Language of document : ECLI:EU:T:2024:98

Processo T412/22

(publicação por excertos)

Pesticide Action Network Europe (PAN Europe)

contra

Comissão Europeia

 Acórdão do Tribunal Geral (Quarta Secção) de 21 de fevereiro de 2024

«Produtos fitofarmacêuticos – Substância ativa cipermetrina – Regulamento de Execução (UE) 2021/2049 – Pedido de reexame interno – Artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1367/2006 – Indeferimento do pedido – Identificação de domínios críticos de preocupação pela EFSA – Avaliação e gestão dos riscos – Princípio da precaução – Poder de apreciação da Comissão»

1.      Recurso de anulação – Prazos – Início da contagem – Data de notificação da decisão – Resposta da Comissão a um pedido de reexame interno redigido numa língua diferente da do pedido – Comunicação posterior ao requerente de uma cópia dessa resposta na língua do pedido – Prazo que começa a correr na data dessa comunicação posterior

(Artigo 263.°, sexto parágrafo, TFUE; Regulamento n.° 1367/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho; Regulamento n.° 1 do Conselho, artigo 2.°)

(cf. n.° 24)

2.      Ambiente – Convenção de Aarhus – Aplicação às instituições da União – Faculdade que assiste às organizações não governamentais de pedir o reexame interno de atos administrativos no domínio do ambiente – Ato administrativo que tem por objeto a renovação da aprovação de uma substância ativa – Objeto do reexame – Reavaliação da aprovação

(Regulamento n.° 1367/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 10.°, n.° 1)

(cf. n.° 38)

3.      Recurso de anulação – Fundamentos – Recurso de uma decisão de indeferimento de um pedido de reexame interno – Fundamento não apresentado no pedido de reexame – Inadmissibilidade – Argumentos que constituem uma simples ampliação de um fundamento apresentado no pedido de reexame – Admissibilidade – Limites – Fundamento que não altera o objeto do processo de reexame interno

(Artigo 263.° TFUE; Regulamento n.° 1367/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 12.°)

(cf. n.os 41, 43, 46, 47)

4.      Ambiente – Convenção de Aarhus – Aplicação às instituições da União – Faculdade que assiste às organizações não governamentais de pedir o reexame interno de atos administrativos no domínio do ambiente – Precisão dos fundamentos de reexame – Necessidade de indicar os elementos suscetíveis de suscitar dúvidas quanto ao fundamento do ato em causa

(Regulamento n.° 1367/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 10.°, n.° 1)

(cf. n.os 42, 146)

5.      Recurso de anulação – Fundamentos – Recurso de uma decisão de indeferimento de um pedido de reexame interno – Fundamento decorrente dessa decisão de indeferimento e destinado a contestar a sua procedência – Admissibilidade – Limites – Fundamento que não altera o objeto do processo de reexame interno

(Artigo 263.° TFUE; Regulamento n.° 1367/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 12.°)

(cf. n.° 45)

6.      Saúde pública – Avaliação dos riscos – Aplicação do princípio da precaução – Alcance – Conceitos de risco e de perigo – Determinação do nível de risco considerado inaceitável para a sociedade – Competência da instituição da União designada pela regulamentação pertinente – Obrigação de assegurar um nível de proteção elevado da saúde pública, da segurança e do ambiente

(Artigos 114.°, n.° 3, 168.°, n.° 1, e 191.° TFUE)

(cf. n.os 77‑87, 94, 97, 314)

7.      Agricultura – Aproximação das legislações – Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado – Regulamento n.° 1107/2009 – Renovação da aprovação de uma substância ativa – Poder de apreciação da Comissão – Obrigação de a Comissão seguir o parecer da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) – Inexistência – Requisitos

(Regulamento n.° 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho; Regulamento n.° 844/2012 da Comissão, artigo 14.°, n.° 1)

(cf. n.os 89‑93, 103, 104, 123, 127)

8.      Agricultura – Aproximação das legislações – Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado – Regulamento n.° 1107/2009 – Renovação da aprovação de uma substância ativa – Poder de apreciação da Comissão – Assistência científica pedida à Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) na falta de base jurídica específica – Admissibilidade

[Regulamento n.° 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 23.°, alínea c) e 29.°, n.° 1, alínea a)]

(cf. n.° 230)

9.      Agricultura – Aproximação das legislações – Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado – Regulamento n.° 1107/2009 – Renovação da aprovação de uma substância ativa – Poder de apreciação da Comissão – Critérios de apreciação – Orientações adotadas pela Comissão – Efeito vinculativo – Antiguidade das orientações que necessitam de atualização – Não incidência

(Regulamento n.° 844/2012 da Comissão, artigo 13.°, n.° 1)

(cf. n.os 391, 393, 401)

Resumo

No âmbito de um recurso de anulação relacionado com a renovação da aprovação da substância ativa cipermetrina, o Tribunal Geral precisa as regras de admissibilidade desse recurso interposto por uma organização não governamental com base no Regulamento n.° 1367/2006 (1), bem como o alcance da margem de apreciação da Comissão Europeia enquanto gestora dos riscos à luz do princípio da precaução.

