Language of document : ECLI:EU:T:2007:191

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

27 de Junho de 2007 (*)

«Aproximação das legislações – Disposições nacionais derrogatórias – Indeferimento pela Comissão de um projecto de decreto que antecipa a diminuição do valor‑limite comunitário das emissões de partículas produzidas por determinados veículos novos equipados com motores diesel – Dever de diligência e de fundamentação – Especificidade do problema do respeito pelo Estado‑Membro notificante dos valores‑limite comunitários de concentração das partículas no ar ambiente»

No processo T‑182/06,

Reino dos Países Baixos, representado por H. Sevenster e M. de Grave, na qualidade de agentes,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por M. Patakia, A. Alcover San Pedro e H. van Vliet, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2006/372/CE da Comissão, de 3 de Maio de 2006, relativa ao projecto de disposições nacionais notificado pelo Reino dos Países Baixos, por força do n.° 5 do artigo 95.° [CE], que fixa os limites das emissões de partículas dos veículos equipados com motores diesel (JO L 142, p. 16),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: H. Legal, presidente, I. Wiszniewska‑Białecka e E. Moavero Milanesi, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 29 de Março de 2007,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 95.° CE dispõe, nos seus n.os 4 a 6:

«4.      Se, após a adopção de uma medida de harmonização pelo Conselho ou pela Comissão, um Estado‑Membro considerar necessário manter disposições nacionais justificadas por exigências importantes referidas no artigo 30.° ou relativas à protecção do meio de trabalho ou do ambiente, notifica a Comissão dessas medidas, bem como das razões que motivam a sua manutenção.

5.      Além disso, sem prejuízo do disposto no n.° 4, se, após a adopção de uma medida de harmonização pelo Conselho ou pela Comissão, um Estado‑Membro considerar necessário adoptar disposições nacionais baseadas em novas provas científicas relacionadas com a protecção do meio de trabalho ou do ambiente, motivadas por qualquer problema específico desse Estado‑Membro que tenha surgido após a adopção da referida medida de harmonização, notifica a Comissão das disposições previstas, bem como dos motivos da sua adopção.

6.      No prazo de seis meses a contar da data das notificações a que se referem os n.os 4 e 5, a Comissão aprova ou rejeita as disposições nacionais em causa, depois de ter verificado se constituem ou não um meio de discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada ao comércio entre os Estados‑Membros, ou um obstáculo ao funcionamento do mercado interno.

Na ausência de decisão da Comissão dentro do citado prazo, considera‑se que as disposições nacionais a que se referem os n.os 4 e 5 foram aprovadas.

Se a complexidade da questão o justificar, e não existindo perigo para a saúde humana, a Comissão pode notificar o Estado‑Membro em causa de que o prazo previsto no presente número pode ser prorrogado por um novo período de seis meses, no máximo.»

2        A Directiva 96/62/CE do Conselho, de 27 de Setembro de 1996, relativa à avaliação e gestão da qualidade do ar ambiente (JO L 296, p. 55), prevê no seu artigo 7.°, n.° 3, que os Estados‑Membros devem estabelecer planos de acções a tomar de imediato para os casos de risco de ultrapassagem dos valores‑limite e/ou dos limiares de alerta relativos aos níveis de poluentes do ar, a fim de reduzir o risco de ultrapassagem e limitar a sua duração. Estes planos podem prever, conforme o caso, medidas de controlo e, se necessário, de suspensão das actividades, inclusive do trânsito automóvel, que contribuam para a ultrapassagem dos valores‑limite.

3        Por força do artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 96/62, os Estados‑Membros assinalarão à Comissão a ocorrência de níveis de poluição acima do valor‑limite acrescido da margem de tolerância, no prazo de nove meses após o final de cada exercício.

4        A Directiva 98/69/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1998, relativa às medidas a tomar contra a poluição do ar pelas emissões provenientes dos veículos a motor e que altera a Directiva 70/220/CEE (JO L 350, p. 1), entrou em vigor em 28 de Dezembro de 1998, data da sua publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.

5        Este texto sujeita a um valor‑limite de concentração de massa de partículas (PM) de 25 mg/km os veículos equipados com motores diesel que integram, por um lado, a categoria M (veículos ligeiros de passageiros), definidos no anexo II, secção A, da Directiva 70/156/CEE do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1970, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à recepção dos veículos a motor e seus reboques (JO L 42, p. 1; EE 13 F1 p. 174) – com excepção dos veículos de massa máxima superior a 2 500 kg – e, por outro, da categoria N1, classe I (veículos comerciais com peso máximo autorizado de 1 305 kg).

6        Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 98/69:

«[…] os Estados‑Membros não podem, por motivos relacionados com a poluição do ar por emissões de veículos a motor,

–        recusar a homologação CE nos termos do n.° 1 do artigo 4.° da Directiva 70/156, nem

–        recusar a homologação de âmbito nacional, nem

–        proibir a matrícula, a venda ou a entrada em circulação de veículos nos termos do artigo 7.° da Directiva 70/156,

se os mesmos satisfizerem os requisitos da Directiva 70/220, alterada pela presente directiva».

7        A Directiva 1999/30/CE do Conselho, de 22 de Abril de 1999, relativa a valores‑limite para o dióxido de enxofre, dióxido de azoto e óxidos de azoto, partículas em suspensão e chumbo no ar ambiente (JO L 163, p. 41), em conjugação com a Directiva 96/62, fixa os valores‑limite aplicáveis designadamente às concentrações de partículas «PM10» no ar ambiente e juridicamente vinculativos a partir de 1 de Janeiro de 2005.

8        Para efeitos de aplicação da Directiva1999/30, as partículas PM10 são definidas como:

«11) ‘PM10’: partículas em suspensão susceptíveis de passar através de um filtro selectivo com 50% de eficiência para um diâmetro aerodinâmico de 10 μm.»

