Language of document : ECLI:EU:C:2024:301

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

11 de abril de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2008/118/CE — Artigo 1.o, n.o 2 — Impostos especiais de consumo — Eletricidade — Legislação nacional que institui um imposto adicional ao imposto especial de consumo de eletricidade — Ausência de fins específicos — Imposto adicional considerado contrário à Diretiva 2008/118/CE pelos órgãos jurisdicionais nacionais — Recuperação pelo consumidor final do imposto indevidamente pago ao único fornecedor — Artigo 288.o TFUE — Efeito direto — Princípio da efetividade»

No processo C‑316/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunale di Como (Tribunal de Primeira Instância de Como, Itália), por Decisão de 28 de abril de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de maio de 2022, no processo

Gabel Industria Tessile SpA,

Canavesi SpA

contra

A2A Energia SpA,

Energit SpA,

Agenzia delle Dogane e dei Monopoli,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, Z. Csehi, M. Ilešič (relator), I. Jarukaitis e D. Gratsias, juízes,

advogado‑geral: N. Emiliou,

secretário: C. Di Bella, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 13 de setembro de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo Espanhol, por A. Ballesteros Panizo e J. Rodríguez de la Rúa Puig, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia e F. Moro, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de novembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial é relativo à interpretação do artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE e do princípio da efetividade.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de dois processos apensos ao processo principal que opõem, por um lado, a Gabel Industria Tessile SpA à A2A Energia SpA e, por outro, a Canavesi SpA à Energit SpA e à Agenzia delle Dogane e dei Monopoli (Agência Aduaneira e dos Monopólios, Itália) nos quais foram formulados pedidos de reembolso dos montantes pagos pela Gabel Industria Tessile e pela Canavesi, durante os anos de 2010 e 2011, à A2A Energia e à Energit, relativos a um imposto adicional ao imposto especial de consumo de eletricidade, previsto na legislação italiana.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        A Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE (JO 2009, L 9, p. 12), foi revogada pela Diretiva (UE) 2020/262 do Conselho, de 19 de dezembro de 2019, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo (JO 2020, L 58, p. 4). No entanto, a Diretiva 2008/118 permanece aplicável ratione temporis aos factos dos processos principais.

4        O artigo 1.o desta diretiva dispunha:

«1.      A presente diretiva estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo dos seguintes produtos, adiante designados “produtos sujeitos a impostos especiais de consumo”:

a) Produtos energéticos e eletricidade, abrangidos pela Diretiva 2003/96/CE [do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade (JO 2003, L 283, p. 51)];

[…]

2.      Os Estados‑Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.

[…]»

5        O artigo 9.o, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/118 previa:

«A perceção, a cobrança, e, se adequado, o reembolso ou a dispensa de pagamento do imposto especial de consumo efetuam‑se segundo as regras estabelecidas por cada Estado‑Membro. […]»

6        O artigo 48.o, n.o 1, desta diretiva tinha a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros devem aprovar e publicar, até 1 de janeiro de 2010, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva com efeitos a partir de 1 de abril de 2010. […]»

 Direito italiano

 DecretoLei n.o 511/1988

7        Na versão aplicável aos factos dos litígios no processo principal e, em todo o caso, até 31 de março de 2012, o artigo 6.o do decreto‑legge n.o 511 — Disposizioni urgenti in materia di finanza regionale e locale (Decreto Lei n.o 511/1988, que aprova Disposições Urgentes em Matéria de Finanças Regionais e Locais), de 28 de novembro de 1988 (GURI n.o 280, de 29 de novembro de 1988), conforme alterado pelo artigo 5.o do decreto legislativo n.o 26 — Attuazione della direttiva 2003/96/CE che ristruttura il quadro comunitario per la tassazione dei prodotti energetici e dell’elettricita (Decreto Legislativo n.o 26/2007, que transpõe a Diretiva 2003/96/CE que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade), de 2 de fevereiro de 2007 (suplemento ordinário da GURI n.o 68, de 22 de março de 2007) (a seguir «DecretoLei n.o 511/1988»), tinha a seguinte redação:

