Language of document : ECLI:EU:T:2007:196

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

4 de Julho de 2007 (*)

«Auxílios de Estado – Telefonia móvel – Modificação das taxas devidas pela Orange France e pela SFR respeitantes às licenças UMTS – Decisão que declara a inexistência de um auxílio de Estado»

No processo T‑475/04,

Bouygues SA, com sede em Paris (França),

Bouygues Télécom SA, com sede em Boulogne‑Billancourt (França),

representadas por L. Vogel, J. Vogel, B. Amory, A. Verheyden, F. Sureau e D. Théophile, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por J. L. Buendia Sierra e C. Giolito, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por

República Francesa, representada por G. de Bergues e S. Ramet, na qualidade de agentes,

por

Société française du radiotéléphone – SFR, com sede em Paris (França), representada por C. Vajda, QC, e A. Vincent, advogado,

e por

Orange France SA, com sede em Montrouge (França), representada por A. Gosset‑Grainville e S. Hautbourg, advogados,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão da Comissão de 20 de Julho de 2004 (Auxílio de Estado NN 42/2004 – França), relativa à modificação das taxas devidas pela Orange e pela SFR respeitantes às licenças UMTS (Universal Mobile Telecommunications System),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: H. Legal, presidente, I. Wiszniewska‑Białecka e E. Moavero Milanesi, juízes,

secretário: E. Coulon,

vistos os autos e após a audiência de 14 de Março de 2007,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        Nos termos do artigo 87.°, n.° 1, CE:

«Salvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.»

2        Os diplomas de direito derivado aplicáveis à data dos factos eram a Directiva 97/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Abril de 1997, relativa a um quadro comum para autorizações gerais e licenças individuais no domínio dos serviços de telecomunicações (JO L 117, p. 15), e a Decisão n.° 128/1999/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Dezembro de 1998, relativa à introdução coordenada de um sistema de comunicações móveis e sem fios (UMTS) de terceira geração na Comunidade (JO 1999, L 17, p. 1).

3        A Directiva 97/13 prevê no seu artigo 3.°, n.° 3:

«[…] Os Estados‑Membros apenas podem emitir uma licença individual quando o beneficiário aceder a recursos escassos, físicos ou de outra natureza, ou estiver sujeito a obrigações especiais ou gozar de direitos especiais […]»

4        O artigo 8.°, n.° 4, da Directiva 97/13 dispõe:

«Os Estados‑Membros podem alterar as condições associadas a uma licença individual em casos objectivamente justificados e de modo proporcionado. Para o efeito, devem anunciar com a devida antecedência a sua intenção de o fazer e permitir que as partes interessadas apresentem as suas observações sobre as alterações previstas.»

5        O artigo 9.°, n.° 2, da Directiva 97/13 prevê:

«Caso um Estado‑Membro tencione conceder licenças individuais, deve fazê‑lo:

–        através de procedimentos abertos, não discriminatórios e transparentes e, para esse efeito, deve submeter todos os requerentes ao mesmo procedimento, a menos que exista um motivo objectivo para diferenciação […]»

6        O artigo 10.°, n.os 3 e 4, da Directiva 97/13 dispõe:

«3. Os Estados‑Membros devem conceder licenças individuais com base em critérios de selecção objectivos, não discriminatórios, proporcionais, transparentes e pormenorizados. A selecção deve ter em devida conta a necessidade de promover o desenvolvimento da concorrência e maximizar os benefícios para os utilizadores.

Os Estados‑Membros devem zelar por que as informações relativas a esses critérios sejam previamente publicadas de um modo adequado, por forma a facilitar o acesso a essas informações. Deve ser feita referência à publicação dessas informações na publicação oficial do Estado‑Membro em causa.

4. Caso um Estado‑Membro constate, por iniciativa própria ou na sequência de um pedido de uma empresa, quer à data da entrada em vigor da presente directiva quer posteriormente, que o número de licenças individuais pode ser aumentado, deverá publicar esse facto e lançar um convite à apresentação de pedidos de novas licenças.»

7        O artigo 11.°, n.° 2, da Directiva 97/13 prevê:

«[…] [Q]uando forem utilizados recursos escassos, os Estados‑Membros poderão permitir que as suas autoridades reguladoras nacionais imponham encargos que reflictam a necessidade de assegurar a utilização óptima desses recursos. Esses encargos devem ser não discriminatórios e devem ter particularmente em conta a necessidade de fomentar o desenvolvimento de serviços inovadores e a concorrência.»

8        A Decisão n.° 128/1999, que, nos termos do seu artigo 1.°, tem por objectivo «facilitar a introdução rápida e coordenada de redes e serviços UMTS compatíveis entre si na Comunidade», refere no seu artigo 3.°, n.° 1:

«Os Estados‑Membros tomarão todas as medidas necessárias para, nos termos do artigo 1.° da Directiva 97/13/CE, permitir a introdução coordenada e progressiva de serviços UMTS no seu território o mais tardar a partir de 1 de Janeiro de 2002 e instituirão nomeadamente um sistema de autorizações para o UMTS o mais tardar em 1 de Janeiro de 2000.»

9        Em França, o artigo L. 33‑1 do code des postes et télécommunications, na redacção em vigor à data dos factos, prevê:

«I – O estabelecimento e exploração de redes acessíveis ao público são autorizados pelo Ministro responsável pelas telecomunicações.

Esta autorização pode apenas ser recusada na medida do necessário para a salvaguarda da ordem pública ou das exigências da defesa ou da segurança pública, por causa das limitações técnicas inerentes à disponibilidade das frequências ou quando o requerente não disponha de capacidade técnica ou financeira para assumir de forma duradoura as obrigações resultantes do exercício da sua actividade, ou lhe tenha sido aplicada uma das sanções previstas nos artigos L. 36‑11, L. 39, L. 39‑1, L. 39‑2 e L. 39‑4.

A autorização está sujeita à aplicação das regras contidas num caderno de encargos que incidem sobre:

[…]

h)      A utilização das frequências alocadas e as taxas devidas a esse título, bem como pelos custos da respectiva gestão e do seu controlo.

[…]

A autorização é emitida pelo prazo de quinze anos.

[…]

V – O número de autorizações pode ser limitado em função das limitações técnicas inerentes à disponibilidade das frequências.

Neste caso, o Ministro responsável pelas telecomunicações publica, sob proposta da Autorité de régulation des télécommunications [autoridade reguladora para as telecomunicações], as modalidades e condições de atribuição das autorizações.

A alocação de frequências deve em qualquer caso permitir que sejam asseguradas condições de concorrência efectiva.»

 Antecedentes do litígio

10      Em França, na vigência da Lei n.° 96‑659, de 26 de Julho de 1996, de regulamentação das telecomunicações (JORF de 27 de Julho de 1996, p. 11384), em vigor à data dos factos, o estabelecimento e a exploração de redes de acesso público eram implementados sob proposta da autoridade reguladora para as telecomunicações (Autorité de régulation des télécommunications, a seguir «ART»), recentemente criada, que instruía os pedidos de autorizações, que depois eram emitidas pelo Ministro da Indústria, dos Correios e das Telecomunicações.

11      Tendo o Governo francês anunciado, em 6 de Junho de 2000, a sua intenção de atribuir quatro licenças para a introdução de sistemas de comunicações móveis e sem fios (UMTS, Universal Mobile Telecommunications System) de terceira geração, o Ministro da Indústria, dos Correios e das Telecomunicações, em conformidade com as disposições então em vigor, publicou no JORF de 18 de Agosto de 2000 a decisão da ART n.° 00‑835, de 28 de Julho de 2000, que propunha as modalidades e condições de atribuição das autorizações para a introdução na França metropolitana dos sistemas móveis de terceira geração, o que implicou a abertura de um concurso. Resulta dos anexos a essa publicação, por um lado, que a atribuição das autorizações, que conduziu à concessão a um número limitado de operadores de uma vantagem que consistia na ocupação do domínio público hertziano, devia dar lugar ao pagamento de uma taxa no montante total acumulado de 32,5 mil milhões de francos franceses (4,954 593 mil milhões de euros), a pagar durante o prazo de vigência da licença, que é de quinze anos. Por outro lado, a data‑limite para a apresentação das candidaturas foi fixada em 31 de Janeiro de 2001, podendo os candidatos retirar as suas candidaturas até 31 de Maio de 2001.

12      Em 31 de Janeiro de 2001, a ART referiu, num comunicado de imprensa, que apenas dois dossiers tinham sido apresentados, a saber, os da Société française du radiotéléphone – SFR (a seguir «SFR») e da société France Télécom mobiles (que passou a ser, alguns meses depois, a sociedade Orange France, a seguir «Orange»), e que lhe parecia necessário proceder à abertura de outro concurso para assegurar uma verdadeira concorrência.

13      Perante isto, o presidente e director‑geral da France Télécom e o da Vivendi Universal (de que a SFR é filial) chamaram a atenção do Ministro da Economia e das Finanças e do Secretário de Estado da Indústria para a necessidade de respeitar os princípios da igualdade face aos encargos públicos e da concorrência efectiva entre os operadores aquando da decisão sobre as condições para a atribuição das futuras licenças.

14      Por dois ofícios de 22 de Fevereiro de 2001, idênticos nos seus termos, o Ministro da Economia e das Finanças e o Secretário de Estado da Indústria responderam aos dirigentes das empresas em causa que o governo partilhava com eles esse duplo objectivo (respeito pelos princípios da igualdade face aos encargos públicos e da concorrência efectiva entre operadores) e que «as modalidades dos novos concursos que ser[iam] propostas pela ART e pelo governo garantir[iam] um tratamento igualitário dos operadores a quem no final ser[iam] atribuídas licenças».