9        No artigo 5.°, a Directiva 1999/30 prevê que os Estados‑Membros adoptarão as medidas necessárias para garantir que as concentrações destas partículas no ar ambiente, não excedam os valores‑limite estabelecidos na secção I do seu anexo III.

10      Além disso, e muito embora não se trate de disposições actualmente em vigor, pode precisar‑se que, em 21 de Dezembro de 2005, a Comissão adoptou uma proposta de regulamento, chamada «Euro 5», que diminui para 5 mg/km o valor‑limite comunitário de emissões de partículas produzidas pelos veículos equipados com motores diesel que integrem, por um lado, a categoria M (veículos ligeiros de passageiros) e, por outro, a categoria N1, classe I (veículos comerciais de um peso máximo autorizado de 1 305 kg).

11      Se a proposta for adoptada na sua forma actual, este novo valor‑limite comunitário entrará em vigor no final do mês de Setembro de 2009 para os novos tipos de veículos destas duas categorias e no final de Janeiro de 2011 para todos os veículos novos em causa.

 Antecedentes do litígio

12      Por ofício de 2 de Novembro de 2005, o Reino dos Países Baixos notificou à Comissão, nos termos do artigo 95.°, n.° 5, CE, a sua intenção de adoptar um decreto visando sujeitar, a partir de 1 de Janeiro de 2007 e por derrogação às disposições da Directiva 98/69, a um valor‑limite de emissão de partículas de 5 mg/km os veículos diesel novos da categoria M1 e da categoria N1, classe I.

13      Para sustentar o seu pedido de derrogação, o Reino dos Países Baixos especificou que os valores‑limite de concentração de partículas fixadas pela Directiva 1999/30 eram ultrapassados em várias partes do seu território. O Estado‑Membro notificante também não se considerou em condições de respeitar as suas obrigações comunitárias nos prazos estabelecidos, apesar de a Directiva 1999/30 lhe exigir que adopte toda e qualquer medida necessária para reduzir as concentrações de partículas.

14      O Reino dos Países Baixos realçou que as partículas são para si fonte de preocupação maior, em razão da forte densidade demográfica do país e de um grau de concentração de infra‑estruturas mais elevado do que noutros Estados europeus, o que implica uma taxa superior de emissões de partículas por km2. Os residentes estão muito expostos à poluição, em razão da proximidade imediata da circulação automóvel das zonas residenciais e de outras formas de utilização intensiva dos solos. Este aspecto reveste importância particular para os Países Baixos, dada a intensidade da circulação observada em numerosas regiões do país. A localização da produção de uma parte considerável das emissões de partículas de origem rodoviária nas zonas urbanizadas e a um nível sobrelevando as áreas residenciais tem, para além disso, como efeito expor grande parte dos habitantes às partículas de fuligem, especialmente nocivas, contidas nos gases de escape dos veículos equipados com motores diesel.

15      O Reino dos Países Baixos afirmou ainda sofrer uma importante poluição de origem externa, sendo provenientes do estrangeiro dois terços dos 45% das concentrações de partículas antrópicas detectadas no país. Daí que apenas 15% da média nacional de concentrações de partículas pode dar lugar à aplicação das disposições nacionais de protecção do ambiente.

16      Por fim, o Reino dos Países Baixos afirmou atribuir maior prioridade à redução das emissões de partículas causadas pelos veículos ligeiros de passageiros e pelos veículos comerciais. Com efeito, o Reino dos Países Baixos dá prioridade à redução das emissões destes veículos, responsáveis, em seu entender, por 70% das emissões de origem rodoviária. O Estado‑Membro notificante esclareceu que o número de veículos equipados com motores diesel registou, no seu território, um crescimento que era inimaginável à época da elaboração da Directiva 98/69.

17      A medida derrogatória notificada é parte integrante de um dispositivo regulamentar centrado na circulação rodoviária e no incentivo à aquisição de veículos e de combustíveis menos poluentes. Deveria ser aplicável aos veículos ligeiros de passageiros e aos veículos comerciais equipados com motores diesel utilizados pela primeira vez a partir de 31 de Dezembro de 2006.

18      O projecto de decreto teria como consequência concreta a colocação de um filtro que reduzisse a quantidade de partículas presentes na fuligem do diesel, mas não seria aplicável aos veículos matriculados noutro Estado‑Membro da União Europeia.

19      A norma de emissões mais severa acolhida no projecto de decreto em nada alteraria os processos de homologação dos tipos de veículos visados, nem as condições de matrícula dos veículos que obtiveram a homologação CE noutros Estados‑Membros.

20      Ao invés, a polícia e as instâncias encarregadas do controlo periódico dos veículos em questão poderiam verificar, após a entrada em vigor do decreto, se o veículo particular ou o veículo comercial ligeiro estava em condições de respeitar o valor‑limite de 5 mg/km.

21      Por ofício de 23 de Novembro de 2005, a Comissão comunicou ter recebido a notificação do Governo neerlandês e informou o referido governo de que o prazo de seis meses fixado no artigo 95.°, n.° 6, CE, para decidir sobre os pedidos de derrogação começara a contar a partir de 5 de Novembro de 2005, dia seguinte ao da recepção da notificação.

22      O relatório de avaliação da qualidade do ar nos Países Baixos no ano de 2004, elaborado por aplicação da Directiva 96/62, foi comunicado à Comissão em 8 de Fevereiro de 2006 e registado por esta em 10 de Fevereiro seguinte.

23      Por ofício de 10 de Março de 2006, as autoridades neerlandesas informaram a Comissão da existência de um relatório elaborado em Março de 2006 pela Milieu‑ en Natuurplanbureau (Agência neerlandesa de Avaliação do Ambiente, a seguir «MNP»), com o título de «Nieuwe inzichten in de omvang van de fijnstofproblematiek» (Novas indicações sobre a amplitude da problemática das partículas).