«1.      É instituído um imposto adicional ao imposto especial de consumo de eletricidade previsto nos artigos 52.o e seguintes do texto único das disposições legais relativas aos impostos sobre a produção e o consumo, bem como às sanções penais e administrativas, aprovado pelo [decreto legislativo 26 ottobre 1995, n.o 504 (Decreto Legislativo n.o 504, de 26 de outubro de 1995)], a seguir denominado “texto único em matéria de impostos especiais de consumo”, no seguinte valor:

a)      18,59 [euros] por 1 000 kWh, a favor dos municípios, pela utilização residencial, com exclusão das residências secundárias e do fornecimento de eletricidade numa potência disponível até 3 kW no domicílio registado dos utilizadores até ao limite dos primeiros 150 kWh de consumo mensal. No que se refere aos consumos que ultrapassam o limite dos 150 kWh nos contratos até 1,5 kW, e nos que ultrapassam o limite dos 220 kWh nos contratos de mais de 1,5 kW e até 3 kW, procede‑se ao reembolso do imposto adicional correspondente de acordo com os critérios previstos no capítulo I, ponto 2, da Deliberação n.o 15, de 14 de dezembro de 1993, do Comité Interministerial dos Preços;

b)      20,40 [euros] por 1 000 kWh, a favor dos municípios, pela utilização efetuada nas residências secundárias;

c)      9,30 [euros] por 1 000 kWh, a favor das províncias, pela utilização efetuada em espaços e locais que não sejam habitações, em todos os contratos, com o limite máximo de 200 000 kWh de consumo mensal.

[…]

3.      Os impostos adicionais referidos no n.o 1 são devidos pelos sujeitos passivos indicados no n.o 53 do texto único em matéria de imposto especial de consumo no momento do fornecimento da eletricidade aos consumidores finais ou, no caso da eletricidade produzida ou adquirida para uso próprio, no momento do consumo. Os impostos adicionais são cobrados e reembolsados segundo as modalidades previstas para o imposto especial de consumo de eletricidade.

4.      Os impostos adicionais referidos no n.o 1, relativos ao fornecimento de eletricidade com uma potência disponível que não ultrapassa os 200 kW são pagos diretamente aos municípios e às províncias em cujo território se encontrem os utilizadores. Os impostos adicionais relativos ao fornecimento de eletricidade com uma potência disponível superior a 200 kW e os impostos relativos ao consumo de eletricidade produzida ou adquirida para uso próprio são pagos à Tesouraria Pública, com exceção dos impostos cobrados no território da região do Vale de Aosta [Itália] e das províncias autónomas de Trento [Itália] e de Bolzano [Itália], que são pagas diretamente aos próprios municípios e províncias.

[…]»

 Decreto Legislativo n.o 504/1995

8        O artigo 14.o do decreto legislativo n.o 504 — Testo unico delle disposizioni legislative concernenti le imposte sulla produzione e sui consumi e relative sanzioni penali e amministrative (Decreto Legislativo n.o 504 que aprova o texto único das disposições legais relativas aos Impostos sobre a Produção e o Consumo, bem como as Sanções Penais e Administrativas), de 26 de outubro de 1995 (suplemento ordinário da GURI n.o 279, de 29 de novembro de 1995) (a seguir «Decreto Legislativo n.o 504/1995») dispõe:

«1.      O imposto especial de consumo é reembolsado quando tiver sido indevidamente pago; as regras para o reembolso referidas neste artigo são igualmente aplicáveis aos pedidos relativos às facilidades concedidas através da restituição, total ou parcial, do imposto especial de consumo pago, ou através de outros meios previstos pelas normas que regem cada uma das facilidades.

2.      Sem prejuízo do disposto no artigo 7.o, n.o 1, alínea e), e no artigo 10.o‑B, n.o 1, alínea d), o reembolso deve ser pedido, sob pena de caducidade, no prazo de dois anos a contar da data do pagamento ou da data em que o respetivo direito possa ser exercido.

[…]

4.      No caso de, no final de um processo judicial, o sujeito obrigado ao pagamento do imposto especial de consumo ser condenado a restituir a terceiros os montantes indevidamente cobrados na sequência da repercussão do imposto especial de consumo, o reembolso é pedido pelo obrigado ao pagamento referido, sob pena de caducidade, no prazo de 90 dias a contar do trânsito em julgado da decisão que ordena o reembolso dos montantes.»