15      Sem esperar pela abertura do novo concurso, foram emitidas as duas primeiras licenças no mês de Julho de 2001. Através de dois despachos de 18 de Julho de 2001 (publicados no JORF de 21 de Agosto de 2001), o Secretário da Estado da Indústria (que na altura era também responsável pelas telecomunicações) autorizou a Orange e a SFR a estabelecer e a explorar uma rede radioeléctrica de terceira geração acessível ao público conforme com a norma UMTS e a prestar o serviço telefónico ao público, tendo a autorização sido concedida pelo período de quinze anos. Os cadernos de encargos anexos aos despachos previam, nomeadamente, que as taxas de disponibilização e de gestão das frequências UMTS seriam liquidadas, ao abrigo do disposto no artigo 36.° da lei do orçamento de 2001 (loi de finances pour l’année 2001), no montante de 4,954 593 mil milhões de euros (32 502 000 000 de francos franceses) (lei do orçamento publicada no JORF de 31 de Dezembro de 2000). Resulta do artigo 36.° desta lei que o primeiro pagamento vencia em 31 de Setembro de 2001 e o último em 30 de Junho de 2016.

16      O novo concurso, cujo objectivo era a concessão das duas autorizações não atribuídas, foi lançado através da publicação pelo Ministro responsável pelas telecomunicações da decisão da ART n.° 01‑1202, de 14 de Dezembro de 2001, que propunha as modalidades e condições de atribuição das autorizações para a introdução dos sistemas móveis de terceira geração na França metropolitana. Nessa decisão, a ART referia, nomeadamente, que «as condições deste [segundo] concurso [se inscreviam] na continuidade das do primeiro e [se destinavam a] assegurar, em particular, o respeito pelo princípio da igualdade entre operadores». Recomendava igualmente a adaptação dos encargos financeiros que impendem sobre os titulares das licenças e o prolongamento da duração das mesmas.

17      As condições financeiras aplicáveis às autorizações foram, assim, revistas pelo artigo 33.° da lei do orçamento de 2002 (loi de finances pour 2002) (publicada no JORF de 28 de Dezembro de 2001), que alterou o artigo 36.° da lei do orçamento de 2001, referido no n.° 15 supra, de modo a prever que a taxa a pagar pela vantagem que advém da ocupação do domínio público hertziano seria dividida em duas fracções: a primeira, no montante de 619 209 795,27 euros, a pagar no dia 30 de Setembro do ano da emissão da autorização, ou aquando da emissão no caso de esta ocorrer depois de 30 de Setembro, e a segunda, a pagar anualmente, até 30 de Junho do ano em curso, pela utilização das frequências durante o ano, calculada em percentagem do volume de negócios realizado com base nas referidas frequências.

18      O Ministro responsável pelas telecomunicações publicou no JORF de 29 de Dezembro de 2001 um aviso relativo ao pagamento das taxas devidas pela utilização das frequências alocadas aos titulares das licenças que reproduzia as novas condições financeiras resultantes da lei do orçamento.

19      Na data‑limite fixada para a entrega das candidaturas, ou seja, em 16 de Maio de 2002, tinha sido apresentada uma única candidatura, da sociedade Bouygues Télécom (a seguir «Bouygues Télécom»), filial do grupo Bouygues. A ART deu início ao procedimento de instrução no âmbito do qual a terceira licença iria ser atribuída à Bouygues Télécom (v. n.° 21 infra). A quarta licença não pôde ser atribuída por falta de candidatos.

20      Paralelamente, em 4 de Outubro de 2002, a Bouygues e a Bouygues Télécom denunciaram à Comissão um conjunto de medidas de auxílio que teriam sido tomadas pelas autoridades francesas em favor da France Télécom, entre as quais a modificação das taxas devidas pela Orange e pela SFR, anunciada pelo governo aquando da discussão da lei do orçamento de 2002.

21      Por despacho de 3 de Dezembro de 2002 (publicado no JORF de 12 de Dezembro de 2002, p. 20490), o Ministro encarregado da Indústria autorizou a Bouygues Télécom a estabelecer e a explorar uma rede radioeléctrica de terceira geração acessível ao público conforme com a norma UMTS e a prestar o serviço telefónico ao público. A autorização, concedida por 20 anos, reproduz as condições financeiras relativas às taxas de disponibilização e de gestão das frequências referidas nos n.os 17 e 18 supra.

22      Acresce que, por meio de dois outros despachos de 3 de Dezembro de 2002 (igualmente publicados no JORF de 12 de Dezembro de 2002), relativos, respectivamente, à Orange e à SFR, o Ministro encarregado da Indústria modificou os despachos de 18 de Julho de 2001, referidos no n.° 15 supra, e os cadernos de encargos anexos a estes, especialmente para alterar a duração da autorização para 20 anos e substituir as disposições relativas às taxas de disponibilização e de gestão das frequências por disposições idênticas às aplicadas à Bouygues Télécom, a saber, as condições financeiras alteradas descritas no n.° 17 supra, que passaram, assim, a ser consideravelmente inferiores às condições iniciais previstas pelos despachos de 18 de Julho de 2001 (v. n.° 15 supra).

23      Em 31 de Janeiro de 2003, a Comissão notificou à República Francesa a sua decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE quanto a duas medidas de auxílios relativas, respectivamente, ao regime da taxa profissional aplicável à France Télécom e a medidas financeiras implementadas pelo Estado em apoio desta empresa (JO C 57, p. 5). Estas medidas constavam entre as que foram objecto da denúncia das recorrentes, referida no n.° 20 supra. Tinham também sido objecto, em 13 de Março de 2001, de uma denúncia apresentada por uma associação de colectividades territoriais francesas.

24      Por carta de 12 de Novembro de 2003, as recorrentes interpelaram a Comissão, nos termos do artigo 232.° CE, para que desse início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, quanto à acusação respeitante à modificação das taxas devidas pela atribuição das licenças UMTS que constava da denúncia apresentada pelas mesmas. Em 11 de Dezembro de 2003, a Comissão enviou‑lhes um ofício no sentido de que aguardassem novas diligências.

25      Por requerimento registado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 21 de Fevereiro de 2004, as recorrentes intentaram uma acção com base no artigo 232.° CE (processo T‑81/04).

26      Em 20 de Julho de 2004, a Comissão adoptou a Decisão «Auxílio de Estado NN 42/2004 – França» (a seguir «decisão recorrida»), notificada à República Francesa, relativa à modificação das taxas devidas pela Orange e pela SFR respeitantes às licenças UMTS, que constava entre as medidas objecto da denúncia apresentada pelas recorrentes em 4 de Outubro de 2002. Nesta decisão, que é objecto do presente recurso, a Comissão refere que decidiu não levantar objecções à medida objecto da denúncia relativa à modificação das taxas em causa, pelo facto de essa medida não preencher os pressupostos de que o artigo 87.°, n.° 1, CE faz depender a existência de um auxílio incompatível.

27      A Comissão considera, de forma liminar, que, tendo em conta o carácter limitado do enquadramento comunitário, o Governo francês podia definir as condições de atribuição das licenças UMTS, sem prejuízo de dever seguir um procedimento aberto, não discriminatório e transparente, e determinar a taxa ao nível adequado para atingir os objectivos definidos em conformidade com esse enquadramento, correspondendo a modificação da taxa em causa ao objectivo prosseguido de conceder o maior número possível de licenças (considerandos 20 a 24 da decisão recorrida).

28      Ao analisar a medida censurada, a Comissão considera, em primeiro lugar, que a homogeneização das condições das licenças dos três operadores em causa (que se traduz numa revisão em baixa das taxas em benefício da Orange e da SFR) decorre implicitamente das condições inicialmente acordadas, já que, uma vez que a Orange e a SFR poderiam retirar‑se, a possibilidade de lhes impor condições mais estritas seria teórica (considerando 27 da decisão recorrida).

29      Em segundo lugar, a Comissão considera que as autoridades francesas se limitaram a cumprir uma obrigação de direito comunitário, prevista pela Directiva 97/13, a saber, a aplicação de condições não discriminatórias (considerando 28 da decisão recorrida).

30      Em terceiro lugar, a Comissão considera que o direito comunitário não obriga a que as taxas devidas pelas licenças UMTS sejam fixadas a um nível correspondente ao seu pretenso valor de mercado, que os Estados‑Membros actuam no exercício das respectivas funções de regulação e que a concessão das licenças não é equiparável a uma transacção de mercado. Ao analisar se a modificação da taxa tem ou não a natureza de uma vantagem selectiva, a Comissão entende que as autoridades francesas aplicaram as mesmas condições aos operadores que obtiveram a mesma licença, com o mesmo caderno de encargos, no termo de dois procedimentos que se situam um na continuidade do outro e que não houve discriminação só pelo facto de alguns operadores terem obtido a respectiva licença um ano mais cedo (considerandos 29 a 33 da decisão recorrida). Observa, além disso, que o novo sistema tarifário que substituiu uma taxa fixa elevada por uma taxa fixa reduzida acompanhada de uma taxa anual proporcional ao volume de negócios permite ter em conta a diferente situação temporal dos operadores (considerando 34 da decisão recorrida).

31      A Comissão conclui que as autoridades francesas não concederam qualquer vantagem à Orange e à SFR, tendo antes respeitado as exigências do direito comunitário quanto ao tratamento objectivo e não discriminatório dos operadores (considerando 35 da decisão recorrida).

32      Por despacho de 14 de Fevereiro de 2005, Bouygues e Bouygues Télécom/Comissão (T‑81/04, não publicado na Colectânea), o Tribunal decidiu não conhecer do mérito dos pedidos destinados a obter a declaração de que a Comissão se absteve de tomar uma decisão sobre a acusação constante da denúncia das recorrentes, relativa à modificação das taxas devidas pela atribuição das licenças UMTS, e julgou inadmissíveis os pedidos subsidiários de anulação da decisão constante do ofício da Comissão de 11 de Dezembro de 2003, referido no n.° 24 supra.

 Tramitação processual e pedidos das partes

33      Por requerimento registado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 24 de Novembro de 2004, as recorrentes interpuseram o presente recurso ao abrigo do artigo 230.° CE.

34      Mediante três despachos de 9 de Junho de 2005, o presidente da Quarta Secção admitiu a intervenção no processo da República Francesa, da Orange e da SFR em apoio dos pedidos da Comissão.

