o recurso no processo principal;

–        A título subsidiário, que sejam ordenadas as medidas provisórias necessárias adequadas para evitar que a execução das decisões impugnadas crie um facto consumado em detrimento da requerente e, em particular, que a requerida seja proibida:

–        por um lado, de adjudicar o contrato controvertido à All Trade;

–        por outro, de redigir o contrato previsto no ponto 21 do anúncio de concurso e de o apresentar para assinatura à All Trade, ou de tomar qualquer outra medida susceptível de favorecer a adjudicação ou a execução do contrato.

15      Nas suas observações escritas apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 11 de Abril de 2005, a Comissão pede que o pedido da requerente seja julgado improcedente.

 Questão de direito

16      Por força das disposições combinadas dos artigos 242.° CE e 243.° CE, por um lado, e do n.° 1 do artigo 225.° CE, por outro, o Tribunal, se considerar que as circunstâncias o exigem, pode ordenar a suspensão do acto ou as medidas provisórias necessárias.

17      O n.° 2 do artigo 104.° do Regulamento de Processo dispõe que os pedidos de medidas provisórias devem especificar o objecto do litígio, as razões da urgência, bem como os fundamentos de facto e de direito que justificam à primeira vista (fumus boni juris) a adopção das medidas provisórias requeridas. Essas condições são cumulativas, de modo que os pedidos de medidas provisórias devem ser indeferidos se uma delas faltar [despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 1996, SCK e FNK/Comissão, C‑268/96 P(R), Colect., p. I‑4971, n.° 30].

18      Tendo em conta os elementos dos autos, o juiz das medidas provisórias considera que dispõe de todos os elementos necessários para conhecer do presente pedido de medidas provisórias, sem que seja necessário ouvir as partes.

 Argumentos das partes

 Quanto ao fumus boni juris

19      No que respeita à primeira decisão, a requerente sustenta que a Comissão violou o princípio de não discriminação. Ora, esse princípio assume um carácter fundamental em matéria de contratos públicos e o n.° 1 do artigo 89.° do Regulamento Financeiro constitui uma expressão particular dele.

20      Em primeiro lugar, contrariamente ao que é indicado nas cartas da Comissão de 23 de Dezembro de 2004 e de 31 de Janeiro de 2005, a proposta da requerente está conforme com as especificações técnicas indicadas no anúncio de concurso, isto é, as mencionadas, por um lado, na secção 2.2.6 dessas especificações e, por outro, nas secções 2.3.1 e 2.3.4 das mesmas. Além disso, contrariamente ao que sustenta a Comissão, as explicações detalhadas e as informações posteriores fornecidas à Comissão não foram insuficientes.

21      A requerente acrescenta que as reservas de carácter técnico emitidas nas cartas de 23 de Dezembro de 2004 e de 31 de Janeiro de 2005 não têm relação com os anteriores pedidos de esclarecimentos da Comissão.

22      No que respeita à segunda decisão, a requerente considera que a conclusão da Comissão relativa à apreciação financeira é manifestamente errada.

23      No aviso de adjudicação do contrato de fornecimento, a All Trade é mencionada como titular de um contrato de um valor de 3 423 658 EUR, que corresponderia ao preço da proposta, incluindo todos os suplementos e serviços. Ora, segundo a requerente, as declarações relativas aos preços das propostas que figuram na carta da Comissão de 31 de Janeiro de 2005 não são exactas.

24      Segundo a requerente, a remissão feita pela Comissão para o ponto 1.3 das instruções aos proponentes é errada. O ponto 1.3 prevê, em substância, que, no quadro da avaliação das propostas, só o preço de base da proposta deve ser tomado em consideração, com exclusão do preço por unidade e do preço global das peças separadas, salvo se estes dois últimos preços divergissem sensivelmente de uma proposta para outra. Segundo a requerente, isso verificava‑se precisamente no caso em apreço.

25      A requerente considera que a All Trade propôs provavelmente um número mais elevado de peças separadas, com a consequência de o preço global da proposta ter de ser aumentado em mais de 300 000 EUR. Segundo a requerente, a Comissão faltou à sua obrigação, que lhe incumbe por força do ponto 1.3 das instruções aos proponentes, de tomar essa circunstância em consideração.