9        O artigo 16.o, n.o 3, deste Decreto Legislativo enuncia:

«Os créditos dos sujeitos passivos e dos titulares de licenças de exploração de depósitos comerciais de produtos energéticos, após o pagamento do imposto, sobre os adquirentes dos produtos relativamente aos quais pagaram aquele imposto, podem ser repercutidos na faturação […]»

10      O artigo 53.o do referido decreto legislativo prevê:

«1.      Estão obrigadas ao pagamento do imposto especial de consumo de eletricidade:

a)      As entidades que faturam a eletricidade aos consumidores finais […]

[…]»

 Litígios no processo principal e questões prejudiciais

11      A Gabel Industria Tessile e a Canavesi são duas sociedades de direito italiano que celebraram contratos, respetivamente, com a A2A Energia e com a Energit para o fornecimento de eletricidade aos seus locais de produção.

12      A Gabel Industria Tessile e a Canavesi pagaram, relativamente a 2010 e 2011, os montantes devidos ao abrigo desses contratos com inclusão de um imposto adicional, o qual estava previsto, antes de ser revogado em 1 de abril de 2012, no artigo 6.o do DecretoLei n.o 511/1988 e acrescia ao imposto especial de consumo de eletricidade.

13      Em 2020, as demandantes intentaram duas ações cíveis contra os seus fornecedores no Tribunale di Como (Tribunal de Primeira Instância de Como, Itália), o aqui órgão jurisdicional de reenvio, que determinou a sua apensação, nas quais pedem o reembolso dos montantes pagos a título de imposto adicional por incompatibilidade das disposições nacionais que instituíram esse imposto com o direito da União.

14      Esse órgão jurisdicional refere que, após a prolação do Acórdão de 25 de julho de 2018, Messer France (C‑103/17, EU:C:2018:587), a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália) declarou que o imposto adicional ao imposto especial de consumo de eletricidade, previsto, antes de ser revogado, no artigo 6.o do Decreto‑Lei n.o 511/1988, não tinha um fim específico e, portanto, era contrário ao artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118.

15      O órgão jurisdicional de reenvio refere com precisão que o Decreto legislativo n.o 48 — Attuazione della direttiva 2008/118/CE relativa al regime generale delle accise e che abroga la direttiva 92/12/CEE (Decreto Legislativo n.o 48 que dá execução à Diretiva 2008/118/CE relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE), de 29 de março de 2010 (GURI n.o 75, de 31 de março de 2010), não alterou o artigo 6.o do Decreto‑Lei n.o 511/1988.

16      O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que os dois litígios que lhe foram submetidos fazem parte de um conjunto de processos pendentes, relativos ao destino dos montantes indevidamente pagos no período compreendido entre o termo do prazo concedido aos Estados‑Membros para transporem a Diretiva 2008/118 e o momento em que o legislador italiano decidiu revogar o imposto adicional ao imposto especial de consumo de eletricidade.

17      A este respeito, as instâncias judiciais italianas adotaram duas orientações diferentes.

18      Segundo uma primeira corrente jurisprudencial — que, a ser seguida, levaria à improcedência dos pedidos de reembolso desse imposto — o órgão jurisdicional, num litígio entre particulares, não pode deixar de aplicar uma disposição nacional incompatível com uma diretiva da União, sob pena de reconhecimento do designado «efeito direto horizontal» a essa diretiva, não admitido pelo Tribunal de Justiça.

19      A segunda corrente jurisprudencial — que, a ser seguida, leva à procedência dos pedidos — baseia‑se na obrigação de, a partir do termo do prazo de transposição da diretiva em causa, interpretar o direito interno à luz do texto e da finalidade desta diretiva para atingir os resultados que a mesma preconiza. Segundo esta corrente, tal obrigação equivale a reconhecer que o princípio do efeito direto apenas vertical das diretivas europeias não obsta a que se constate o caráter indevido de um pagamento numa relação horizontal «de repercussão», em virtude da conexão dessa relação com a relação fiscal, na qual é diretamente aplicável a proibição imposta pelo direito da União.

20      Nestas circunstâncias, o Tribunale di Como (Tribunal de Primeira Instância de Como) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      O sistema das fontes do direito da União Europeia em geral e, especificamente, o artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE, opõe‑se a que o órgão jurisdicional nacional, num litígio entre particulares, não aplique uma disposição do direito interno contrária a uma disposição clara, precisa e incondicional de uma diretiva não transposta ou não corretamente transposta, com a consequência de impor uma obrigação adicional a um particular, quando isso constitua, segundo o sistema normativo nacional (artigo 14.o, n.o 4, do [Decreto Legislativo] n.o 504/1995), o pressuposto para que este último possa invocar contra o Estado os direitos que lhe são conferidos pela referida diretiva?

