Language of document : ECLI:EU:T:2007:215

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

11 de Julho de 2007 (*)

«Auxílios de Estado – Hospitais públicos – Compensação de perdas de exploração e concessão de garantias – Denúncia – Falta de tomada de posição por parte da Comissão – Acção por omissão – Legitimidade – Admissibilidade – Prazo razoável – Regulamento (CE) n.° 659/1999»

No processo T‑167/04,

Asklepios Kliniken GmbH, com sede em Königstein‑Falkenstein (Alemanha), representada por K. Füßer, advogado,

demandante,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Kreuschitz e M. Niejahr, na qualidade de agentes,

demandada,

apoiada por

República Federal da Alemanha, representada inicialmente por C.‑D. Quassowski e A. Tiemann, e em seguida por W.‑D. Plessing e C. Schulze‑Bahr, na qualidade de agentes,

e por

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado inicialmente por M. Bethell e em seguida por C. Gibbs e E. O’Neill, na qualidade de agentes,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido com vista a obter a declaração, em conformidade com o artigo 232.° CE, de que, não tendo tomado uma decisão nos termos do artigo 4.°, n.os 2, 3 ou 4, do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.°] CE (JO L 83, p. 1), sobre a denúncia apresentada pela demandante relativamente à concessão de auxílios alegadamente ilegais a hospitais do sector público na Alemanha, a Comissão não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 88.° CE bem como do artigo 10.°, n.° 1, e do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: H. Legal, presidente, I. Wiszniewska‑Białecka e E. Moavero Milanesi, juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 8 de Março de 2007,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 4.° do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.°] CE (JO L 83, p. 1), dispõe:

«1.      A Comissão procederá à análise da notificação imediatamente após a sua recepção. […], a Comissão tomará uma decisão nos termos dos n.os 2, 3 ou 4 do presente artigo.

2.      Quando, após análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada não constitui um auxílio, fará constar esse facto por via de decisão.

3.      Quando, após a análise preliminar, a Comissão considerar que não há dúvidas quanto à compatibilidade da medida notificada com o mercado comum, na medida em que está abrangida pelo n.° 1 do artigo [87.° CE], decidirá que essa medida é compatível com o mercado comum […]. A decisão referirá expressamente a derrogação do Tratado que foi aplicada.

4.      Quando, após a análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá dar início ao procedimento formal de investigação nos termos do n.° 2 do artigo [88.°] CE […]»

2        O artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999 prevê:

«Quando a Comissão dispuser de informações relativas a um auxílio alegadamente ilegal, qualquer que seja a fonte, examiná‑las‑á imediatamente.»

3        Nos termos do artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999:

«Depois de ter dado ao Estado‑Membro em causa a possibilidade de apresentar as suas observações, a Comissão pode tomar uma decisão em que ordena ao Estado‑Membro a suspensão de qualquer auxílio ilegal até que a Comissão tome uma decisão quanto à sua compatibilidade com o mercado comum […]»

4        O artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999 enuncia:

«O exame de um auxílio eventualmente ilegal conduz a uma decisão nos termos dos n.os 2, 3 ou 4 do artigo 4.° Em caso de decisão de início de um procedimento formal de investigação, este é encerrado por uma decisão […]. Em caso de incumprimento de uma injunção para prestação de informações, a decisão será tomada com base nas informações disponíveis.»

5        Nos termos do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 659/1999:

«Qualquer parte interessada pode informar a Comissão sobre qualquer alegado auxílio ilegal e qualquer utilização abusiva de um auxílio. Quando a Comissão considerar que, com base nas informações de que dispõe, não há motivos suficientes para analisar o caso, informará a parte interessada desse facto. Quando a Comissão tomar uma decisão sobre um caso que diga respeito às informações fornecidas, enviará cópia dessa decisão à parte interessada.»

 Antecedentes do litígio

6        A Asklepios Kliniken GmbH é uma sociedade alemã de direito privado cujo capital se encontra exclusivamente sob o controlo privado e especializada na gestão de centros hospitalares.

7        Em 20 de Janeiro de 2003, a demandante denunciou à Comissão a concessão de auxílios alegadamente ilegais a hospitais públicos pelas autoridades públicas na Alemanha, constituídos pela compensação, caso a caso, das suas eventuais perdas de exploração, bem como pela concessão de uma garantia pelos organismos públicos respectivos a favor destes hospitais. A demandante solicitou à Comissão, por um lado, que procedesse a investigações sobre essas práticas alegadamente ilegais com base nas informações que lhe tinha fornecido e que a informasse de todas as decisões tomadas durante esse procedimento preliminar de investigação e, por outro, no caso de as medidas denunciadas deverem ser consideradas como auxílios de Estado, que ordenasse a respectiva suspensão até que a Comissão tomasse uma decisão. Foi anexado à denúncia um parecer jurídico contendo informações sobre a demandante e os hospitais de que assegura a gestão, a sua relação de concorrência com os hospitais do sector público e uma análise da aplicação do artigo 86.° CE aos auxílios denunciados.