24      Com o objectivo de apreciar a justeza da argumentação adiantada pelas autoridades neerlandesas, a Comissão pediu o parecer científico e técnico de um consórcio de consultores coordenado pela Nederlandse Organisatie voor toegepast‑natuur‑wetenschappelijk onderzoek (Organização neerlandesa para a investigação científica aplicada, a seguir «TNO»).

25      Este organismo apresentou o seu relatório à Comissão em 27 de Março de 2006.

26      Pela Decisão 2006/372/CE da Comissão, de 3 de Maio de 2006, relativa ao projecto de disposições nacionais notificado pelo Reino dos Países Baixos, por força do n.° 5 do artigo 95.° [CE], que fixa os limites das emissões de partículas dos veículos equipados com motores diesel (JO L 142, p. 16, a seguir «decisão»), a Comissão indeferiu o projecto de decreto notificado, porque o Reino dos «Países Baixos não [conseguiu] demonstrar a existência de um problema específico no que se refere à Directiva 98/69» e porque «a medida notificada não [era] proporcional aos objectivos almejados».

 Tramitação e pedidos das partes

27      Por petição que deu entrada em 12 de Julho de 2006, o Reino dos Países Baixos interpôs recurso de anulação da decisão. Ao abrigo do artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, apresentou, no mesmo dia, um pedido de tramitação acelerada da sua acção.

28      Em 8 de Agosto de 2006, a Comissão apresentou as suas observações sobre o pedido de tramitação acelerada e, em 6 de Outubro seguinte, a contestação.

29      Por decisão de 26 de Outubro de 2006, o Tribunal de Primeira Instância (Quarta Secção) deferiu o pedido de tramitação acelerada.

30      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas orais na audiência de 29 de Março de 2007.

31      O Governo neerlandês conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão;

–        condenar a Comissão nas despesas.

32      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

33      O Governo neerlandês refere que a decisão é contrária às normas materiais do artigo 95.° CE e ao dever de fundamentação do artigo 253.° CE, em primeiro lugar na medida em que a mesma recusa reconhecer a existência de um problema específico dos Países Baixos, que se verificou após a adopção da Directiva 98/69, sem ter apreciado os dados pertinentes transmitidos por esse Estado‑Membro, em segundo lugar porque considera o projecto de decreto notificado como não proporcional aos objectivos prosseguidos pelo Reino dos Países Baixos e, em terceiro lugar, porque atende ao contexto jurídico internacional na sua apreciação do projecto notificado.

34      Quanto à existência de um problema específico dos Países Baixos, o Governo neerlandês contesta a decisão em dois aspectos. Por um lado, a Comissão negou, erradamente, a existência de um problema específico de qualidade do ar nos Países Baixos. Por outro, a Comissão, sem explicações, não teve em consideração os documentos regularmente comunicados pelas autoridades neerlandesas na sua apreciação da especificidade do problema, violando assim quer o seu dever de diligência quer o dever de fundamentar as decisões.

35      Importa apreciar, em primeiro lugar, o segundo aspecto da argumentação da petição, relativo à especificidade do problema com que o Reino dos Países Baixos se considera confrontado.

 Quanto à falta de diligência e à violação do dever de fundamentação que alegadamente viciaram a apreciação da especificidade do problema da qualidade do ar ambiente nos Países Baixos

 Argumentos das partes

36      O Governo neerlandês entende que a Comissão não cumpriu o seu dever de diligência ao não proceder ao exame, sem apresentar razões, dos dados pertinentes que aquele atempadamente lhe tinha comunicado antes da adopção da decisão.

37      Contrariamente ao que sustenta no n.° 41 da decisão, a Comissão dispunha dos dados pertinentes relativos aos Países Baixos respeitantes ao exercício de 2004.

38      Se a Comissão tivesse respeitado o seu dever de diligência e tido em conta essas informações recentes, poderia ter concluído pelo surgimento de um problema específico nos Países Baixos após a adopção da Directiva 98/69.

39      A Comissão admite que, contrariamente ao que afirmou no n.° 41 da decisão, o Reino dos Países Baixos procedeu efectivamente à apresentação oficial do seu relatório de avaliação relativo a 2004 antes da adopção da decisão. Contudo, daí de modo algum se deduz uma falta de diligência na apreciação do caso.

40      O Reino dos Países Baixos apresentou esse relatório quatro meses após o termo do prazo fixado para a sua apresentação no artigo 11.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 96/62. A notificação da medida nacional com a data de 2 de Novembro de 2005 não remete, portanto, para estes dados.

41      A Comissão pedira ao Reino dos Países Baixos que lhe comunicasse essas informações o mais rapidamente possível e transmitiu‑as, após a sua recepção, à TNO, pedindo‑lhe para as tomar em consideração no relatório sobre o pedido de derrogação apresentado pelo Reino dos Países Baixos.

42      O relatório de avaliação do Reino dos Países Baixos relativo ao exercício de 2004 foi tido em consideração no estudo da TNO e nas considerações da decisão.

 Apreciação do Tribunal

43      A TNO observa na página 29 do seu relatório, no qual a Comissão, como é pacífico, se baseou para aprovar a decisão e cujas constatações e conclusões não foram postas em causa pelo Governo neerlandês, que «ainda não se pode proceder, relativamente ao ano de 2004, a uma comparação […], porque o exame dos dados de 2004 está atrasado devido ao facto de vários Estados‑Membros, entre os quais o Reino dos Países Baixos, terem comunicado as suas informações tardiamente».