2.      O princípio da efetividade opõe‑se a uma legislação nacional (artigo 14.o, n.o 4, do [Decreto Legislativo] n.o 504/1995) que não permite ao consumidor final pedir diretamente ao Estado o reembolso do imposto indevido, reconhecendo‑lhe apenas a faculdade de intentar uma ação cível de repetição do indevido contra o sujeito passivo, [o] único com legitimidade para obter o reembolso da Administração Fiscal, quando o fundamento exclusivo de ilegalidade do imposto, ou seja, a incompatibilidade com uma diretiva da União, só puder ser invocado na relação entre a pessoa obrigada ao pagamento e a Administração Fiscal mas não na relação entre o primeiro e o consumidor final, impedindo assim, de facto, que o reembolso se concretize ou, para garantir o cumprimento do princípio referido, deve reconhecer‑se, nesse caso, a legitimidade direta do consumidor final relativamente ao Estado, em caso de impossibilidade ou dificuldade excessiva em obter do fornecedor o reembolso do imposto indevidamente pago?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

21      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional não aplique, num litígio entre particulares, uma norma nacional que institui um imposto contrário a uma disposição clara, precisa e incondicional de uma diretiva não transposta ou incorretamente transposta.

22      A este respeito, importa recordar que, por força do artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE, o caráter vinculativo de uma diretiva em que se baseia a possibilidade de a invocar só existe relativamente ao «Estado‑Membro destinatário». Daqui resulta, segundo jurisprudência constante, que uma diretiva não pode, por si só, criar obrigações na esfera jurídica de um particular nem pode, por conseguinte, ser invocada enquanto tal contra essa pessoa perante um órgão jurisdicional nacional (Acórdão de 22 de dezembro de 2022, Sambre & Biesme e Commune de Farciennes, C‑383/21 e C‑384/21, EU:C:2022:1022, n.o 36 e jurisprudência referida).

23      No entanto, importa recordar, em primeiro lugar, que o direito da União não se opõe a que um Estado‑Membro exerça a sua competência quanto à forma e aos meios para atingir os resultados fixados pela referida diretiva ao prever, na sua legislação nacional, que, decorrido o prazo de transposição, as disposições claras, precisas e incondicionais de uma diretiva não transposta ou incorretamente transposta integram o seu ordenamento jurídico interno e que, por conseguinte, essas disposições podem ser invocadas por um particular contra outro particular. Com efeito, nessa situação, a obrigação assim imposta aos particulares não tem fundamento no direito da União mas sim no direito nacional, e não constitui, portanto, uma obrigação adicional relativamente às previstas nesse direito (v., neste sentido, Acórdão de 18 de janeiro de 2022, Thelen Technopark Berlin, C‑261/20, EU:C:2022:33, n.o 32 e jurisprudência referida).

24      Assim, muito embora, por força do direito da União, uma diretiva não possa, por si só, criar obrigações para um particular e não possa, portanto, ser invocada, enquanto tal, contra este perante um órgão jurisdicional nacional, em contrapartida, um Estado‑Membro pode conferir aos órgãos jurisdicionais nacionais o poder de não aplicar, com base no seu direito interno, qualquer disposição do direito nacional contrária a uma disposição do direito da União que não tenha efeito direto (v., neste sentido, Acórdão de 18 de janeiro de 2022, Thelen Technopark Berlin, C‑261/20, EU:C:2022:33, n.o 33).

25      Assim, não obstante a inexistência de efeito horizontal de uma diretiva, o órgão jurisdicional nacional pode permitir a um particular invocar a ilegalidade de um imposto que lhe foi indevidamente repercutido por um vendedor, em conformidade com a faculdade que a legislação nacional lhe reconhece, a fim de obter a neutralização do encargo económico adicional que, a final, teve de suportar, se essa possibilidade estiver prevista na legislação nacional, o que, no processo principal, compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.

26      Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça reconheceu que os sujeitos de direito podem invocar disposições incondicionais e suficientemente precisas de uma diretiva não apenas contra um Estado‑Membro e todos os órgãos da sua Administração, mas também contra organismos ou entidades que estejam sujeitos à autoridade ou ao controlo do Estado ou que disponham de poderes que exorbitam dos que resultam das normas aplicáveis nas relações entre particulares (v., neste sentido, Acórdão de 10 de outubro de 2017, Farrell, C‑413/15, EU:C:2017:745, n.o 33 e jurisprudência referida). No caso em apreço, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio proceder às verificações necessárias para determinar se os fornecedores em causa pertencem a uma dessas categorias.