26      A requerente sustenta, além disso, que a All Trade não dispõe nem da qualificação nem das referências exigidas. Segundo a requerente, a All Trade propôs manifestamente um produto que apresenta uma probabilidade elevada de deficiência. A adjudicação do lote n.° 2 à All Trade suscita, portanto, do ponto de vista técnico, comercial, pessoal e financeiro, dúvidas sérias quanto à garantia de que a prestação projectada que constitui objecto do contrato possa ser executada com a competência e nos prazos requeridos.

27      A esse propósito, a requerente acrescenta, em primeiro lugar, que o capital social da All Trade não é proporcionado ao valor do contrato, em segundo lugar, que a All Trade quer manifestamente realizar o contrato só, com a ajuda de três colaboradores e, em terceiro lugar, que as referências da All Trade dizem respeito unicamente a um projecto na Arménia, relativo a um contrato cujo valor é inferior a 1 milhão de euros e que foi realizado há cerca de dois anos.

28      Em resposta, a Comissão indica que o recurso de anulação da requerente no processo principal é manifestamente desprovido de fundamento.

29      A Comissão lembra que, segundo jurisprudência constante, dispõe de um poder de apreciação relevante quanto aos elementos a tomar em consideração para adjudicação de um contrato na sequência de um anúncio de concurso. A fiscalização do juiz comunitário deve, por conseguinte, limitar‑se à verificação do respeito das regras de processo e de fundamentação, bem como da exactidão material dos factos, da ausência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Setembro de 2002, Tideland Signal/Comissão, T‑211/02, Colect., p. II‑3781, n.° 33).

30      No caso em apreço, o processo de concurso desenrolou‑se no respeito das disposições aplicáveis. A decisão de rejeitar a proposta da requerente está, além disso, fundamentada. Os fundamentos avançados a esse propósito são de natureza técnica. Para os apreciar, a Comissão apoiou‑se no parecer de peritos, concretamente, o comité de avaliação. Daí, a Comissão conclui que a requerente não demonstrou a existência de um erro manifesto de apreciação ou de desvio de poder e que nenhum elemento permite supor a sua existência.

Quanto à urgência e à ponderação de interesses

31      A requerente sustenta que, se o seu pedido não for acolhido, as decisões controvertidas tornar‑se‑ão efectivas. Esse «facto consumado» afecta definitivamente a posição jurídica da requerente e ofende irremediavelmente os seus direitos.

32      A Comissão considera, por seu lado, que a requerente não fez a prova de que não poderá aguardar a decisão do processo principal sem sofrer um prejuízo grave e irreparável.

33      A Comissão alega, além disso, que é jurisprudência constante que um prejuízo de carácter financeiro não pode, salvo circunstâncias excepcionais, ser considerado como irreparável ou mesmo dificilmente reparável, uma vez que pode ser objecto de uma compensação financeira posterior (despachos do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Julho de 2000, Esedra/Comissão, T‑169/00 R, Colect., p. II‑2951, n.° 45; de 3 de Dezembro de 2002, Neue Erba Lautex/Comissão, T‑181/02 R, Colect., p. II‑5081, n.° 84; e de 27 de Julho de 2004, TQ3 Travel Solutions Belgium/Comissão, T‑148/04 R, Colect., p. II‑3027, n.° 46).

34      De qualquer forma, segundo a Comissão, os interesses da requerente não poderão prevalecer, por um lado, sobre os do proponente com o qual o contrato foi assinado e, por outro, sobre o interesse em que seja garantida a segurança das instalações nucleares.

 Apreciação do juiz das medidas provisórias

35      No seu requerimento, a requerente pede, em substância, que o juiz das medidas provisórias proíba a requerida, por um lado, de adjudicar o contrato controvertido à All Trade e, por outro, de redigir o contrato previsto no ponto 21 do processo de concurso e de o apresentar para assinatura à All Trade. Pede, além disso, a suspensão da execução da decisão de não lhe adjudicar o lote n.° 2 do contrato controvertido e a suspensão da execução do contrato eventualmente assinado com a All Trade.