44      Resulta contudo dos desenvolvimentos da decisão consagrados à questão da especificidade da qualidade do ar ambiente nos Países Baixos que os dados fornecidos pelas autoridades neerlandesas foram integrados no relatório da TNO. Em particular, na página 29, já referida, deste documento a TNO precisa que:

«Os dados preliminares comunicados pelo Reino dos Países Baixos a propósito das ultrapassagens em 2004 apresentam uma imagem diferente da de 2003. Em todas as zonas se verifica, quanto às PM10, a ultrapassagem de pelo menos um dos valores‑limite acrescidos da margem de ultrapassagem.»

45      Além disso, a TNO, na página 29 do seu relatório, e a Comissão, no n.° 41 da decisão, retomam determinadas constatações do já referido relatório da MNP, de Março de 2006.

46      Por fim, como resulta do n.° 42 da decisão, foi igualmente perante as novas informações transmitidas pelo Governo neerlandês e constantes do relatório da MNP que a Comissão se recusou a dar por demonstrada a existência de um problema específico de respeito, pelo Reino dos Países Baixos, dos valores‑limite de concentração de partículas fixados pela Directiva 1999/30.

47      Nestas condições, a Comissão não é passível da crítica por não ter examinado os dados recentes que lhe tinham sido comunicados pelo Governo neerlandês antes da adopção da decisão.

48      Daí resulta necessariamente que a Comissão também não pode incorrer na acusação de não ter indicado as razões da sua alegada omissão.

49      Não procedem, pois, os argumentos baseados na violação, pela Comissão, do seu dever de diligência e do seu dever de fundamentação.

 Quanto à recusa da Comissão em admitir a especificidade do problema da qualidade do ar ambiente nos Países Baixos

 Considerações prévias

50      Incumbe ao Estado‑Membro que invoque o artigo 95.°, n.° 5, CE provar que as condições de aplicação desta disposição estão preenchidas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Outubro de 2005, Land Oberösterreich e República da Áustria/Comissão, T‑366/03, Colect., p. II‑4005, n.° 63; v., igualmente, por analogia com o artigo 95.°, n.° 4, CE, acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 2003, Dinamarca/Comissão, C‑3/00, Colect., p. I‑2643, n.° 84).

51      No seu pedido de derrogação, o Reino dos Países Baixos justificou a medida nacional notificada salientando que a qualidade do ar ambiente não estava, em numerosas regiões do seu território, em conformidade com as normas definidas na Directiva 1999/30 e que, em particular, os valores‑limite de concentração das partículas fixados por este texto foram ultrapassados em várias zonas, quando os Estados‑Membros estão obrigados a adoptar toda e qualquer medida susceptível de reduzir a concentração dessas partículas.

52      O Reino dos Países Baixos alegou também que não podia razoavelmente aguardar a entrada em vigor da proposta de regulamento Euro 5, que baixa para 5 mg/km o valor‑limite actual de 25 mg/km fixado pela Directiva 98/69 para as emissões de partículas produzidas pelos veículos equipados com motores diesel em causa e que pretende, portanto, antecipar a nível nacional a introdução do valor‑limite de 5 mg/km quanto a esses mesmos veículos.

53      Incumbe, pois, ao Reino dos Países Baixos, para comprovar a procedência do seu recurso, demonstrar que a Comissão, na decisão, considerou erradamente que não estava provado que as ultrapassagens observadas no território neerlandês dos valores‑limite de concentração de partículas fixados pela Directiva 1999/30 apresentavam uma acuidade que as distinguia sensivelmente das verificadas noutros Estados‑Membros.

54      A este respeito, o Governo neerlandês censura a Comissão, em primeiro lugar, por ter feito uma errada aplicação do critério da especificidade do problema de protecção do ambiente acolhido no artigo 95.°, n.° 5, CE, em segundo lugar por ter ignorado os entraves à adopção de medidas nacionais de redução das emissões de partículas causadas pela navegação interior e pelo transporte marítimo, em terceiro lugar por ter ignorado a impossibilidade de actuar contra a poluição transfronteiriça e, por fim, em quarto lugar, por não ter reconhecido o carácter particularmente sério da ultrapassagem dos valores‑limite de concentração de partículas verificada no ar ambiente dos Países Baixos.

 Quanto à aplicação do critério da especificidade

–       Argumentos das partes

55      Antes de mais, o Governo neerlandês censura a Comissão por ter subordinado a concessão da derrogação pedida à condição de o problema da qualidade do ar invocado em apoio do pedido afectar os Países Baixos a título exclusivo.

56      A tese da Comissão segundo a qual não se pode admitir a existência de um problema específico de um Estado‑Membro, na acepção do artigo 95.°, n.° 5, CE, quando o mesmo problema se coloca noutro Estado‑Membro, no caso a Bélgica, não encontra fundamento nem na letra desta disposição nem na prática anterior da Comissão. Aliás, seria difícil conceber a aplicabilidade do critério da exclusividade a um problema ambiental ligado a uma poluição de ar transfronteiriça.

57      Pelo contrário, a Comissão entende não ter de modo algum exigido do Reino dos Países Baixos a prova de que o problema da qualidade do ar invocado afecta exclusivamente o seu território. Afirma ter comparado a sua situação com a de todos os outros Estados‑Membros com base nos relatórios de avaliação nacionais comunicados e ter concluído que os Países Baixos não se tinham confrontado com um problema específico de ultrapassagem dos valores‑limite de concentração de partículas fixados pela Directiva 1999/30 e das emissões de partículas provenientes dos veículos a motor abrangidos pela Directiva 98/69.

–       Apreciação do Tribunal

58      Nos seus n.os 4 a 7, o artigo 95.° CE confere aos Estados‑Membros e à Comissão o poder de derrogar a aplicação das medidas de harmonização adoptadas para o estabelecimento e o funcionamento do mercado comum, desde que a protecção do ambiente ou do meio de trabalho torne necessária essa derrogação.