35      Em 12 de Fevereiro de 2007, dando cumprimento ao pedido do Tribunal, as partes juntaram cópia da denúncia das recorrentes apresentada à Comissão em 4 de Outubro de 2002.

36      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas colocadas pelo Tribunal na audiência de 14 de Março de 2007.

37      A Bouygues e a Bouygues Télécom concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar solidariamente a recorrida e as intervenientes nas despesas.

38      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

39      A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

40      A Orange conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes na totalidade das despesas do processo.

41      A SFR conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes na totalidade das despesas do processo.

 Questão de direito

42      As recorrentes invocam fundamentos de três ordens. Em primeiro lugar, alegam que a decisão recorrida padece de falta de fundamentação. Em segundo lugar, sustentam que a Comissão violou o artigo 87.°, n.° 1, CE, uma vez que a modificação das taxas devidas pela Orange e pela SFR constitui um auxílio de Estado, na acepção desta disposição. Em terceiro lugar, a título subsidiário, alegam que a decisão recorrida viola o artigo 88.°, n.° 2, CE, já que, na medida em que o processo suscita dificuldades sérias, a Comissão devia ter dado início ao procedimento formal.

43      Há que começar por examinar o fundamento formal relativo à falta de fundamentação e, depois, conjuntamente, os fundamentos substanciais relativos à violação do artigo 87.°, n.° 1, CE e do artigo 88.°, n.° 2, CE.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de fundamentação da decisão recorrida

 Argumentos das partes

44      As recorrentes sustentam que a decisão recorrida não está suficientemente fundamentada, em primeiro lugar, porque não lhes permite compreender a lógica do raciocínio da Comissão no que se refere à ligação entre a possibilidade que a Orange e a SFR tinham de retirar as suas candidaturas e a dificuldade das autoridades francesas em impor‑lhes condições mais estritas. Em segundo lugar, o atraso dos dois operadores concorrentes não é um fundamento válido para se concluir pela inexistência de uma vantagem susceptível de afectar a concorrência. Em terceiro lugar, a decisão recorrida não responde às acusações enunciadas pelas recorrentes na sua denúncia, antes se limitando a indicar que as denunciantes partem de uma premissa errada, concretamente, de que a taxa deveria corresponder ao valor de mercado da licença. Em quarto lugar, a falta de fundamentação da decisão resulta igualmente da falta de diligência com que a Comissão tratou a denúncia das recorrentes.

45      A Comissão alega que a decisão recorrida está suficientemente fundamentada e que as acusações das recorrentes advêm do seu desacordo quanto à substância dos fundamentos desta decisão. Em primeiro lugar, a ligação entre a possibilidade de a Orange e a SFR retirarem as suas candidaturas e a modificação das taxas é evidente se se atender às realidades do sector envolvido. Em segundo lugar, no que se refere à alegada falta de fundamentação quanto ao facto de a concorrência não ser afectada, a Comissão observa que a decisão recorrida não se baseia nesse motivo. Em terceiro lugar, sustenta que respondeu de forma suficientemente explícita às acusações contidas na denúncia das recorrentes. Em quarto lugar, a Comissão, salientando que a denúncia das recorrentes tinha por objecto onze medidas, alega que as acusações de inércia ou de falta de diligência não têm fundamento e que, além disso, estas acusações se situam no âmbito do terceiro fundamento.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

46      Em primeiro lugar, as recorrentes, no essencial, censuram a decisão recorrida pelo facto de a mesma não conter uma fundamentação clara quanto à relação que a Comissão estabeleceu entre a faculdade de que dispunham a Orange e a SFR de retirar as suas candidaturas se não tivessem obtido das autoridades nacionais, pelos ofícios de 22 de Fevereiro de 2001 referidos no n.° 14 supra, a garantia da aplicação de uma tratamento igualitário a todos os operadores e a pretensa impossibilidade de as autoridades francesas imporem à Orange e à SFR condições financeiras mais estritas.

47      Na decisão recorrida, a Comissão assinala que a ART tinha recomendado, em 31 de Janeiro de 2001, o lançamento de um novo concurso, que devia ter em conta a exigência de igualdade de condições, nomeadamente, financeiras (considerando 9 da decisão recorrida). Salienta (considerandos 10 a 12 da decisão recorrida) que a Orange e a SFR podiam retirar as suas candidaturas até 31 de Maio de 2001 e que o Governo francês foi colocado perante a seguinte alternativa: se não garantisse aos dois operadores que lhes seria aplicado um tratamento igualitário no caso de o novo concurso aplicar um preço revisto em baixa, correria o risco de estes retirarem as suas candidaturas, enquanto que, se lhes desse a garantia de um tratamento igualitário, os dois operadores mantê‑las‑iam. A Comissão acrescenta que, para que o procedimento fosse concluído o mais rapidamente possível, as autoridades francesas optaram, em conformidade com as suas obrigações comunitárias, pela segunda solução.

48      Destas considerações resulta que a Comissão expôs de forma clara e fundamentada os dados da alternativa que, em seu entender, as autoridades francesas tinham diante de si, destacando o risco que as autoridades francesas teriam corrido de ver os seus únicos dois operadores candidatos à atribuição de uma licença UMTS retirar as respectivas candidaturas se mantivessem condições financeiras mais estritas do que as concedidas a outros potenciais candidatos. Assim sendo, a primeira acusação das recorrentes não deve ser acolhida.

49      Em segundo lugar, as recorrentes alegam que o atraso dos dois operadores concorrentes não constitui um motivo válido para concluir pela inexistência de uma vantagem susceptível de afectar a concorrência.

50      Há que observar que uma tal crítica não decorre da fundamentação da decisão recorrida, mas da procedência dos seus motivos. A sua análise enquadra‑se, assim, no âmbito da análise da legalidade substancial da decisão recorrida.

51      Em terceiro lugar, as recorrentes censuram a Comissão por não ter respondido às acusações enunciadas na sua denúncia relativas, por um lado, à renúncia a um crédito, que constitui um auxílio de Estado, alegadamente concedido pelas autoridades nacionais e, por outro, à vantagem temporal de que teriam beneficiado a Orange e a SFR.

52      Na decisão recorrida, a Comissão não se pronunciou sobre a primeira acusação, relativa à renúncia a um crédito, e afastou a segunda, relativa à vantagem temporal, com o fundamento de que, por um lado, a argumentação das denunciantes assentava numa premissa errada, segundo a qual a taxa devia corresponder ao valor de mercado da licença, que seria superior por força da vantagem temporal em causa (considerando 29 da decisão recorrida), e que, por outro, a existência de uma tal vantagem temporal não fora demonstrada (considerando 34 da decisão recorrida).

53      Importa recordar que, tratando‑se de uma decisão da Comissão que conclui pela inexistência de um auxílio de Estado revelado por um denunciante, embora a Comissão seja obrigada a expor de forma suficiente ao denunciante as razões pelas quais os elementos de facto e de direito invocados na denúncia não bastaram para demonstrar a existência de um auxílio de Estado, não é obrigada a tomar posição sobre elementos manifestamente despropositados, desprovidos de significado ou claramente secundários (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 64).

54      Acresce que, de acordo com jurisprudência assente, não se exige que a fundamentação de um acto especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, devendo esta ser apreciada à luz do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido, n.° 63 e jurisprudência aí referida). Por outro lado, está suficientemente fundamentada uma decisão que arquiva uma denúncia relativa a um auxílio de Estado com o fundamento de que a medida censurada constitui a aplicação de uma directiva e não uma tentativa de conceder um auxílio (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Abril de 2006, Deutsche Bahn/Comissão, T‑351/02, Colect., p. II‑1047, n.° 120).

55      Em primeiro lugar, há que notar que a acusação relativa à renúncia a um crédito pelo Estado, destinada a demonstrar a existência de uma transferência de recursos do Estado, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, sobre a qual a Comissão não se pronunciou na decisão recorrida, é inoperante, já que a referida decisão conclui pela inexistência de um auxílio de Estado pelo facto de a medida censurada não ter proporcionado qualquer vantagem à Orange e à SFR. Tendo a Comissão concluído pela não verificação dos pressupostos de que o artigo 87.°, n.° 1, CE faz depender a existência de um auxílio incompatível, por faltar um dos pressupostos, cumulativos, que caracterizam o conceito de auxílio de Estado na acepção desta disposição, a mesma não estava obrigada a fundamentar o arquivamento da denúncia das recorrentes face a outros pressupostos caracterizadores do mesmo conceito. De qualquer forma, esta acusação era secundária na acepção da jurisprudência já referida, na medida em que os motivos preponderantes para a Comissão, a saber, o respeito pela exigências estabelecidas pela directiva, em particular o respeito do princípio da não discriminação, tinham sido invocados para justificar a medida. Nestas condições, a instituição não pode ser censurada pelo facto de não ter respondido a esta acusação, que é simultaneamente inoperante e secundária.

56      Em segundo lugar, na decisão recorrida, a Comissão afastou o argumento da vantagem temporal por duas razões. Por um lado, a instituição entendeu que o mesmo assentava numa premissa errada das recorrentes, concretamente, de que a taxa deveria corresponder ao valor de mercado da licença e que uma licença obtida previamente tinha um valor superior. Por outro, a Comissão considerou que a análise dos factos levava a relativizar, e mesmo a afastar, esta alegada vantagem temporal, uma vez que a Orange e a SFR se tinham atrasado na implementação da rede UMTS e que a Bouygues Télécom, que podia ter aproveitado esse atraso, não foi, assim, penalizada pela alegada vantagem temporal. A Comissão acrescentou que o novo sistema de taxas permitia ter em conta a diferente situação ratione temporis dos operadores.