A cipermetrina é um inseticida utilizado na União Europeia, cuja incorporação em produtos fitofarmacêuticos foi autorizada em 2005 (2).

No âmbito do procedimento de renovação da aprovação da cipermetrina, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) identificou, nas suas conclusões científicas de julho de 2018, quatro domínios críticos de preocupação (critical areas of concern) relativos a esta substância ativa. Posteriormente, em setembro de 2019, publicou uma declaração sobre as medidas de redução dos riscos para a cipermetrina.

Na sequência desta avaliação dos riscos, a Comissão adotou, em 24 de novembro de 2021, o Regulamento de Execução 2021/2049 (3), que renova a aprovação da cipermetrina, acompanhada de uma série de disposições específicas.

Em 20 de janeiro de 2022, a recorrente, a organização ambiental Pesticide Action Network Europe (PAN Europe), dirigiu à Comissão um pedido de reexame interno (4) do Regulamento de Execução 2021/2049.

Por decisão de 23 de junho de 2022, a Comissão indeferiu esse pedido.

A recorrente pede ao Tribunal Geral a anulação dessa decisão de indeferimento. Invoca a violação do princípio da precaução e da obrigação da União de assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e do ambiente. Alega, designadamente, que, uma vez que a EFSA tinha identificado determinados domínios críticos de preocupação relativamente à cipermetrina, a Comissão não devia ter renovado a aprovação dessa substância. Neste contexto, a Comissão já não dispõe de qualquer poder de apreciação e não pode invocar o seu papel de gestora de risco a esse respeito.

Com o seu acórdão, o Tribunal Geral nega integralmente provimento ao recurso.

Apreciação do Tribunal Geral

O Tribunal Geral fornece, em primeiro lugar, precisões de ordem processual relativas ao alcance da regra de concordância entre o pedido de reexame e o recurso de anulação interposto da decisão adotada em resposta a esse pedido.

A este respeito, recorda que tal recurso de anulação só é admissível se for dirigido contra a resposta ao referido pedido e se os fundamentos invocados em apoio da anulação visarem especificamente essa resposta.

Esse recurso não pode basear‑se em fundamentos ou meios de prova que não tenham já sido invocados no pedido de reexame, sob pena de se esvaziar de efeito útil o requisito de fundamentação do pedido de reexame e de se alterar o objeto do processo iniciado por esse pedido (5).

No entanto, por um lado, um recorrente deve poder, nos termos do Regulamento n.° 1367/2006, invocar, na fase do recurso no Tribunal Geral, argumentos que visem criticar juridicamente o mérito da resposta ao seu pedido de reexame, desde que esses argumentos não alterem o objeto do processo instaurado por esse pedido. Por outro lado, um argumento que não foi suscitado na fase do pedido de reexame não pode ser considerado novo se apenas constituir a ampliação de uma argumentação já desenvolvida no âmbito desse pedido, isto é, se apresentar uma ligação suficientemente estreita com os fundamentos ou as alegações inicialmente expostos, para se poder considerar que resultou da evolução normal do debate num processo contencioso.

Em segundo lugar, o Tribunal Geral salienta que, para poder prosseguir de forma eficaz os objetivos que lhe foram atribuídos pelo Regulamento n.° 1107/2009, deve ser reconhecido à Comissão um amplo poder de apreciação. Isto vale, nomeadamente, para as decisões em matéria de gestão do risco que tem que tomar por força desse regulamento (6).

A gestão do risco corresponde a todas as ações levadas a cabo por uma instituição que tem que enfrentar um risco para o reduzir a um nível considerado aceitável para a sociedade, tendo em conta a sua obrigação, decorrente do princípio da precaução, de assegurar um nível elevado de proteção da saúde pública, da segurança e do ambiente (7).

Isso implica que se proceda a uma avaliação prévia dos riscos que consiste, por um lado, em apreciar de forma científica os referidos riscos, baseando‑se nos melhores dados científicos disponíveis, e, por outro, em determinar se ultrapassam o nível de risco considerado aceitável pela sociedade, o que decorre da opção política que constitui a fixação de um nível de proteção adequado para essa sociedade.