59      Para introduzir disposições nacionais que tenham esse objectivo em matérias em que já foi adoptada uma medida de harmonização, um Estado‑Membro deve, por força do artigo 95.°, n.° 5, CE, poder comprovar que as disposições nacionais se baseiam em provas científicas novas e respondem a um problema que lhe é específico e que surgiu após a adopção da medida de harmonização.

60      Tendo a natureza de uma cláusula de salvaguarda, esta disposição constitui um ajustamento da organização do mercado comum introduzido com o objectivo de preservar as condições de vida e de trabalho das pessoas na Comunidade, objectivo do Tratado tão fundamental quanto o da harmonização das legislações.

61      Aplica‑se em particular aos casos em que se produz na totalidade ou em parte do território de um Estado‑Membro um fenómeno novo, que afecta negativamente o ambiente ou o meio de trabalho, que não pôde ser tido em consideração na elaboração das regras harmonizadas e ao qual há que obviar de imediato a nível nacional, sem aguardar uma alteração da legislação comunitária. Esta poderá ser, com efeito, inadequada para a solução do problema constatado, quer em razão do carácter meramente local do fenómeno quer em razão das modalidades particulares que reveste localmente e que são incompatíveis com os prazos inerentes à negociação e à entrada em vigor de uma nova regra harmonizada.

62      Ao visar o caso de um problema específico de um Estado‑Membro surgido após a adopção de uma medida comunitária de harmonização, o artigo 95.°, n.° 5, CE exclui, portanto, a possibilidade de, com base nele, serem introduzidas disposições nacionais que derroguem a regra harmonizada para fazer face a um risco ambiental de carácter geral na Comunidade.

63      Tem carácter geral e não é, portanto, específico na acepção do artigo 95.°, n.° 5, CE, qualquer problema que se coloque em termos globalmente análogos no conjunto dos Estados‑Membros e que se preste, por conseguinte, a soluções harmonizadas a nível comunitário.

64      Assim, para a interpretação correcta do artigo 95, n.° 5, CE, a exigência da especificidade nacional do problema deve ser considerada essencialmente sob o ângulo da aptidão ou inaptidão da harmonização comunitária das disposições aplicáveis para fazer face de forma adequada às dificuldades encontradas localmente, justificando uma inaptidão constatada a adopção de medidas nacionais.

65      É, assim, acertadamente que o Governo neerlandês alega que, em princípio, para que um problema seja específico a um Estado‑Membro na acepção da disposição pertinente não é necessário que resulte de um risco ambiental unicamente existente no território desse Estado. No contexto da realização de um risco geral, as particularidades locais podem, com efeito, nos casos evocados nos números anteriores, constituir um problema específico.

66      Todavia, não resulta do processo que, no caso vertente, a Comissão tenha limitado o conceito de especificidade nacional dos problemas de protecção do ambiente acolhido no artigo 95.°, n.° 5, CE à hipótese da sua ocorrência exclusiva no território do Estado‑Membro notificante.

67      Em especial, como observa no n.° 34 da petição o próprio Governo neerlandês, a Comissão declarou expressamente no n.° 41 da decisão que, segundo os seus relatórios anuais de avaliação, os Países Baixos não conheceram em 2003 problemas de ultrapassagem particularmente importantes, em comparação com outros Estados‑Membros, como a Bélgica, a Áustria, a Grécia, a República Checa, a Lituânia, a Eslovénia e a Eslováquia.

68      A TNO salienta, na página 31 do seu relatório, que os transportes rodoviários constituem manifestamente uma das fontes preponderantes de partículas nos Países Baixos, mas que não se distinguem sensivelmente, neste aspecto, dos de outros Estados‑Membros, como a Bélgica, a Dinamarca, a França, a Alemanha e o Reino Unido.

69      A TNO observa ainda que a percentagem de veículos ligeiros de passageiros equipados com motor diesel não é elevada nos Países Baixos, por comparação com os outros Estados‑Membros.

70      Por fim, a Comissão considera, no n.° 42 da decisão, que de modo algum parece certo que o Reino dos Países Baixos seja confrontado, comparativamente com outros Estados‑Membros, com um problema específico de respeito dos valores‑limite fixados na Directiva 1999/30.

71      Não pode, portanto, sustentar‑se que a Comissão tenha exigido do Reino dos Países Baixos a prova de que o problema da qualidade do ar ambiente, invocado para justificar o seu pedido de derrogação, afecta unicamente o território neerlandês.

72      A argumentação do Governo neerlandês relativa à interpretação do critério da especificidade deve, assim, ser rejeitada, por carecer de base factual.

 Quanto à não consideração dos entraves à adopção de medidas nacionais destinadas a reduzir as emissões de partículas causadas pela navegação interior e pelo transporte marítimo

–       Argumentos das partes

73      O Governo neerlandês acusa, em seguida, a Comissão por ter considerado que só podia autorizar o projecto de decreto notificado se as ultrapassagens dos valores‑limite de concentração das partículas no ar ambiente observada nos Países Baixos procedessem, na sua maioria, das emissões de partículas produzidas por veículos automóveis equipados com motores diesel.

74      A Comissão esquece assim que o Reino dos Países Baixos tinha concluído, no termo de um estudo minucioso, que os meios de que dispunha para afrontar o problema das emissões de partículas causadas pela navegação interior e pelo transporte marítimo eram reduzidos, ou mesmo inexistentes.

75      Os constrangimentos que decorrem da regulamentação europeia e internacional que regem as emissões de partículas provenientes destes dois meios de transporte constituem precisamente os factores que limitam a margem de actuação do Governo neerlandês a nível nacional. A presença de um grande porto como Roterdão reforça a acuidade deste problema específico dos Países Baixos.

