Language of document : ECLI:EU:T:2010:5

DESPACHO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL GERAL

8 de Janeiro de 2010 (*)

«Processo de medidas provisórias – Programa Life – Reembolso de uma parte das importâncias pagas – Ordem de cobrança – Nota de débito – Pedido de suspensão de execução – Prejuízo financeiro – Circunstâncias excepcionais – Falta de urgência»

No processo T‑446/09 R,

Escola Superior Agrária de Coimbra, com sede em Coimbra (Portugal), representada por J. Pais do Amaral, advogado,

requerente,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Braga da Cruz e J.‑B. Laignelot, na qualidade de agentes,

requerida,

que tem por objecto um pedido de suspensão da execução das decisões supostamente contidas na carta D (2009) 224268 da Comissão, de 9 de Setembro de 2009, que tem por objecto uma ordem de cobrança, e na nota de débito n.° 3230909105 da Comissão, de 11 de Setembro de 2009, no montante de 327 500,35 euros,

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL GERAL

profere o presente

Despacho

 Factos, tramitação processual e pedidos das partes

1        A requerente, Escola Superior Agrária de Coimbra, é um estabelecimento português de ensino superior público.

2        Através da Decisão C (2003) 2942/73, de 4 de Setembro de 2003, a Comissão concedeu à requerente apoio financeiro para o projecto que esta tinha apresentado ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 1655/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Julho de 2000, relativo ao instrumento financeiro para o ambiente (LIFE) (JO L 192, p. 1).

3        Em 18 de Setembro de 2007, a Comissão transmitiu à requerente a proposta de liquidação final dos custos aprovados do projecto em causa.

4        Todavia, por carta de 29 de Janeiro de 2009, a Comissão informou a requerente de que, na sequência de uma auditoria de que esta tinha sido objecto em Maio de 2008, devia devolver uma parte dos montantes que lhe tinham sido pagos em liquidação dos custos aprovados. O montante das importâncias a devolver tinha sido determinado através de cálculos explicitados e justificados na referida carta.

5        Na sequência de novas informações prestadas pela requerente, em 24 de Julho de 2009 a Comissão comunicou‑lhe que os cálculos dos montantes a devolver tinham sido reformulados e que tais montantes tinham sido fixados em 327 500,35 euros. Informou‑a igualmente de que, caso não fossem recebidos, até 15 de Agosto de 2009, comentários aos novos cálculos efectuados, seria emitida uma ordem de cobrança no mencionado montante.

6        Em 9 de Setembro de 2009, a Comissão enviou à requerente a carta D (2009) 224268, tendo por objecto uma «ordem de cobrança», seguida, em 11 de Setembro de 2009, do envio da nota de débito n.° 3230909105, no montante de 327 500,35 euros (a seguir «actos recorridos»).

7        O orçamento anual da requerente para o ano de 2009 era de 6 286 988 euros, sendo as suas parcelas mais substanciais de, respectivamente, 4 560 398 euros, provenientes do orçamento geral do Estado português, e de 1 606 590 euros, provenientes de receitas próprias.

8        As despesas da requerente com pessoal, relativas ao ano de 2009, ascendiam a 5 152 684 euros, destinando‑se o remanescente do orçamento a garantir as disponibilidades financeiras necessárias ao seu funcionamento normal.

9        Por petição entrada no Tribunal em 9 de Novembro de 2009, a requerente interpôs um recurso de anulação dos actos recorridos.

10      Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal no mesmo dia, a requerente apresentou um pedido de medidas provisórias no qual pedia ao presidente do Tribunal que:

–        suspendesse a execução dos actos recorridos;

–        a título subsidiário, decretasse essa suspensão com a condição de a requerente prestar caução garantindo o pagamento do reembolso em causa.

11      Nas suas observações escritas sobre o pedido de suspensão da execução, apresentadas na Secretaria do Tribunal em 25 de Novembro de 2009, a Comissão conclui pedindo que o presidente do Tribunal se digne:

–        declarar o pedido de suspensão de execução inadmissível;

–        a título subsidiário, indeferir o pedido de suspensão de execução;

–        condenar a requerente nas despesas.

 Questão de direito

12      Resulta da leitura conjugada dos artigos 278.° TFUE e 279.° TFUE, por um lado, e do artigo 256.°, n.° 1, TFUE, por outro, que o juiz das medidas provisórias pode ordenar a suspensão da execução do acto impugnado perante o Tribunal, se considerar que as circunstâncias o exigem, ou ordenar as medidas provisórias necessárias.