Assim, embora, no âmbito do procedimento de renovação das substâncias ativas, a Comissão deva «ter em conta», nomeadamente, as conclusões científicas da EFSA (8), não está vinculada, enquanto gestora dos riscos, pelas conclusões da EFSA. Com efeito, essa consideração não pode ser interpretada como uma obrigação de a Comissão seguir em todos os pontos as conclusões da EFSA.

No entanto, o amplo poder de apreciação da Comissão enquanto gestora dos riscos continua enquadrado pelo necessário respeito das disposições do Regulamento n.° 1107/2009, em especial pelo seu artigo 4.° (9), lido em conjugação com o Anexo II deste regulamento, bem como pelo princípio da precaução subjacente a todas as disposições deste regulamento.

Nestas condições, a Comissão só pode renovar a aprovação de uma substância ativa se se demonstrar suficientemente que, não obstante a identificação de domínios críticos de preocupação, as medidas de atenuação dos riscos permitem concluir que os critérios do artigo 4.° do Regulamento n.° 1107/2009 são respeitados. Assim, o papel da Comissão é precisamente a determinação dos riscos que são aceitáveis para a sociedade, com um limiar de tolerância mais elevado no que respeita à proteção do ambiente do que no que diz respeito à saúde humana ou animal, e tomando em consideração medidas de gestão para mitigar determinados riscos.

No presente processo, o simples facto de a EFSA ter identificado quatro domínios críticos de preocupação nas suas conclusões quanto à cipermetrina não permite considerar que a Comissão já não dispunha de nenhuma margem de apreciação, enquanto gestora dos riscos, desde que assegurasse que os critérios indicados no artigo 4.° do Regulamento n.° 1107/2009 estavam preenchidos. Por outras palavras, não está excluído que a Comissão verifique, no respeito do princípio da precaução, se o risco se poderia ter tornado aceitável através da imposição de determinadas medidas.


1      Regulamento (CE) n.° 1367/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de setembro de 2006, relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente às instituições e órgãos da União (JO 2006, L 264, p. 13), nomeadamente com base no seu artigo 12.°


2      A referida substância foi incluída no anexo I da Diretiva 91/414/CEE do Conselho, de 15 de julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO 1991, L 230, p. 1), pela Diretiva 2005/53/CE da Comissão, de 16 de setembro de 2005, que altera a Diretiva 91/414/CEE do Conselho com o objetivo de incluir as substâncias ativas clortalonil, clortolurão, cipermetrina, daminozida e tiofanato‑metilo (JO 2005, L 241, p. 51).


3      Regulamento de Execução (UE) 2021/2049 da Comissão, de 24 de novembro de 2021, que renova a aprovação da substância ativa cipermetrina como candidata a substituição, em conformidade com o Regulamento (CE) n.° 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, e que altera o anexo do Regulamento de Execução (UE) n.° 540/2011 da Comissão (JO 2021, L 420, p. 6).


4      Com base no artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1367/2006.


5      Acórdão de 12 de setembro de 2019, TestBioTech e o./Comissão (C‑82/17 P, EU:C:2019:719, n.° 39).


6      Acórdão de 17 de maio de 2018, Bayer CropScience e o./Comissão (T‑429/13 e T‑451/13, EU:T:2018:280, n.° 143).


7      Acórdãos de 12 de abril de 2013, Du Pont de Nemours (França) e o./Comissão (T‑31/07, não publicado, EU:T:2013:167, n.° 148); de 17 de maio de 2018, Bayer CropScience e o./Comissão (T‑429/13 e T‑451/13, EU:T:2018:280, n.° 125), e de 17 de março de 2021, FMC/Comissão (T‑719/17, EU:T:2021:143, n.° 78).


8      Nos termos do artigo 14.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento de Execução (UE) n.° 844/2012 da Comissão, de 18 de setembro de 2012, que estabelece as disposições necessárias à execução do procedimento de renovação de substâncias ativas, tal como previsto no Regulamento (UE) n.° 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO 2012, L 252, p. 26).


9      Segundo este artigo, a aprovação de uma substância ativa só pode ser concedida se se demonstrar que os requisitos de aprovação previstos nos seus n.os 2 e 3 estão preenchidos, em condições realistas de utilização. Estabelece‑se uma presunção segundo a qual essas condições de aprovação se consideram reconhecidamente preenchidas se se demonstrar que é esse o caso, pelo menos, para uma utilização representativa de, pelo menos, um produto fitofarmacêutico que contenha essa substância ativa.