8        Por carta de 6 de Fevereiro de 2003, a Comissão acusou a recepção da referida denúncia e comunicou à demandante que a Direcção‑Geral da Concorrência da Comissão examinaria as informações transmitidas e realizaria as investigações necessárias a esse respeito.

9        Ao longo de 2003, a demandante apresentou diversos pedidos de informação à Comissão.

10      Por carta de 26 de Janeiro de 2004, a demandante notificou a Comissão para prosseguir o procedimento relativo à sua denúncia. Solicitou‑lhe, ainda, em primeiro lugar, que ordenasse à República Federal da Alemanha a suspensão das compensações em causa, pelo menos até a Comissão tomar uma decisão, em conformidade com o artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999, em segundo lugar, que tomasse uma decisão no âmbito da análise preliminar dos auxílios denunciados, nos termos do artigo 4.°, n.os 2, 3 e 4, do referido regulamento, em conformidade com o seu artigo 13.°, n.° 1, e em terceiro lugar, que a mantivesse informada das decisões tomadas, em conformidade com o artigo 20.°, n.° 2, deste regulamento.

11      Por carta de 30 de Janeiro de 2004, a Comissão acusou a recepção da notificação.

12      Em 18 de Fevereiro de 2004, a Comissão adoptou um projecto de decisão relativo à aplicação do artigo 86.° CE aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público concedidos a certas empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral (a seguir «projecto de decisão»).

13      Em 28 de Novembro de 2005, a Comissão adoptou a Decisão 2005/842/CE, relativa à aplicação do n.° 2 do artigo 86.° [CE] aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público concedidos a certas empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral (JO L 312, p. 67).

 Tramitação do processo e pedidos das partes

14      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 13 de Maio de 2004, a demandante intentou a presente acção.

15      Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal, respectivamente, em 20 e 23 de Setembro de 2004, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e a República Federal da Alemanha pediram a sua admissão como intervenientes em apoio dos pedidos da Comissão.

16      Por despachos do presidente da Quarta Secção do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Outubro de 2004, estes pedidos de intervenção foram deferidos.

17      Por carta de 20 de Dezembro de 2004, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte informou a Secretaria do Tribunal de Primeira Instância de que renunciava a apresentar alegações de intervenção, mas que pretendia eventualmente intervir na audiência.

18      Em 26 de Janeiro de 2005, a República Federal da Alemanha apresentou as suas alegações de intervenção.

19      No âmbito das medidas de organização do processo, as partes foram convidadas a apresentar ao Tribunal de Primeira Instância as suas observações quanto aos efeitos da adopção da Decisão 2005/842 no presente processo e estas cumpriram este pedido no prazo fixado.

20      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo.

21      Na audiência de 8 de Março de 2007 foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal.

22      A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne declarar que, não tendo tomado uma decisão nos termos do artigo 4.°, n.os 2, 3 ou 4, do Regulamento (CE) n.° 659/1999 na sequência da sua denúncia apresentada em 20 de Janeiro de 2003, a Comissão não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam, por força do artigo 88.° CE, do artigo 10.°, n.° 1, e do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999.

23      A Comissão, apoiada pela República Federal da Alemanha, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        declarar a acção inadmissível e, a título subsidiário, julgá‑la improcedente;

–        condenar a demandante nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

 Argumentos das partes

24      Sem suscitar formalmente uma excepção de inadmissibilidade, a Comissão alega a inadmissibilidade da acção por dois motivos.

25      Em primeiro lugar, a petição não preenche os requisito enunciados no artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. A Comissão recorda que, para que uma acção seja admissível, é necessário que os elementos essenciais de facto e de direito em que esta se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição. Uma remissão global para outros documentos, mesmo anexados à petição, não pode suprir a ausência dos elementos essenciais nesta. No caso em apreço, a petição devia ter identificado os hospitais do sector público alemão que estavam em relação concorrencial concreta com os hospitais geridos pela demandante. O parecer jurídico apresentado em anexo pela demandante não compensa a insuficiência da sua petição.

26      Em segundo lugar, a demandante não tinha legitimidade. A Comissão recorda a jurisprudência assente segundo a qual o artigo 232.°, terceiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que um particular pode propor uma acção por omissão contra uma instituição que tenha omitido a adopção de um acto que lhe diga directa e individualmente respeito na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE. A demandante é directamente, mas não individualmente, afectada por uma decisão relativa à sua denúncia.

27      Para se considerar individualmente afectado, o autor de uma denúncia relativa a auxílios de Estado alegadamente ilegais deve fazer parte do grupo dos beneficiários das garantias processuais previsto pelo artigo 88.°, n.° 2, CE. Assim, são afectadas, além da empresa ou das empresas favorecidas pelo auxílio, as pessoas, empresas ou associações eventualmente afectadas nos seus interesses pela concessão do auxílio, designadamente as empresas concorrentes e as organizações profissionais. Ora, segundo a jurisprudência, apenas as empresas cuja posição concorrencial é concreta e directamente afectada pela concessão do auxílio podem ser consideradas concorrentes dos beneficiários do auxílio. A possibilidade teórica de os interesses de uma empresa poderem ser afectados pela concessão de um auxílio não é, portanto, suficiente.