36      Ora, a Comissão afirmou, sem ter sido contestada pela requerente nem por qualquer dos documentos juntos aos autos, que o contrato entre a All Trade e a Energoatom foi assinado em 23 de Dezembro de 2004. Por essa razão, o pedido de medidas provisórias, na medida em que visa evitar a adjudicação do contrato à All Trade e a respectiva assinatura, era, desde o momento da sua apresentação, desprovido de objecto. Este pedido é, por isso, inadmissível.

37      Relativamente ao pedido de suspensão da execução da decisão de não adjudicar o contrato à requerente e de suspensão da execução do contrato celebrado com a All Trade, o juiz das medidas provisórias considera, sem que exista necessidade de se pronunciar sobre a conformidade do pedido de medidas provisórias com o preceituado no n.° 2 do artigo 104.° do Regulamento de Processo, tal como interpretado pelo juiz comunitário (despachos do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Maio de 2002, Aden e o./Conselho e Comissão, T‑306/01 R, Colect., p. II‑2387, n.° 52, e de 10 de Novembro de 2004, European Dynamics/Comissão, T‑303/04 R, Colect., p. II‑3849, n.os 63 e 64), que se deve apreciar se o requisito relativo à urgência está preenchido.

38      A esse propósito, segundo jurisprudência constante, o carácter urgente de um pedido de medidas provisórias deve ser apreciado por referência à necessidade que há de decidir provisoriamente a fim de evitar que seja causado um prejuízo grave e irreparável à parte que solicita a medida provisória (despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 1986, Deufil/Comissão, 310/85 R, Colect., p. 537, n.° 15, e despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Junho de 1999, Pfizer Animal Health/Conselho, T‑13/99 R, Colect., p. II‑1961, n.° 134).

39      É à parte que solicita a suspensão da execução da decisão impugnada que cabe provar que não pode aguardar a decisão do processo principal sem sofrer um prejuízo dessa natureza (despacho do presidente da Tribunal de Justiça de 8 de Maio de 1991, Bélgica/Comissão, C‑356/90 R, Colect., p. I‑2423, n.° 23, e despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Novembro de 2001, Duales System Deutschland/Comissão, T‑151/01 R, Colect., p. II‑3295, n.° 187).

40      A este respeito, a requerente limita‑se a indicar, sem mais, que o «recurso não tem efeito suspensivo e deve, portanto, recear‑se que, no quadro do processo de adjudicação em causa, a contestada adjudicação a favor da All Trade [...] se torne efectiva» e que «isso criará um facto consumado e afectará definitivamente a posição jurídica da requerente».

41      A requerente não indica as razões pelas quais não poderá aguardar que se decida o pedido de anulação e não faz prova de qualquer prejuízo grave e irreparável.

42      Na medida em que a argumentação da requerente possa ser interpretada no sentido de que o prejuízo alegado consistirá no facto de a sua exclusão dar origem a um prejuízo financeiro, basta recordar que um prejuízo de tal natureza não pode, salvo circunstâncias excepcionais, ser considerado como irreparável ou mesmo dificilmente reparável, uma vez que pode constituir objecto de uma compensação financeira posterior (despachos Esedra/Comissão, já referido, n.° 45; Neue Erba Lautex/Comissão, já referido, n.° 84; e TQ3 Travel Solutions Belgium/Comissão, já referido, n.° 46).

43      Nestas circunstâncias, há que concluir que o requisito relativo à urgência não está preenchido e que, portanto, o presente pedido deve ser indeferido, sem que seja necessário apreciar se estão preenchidos os demais requisitos para o decretamento das medidas provisórias.

Pelos fundamentos expostos,

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

decide:

1)      O pedido de medidas provisórias é indeferido.

2)      Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Proferido no Luxemburgo, em 2 de Junho de 2005.

O secretário

 

      O presidente

H. Jung

 

      B. Vesterdorf


* Língua do processo: alemão.