57      Por conseguinte, não se pode sustentar que a decisão recorrida carece de fundamentação quanto à alegada vantagem temporal, cuja existência, pelo contrário, nega por duas razões, a primeira de ordem conceptual, a segunda de carácter circunstancial. A procedência das apreciações da Comissão relativamente à existência de uma vantagem temporal não é do âmbito do controlo da fundamentação do acto, como foi recordado no n.° 50 supra, e será portanto analisada, no âmbito da fiscalização da legalidade substancial da decisão recorrida, como um dos fundamentos que permitiram concluir que a medida não tinha a natureza de auxílio de Estado.

58      Em quarto lugar, as recorrentes defendem que a falta de fundamentação da decisão recorrida devia ser relacionada com a falta de diligência imputada à Comissão no tratamento da sua denúncia.

59      Uma vez que a decisão recorrida está suficientemente fundamentada, esta acusação deverá ser afastada por inoperante. Na medida em que a falta de diligência imputada está ligada à acusação relativa à violação do artigo 88.°, n.° 2, CE, é nesse âmbito que a mesma será analisada.

60      Decorre das considerações precedentes que o primeiro fundamento, relativo à fundamentação da decisão recorrida, deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo e terceiro fundamentos, relativos, respectivamente, à violação do artigo 87.°, n.° 1, CE e do artigo 88.°, n.° 2, CE

 Argumentos das partes

61      As recorrentes sustentam que a modificação das taxas devidas pela Orange e pela SFR respeitantes às licenças UMTS constitui um auxílio de Estado, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

62      Em primeiro lugar, verifica‑se a existência de uma transferência de recursos do Estado, porque as autoridades francesas renunciaram a receber um crédito exigível.

63      Em segundo lugar, a modificação confere aos interessados uma vantagem selectiva.

64      Primeiro, não poderia ser justificada em nome do princípio da não discriminação, como refere a decisão recorrida, porquanto a Directiva 97/13 não impõe a fixação de condições idênticas para a atribuição das licenças e foram organizados dois concursos distintos para a adjudicação das licenças.

65      Segundo, esta modificação é, pelo contrário, discriminatória para a Bouygues Télécom, cuja situação é diferente das situações da Orange e da SFR.

66      Terceiro, esta vantagem selectiva foi concedida sem contrapartida. Por um lado, o Governo francês renunciou a um crédito exigível, quando os dois operadores tinham meios para pagar as taxas no montante inicialmente previsto, constituindo estas taxas, para aqueles operadores, um encargo normal e um preço justo correspondente ao valor de mercado das licenças; o abandono das suas candidaturas, no caso de esse montante se manter, era puramente hipotético. Por outro lado, o Estado fez a Orange e a SFR beneficiar de uma vantagem temporal, salientando‑se que, se a taxa fosse originariamente a que resultou da modificação, outros concorrentes teriam apresentado a respectiva candidatura. Ora, a obtenção das licenças um ano e meio antes da Bouygues Télécom permitiu à Orange e à SFR escolher os blocos de frequências mais favoráveis, apropriar‑se dos melhores locais, beneficiar de uma imagem de operador inovador em detrimento da Bouygues Télécom e conquistar quotas de mercado sem que tivessem de enfrentar uma verdadeira concorrência. O facto de todos os operadores se terem atrasado na implementação da UMTS não infirma as conclusões precedentes. Acresce que as autoridades francesas garantiram à Orange e à SFR, por ofícios de 22 de Fevereiro de 2001, que lhes seria atribuída uma licença e que beneficiariam das condições mais favoráveis do novo concurso sem lhes exigir que apresentassem uma nova candidatura.

67      Em terceiro lugar, a modificação das taxas afecta a concorrência, sendo que, segundo a jurisprudência, basta uma afectação potencial. Ora, a afectação é real, já que a Orange e a SFR tiveram a possibilidade de aplicar em outros investimentos os montantes que deviam ter servido para o pagamento das taxas. Assim, os dois operadores acederam ao mercado de UMTS de forma certa e precoce.

68      Na réplica, as recorrentes contestam, em particular, a argumentação esgrimida pela Comissão na resposta, nos termos da qual o Governo francês actuou no âmbito de prerrogativas públicas à luz de considerações de interesse geral, o que exclui a existência de uma vantagem selectiva e, logo, de um auxílio de Estado. Sustentam, primeiro, que o Estado, quando atribui licenças, exerce uma actividade económica, procurando tirar proveito da utilização do domínio público hertziano, segundo, que, mesmo no exercício de funções públicas, o Estado deve respeitar as regras da concorrência e, terceiro, que a modificação das taxas em causa não se justifica pela natureza e economia do sistema, na acepção da jurisprudência.

69      Na sua argumentação relativa à violação do princípio da não discriminação e ao carácter económico da actividade de concessão de licenças UMTS, as recorrentes alegam que a Directiva 97/13 consagra o princípio da intangibilidade dos critérios de selecção ou das condições de atribuição definidos no âmbito de um determinado procedimento e que não permite a modificação das condições de um concurso enquanto o procedimento não estiver concluído, como resulta, no caso em apreço, dos ofícios das autoridades francesas de 22 de Fevereiro de 2001. As recorrentes invocam igualmente princípios e regras aplicáveis em matéria de contratos públicos e de concessões, a saber, os princípios da transparência e da igualdade de tratamento, aplicáveis aos processos de análise comparativa das propostas, e o princípio da intangibilidade dos critérios de selecção ou das condições de atribuição nesses processos.

70      As recorrentes alegam ainda que a Comissão estava obrigada a instaurar o procedimento previsto pelo artigo 88.°, n.° 2, CE, uma vez que o processo suscita dificuldades sérias, o que a Comissão admitiu.

71      A Comissão sustenta, em primeiro lugar, no que respeita aos conceitos de vantagem selectiva e de recursos de Estado, que as recorrentes fazem uma interpretação errada do quadro jurídico aplicável. Este procede de uma lógica de regulação de mercado que exige um tratamento objectivo, não discriminatório e transparente aquando da atribuição das licenças, tendo em conta a necessidade de maximizar as vantagens para os utilizadores, de assegurar uma utilização optimizada dos recursos escassos e de facilitar o fomento da concorrência. As autoridades francesas actuaram no exercício de funções públicas, não procurando maximizar benefícios, mas assegurar o fomento de uma concorrência sã e equitativa.

72      A modificação das taxas da Orange e da SFR é perfeitamente conforme com a Directiva 97/13 e a Decisão n.° 128/1999, exigindo a directiva a aplicação de um tratamento igualitário a todas as empresas que obtêm uma licença. Assim, quando as autoridades francesas modificaram as taxas, homogeneizando as condições de todas as licenças, não concederam uma vantagem selectiva à Orange e à SFR, antes tendo adoptado medidas em função da natureza e da economia do sistema de regulação. Ora, na falta de uma vantagem selectiva, uma perda de recursos de Estado não constitui um auxílio de Estado.

73      A Comissão invoca que a Directiva 97/13 prevê a possibilidade de modificar as condições das licenças e de aumentar o respectivo número e que as directivas relativas aos contratos públicos, invocadas pelas recorrentes, não são aplicáveis ao presente caso.

74      A Comissão alega ainda que a modificação das taxas em causa não trouxe uma vantagem temporal à Orange e à SFR. Primeiro, a Comissão considera que a efectiva existência da vantagem invocada está longe de ser evidente, nada demonstrando que os blocos de frequências atribuídos aos dois primeiros operadores eram melhores. A alegada apropriação dos melhores locais pela Orange e pela SFR permitiu, pelo contrário, à Bouygues Télécom evitar ter de fazer estudos detalhados sobre esta questão. Além disso, apesar de terem obtido as suas licenças em Julho de 2001, a Orange e a SFR apenas lançaram os seus serviços UMTS aproximadamente dois anos depois de a Bouygues Télécom ter obtido a respectiva licença, atraso de que a Bouygues Télécom podia ter tirado proveito. Por último, quanto ao alegado efeito negativo na imagem de marca da Bouygues Télécom resultante do facto de não ter participado no primeiro concurso, o mesmo não é susceptível de ser imputado às autoridades francesas, antes resultando das escolhas estratégicas do interessado.

75      Segundo, mesmo admitindo que existia uma certa vantagem aparente, esta foi mais do que compensada a dois níveis. Por um lado, a taxa anual proporcional ao volume de negócios prevista nas novas modalidades de cálculo das taxas permite precisamente tomar em consideração a diferente situação temporal dos operadores. Por outro lado, qualquer eventual vantagem é fruto não de uma decisão das autoridades nacionais, mas do risco certo assumido pela Orange e pela SFR aquando do primeiro concurso, já que nada na altura permitia prever, em particular, a modificação posterior das taxas.

76      A Comissão sustenta, em segundo lugar, que a circunstância de a medida adoptada pelas autoridades francesas ter tido um impacto sobre a concorrência em nada altera a sua análise, uma vez que as medidas de regulação de um sector económico têm precisamente a finalidade expressa de actuar sobre a concorrência e, no caso concreto, a medida censurada teve efeitos positivos a esse nível.

77      Quanto às dificuldades sérias que justificaram a instauração do procedimento formal, a Comissão refere que não foi a acusação objecto do presente processo que suscitou dificuldades, mas apenas algumas outras medidas mencionadas na denúncia que a levaram a instaurar o procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE.

78      A República Francesa afirma que, quando a autoridade competente (ART) emite uma licença UMTS, está a exercer uma actividade de regulação do mercado das telecomunicações e não a agir como um agente económico, pelo que a taxa exigida a esse título não é um preço. Alega que a modificação das taxas da Orange e da SFR foi efectuada em conformidade com o princípio da não discriminação previsto pela Directiva 97/13, a fim de garantir um tratamento igualitário de todos os operadores, e que é justificável pela natureza e economia do sistema. Os ofícios das autoridades francesas de 22 de Fevereiro de 2001 limitaram‑se a especificar que o princípio da igualdade entre operadores seria respeitado. Os dois concursos sucessivos, complementares um do outro, tiveram por objectivo a atribuição de licenças equivalentes, sendo certo que a Orange e a SFR teriam podido retirar as suas ofertas e posteriormente renunciar às suas licenças e que a organização de um novo concurso teria então retardado a comercialização dos serviços UMTS, em detrimento do cumprimento dos prazos fixados pela Directiva 97/13.