76      Pelo contrário, a Comissão entende ter‑se limitado a considerar que o Reino dos Países Baixos não tinha provado estar confrontado com um problema específico de emissão de partículas proveniente dos veículos a motor abrangidos pela Directiva 98/69. A Comissão apenas admitiu que, se a navegação interior e o transporte marítimo produziam uma proporção muito mais elevada de partículas num Estado‑Membro do que noutros, e se só 25% dos veículos novos nele circulavam a diesel, a existência de um problema específico de concentração das partículas causado pela ausência, autorizada pela Directiva 98/69, de um filtro de partículas numa parte destes veículos não estava demonstrada.

77      O Governo neerlandês não referiu no seu pedido de derrogação o argumento que deduz das suas obrigações de direito comunitário e de direito internacional. Além disso, esta pretensão levaria a defender a tese insustentável segundo a qual, quando as obrigações de direito internacional impedem um Estado‑Membro de adoptar determinadas medidas, a Comissão deveria aceitar a derrogação às regras de harmonização adoptadas nos termos do artigo 95.°, CE, independentemente de serem ou não cumpridas as exigências dos n.os 5 e 6 desta disposição.

–       Apreciação do Tribunal

78      O Tribunal observa, em primeiro lugar, que a questão da adequação do projecto de decreto notificado para reduzir a concentração das partículas presentes no ar ambiente nos Países Baixos pela diminuição unicamente das partículas emitidas por determinados veículos automóveis equipados com motores diesel releva da avaliação da proporcionalidade da medida nacional notificada por comparação com outras modalidades de intervenção possíveis relativamente às duas outras fontes de emissão de partículas, a navegação interior e o transporte marítimo, e não da apreciação da especificidade do problema.

79      De qualquer forma e em segundo lugar, o Governo neerlandês não pode invocar obrigações de direito internacional e comunitário susceptíveis de constituir um obstáculo ao tratamento do problema colocado pelas emissões de partículas produzidas pela navegação interior e pelo transporte marítimo, uma vez que não as referiu no seu pedido de derrogação.

80      À semelhança das autorizações em matéria de auxílios de Estado notificados, a concessão a um Estado‑Membro da possibilidade de beneficiar de uma derrogação das medidas comunitárias de harmonização nos termos do artigo 95.°, n.os 5 e 6, CE, só pode referir‑se à medida nacional tal como foi apresentada à Comissão (v., neste sentido, acórdão de 25 de Março de 1999, Forges de Clabecq/Comissão, T‑37/97, Colect., p. II‑859, n.° 100).

81      Por fim, em terceiro lugar, o argumento do Governo neerlandês carece de base factual. Contrariamente ao que este governo sustenta, a Comissão não subordinou a possibilidade de autorizar a medida notificada à condição de as ultrapassagens dos valores‑limite de concentração das partículas no ar ambiente registadas nos Países Baixos resultarem, na sua maioria, das emissões de partículas provenientes de veículos automóveis equipados com motores diesel.

82      Ao invés, como decorre dos n.os 40 e 43 da decisão, a Comissão limitou‑se a constatar que, comparativamente com outros Estados‑Membros, o Reino dos Países Baixos se caracterizava por um volume claramente mais elevado de emissões de partículas provenientes da navegação interior e do transporte marítimo e que a percentagem de veículos automóveis equipados com motores diesel era sensivelmente inferior no Reino dos Países Baixos à média da União Europeia, de modo que se pode questionar a própria existência de um problema específico colocado aos Países Baixos sob a forma de emissões de partículas provenientes de veículos diesel contemplados pela Directiva 98/69.

83      Não se afigura portanto que a Comissão tenha, de todo o modo, subordinado a possibilidade de autorizar a medida notificada à condição de as ultrapassagens dos valores‑limite de concentração das partículas no ar ambiente observadas nos Países Baixos resultaram, na sua maioria, das emissões de partículas provocadas por veículos equipados com motores diesel.

84      Assim, não procede a argumentação do Governo neerlandês.

 Quanto à impossibilidade de o Reino dos Países Baixos actuar contra a poluição transfronteiriça

–       Argumentos das partes

85      O Governo neerlandês considera ainda que a sua margem de actuação é, ainda, entravada pela impossibilidade em que se encontra de actuar sobre o grande número de partículas que atravessa as fronteiras.

86      A Comissão contra‑argumenta que numerosos países da União Europeia estão, também eles, confrontados com importantes taxas de emissões de partículas de carácter transfronteiriço.

–       Apreciação do Tribunal

87      A impossibilidade de agir sobre as partículas de origem estrangeira alegada pelo Reino dos Países Baixos não é de molde, em si mesma, a demonstrar que os Países Baixos estão confrontados com um problema específico de qualidade do ar ambiente.

88      Como sublinha a TNO no seu relatório, uma maior proporção de partículas é, quase por definição, de fonte exógena nos países que, como o Reino dos Países Baixos, têm uma dimensão geográfica reduzida e as fontes de poluição situadas a curta distância tendem a ser qualificadas de estrangeiras, quando seriam consideradas endógenas num país geograficamente mais vasto.

89      Aliás, o próprio Governo neerlandês admitiu implicitamente que a poluição transfronteiriça não pode ser, por definição, específica de um Estado‑Membro, na medida em que sustenta que o critério de exclusividade que em seu entender foi irregularmente acolhido pela Comissão é dificilmente compatível com o carácter intrinsecamente transfronteiriço da poluição.

90      Na audiência, o Governo neerlandês observou que os Países Baixos estavam efectivamente confrontados com um problema específico de qualidade do ar em razão da sua situação geográfica.

91      No entanto, não foi demonstrado que as emissões transfronteiriças de partículas afectem a qualidade do ar nos Países Baixos numa medida tal que o problema da limitação das emissões de partículas seja diferente nesse país do problema que se coloca no resto da Comunidade e justifique medidas nacionais específicas.