13      O artigo 104.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral dispõe que os pedidos de medidas provisórias devem especificar o objecto do litígio, as razões da urgência, bem como os fundamentos de facto e de direito que, à primeira vista, justificam a adopção da medida provisória requerida. Assim, a suspensão da execução e as outras medidas provisórias podem ser concedidas pelo juiz das medidas provisórias, se se provar que, à primeira vista, a sua concessão se justifica de facto e de direito (fumus boni juris) e que são urgentes, no sentido de que é necessário, para evitar um prejuízo grave e irreparável dos interesses do requerente, que sejam decretadas e produzam os seus efeitos antes da decisão no processo principal.

14      Além disso, no quadro dessa análise de conjunto, o juiz das medidas provisórias dispõe de um amplo poder de apreciação e é livre de determinar, tendo em conta as especificidades do caso concreto, o modo como esses diferentes requisitos devem considerar‑se verificados, bem como a ordem dessa análise, uma vez que nenhuma regra jurídica lhe impõe um esquema de análise preestabelecido para apreciar a necessidade de decidir provisoriamente [despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 19 de Julho de 1995, Comissão/Atlantic Container Line e o., C‑149/95 P(R), Colect., p. I‑2165, n.° 23, e de 3 de Abril de 2007, Vischim/Comissão, C‑459/06 P(R), não publicado na Colectânea, n.° 25].

15      Tendo em conta os elementos dos autos, o juiz das medidas provisórias considera dispor de todas as informações necessárias para decidir o presente pedido, pelo que não vê utilidade em ouvir previamente as explicações orais das partes.

16      Nas circunstâncias do caso vertente, há que examinar, em primeiro lugar, se o requisito da urgência está preenchido.

17      Segundo jurisprudência constante, o carácter urgente de um pedido de medidas provisórias deve ser apreciado por referência à necessidade que há de decidir provisoriamente, a fim de evitar que seja causado um prejuízo grave e irreparável à parte que solicita as medidas provisórias. Não basta, para satisfazer as exigências desta disposição, alegar que a execução do acto cuja suspensão é solicitada está iminente, mas cabe a essa parte fazer a prova séria de que não pode esperar o desfecho do processo principal sem sofrer um prejuízo dessa natureza. A fim de poder determinar se o prejuízo que a requerente receia é grave e irreparável e justifica, portanto, a suspensão, a título excepcional, da execução da decisão recorrida, o juiz das medidas provisórias deve dispor de indicações concretas e precisas, fundadas em documentos pormenorizados e fidedignos, que demonstrem a situação financeira da requerente e permitam apreciar as consequências precisas que resultariam, com toda a probabilidade, da não adopção das medidas requeridas (v., neste sentido, despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 1988, Top Hit Holzvertrieb/Comissão, C‑378/87 R, Colect., p. 161, n.° 18; despachos do presidente do Tribunal Geral de 3 de Julho de 2000, Carotti/Tribunal de Contas, T‑163/00 R, ColectFP, pp. I‑A‑133 e II‑607, n.° 8, de 18 de Outubro de 2001, Aristoteleio Panepistimio Thessalonikis/Comissão, T‑196/01 R, Colect., p. II‑3107, n.° 32, e de 13 de Outubro de 2006, Vischim/Comissão, T‑420/05 R II, Colect., p. II‑4085, n.os 83 e 84; despachos do presidente da Quarta Secção alargada do Tribunal Geral de 2 de Abril de 1998, Arbeitsgemeinschaft Deutscher Luftfahrt‑Unternehmen e Hapag‑Lloyd/Comissão, T‑86/96 R, Colect., p. II‑641, n.os 64, 65 e 67; despacho do presidente da Segunda Secção do Tribunal Geral de 16 de Julho de 1999, Hortiplant/Comissão, T‑143/99 R, Colect., p. II‑2451, n.° 18).

18      No presente caso, a requerente forneceu indicações concretas e precisas sobre o seu orçamento para 2009, que não foram contestadas pela Comissão. De tais indicações resulta que a requerente não dispõe de reservas, fundos de maneio ou outros meios orçamentais susceptíveis de ser utilizados para o reembolso imediato do montante em causa.

19      A requerente alega que resulta desta conclusão que o reembolso imediato do montante em causa lhe causaria «graves problemas financeiros». Declara que tal situação a impossibilitaria de pagar, pelo menos durante um mês, os salários de todo o seu pessoal, as facturas de água, luz, telefone e outros géneros necessários à sua actividade e, em consequência, a impediria de funcionar durante o referido período. Dado tratar‑se de uma escola agrária, precisa de um mínimo de fundos para a alimentação diária dos animais, para funcionamento de laboratórios e para intervir em culturas que decorrem nas propriedades que lhe estão afectas.

20      A Comissão considera que o prejuízo alegado pela requerente pode ser considerado «sério», mas que não se trata de um prejuízo grave e irreparável.