79      A República Francesa defende que a modificação das taxas da Orange e da SFR não conferiu qualquer vantagem a estes operadores, sendo que a possibilidade que os mesmos tiveram de aceder mais precocemente ao mercado dos serviços UMTS resultou da atribuição das suas licenças no âmbito do primeiro concurso e não da referida modificação. Acresce que a Bouygues Télécom, que optou por não participar nesse primeiro concurso, podia compensar a alegada vantagem dos seus concorrentes. A este respeito, as recorrentes não demonstraram que os blocos de frequências atribuídos não eram equivalentes e a Bouygues Télécom, que dispunha já dos locais necessários à implementação do UMTS, podia ter tirado proveito do atraso da Orange e da SFR se não tivesse feito a escolha estratégica de optar por uma solução alternativa ao UMTS.

80      A Orange sustenta que a modificação das taxas não se revestiu de carácter selectivo. Para respeitar o princípio da não discriminação visado pela Directiva 97/13, as autoridades francesas foram obrigadas a homogeneizar as condições do primeiro concurso com as do segundo concurso, sendo que a Orange, a SFR e a Bouygues Télécom se encontravam em situações comparáveis enquanto operadores que pretendiam obter licenças idênticas. As referidas autoridades agiram na qualidade de entidades reguladoras do mercado emergente do UMTS, com o objectivo de permitir o fomento de um mercado plenamente concorrencial, em conformidade com os objectivos da Directiva 97/13.

81      A modificação das taxas não conferiu vantagens à Orange nem à SFR. A Orange alega que poderia ter retirado a sua candidatura até 31 de Maio de 2001 e que se absteve de o fazer por ter a garantia de que o princípio da equidade seria respeitado pelas autoridades francesas. A vantagem temporal invocada não foi demonstrada uma vez que a Orange e a SFR lançaram os seus serviços UMTS decorridos mais de dois anos sobre a obtenção da licença pela Bouygues Télécom. Além disso, a Bouygues Télécom, que não tinha apostado no UMTS, teria podido posicionar‑se no mercado quase ao mesmo tempo que os seus concorrentes.

82      A SFR alega que a solução acolhida pelas autoridades francesas de não anular o primeiro concurso e em alternativa lançar um segundo permitiu que todos os operadores interessados se candidatassem e que a Bouygues Télécom obtivesse uma licença mediante o pagamento de uma taxa que a satisfazia. Além disso, tendo em conta que, no total, se apresentaram três operadores a concurso para as quatro licenças a atribuir, os mesmos tinham a garantia de obter uma licença. A Orange e a SFR não beneficiaram de qualquer vantagem. Pelo contrário, foi a Bouygues Télécom que tirou proveito da sua candidatura posterior, designadamente, face às evoluções tecnológicas.

83      Acresce que as autoridades francesas não dispunham de forma irrevogável da parte do crédito a que renunciaram. A Orange e a SFR teriam podido retirar as suas candidaturas até 31 de Maio de 2001 e posteriormente podiam sempre renunciar ao benefício da autorização de ocupação do domínio público e deixar de pagar a taxa correspondente. Por outro lado, se as autoridades francesas tivessem mantido as taxas iniciais pedidas à Orange e à SFR, num montante cerca de oito vezes superior àquele de que a Bouygues Télécom beneficiou, este operador teria beneficiado de uma vantagem selectiva.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

84      O litígio centra‑se na questão de saber se, ao modificar as taxas devidas pela Orange e pela SFR respeitantes às licenças UMTS, as autoridades francesas conferiram a estes dois operadores uma vantagem que constitua um auxílio de Estado, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Com efeito, a decisão recorrida concluiu que não tinha resultado qualquer vantagem para a Orange e a SFR da modificação em causa e que, uma vez que não se encontra preenchido, assim, um dos pressupostos cumulativos que compõem o conceito de auxílio de Estado, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, a medida censurada não é um auxílio de Estado na acepção desta disposição.

85      As recorrentes invocam, no essencial, duas ordens de argumentos. Por um lado, defendem que a medida censurada comporta uma vantagem selectiva, concretamente de ordem temporal, concedida sem contrapartida, tendo as autoridades francesas renunciado a receber o que para a Orange e a SFR era um encargo normal, correspondente ao valor de mercado das licenças. Por outro, as recorrentes sustentam que a modificação da taxa em causa não podia justificar‑se pelo princípio da não discriminação, uma vez que apresentava, pelo contrário, carácter discriminatório relativamente à Bouygues Télécom.

86      Do ponto de vista procedimental, as recorrentes alegam igualmente que a denúncia que apresentaram à Comissão suscitava dificuldades sérias e que a instituição deveria por isso ter instaurado, após um primeiro exame, o procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 3, CE, por força do qual, se esta instituição considerar que um projecto de auxílio de Estado não é compatível com o mercado comum, nos termos do artigo 87.° CE, deve instaurar de imediato o procedimento previsto pelo artigo 88.°, n.° 2, CE.

87      No âmbito do procedimento previsto no artigo 88.° CE, há que distinguir, por um lado, a fase preliminar de exame dos auxílios, instituída pelo artigo 88.°, n.° 3, CE, que tem apenas por objectivo permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa, e, por outro, a fase formal de exame prevista no artigo 88.°, n.° 2, CE, que se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa sobre todos os dados do caso (acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão, C‑198/91, Colect., p. I‑2487, n.° 22; de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C‑225/91, Colect., p. I‑3203, n.° 16; e Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido, n.° 38).

88      A fase preliminar de exame instituída pelo artigo 88.°, n.° 3, CE destina‑se apenas a conceder à Comissão um prazo de reflexão e investigação suficiente para formar uma primeira opinião sobre os projectos de auxílio que lhe foram notificados, que lhe permita concluir, sem que seja necessário um exame aprofundado, se são compatíveis com o Tratado ou se, pelo contrário, suscitam dúvidas a esse respeito (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2001, Áustria/Comissão, C‑99/98, Colect., p. I‑1101, n.os 53 e 54).

89      A fase formal de exame prevista no artigo 88.°, n.° 2, CE, que permite à Comissão ficar completamente esclarecida sobre todos os dados do caso antes de tomar a sua decisão, é indispensável sempre que a Comissão se depare com dificuldades sérias para apreciar se um auxílio é compatível com o mercado comum (acórdão do Tribunal de Justiça Matra/Comissão, já referido, n.° 33).

90      Consequentemente, a Comissão só pode limitar‑se à fase preliminar de exame prevista no artigo 88.°, n.° 3, CE para adoptar a decisão de não formular objecções à execução de um auxílio se tiver adquirido a convicção, no termo desse primeiro exame, de que o projecto em causa é compatível com o Tratado.

91      Em contrapartida, se esse primeiro exame tiver levado a Comissão à convicção oposta, ou não lhe tiver permitido ultrapassar todas as dificuldades suscitadas pela apreciação da compatibilidade desse auxílio com o mercado comum, a Comissão tem o dever de se munir de todos os pareceres necessários e dar início, para o efeito, ao procedimento formal previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE (acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1984, Alemanha/Comissão, 84/82, Recueil, p. 1451, n.° 13; Cook/Comissão, já referido, n.° 29; Matra/Comissão, já referido, n.° 33; e Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido, n.° 39).

92      Uma vez que a decisão recorrida foi tomada sem que tenha sido iniciada a fase formal de exame, a Comissão só a podia adoptar legalmente se o primeiro exame da denúncia que lhe foi apresentada pelas recorrentes não revelasse qualquer dificuldade séria.

93      Importa, assim, analisar os argumentos desenvolvidos pelas recorrentes contra a decisão recorrida à luz da existência de uma dificuldade séria. Com efeito, se tais dificuldades existirem, a decisão pode ser anulada exclusivamente por esse motivo, devido à omissão do exame contraditório e aprofundado previsto pelo Tratado, mesmo que não se demonstre que as apreciações da Comissão quanto à materialidade dos factos padecem de um erro de direito ou de facto.

94      Há que examinar sucessivamente a questão da alegada existência de uma vantagem temporal que constitui um auxílio de Estado e a do respeito pelo princípio da não discriminação.

–       Quanto à existência de uma vantagem selectiva

95      Na decisão recorrida, a Comissão considerou «que não [tinha ficado] provado que a obtenção precoce da licença UMTS [tivesse conferido] uma qualquer vantagem à Orange e à SFR, susceptível de afectar a concorrência, tendo em conta os atrasos acumulados por todos os operadores na implementação da rede UMTS», e que «o novo sistema tarifário das licenças […] [podia] ser considerado mais apto a levar em conta a diferente situação ratione temporis dos operadores no específico contexto da atribuição das licenças em França» (considerando 34 da decisão recorrida).

96      Para demonstrar o carácter selectivo da modificação das taxas UMTS, as recorrentes referem que esta trouxe uma vantagem temporal à Orange e à SFR devido à anterioridade das respectivas licenças, em detrimento da Bouygues Télécom, que pagou um preço idêntico por uma licença cuja produção de efeitos foi posterior à dos seus concorrentes, o que constitui uma discriminação relativamente a esse operador.

97      Neste âmbito, as recorrentes contestam que a modificação em causa possa ser analisada como uma medida justificada pela natureza e economia do sistema, o que impediria que fosse qualificada de auxílio de Estado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, Colect., p. 357, n.° 33; de 26 de Setembro de 2002, Espanha/Comissão, C‑351/98, Colect., p. I‑8031, n.° 42; e de 14 de Abril de 2005, AEM e AEM Torino, C‑128/03 e C‑129/03, Colect., p. I‑2861, n.° 39). Do seu ponto de vista, a atribuição de licenças de telefonia móvel não constitui uma pura actividade de regulação, mas uma actividade económica.