92      Além disso, importa observar que é à luz das normas fixadas na Directiva 1999/30 que há que apreciar a especificidade do problema do respeito do ambiente invocado em apoio do pedido de derrogação à Directiva 98/69. Ora, o anexo III da Directiva 1999/30 fixa unicamente os valores‑limite de concentração das partículas no ar ambiente que os Estados‑Membros devem respeitar, sem atender à origem dessas partículas.

93      Consequentemente, o Tribunal de Primeira Instância não pode dar como provado que a contribuição das partículas emitidas no exterior do território neerlandês para a concentração de partículas no ar ambiente desse território constitui, em si mesma, para os Países Baixos, na acepção do artigo 95.°, n.° 5, CE, um problema de qualidade do ar específico deste país.

94      Por conseguinte, o argumento do Governo neerlandês não pode ser acolhido.

 Quanto ao não reconhecimento do carácter particularmente sério das ultrapassagens dos valores‑limite de concentração das partículas verificadas no ar ambiente nos Países Baixos

–       Argumentos das partes

95      O Governo neerlandês censura a Comissão por ter negado o carácter particularmente sério das ultrapassagens observadas em 2004 em todas as zonas e aglomerações dos Países Baixos, comparativamente com os valores‑limite diários de concentração de partículas definidos pela Directiva 1999/30 com efeitos a 1 de Janeiro de 2005 e com estes valores‑limite acrescidos da margem de ultrapassagem.

96      De acordo com o relatório da TNO, os dados preliminares comunicados pelo Reino dos Países Baixos mostravam a ultrapassagem de pelo menos um dos valores‑limite de concentração das partículas acrescidos da margem de ultrapassagem.

97      É certo que o relatório da MNP de 2006 salienta, na página 11, que os níveis de partículas nos Países Baixos são inferiores às hipóteses anteriores. Todavia, esta afirmação não pode ser imputada ao Governo neerlandês, ainda que a MNP seja uma agência relacionada com o Governo neerlandês.

98      De todo o modo, as constatações do MNP de modo algum põem em causa a existência da especificidade das ultrapassagens dos valores‑limite de concentração de partículas por comparação com os máximos fixados na Directiva 1999/30, tal como se infere da página 3 do relatório desta instância.

99      Na audiência, o Governo neerlandês censurou ainda a Comissão por não ter tomado em consideração os factores específicos dos Países Baixos constituídos pela densidade demográfica, pela intensidade do tráfego e pela localização de habitações ao longo dos eixos rodoviários.

100    A Comissão responde que, como se deduz do relatório da TNO, os Países Baixos não estavam confrontados em 2003 com ultrapassagens particularmente significativas dos valores‑limite comparativamente a outros Estados‑Membros, dos quais alguns apresentavam, ao contrário dos Países Baixos, ultrapassagens em todas as zonas.

101    A Comissão acrescenta que todos os relatórios de avaliação nacionais relativos ao ano de 2004 corroboram a inexistência de um problema específico de qualidade do ar ambiente nos Países Baixos. O relatório de avaliação do Reino dos Países Baixos constatou mais ultrapassagens do que em 2003 porque o relatório respeitante a este último exercício se tinha baseado exclusivamente em medições, enquanto o relatório relativo a 2004 assentou em parte em cálculos modelizados. Além disso, os limites fixados nas directivas tinham diminuído, de modo que uma alta do número de ultrapassagens nos Países Baixos em 2004 não implicava certamente, em si mesma, que este país se confrontasse com um problema específico de qualidade do ar.

102    De acordo com o relatório da MNP de Março de 2006, oponível ao Reino dos Países Baixos porque produzido oficialmente em apoio do pedido de derrogação, as estimativas anteriores de emissões de partículas presentes nos Países Baixos foram sobre‑estimadas de 10% a 15%. Não era seguro que, comparativamente a outros Estados‑Membros, o Reino dos Países Baixos estivesse confrontado com um problema específico que o impedisse de respeitar a Directiva 1999/30.

103    A persistência dos efeitos potenciais das partículas sobre a saúde não constitui um problema específico dos Países Baixos. De resto, a MNP salienta que os efeitos na saúde da exposição a longo prazo às partículas são inferiores em cerca de 10% a 15% às estimativas anteriores.

104    Daí se deduz que não só o Reino dos Países Baixos, nem apenas o Reino dos Países Baixos e o Reino da Bélgica, mas também numerosos outros Estados‑Membros tinham dificuldade em respeitar os valores‑limite de concentração de partículas fixados pela Directiva 1999/30, que o problema da qualidade do ar colocado ao Reino dos Países Baixos não era particularmente importante relativamente ao que afectava esses outros Estados‑Membros e que, por vezes, era mesmo provavelmente menor do que as dificuldades encontradas, designadamente, pelo Reino da Bélgica.

–       Apreciação do Tribunal

105    É pacífico e não é contestado que o problema das emissões de partículas produzidas pelos veículos diesel se coloca de modo agudo e justifica, a nível comunitário, medidas regulamentares adequadas. É também igualmente pacífico que a medida nacional notificada pelo Reino dos Países Baixos visa antecipar no seu território a introdução, nas regras harmonizadas, do valor‑limite de emissão de partículas que consta de uma proposta de regulamento em curso de negociação (v. n.° 52 supra).

106    Este modo de operar não é, em princípio, incompatível com o artigo 95.°, n.° 5, CE, desde que seja provado pelo Estado‑Membro em causa que o prazo necessário para a entrada em vigor do novo dispositivo harmonizado se traduzirá, no todo ou em parte do seu território, por problemas especiais que o diferenciam dos outros Estados‑Membros, tornando necessária uma medida de antecipação.