27      Em face do exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional não aplique, num litígio entre particulares, uma norma nacional que institui um imposto indireto contrário a uma disposição clara, precisa e incondicional de uma diretiva não transposta ou incorretamente transposta, salvo se o direito interno dispuser em contrário ou se a entidade contra a qual é invocada a contrariedade do referido imposto estiver sujeita à autoridade ou ao controlo do Estado ou detiver poderes que exorbitam dos que resultam das normas aplicáveis nas relações entre particulares.

 Quanto à segunda questão

28      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o princípio da efetividade deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não permite ao consumidor final pedir diretamente ao Estado‑Membro o reembolso do encargo económico adicional que suportou em razão da repercussão operada por um fornecedor, em conformidade com uma faculdade que a legislação nacional lhe reconhece, de um imposto que o próprio fornecedor tinha pago indevidamente, mas que permite apenas a esse consumidor intentar uma ação cível de repetição do indevido contra tal fornecedor, quando o caráter indevido desse pagamento seja consequência de o referido imposto ser contrário a uma disposição clara, precisa e incondicional de uma diretiva não transposta ou incorretamente transposta, e quando, devido à impossibilidade de invocar enquanto tal uma diretiva num litígio entre particulares, este fundamento de ilegalidade não possa ser validamente invocado no âmbito dessa ação.

29      A este respeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros têm, em princípio, de reembolsar os impostos e os direitos cobrados em violação do direito da União, uma vez que o direito de obter o reembolso desses impostos é, com efeito, a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares pelas disposições do direito da União que proíbem tais impostos (Acórdão de 20 de outubro de 2011, Danfoss e Sauer‑Danfoss, C‑94/10, EU:C:2011:674, n.o 20 e jurisprudência referida).

30      Contudo, por exceção ao princípio do reembolso de impostos incompatíveis com o direito da União, a restituição de direitos indevidamente cobrados só pode ser recusada quando dessa restituição resultar um enriquecimento sem causa de quem se sub‑roga no direito, isto é, quando se demonstrar que a pessoa obrigada ao pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutra pessoa (v., neste sentido, Acórdão de 20 de outubro de 2011, Danfoss e Sauer‑Danfoss, C‑94/10, EU:C:2011:674, n.o 21 e jurisprudência referida).

31      Com efeito, nessas condições, não foi o sujeito passivo que suportou o encargo do imposto indevidamente cobrado, mas sim o comprador sobre quem o encargo foi repercutido. Assim, reembolsar ao sujeito passivo o montante do imposto que já recebeu do comprador equivaleria, para ele, a um duplo pagamento suscetível de ser qualificado de enriquecimento sem causa, sem que isso sanasse as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador (v., neste sentido, Acórdão de 20 de outubro de 2011, Danfoss e Sauer‑Danfoss, C‑94/10, EU:C:2011:674, n.o 22 e jurisprudência referida).

32      Em contrapartida, nesta mesma situação, importa evitar que o Estado‑Membro em causa retire um benefício da violação do direito da União. Assim, uma vez que a referida repercussão foi efetuada em conformidade com uma faculdade que a legislação nacional reconhece aos fornecedores e que, por conseguinte, o comprador suportou, indevidamente e a final, esse encargo económico adicional, este último deve ter a possibilidade de obter o seu reembolso quer diretamente junto do referido Estado‑Membro quer junto do sujeito passivo vendedor. Neste último caso, o sujeito passivo deve então ter a possibilidade de pedir ao Estado‑Membro a compensação do reembolso que teve de efetuar.

33      Feita esta precisão, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante, não havendo regulamentação da União na matéria, cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro prever as normas processuais concretas para o exercício do direito de obter o reembolso do referido encargo económico (v., por analogia, Acórdão de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C‑35/05, EU:C:2007:167, n.o 37), entendendo‑se que essas normas devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de junho de 2004, Recheio — Cash & Carry, C‑30/02, EU:C:2004:373, n.o 17, e de 6 de outubro de 2005, MyTravel, C‑291/03, EU:C:2005:591, n.o 17).

34      Concretamente, se esse reembolso se revelar impossível ou excessivamente difícil de obter dos fornecedores em causa, o princípio da efetividade exige que o consumidor final esteja em condições de dirigir o seu pedido de reembolso diretamente ao Estado‑Membro em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C‑35/05, EU:C:2007:167, n.o 41, e de 26 de abril de 2017, Farkas, C‑564/15, EU:C:2017:302, n.o 53).