98      A este respeito, as recorrentes alegam que as licenças UMTS têm um valor de mercado e que as autoridades nacionais, quando procedem à respectiva atribuição, actuam como um operador económico que procura retirar o melhor preço para valorizar economicamente a gestão do domínio público hertziano. Acrescentam que este preço tinha sido aceite pela Orange e pela SFR como contrapartida do direito de uso consentido sobre espaço público. Consequentemente, ao reduzir de forma significativa o montante a pagar pela taxa tal como fora inicialmente fixado, as autoridades nacionais, abdicando assim de uma parte substancial do crédito que tinham sobre os dois operadores envolvidos, procederam a uma transferência de recursos do Estado em benefício destes operadores.

99      Resulta dos autos que a taxa inicial tinha sido fixada no montante de 4,954 593 mil milhões de euros, devendo ser paga em prestações durante a vigência da licença, e que a taxa que resultou da modificação contestada passou a incluir duas fracções: a primeira, no montante de 619 209 795,27 euros, a pagar no dia 30 de Setembro do ano da emissão da autorização ou aquando da emissão no caso de esta ocorrer depois de 30 de Setembro, e a segunda, paga anualmente, até 30 de Junho do ano em curso, pela utilização das frequências durante o ano, calculada em percentagem do volume de negócios realizado com base nas referidas frequências (v. n.os 11 e 17 supra). Uma tal modificação determina, pelo menos potencialmente, uma perda de recursos do Estado consentida, no caso em apreço, pelas autoridades nacionais.

100    Decorre do acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 2003, Connect Austria (C‑462/99, Colect., p. I‑5197, n.° 93), em que estavam em causa taxas impostas a operadores que operavam em diferentes mercados de serviços de telecomunicações móveis, que as licenças têm um valor económico.

101    Da mesma forma, as licenças UMTS, que autorizam o exercício das actividades económicas de prestação de serviços de telefonia móvel no espaço hertziano e são consideradas títulos de ocupação ou de utilização do domínio público correspondente, têm um valor económico que o gestor do referido domínio é levado a ter em conta quando determina o montante das taxas que são devidas pelos operadores em causa.

102    No processo no âmbito do qual foi proferido o acórdão Aéroports de Paris/Comissão (acórdão de 12 de Dezembro de 2000, T‑128/98, Colect., p. II‑3929, n.os 120 e 121), em que estava em causa a disponibilização de instalações aeroportuárias a companhias aéreas e a prestadores de serviços e as taxas fixadas a esse título pela recorrente, na qualidade de gestora do domínio público aeroportuário, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a existência, no direito nacional, de um regime de policiamento especial do domínio público não era incompatível com o exercício no domínio público de actividades de natureza económica e que a disponibilização das instalações aeroportuárias por parte da Aéroports de Paris contribuía para a execução, no domínio público, de prestações de natureza económica e fazia parte da sua actividade económica.

103    Chamado a pronunciar‑se no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, o Tribunal de Justiça considerou que a disponibilização de instalações aeroportuárias a companhias aéreas e a diversos prestadores de serviços mediante o pagamento de uma taxa cujo nível era fixado livremente pela Aéroports de Paris devia ser considerada uma actividade de natureza económica (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2002, Aéroports de Paris/Comissão, C‑82/01 P, Colect., p. I‑9297, n.° 78).

104    Assim, o exercício de funções públicas não exclui que sejam tomados em consideração dados de ordem económica no âmbito da gestão patrimonial de um recurso público escasso como as radiofrequências que compõem o espaço público hertziano, sobre o qual pode ser conferido um direito de acesso ou um direito de utilização. Assim, os Estados‑Membros têm simultaneamente um papel de regulador das telecomunicações e de gestor do património público constituído pelo espaço hertziano.

105    A este propósito, os argumentos invocados pela Comissão na audiência, segundo os quais não existe um valor de mercado para os bens em causa por não existirem bens equivalentes nas mãos de gestores privados, não são suficientes para excluir que esses bens possam constituir um recurso de Estado.

106    Todavia, ainda que, por força do valor económico das licenças, se deva dar razão às recorrentes quanto ao facto de, no presente caso, as autoridades nacionais terem renunciado a recursos de Estado numa proporção significativa, por um lado, esta conclusão deve ser atenuada face ao tipo de crédito em causa e, por outro, essa perda de recursos não constitui necessariamente um auxílio de Estado devido à natureza e à economia do sistema.

107    Quanto ao crédito de Estado sobre a Orange e a SFR a que o mesmo renunciou, ao contrário do que defendem as recorrentes, esse crédito não era certo. Com efeito, por um lado, no âmbito do procedimento relativo ao primeiro concurso, estes dois operadores podiam ter retirado as respectivas candidaturas até 31 de Maio de 2001 caso não lhes fosse garantido que seriam tratados de forma igualitária relativamente aos outros operadores (v. ofícios de 22 de Fevereiro de 2001, referidos no n.° 14 supra) e, por outro, os referidos operadores podiam sempre renunciar posteriormente ao benefício das respectivas licenças e, consequentemente, deixar de pagar a taxa, sobretudo se se considerassem vítimas de um tratamento desigual relativamente à Bouygues Télécom.

108    Além disso, o enquadramento comunitário dos serviços das telecomunicações, tal como está organizado pela Directiva 97/13 e pela Decisão n.° 128/1999, assenta na igualdade de tratamento entre operadores para efeitos de atribuição das licenças, bem como para a determinação das eventuais taxas, e dá liberdade aos Estados‑Membros para escolherem o procedimento de concessão das licenças, desde que sejam respeitados os princípios da livre concorrência e da igualdade de tratamento. Assim, se os Estados‑Membros podem optar pelo processo de arrematação em hasta pública, podem também, como aconteceu no presente caso, optar por abrir um procedimento de selecção comparativa, uma vez que o essencial é que aos operadores seja aplicado o mesmo tratamento, nomeadamente em matéria de taxas.

109    Neste sentido, o Tribunal de Justiça, chamado a interpretar o artigo 11.°, n.° 2, da Directiva 97/13, relativo às taxas, sublinhou, no acórdão Connect Austria, já referido (n.° 90), que as taxas impostas aos diferentes operadores deviam ser equivalentes em termos económicos. Por outro lado, após ter salientado que a fixação do montante das taxas implicava apreciações complexas de ordem económica e que, por essa razão, não se podia impor às autoridades nacionais que, nesta matéria, respeitassem critérios rígidos, desde que se ativessem aos limites decorrentes do direito comunitário, o Tribunal de Justiça esclareceu que o órgão jurisdicional de reenvio devia verificar o valor económico das licenças concedidas tendo em conta, nomeadamente, a importância dos diferentes feixes de frequências atribuídos, o momento de acesso ao mercado de cada um dos operadores em causa e a importância da possibilidade de apresentar uma oferta completa de sistemas de telecomunicações móveis (n.os 92 e 93).

110    Por conseguinte, ainda que o direito de utilizar o espaço hertziano conferido aos operadores tenha um valor económico, o montante a pagar a título de taxa só pode constituir um auxílio de Estado se, tudo o mais se mantendo idêntico, houver uma diferença no preço pago por cada um dos operadores em causa, recordando‑se que, para o Tribunal de Justiça, o que deve ser levado em conta para este efeito é o momento do acesso ao mercado do ponto de vista de cada operador (acórdão Connect Austria, já referido, n.° 93). Em contrapartida, se as autoridades nacionais decidirem, de uma forma geral, que as licenças serão conferidas gratuitamente, através de arrematação em hasta pública ou ainda com base num tarifário uniforme, não se verifica a existência de um auxílio se essas modalidades forem aplicadas de forma igual a todos os operadores em causa.

111    Consequentemente, a circunstância de o Estado ter renunciado a recursos e de daí ter podido resultar uma vantagem para os beneficiários da redução da taxa não é suficiente para determinar a existência de um auxílio de Estado incompatível com o mercado comum, tendo em conta todas as especificidades do direito comunitário das telecomunicações, face ao direito comum dos auxílios de Estado. Com efeito, a renúncia do crédito aqui em causa era inevitável por força da economia do sistema, para além do facto, referido no n.° 107 supra, de o referido crédito não ser certo.

112    Assim, a circunstância, cuja existência não é necessário que o Tribunal aprecie, de a Orange e a SFR poderem pagar as taxas iniciais e de as mesmas terem considerado que essas taxas correspondiam ao preço justo das licenças é irrelevante, atendendo à natureza e à economia do sistema da Directiva 97/13 e da Decisão n.° 128/1999.

113    Importa, contudo, observar que, como alegam as recorrentes, existe objectivamente uma diferença entre a situação da Orange e da SFR e a da Bouygues Télécom quanto ao momento em que lhes foram atribuídas as respectivas licenças. É facto assente que as licenças da Orange e da SFR foram atribuídas por dois despachos de 18 de Julho de 2001 e que a Bouygues Télécom obteve a sua por despacho de 3 de Dezembro de 2002. O argumento das recorrentes de que a anterioridade das licenças da Orange e da SFR, de cerca de um ano e meio, conferiu uma vantagem aos concorrentes da Bouygues Télécom não é, numa primeira análise, desprovido de pertinência.

114    Com efeito, uma vantagem pode resultar tanto da fixação de um preço menos elevado para um bem de valor idêntico como da fixação de um preço idêntico para um bem de valor menos elevado.

115    Contudo, verifica‑se que essa vantagem potencial, no caso em apreço, não beneficiou os interessados.

116    Resulta dos autos que a Orange e a SFR, confrontadas com problemas ligados à tecnologia UMTS e com um contexto económico pouco favorável ao seu desenvolvimento, se atrasaram no lançamento dos seus serviços, que só puderam prestar em meados de 2004, no caso da SFR, e em finais de 2004, no caso da Orange, ou seja, decorridos mais de dois anos sobre a obtenção da licença pela Bouygues Télécom. Assim, não se pode deixar de concluir que os concorrentes da Bouygues Télécom, na prática, não tiraram proveito da vantagem temporal representada pela anterioridade das suas licenças para lançarem os serviços UMTS antes que a concessão da licença à Bouygues Télécom lhe permitisse lançar os seus próprios serviços. O atraso da Orange e da SFR teve, assim, por efeito neutralizar a vantagem temporal desses dois operadores.