107    A este respeito, não resulta dos elementos dos autos que as ultrapassagens constatadas nos Países Baixos dos valores‑limite de concentração de partículas fixadas pela Directiva 1999/30 apresentem, relativamente aos observados nos outros Estados‑Membros, uma acuidade susceptível de constituir um problema de qualidade do ar ambiente específico ao Estado‑Membro notificante.

108    No estudo da MNP intitulado «Beoorderling van het prinsjedagpakket – Aanpak Luchtkwaliteit 2005» (Avaliação do pacote de medidas do dia de apresentação do orçamento – Acções a favor da qualidade do ar 2005), cuja oponibilidade ao Governo neerlandês não pode ser posta em causa, uma vez que emana de um organismo subordinado à autoridade de um dos seus ministérios (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Novembro de 1982, Comissão/Irlanda, 249/81, Recueil, p. 4005, n.° 15), e que foi mesmo junto como anexo à petição, especifica‑se que, como a Comissão destacou num relatório previsional, os valores‑limite de concentração de partículas tinham sido ultrapassados desde 2001 num grande número de cidades europeias.

109    Além disso, deduz‑se da lista elaborada com base nos relatórios nacionais de avaliação da qualidade do ar estabelecida a título do exercício de 2004 que os Países Baixos fazem parte de um grupo de cinco Estados‑Membros que registaram em 2004, em todas as suas zonas, taxas de concentração de partículas superiores aos valores‑limite diários, acrescidos das margens de ultrapassagem, fixados pela Directiva 1999/30, ao passo que, por outro lado, cinco outros Estados‑Membros ultrapassaram esses valores em mais de 50% das suas zonas.

110    O relatório de avaliação do Reino dos Países Baixos relativo ao exercício de 2004 destaca que uma análise dos resultados das avaliações da qualidade do ar ambiente realizadas no seu território revela uma melhoria da qualidade do ar relativamente a 2003, sobretudo em relação, designadamente, às partículas, ainda que o relatório impute principalmente esta melhoria a uma alteração das condições meteorológicas observada em 2004 por comparação com o ano anterior.

111    Além disso, a MNP observa, no seu estudo «Avaliação do pacote de medidas do dia da apresentação do orçamento – Acções a favor da qualidade do ar 2005», que outros países europeus para além dos Países Baixos tiveram dificuldades em respeitar os valores‑limite europeus de concentração de partículas.

112    Como salientam, por um lado, a MNP, no seu relatório de Março de 2006, apresentado pelo Governo neerlandês no decurso do procedimento de apreciação do projecto de decreto notificado e, por outro, a Comissão, não contestada neste ponto, no considerando 41 da decisão, os níveis de concentração de partículas nos Países Baixos são inferiores em 10% a 15% às hipóteses anteriores.

113    Segundo a MNP, o número de zonas em que se prevêem para 2010 ultrapassagens dos valores‑limite diários de concentrações médias diminuiu para mais de metade por comparação com as avaliações anteriores e as previsões de exposição a longo prazo às partículas e aos seus efeitos sobre a saúde foram revistas em baixa à razão de 10% a 15%.

114    Como observou a Comissão no n.° 41 da decisão, a MNP considera também que o número de zonas em que o valor‑limite comunitário da média diária de concentrações de partículas será ultrapassado será reduzido para metade em 2010, relativamente a 2005, e em 2015, relativamente a 2010.

115    Por fim, além de não constituírem critérios acolhidos na Directiva 99/30, não está demonstrado que a densidade demográfica, a intensidade do tráfego rodoviário em numerosas zonas dos Países Baixos e a localização de habitações ao longo dos eixos rodoviários concorram para constituir para este Estado‑Membro, na acepção do artigo 95.°, n.° 5, CE, um problema de protecção do ambiente que o particularize sensivelmente por comparação com outras regiões da União Europeia.

116    A este respeito, a TNO atribui o grau elevado de emissões de partículas constatados na parte da União Europeia constituída pelo Benelux, a parte central do Reino Unido e a Alemanha Ocidental à sua forte densidade demográfica e às suas actividades poluentes, no número das quais figura designadamente o tráfego rodoviário.

117    O Governo neerlandês não provou, portanto, a existência de problemas particulares ao seu território que tornem necessária uma aplicação antecipada das novas regras harmonizadas em fase de negociação.

118    Assim, não se pode concluir que foi erradamente que a Comissão considerou como não específico o problema do respeito pelo Estado‑Membro notificante dos valores‑limite comunitários de concentração de partículas no ar ambiente fixados pela Directiva 1999/30.

119    Sendo as condições exigidas pelo artigo 95.°, n.os 5 e 6, CE cumulativas, basta que uma destas não esteja preenchida para que o pedido de derrogação seja rejeitado (acórdão do Tribunal de Justiça, de 21 de Janeiro de 2003, Alemanha/Comissão, C‑512/99, Colect., p. I‑845, n.° 81; acórdão Land Oberösterreich e Áustria/Comissão, já referido, n.° 69).

120    Dado que o Governo neerlandês não conseguiu demonstrar que uma dessas condições estava preenchida, é de concluir que a Comissão estava obrigada a rejeitar as disposições nacionais notificadas.

121    Nestas condições, deve ser negado provimento ao recurso, sem necessidade de decidir sobre as outras acusações articuladas pelo recorrente contra a decisão.

 Quanto às despesas

122    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

123    No caso em apreço, tendo o Reino dos Países Baixos sido vencido, há que condená‑lo nas suas próprias despesas, bem como nas efectuadas pela Comissão, de acordo com o pedido por esta.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O Reino dos Países Baixos é condenado nas despesas.

Legal

Wiszniewska‑Białecka

Moavero Milanesi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de Junho de 2007.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      H. Legal


* Língua do processo: neerlandês.