35      No caso em apreço, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, em conformidade com o artigo 53.o do Decreto Legislativo de 26 de outubro de 1995, o imposto adicional ao imposto especial de consumo de eletricidade devia ser pago pelos fornecedores de eletricidade, mas que, em seguida, estes o repercutiram diretamente nos consumidores finais, em conformidade com a faculdade que lhes era reconhecida pelo artigo 16.o, n.o 3, do Decreto Legislativo n.o 504/1995. Ora, segundo as indicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, esse decreto legislativo prevê que os consumidores finais não podem pedir diretamente ao Estado‑Membro em causa o reembolso do encargo económico adicional que tiveram, assim, de suportar indevidamente, mas que devem apresentar esse pedido exclusivamente aos referidos fornecedores.

36      Dado que, como resulta do n.o 22 do presente acórdão, uma disposição incorretamente transposta ou não transposta de uma diretiva, mesmo que seja clara, precisa e incondicional, não pode, por si só, criar uma obrigação suplementar a cargo de um particular relativamente às obrigações previstas na legislação nacional e, portanto, não pode ser invocada enquanto tal contra ele, daí resulta que, numa situação como a que está em causa no processo principal, os consumidores finais estão juridicamente impossibilitados de invocar contra os fornecedores de eletricidade a incompatibilidade do imposto adicional ao imposto especial de consumo de eletricidade com as disposições da Diretiva 2008/118 e, por conseguinte, de obter o reembolso do encargo económico adicional criado por esse imposto que tiveram de suportar devido ao facto de a República Italiana não ter transposto corretamente esta diretiva.

37      Por conseguinte, tendo em conta as informações fornecidas ao Tribunal de Justiça quanto às características da legislação nacional em causa no processo principal e sem prejuízo da sua verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, deve concluir‑se que essa legislação, ao não permitir a um consumidor final pedir diretamente ao Estado‑Membro o reembolso do encargo económico adicional que suportou devido à repercussão, efetuada por um fornecedor com base numa faculdade que a legislação nacional lhe reconhece, de um imposto que o próprio fornecedor pagou indevidamente ao referido Estado‑Membro, viola o princípio da efetividade.

38      Resulta do exposto que importa responder à segunda questão que o princípio da efetividade deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não permite ao consumidor final pedir diretamente ao Estado‑Membro o reembolso do encargo económico adicional que esse consumidor suportou devido à repercussão operada por um fornecedor, em conformidade com uma faculdade que a legislação nacional lhe reconhece, de um imposto que o próprio fornecedor tinha pago indevidamente, permitindo apenas a esse consumidor que intente uma ação cível de repetição do indevido contra tal fornecedor, quando o caráter indevido desse pagamento resultar de o referido imposto ser contrário a uma disposição clara, precisa e incondicional de uma diretiva não transposta ou incorretamente transposta, e quando, devido à impossibilidade de invocar, enquanto tal, uma diretiva num litígio entre particulares, este fundamento de ilegalidade não possa ser validamente invocado no âmbito dessa ação.

 Quanto às despesas

39      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

1)      O artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional não aplique, num litígio entre particulares, uma norma nacional que institui um imposto indireto contrário a uma disposição clara, precisa e incondicional de uma diretiva não transposta ou incorretamente transposta, salvo se o direito interno dispuser em contrário ou se a entidade contra a qual é invocada a contrariedade do referido imposto estiver sujeita à autoridade ou ao controlo do Estado ou detiver poderes que exorbitam dos que resultam das normas aplicáveis nas relações entre particulares.

2)      O princípio da efetividade deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não permite ao consumidor final pedir diretamente ao EstadoMembro o reembolso do encargo económico adicional que esse consumidor suportou devido à repercussão operada por um fornecedor, em conformidade com uma faculdade que a legislação nacional lhe reconhece, de um imposto que o próprio fornecedor tinha pago indevidamente, permitindo apenas que esse consumidor intente uma ação cível de repetição do indevido contra tal fornecedor, quando o caráter indevido desse pagamento resultar de o referido imposto ser contrário a uma disposição clara, precisa e incondicional de uma diretiva não transposta ou incorretamente transposta, e quando, devido à impossibilidade de invocar, enquanto tal, uma diretiva num litígio entre particulares, este fundamento de ilegalidade não possa ser validamente invocado no âmbito dessa ação.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.