117    Além disso, embora as recorrentes defendam que a Orange e a SFR, devido à anterioridade das suas licenças, puderam escolher blocos de frequências mais vantajosos e dispor da possibilidade de construir redes sem corte, de aumentar o campo autorizado e de diminuir o risco de interferências, bem como de facilitar os acordos entre operadores nas fronteiras, não fazem acompanhar estas afirmações de quaisquer elementos de facto que permitam comprová‑las.

118    As recorrentes alegam igualmente que a Orange e a SFR se apropriaram dos melhores locais, beneficiaram de uma imagem de operador inovador em detrimento da Bouygues Télécom e conquistaram quotas de mercado sem terem que enfrentar uma verdadeira concorrência.

119    Em primeiro lugar, no que se refere à alegada apropriação de locais, as recorrentes afirmam que, quando a Bouygues Télécom obteve as suas autorizações de emissão, já a Orange e a SFR dispunham de um grande número de autorizações concentradas nas principais cidades francesas. Tendo por verdadeiras estas afirmações, importa salientar que, atendendo às enormes diferenças, do ponto de vista das estratégias económicas e comerciais e das escolhas tecnológicas e, logo, do tipo de abordagem do mercado, existentes entre esses operadores e a Bouygues Télécom, parece difícil tirar conclusões relevantes quanto à afectação potencial da concorrência. De qualquer forma, as recorrentes não lograram demonstrar que, no momento em que a Bouygues Télécom obteve a sua licença, os melhores locais haviam já sido tomados, nem que aquela não tinha podido obter autorizações de implantação ou ainda que se tinha visto especialmente limitada, por esse motivo, na escolha dos locais necessários ao desenvolvimento dos seus serviços.

120    Em segundo lugar, quanto ao argumento de que a obtenção de uma licença em data anterior por parte dos concorrentes da Bouygues Télécom prejudicou a sua imagem de marca, deve reconhecer‑se que esse efeito não se verificou. Além disso, as intervenientes sublinham, sem que tenham sido desmentidas, que a Bouygues Télécom optou, num primeiro momento, por apostar numa tecnologia alternativa ao UMTS, tendo adiado o lançamento dos seus serviços UMTS enquanto esperava por uma versão aperfeiçoada do sistema. Perante essas diferenças de escolhas estratégicas entre operadores, não se pode considerar que o impacto da data de emissão das licenças na imagem de marca das empresas envolvidas tenha gerado diferenças significativas nas respectivas situações.

121    Em terceiro lugar, embora as recorrentes defendam que a Orange e a SFR conquistaram quotas de mercado sem terem enfrentado uma verdadeira concorrência, esta afirmação não foi fundamentada. De resto, o argumento das recorrentes não convence, atendendo à estratégia específica da Bouygues Télécom no mercado do UMTS, no âmbito do qual não é contestado que se demarca da estratégia dos dois outros operadores em causa.

122    Consequentemente, verifica‑se que, à data da decisão recorrida, a Comissão podia concluir que a Orange e a SFR não tinham, na prática, tirado proveito da vantagem temporal que constituía a anterioridade das suas licenças. Logo, a Comissão pôde considerar que a Orange e a SFR não tinham efectivamente beneficiado de uma vantagem concorrencial em detrimento da Bouygues Télécom.

123    Em qualquer caso, a vantagem virtualmente conferida à Orange e à SFR era a única forma de evitar a adopção, em violação da Directiva 97/13, de uma medida que, perante a diferença significativa entre os dois regimes de taxas sucessivamente concebidos pelas autoridades nacionais, seria discriminatória em relação a esses dois operadores, quando, por um lado, na data da modificação em causa, por força do atraso da Orange e da SFR na implementação dos seus serviços UMTS, nenhum outro operador estava presente no mercado, como já foi referido, e, por outro lado, as características das licenças dos três operadores concorrentes são idênticas.

124    Quanto a este último ponto, com efeito, as recorrentes não demonstraram que as licenças UMTS atribuídas aos três operadores apresentam diferenças do ponto de vista das suas características intrínsecas, sendo que foi já previamente referido que a anterioridade da atribuição das licenças à Orange e à SFR não teve, no presente caso, qualquer consequência desfavorável para a Bouygues Télécom.

125    Como refere, efectivamente, a Comissão, apoiada pelas intervenientes, as características dos diferentes lotes de frequências atribuídos são equivalentes, como resulta do parecer junto aos autos pelas recorrentes, relativo às modalidades e condições de atribuição de autorizações para a introdução na França metropolitana do UMTS, anexo à decisão da ART de 28 de Julho de 2000. Também não é posto em causa o funcionamento do equipamento disponível em todas as bandas de frequências. Além disso, a circunstância referida pelas recorrentes de que a Orange e a SFR constituíam blocos de frequências comuns com as suas filiais no estrangeiro é irrelevante, dado que a Bouygues Télécom não tem essas filiais.

126    Do que precede resulta que a alegada vantagem temporal não foi demonstrada e que esta análise não constitui uma dificuldade séria em face da qual a Comissão estava obrigada a instaurar o procedimento formal de investigação do auxílio invocado.

–       Quanto ao princípio da não discriminação

127    Na decisão recorrida, a Comissão considerou que, através da medida de homogeneização das taxas em causa, «as autoridades francesas [se limitaram] a dar cumprimento ao artigo 11.°, n.° 2, da Directiva 97/13, que exige que as taxas tenham um carácter não discriminatório» e que «[se limitaram] a aplicar uma obrigação decorrente do direito comunitário» (considerando 28 da decisão recorrida), ou seja, o respeito pelo princípio da não discriminação.

128    As recorrentes consideram que, para assegurar um tratamento não discriminatório dos operadores, as autoridades francesas deviam ter mantido as condições, em particular tarifárias, com base nas quais foram atribuídas as licenças à Orange e à SFR, uma vez que os dois concursos sucessivos constituíam procedimentos distintos. A este propósito, invocam as regras aplicáveis em sede de contratos públicos, nomeadamente o princípio da intangibilidade dos critérios de selecção ou das condições de atribuição, e alegam que as autoridades nacionais deviam ter anulado o primeiro concurso e recomeçado a selecção desde o início caso entendessem que era impossível manter as condições já acordadas com os operadores seleccionados num primeiro tempo.

129    Segundo jurisprudência assente, a discriminação consiste em aplicar regras diferentes a situações análogas ou em aplicar a mesma regra a situações diferentes (v., nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker, C‑279/93, Colect., p. I‑225, n.° 30, e de 13 de Fevereiro de 1996, Gillespie e o., C‑342/93, Colect., p. I‑475, n.° 16).

130    Resulta dos autos que, com o lançamento dos dois concursos referidos nos n.os 11 a 22 supra, foram atribuídas à Orange, à SFR e à Bouygues Télécom as respectivas licenças, as das duas primeiras por despachos de 18 de Julho de 2001 e a da terceira por despacho de 3 de Dezembro de 2002.

131    Ao contrário das suas concorrentes, a Orange e a SFR, a Bouygues Télécom, pelo facto de não ter apresentado uma candidatura no âmbito do primeiro concurso, devido ao montante da taxa, correu o risco de não poder implementar, ou de só o poder fazer com atraso, os seus serviços UMTS, risco esse susceptível de a prejudicar sob o ponto de vista da concorrência, em comparação com os dois outros operadores.

132    Esta diferença objectiva que resulta do facto de a Orange e a SFR terem apresentado as suas candidaturas no âmbito do primeiro concurso e de a Bouygues Télécom o ter feito no segundo deve ser ligada às condições idênticas que, no final, lhes foram acordadas. Assim, a decisão recorrida acabou por fazer beneficiar duas empresas que não assumiram o mesmo risco que a Bouygues Télécom, por terem logo apresentado as suas candidaturas, das condições mais favoráveis concedidas a esta última no âmbito de um concurso em que aquelas não participaram.

133    Assim, a eventual discriminação de que a Bouygues Télécom terá sido vítima deve ser examinada à luz do quadro procedimental em causa a fim de determinar as obrigações que, no caso concreto, se impunham às autoridades nacionais.

134    Há que observar que, apesar das suas modalidades de organização material, o procedimento de atribuição das licenças UMTS, iniciado no mês de Julho de 2000 pelas autoridades francesas, constituiu, na realidade, um procedimento único, que se destinava a atribuir quatro licenças para a introdução em França do sistema UMTS (v. n.° 11 supra). Foi o carácter parcialmente infrutífero do primeiro concurso que determinou a abertura de um novo concurso menos de seis meses depois da emissão das duas primeiras licenças (v. n.os 15 e 16 supra) para assegurar uma concorrência efectiva num mercado emergente e permitir a concessão das duas outras licenças, sendo que os dois concursos foram concebidos e se desenrolaram de forma idêntica no plano formal (publicidade, calendário…).

135    A este respeito, não há que acolher, por ser inoperante, a argumentação das recorrentes relativa às regras procedimentais aplicáveis no âmbito dos contratos públicos e das concessões, que não são aplicáveis ao presente caso. Quanto ao princípio da intangibilidade dos critérios de selecção ou das condições de atribuição, que as recorrentes invocam, o mesmo não figura nem na Directiva 97/13 nem em qualquer outra disposição de direito comunitário aplicável. Pelo contrário, a Directiva 97/13 prevê, no artigo 8.°, n.° 4, que os Estados‑Membros podem modificar as condições inerentes a uma licença individual, em casos objectivamente justificados e de forma proporcional.

136    No contexto de uma operação de selecção única, ainda que organizada em várias fases, como é o caso no presente processo, o princípio da não discriminação deve, assim, aplicar‑se aos dois concursos, globalmente considerados.

137    Neste âmbito, uma solução diferente da que foi acolhida pelas autoridades nacionais não teria permitido concretizar de forma mais satisfatória a igualdade de tratamento dos três operadores envolvidos.