21      A este respeito, deve recordar‑se que, segundo jurisprudência bem firmada, um prejuízo financeiro não pode, salvo circunstâncias excepcionais, ser considerado irreparável, ou mesmo dificilmente reparável, uma vez que pode normalmente ser objecto de posterior compensação financeira [despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2001, Comissão/Cambridge Healthcare Supplies, C‑471/00 P(R), Colect., p. I‑2865, n.° 113, e do presidente do Tribunal Geral de 15 de Junho de 2001, Bactria/Comissão, T‑339/00 R, Colect., p. II‑1721, n.° 94].

22      Cabe assinalar que o prejuízo invocado pela requerente, ou seja, o reembolso imediato de 327 500,35 euros, é puramente financeiro. Além disso, há que reconhecer que a requerente é um estabelecimento de ensino público e que o seu orçamento anual é, em larga medida, financiado pelo Estado português.

23      A requerente não demonstrou que, nos orçamentos subsequentes, mais concretamente no orçamento para 2010, o reembolso do montante em causa não seria objecto de compensação financeira, designadamente através de uma transferência do orçamento geral do Estado português.

24      Neste contexto, o prejuízo financeiro alegado pela requerente só pode ser considerado irreparável, ou mesmo dificilmente reparável, perante circunstâncias excepcionais.

25      A requerente é uma entidade de direito público, chamada, em princípio, a executar missões de serviço público, no quadro das quais é encarregada, nomeadamente, da salvaguarda de interesses sociais e culturais. Em consequência, pode, no âmbito de um processo de medidas provisórias, alegar encontrar‑se numa situação financeira que afecta o cumprimento da sua missão, quando haja o risco de a medida comunitária contestada comprometer de forma séria a execução das suas missões de serviço público (v., neste sentido, despacho do presidente do Tribunal Geral de 16 de Novembro de 2007, Dimos Peramatos/Comissão, T‑312/07 R, não publicado na Colectânea, n.° 36).

26      Dado que o prejuízo que invoca se inscreve no quadro de um pretenso serviço público, há que analisar se a requerente fez prova da existência de circunstâncias que justifiquem a urgência, demonstrando, com um grau de probabilidade suficiente, que, no actual estado de coisas, a execução dos actos recorridos é susceptível de lesar de forma grave e irremediável as missões de serviço público que é chamada a cumprir, na sua qualidade de estabelecimento de ensino público (v., neste sentido, despacho Dimos Peramatos/Comissão, já referido, n.° 37).

27      A este respeito, é de salientar que a requerente não demonstrou que, em caso de execução dos actos recorridos, o Estado português estaria impedido de intervir para assegurar a continuidade do serviço público em causa. Em especial, sendo a requerente um estabelecimento de ensino público e o seu orçamento, em larga medida, financiado pelo orçamento geral do Estado português, não se pode excluir que este possa, em tal situação, desbloquear fundos de emergência para permitir à requerente pagar os salários e outras despesas durante um mês.

28      Pelo contrário, como observa a Comissão, a própria requerente declarou no seu requerimento de suspensão da execução que, tratando‑se de uma pessoa colectiva de direito público que integra o Estado português, a sua solvabilidade está garantida.

29      Saliente‑se igualmente que a requerente também não demonstrou que o recurso a um apoio financeiro de origem privada estivesse excluído em caso de execução dos actos recorridos (v., neste sentido, despacho Dimos Peramatos/Comissão, já referido, n.° 40).

30      Pelo contrário, a requerente propôs‑se constituir uma caução, a fim de garantir o reembolso do montante em causa. Na verdade, embora a constituição de uma caução e o pagamento do montante em causa não sejam equivalentes para a requerente, ao propor a constituição de uma caução (encontrando‑se a sua solvabilidade garantida pelo facto de integrar o Estado português), a requerente não demonstra que lhe seja impossível obter, eventualmente através dos mesmos meios, um crédito para financiar o reembolso do montante em questão.

31      Por conseguinte, a requerente não demonstrou a existência de «circunstâncias excepcionais» susceptíveis de justificar a adopção das medidas provisórias requeridas.

32      Nestas circunstâncias, há que concluir que os elementos apresentados pela requerente não permitem fazer prova suficiente da ocorrência de um prejuízo grave e irreparável, caso as medidas provisórias requeridas não sejam decretadas.

33      Daqui resulta que a requerente não conseguiu demonstrar que o requisito relativo à urgência esteja preenchido. Consequentemente, o pedido de medidas provisórias deve ser indeferido, não sendo necessário examinar a sua admissibilidade nem se estão preenchidos os outros requisitos de concessão das medidas provisórias, designadamente o fumus boni juris.

Pelos fundamentos expostos,

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL GERAL

decide:

1)      O pedido de medidas provisórias é indeferido.

2)      Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Feito no Luxemburgo, em 8 de Janeiro de 2010.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      M. Jaeger


* Língua do processo: português.