138    Com efeito, nas circunstâncias do caso em apreço, verifica‑se que as autoridades nacionais, depois de se terem apercebido de que o lançamento do primeiro concurso não tinha permitido seleccionar um número suficiente de operadores para garantir que a concorrência no sector pudesse ser efectivamente salvaguardada, tinham, em última análise, três possibilidades ao seu dispor.

139    Uma primeira opção seria a de essas autoridades declararem o primeiro concurso infrutífero e retomarem desde o início o procedimento na sua globalidade, fixando a taxa segundo o dispositivo correspondente ao regime modificado.

140    Porém, esta solução seria irrelevante para o resultado do concurso, já que, de acordo com os factos, os mesmos operadores, ou seja, a Orange, a SFR e a Bouygues Télécom, seriam sempre os únicos candidatos, sendo que, in fine, ser‑lhes‑iam atribuídas licenças idênticas, no essencial, às que foram efectivamente obtidas.

141    Esta opção apresenta, em contrapartida, pelo menos um inconveniente face ao direito comunitário das telecomunicações. De facto, teria implicado um atraso no lançamento dos serviços em causa, fixado em 1 de Janeiro de 2002, o mais tardar, pela Decisão n.° 128/1999 (v. n.° 8 supra), atraso que foi mencionado pela Comissão na decisão recorrida e que seria directamente imputável às autoridades francesas.

142    Consequentemente, ainda que o respeito pela igualdade de tratamento pudesse também ser salvaguardado com esta primeira opção, a República Francesa teria corrido o risco de atrasar a implementação das disposições comunitárias em causa e, logo, de não cumprir as suas obrigações a esse respeito.

143    Uma segunda opção seria a de as autoridades nacionais prosseguirem com o procedimento, lançando o segundo concurso, mas, diferentemente da solução adoptada, não homogeneizarem as taxas da Orange e da SFR com a da Bouygues Télécom.

144    Nesse caso, a Orange e a SFR seriam tratadas de forma diferente da Bouygues Télécom, em violação do princípio da não discriminação, tendo em conta o igual valor das licenças e o facto de, à data da modificação da taxa, nenhum operador estar presente no mercado. Acresce que essa solução não teria correspondido aos elementos de determinação das taxas indicados pelo Tribunal de Justiça no acórdão Connect Austria, já referido (v. n.° 109 supra).

145    Se as autoridades francesas tivessem mantido o regime de taxas inicial para a Orange e a SFR, as exigências de não discriminação e de proporcionalidade estabelecidas pela Directiva 97/13 poderiam ter sido violadas, devido à desigualdade de tratamento e à desproporção, traduzindo‑se numa relação de 1 a 8, aproximadamente, segundo indicações não contestadas da SFR, entre o regime inicial e o regime modificado. Uma tal diferença no montante das taxas devidas seria revelador de uma situação discriminatória em benefício da Bouygues Télécom e em detrimento dos dois outros operadores.

146    Além disso, nesse caso, os dois operadores inicialmente seleccionados poderiam ter renunciado ao benefício das suas licenças, o que teria obrigado as autoridades francesas a abrir um terceiro concurso para garantir uma concorrência efectiva no sector, atrasando assim o lançamento dos serviços em causa.

147    Uma terceira opção seria a de as autoridades nacionais lançarem um segundo concurso, com condições, designadamente financeiras, revistas em baixa, e modificarem retroactivamente as referidas condições quanto às licenças já emitidas.

148    Esta solução, que foi a adoptada no caso em apreço, permitiu assegurar a igualdade de tratamento dos três únicos operadores que se candidataram nesse quadro procedimental global, no contexto previamente recordado de licenças idênticas e de um mercado emergente ao qual nenhum operador tinha acedido à data da modificação da taxa. A opção tomada pelas autoridades nacionais permitiu igualmente que a República Francesa evitasse atrasos no lançamento dos serviços UMTS previsto na Directiva 97/13.

149    Importa igualmente referir que, ainda que a homogeneização das condições financeiras de concessão das licenças não produzisse efeitos retroactivamente, à data da respectiva emissão, como foi decidido no presente caso, mas apenas a contar da modificação das taxas em causa, o resultado alcançado não seria diferente.

150    Com efeito, resulta dos autos que, à data dos despachos modificativos de 3 de Dezembro de 2002, a Orange e a SFR tinham pago, em conformidade com o escalonamento de pagamentos previsto no dispositivo inicial, um montante correspondente, nos termos do dispositivo modificado, à primeira fracção da taxa, a pagar com a emissão da licença. Quanto à segunda fracção prevista pelo dispositivo modificado, indexada aos volumes de negócios obtidos com a utilização das frequências, apenas devia ser paga depois do lançamento dos serviços UMTS pelos operadores, lançamento a que nem a Orange nem a SFR tinham ainda procedido na referida data dos despachos modificativos das suas licenças e do despacho que concedeu a sua à Bouygues Télécom.

151    Verifica‑se assim que, no caso concreto, a modificação do dispositivo aplicada à Orange e à SFR resultou neutra para os três operadores concorrentes, sendo o carácter retroactivo ou não da referida modificação irrelevante a esse respeito.

152    Neste contexto, a Comissão pôde considerar na decisão recorrida, não obstante a atribuição de condições idênticas às empresas aprovadas nos diferentes processos de selecção, que o novo sistema de taxas não era discriminatório para a Bouygues Télécom.

153    A igualdade de tratamento entre operadores imposta pela Directiva 97/13 exigia, pelo contrário, nas circunstâncias do caso vertente, a homogeneização das taxas devidas pela Orange e pela SFR com as da Bouygues Télécom.

154    O argumento das recorrentes de que a modificação é discriminatória pelo facto de a Orange e a SFR, por terem uma capacidade financeira superior à dos seus concorrentes, terem podido manifestar‑se no primeiro concurso, tendo‑lhes sido atribuída uma licença, não põe em causa as considerações anteriores, uma vez que, por um lado, a atribuição mais precoce das licenças não lhes trouxe vantagens efectivas e, por outro, a igualdade de tratamento entre operadores impunha a igualização da taxas.

155    Do exposto resulta que a modificação da taxa em causa não criou qualquer discriminação da Bouygues Télécom e que esta análise não constitui uma dificuldade séria que imponha a abertura do procedimento formal de investigação do auxílio invocado.

156    Nestes termos, a Comissão pôde legalmente concluir, sem considerar estar perante dificuldades sérias, pela inexistência de um auxílio, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, na medida nacional criticada.

157    Embora a Comissão, nos articulados apresentados no âmbito do processo que deu origem ao despacho Bouygues e Bouygues Télécom/Comissão, já referido, tenha feito menção de uma complexidade excepcional, esta menção, ao contrário do que pretendem as recorrentes, não se referia à medida em causa no presente processo, mas a todas as medidas denunciadas, que eram onze. Assim, a Comissão, entendendo que algumas dessas medidas suscitavam dificuldades sérias, deu início, relativamente às mesmas, ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, em 31 de Janeiro de 2003, tendo o procedimento sido concluído pela adopção de duas decisões, em 2 de Agosto de 2004, relativas, respectivamente, ao regime do tributo profissional aplicado à France Télécom [C(2004) 3061] e a um suprimento concedido pelo Estado à France Télécom [C(2004) 3060], que são presentemente objecto de recurso no Tribunal de Primeira Instância (França/Comissão, T‑425/04, França/Comissão, T‑427/04, France Télécom/Comissão, T‑444/04, Bouygues e Bouygues Télécom, T‑450/04, AFORS Télécom/Comissão, T‑456/04, e France Télécom/Comissão, T‑17/05).

158    Embora as recorrentes defendam que a Comissão fez prova de falta de diligência no tratamento da medida nacional aqui em causa, contestada na denúncia pelas mesmas apresentada em 4 de Outubro de 2002, relativamente à qual a instituição tomou posição através da decisão recorrida em 20 de Julho de 2004, essa alegação, de resto inoperante, não foi demonstrada. A Comissão tem efectivamente o direito de atribuir graus de prioridade diferentes às diversas denúncias submetidas à sua apreciação (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Março de 1999, Ufex e o./Comissão, C‑119/97 P, Colect., p. I‑1341, n.° 88).

159    Na medida em que a denúncia acima referida, com cerca de 90 páginas sem contar os anexos, tinha por objecto onze medidas, há que considerar que a Comissão, que deu início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, relativamente a algumas das medidas denunciadas decorridos três meses e meio depois da apresentação da referida denúncia, e que, consequentemente, apreciou parcialmente a denúncia, atribuindo prioridade precisamente às medidas que suscitavam dificuldades sérias, podia, atendendo à sua carga de trabalho e à determinação das prioridades de análise que lhe compete definir, adiar a apreciação da medida que, no seu entender, não suscitava dificuldades sérias, sem que lhe possa ser censurada falta de diligência a esse respeito.

160    Neste contexto, o prazo de um ano, dez meses e quinze dias decorrido entre a apresentação da denúncia e a decisão recorrida não revela falta de diligência por parte da Comissão.

161    Em face do exposto, deve ser negado provimento ao recurso, sem que seja necessário o Tribunal analisar os outros critérios previstos no artigo 87.°, n.° 1, CE, uma vez que um dos pressupostos cumulativos necessárias à qualificação de auxílio de Estado não se encontra preenchido.

 Quanto às despesas

162    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Uma vez que as recorrentes foram vencidas, há que condená‑las solidariamente a suportar, para além das suas próprias despesas, as da Comissão, bem como as da Orange e da SFR, intervenientes em apoio da Comissão.

163    A República Francesa suportará as suas próprias despesas, nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Bouygues SA e a Bouygues Télécom SA suportarão solidariamente as suas próprias despesas, as da Comissão e as da Orange France SA e da Société française du radiotéléphone – SFR.

3)      A República Francesa suportará as suas próprias despesas.

Legal

Wiszniewska‑Białecka

Moavero Milanesi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 4 de Julho de 2007.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

       H. Legal


* Língua do processo: francês.