28      No caso em apreço, a demandante não deu uma indicação concreta na sua petição que permita demonstrar que estava numa relação de concorrência concreta e directa com os hospitais públicos alemães. Consequentemente, não podia invocar a qualidade de interessada, na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE.

29      Assim, a demandante não podia pedir ao Tribunal de Primeira Instância que examinasse a alegada omissão da Comissão em relação às compensações concedidas a todos os hospitais geridos pelo sector público na Alemanha. A própria demandante admitiu na sua petição estar em relação concorrencial com «pelo menos alguns» dos hospitais públicos alemães; ora, estes são mais de 700. De qualquer modo, as passagens do parecer jurídico para as quais a demandante remete apenas mencionam quatro casos de relações concorrenciais concretas. Além disso, a afirmação da demandante segundo a qual «se podem imaginar facilmente exemplos semelhantes para as outras clínicas mencionadas que estão sob a responsabilidade da mandante na Baviera e em Hesse» não é corroborada por nenhum elemento de prova.

30      Acresce que as compensações estatais pagas aos hospitais públicos e impugnadas pela demandante não constituem um regime geral de auxílios, representando pelo contrário um grande número de auxílios individuais. Por conseguinte, a demandante devia ter demonstrado para cada caso individual que o hospital público em causa estava numa relação concorrencial concreta com um dos centros hospitalares por ela geridos.

31      A República Federal da Alemanha considera que a demandante não pode ter a qualidade de interessado, na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, pelo simples facto de ter apresentado uma denúncia à Comissão e de explorar centros hospitalares privados. A petição devia ter precisado os diferentes tipos de clínicas bem como as prestações médicas ou os domínios médicos em causa e delimitar as zonas geográficas em questão.

32      A demandante sustenta que a sua acção é admissível. Recorda que os artigos 230.° CE e 232.° CE constituem a expressão de uma única via processual e que o artigo 232.°, terceiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa singular ou colectiva pode propor um acção por omissão contra uma instituição que tenha omitido adoptar um acto que lhe diga directa e individualmente respeito. A existência de vias de recurso nacionais não tem influência sobre a admissibilidade de uma acção por omissão.

33      A demandante alega que a decisão que a Comissão devia ter tomado nos termos do artigo 4.°, n.os 2, 3 ou 4, do Regulamento n.° 659/1999 no âmbito do procedimento preliminar de investigação dos auxílios lhe dizia directa e individualmente respeito.

34      Relativamente à questão de saber se a decisão controvertida lhe diz directamente respeito, a demandante refere que se considera que uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado diz directamente respeito a um concorrente da entidade beneficiária de um auxílio quando a intenção das autoridades nacionais de prosseguirem o seu projecto de auxílio não suscite nenhuma dúvida e, afortiori, quando as dotações financeiras já foram, e continuam a ser, atribuídas. Por conseguinte, o facto de ser afectada directamente não oferece qualquer dúvida, atendendo às circunstâncias do caso em apreço.

35      Relativamente à questão de saber se a decisão controvertida lhe diz individualmente respeito, a demandante alega que, em matéria de auxílios de Estado, as pessoas individualmente em causa são as que podem ser afectadas nos seus interesses pela concessão de um auxílio, isto é, designadamente os concorrentes do beneficiário do auxílio. Além disso, segundo a jurisprudência, as partes no processo, na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, podem impugnar nos tribunais comunitários uma decisão da Comissão que declara que uma medida não constitui um auxílio de Estado ou que, embora constituindo um auxílio de Estado, é compatível com o mercado comum. Neste contexto, o Tribunal de Primeira Instância deve limitar‑se, quando muito, a verificar se uma relação concorrencial com o beneficiário do auxílio pode ser manifestamente excluída. Por conseguinte, atendendo à semelhança existente entre as condições de admissibilidade do recurso de anulação e as da acção por omissão, deve ser seguido um princípio idêntico no âmbito da aplicação do artigo 232.°, terceiro parágrafo, CE.

36      A demandante considera que a decisão que a Comissão omitiu adoptar lhe dizia individualmente respeito, uma vez que se encontra numa relação concorrencial concreta com determinados hospitais públicos que beneficiam destes auxílios. A inacção da Comissão priva‑a, assim, dos direitos processuais que lhe caberiam se tivesse sido dado início a um procedimento formal de investigação.

37      Mais precisamente, no que respeita à sua relação concorrencial concreta com determinados hospitais públicos alemães que beneficiam dos auxílios denunciados, a demandante afirma que gere 39 clínicas privadas na Alemanha, em concorrência intensiva com estes hospitais públicos e remete para o parecer anexado à petição.

38      Por outro lado, a limitação do conceito de parte interessada apenas às pessoas cuja posição concorrencial é concreta e directamente afectada pela concessão dos auxílios, defendida pela Comissão, viola o princípio geral da protecção jurisdicional efectiva.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

–       Quanto à conformidade da petição com o artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo

39      Nos termos do artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a petição deve conter uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Esta exposição deve ser suficientemente clara e precisa para permitir à demandada preparar a sua defesa e ao Tribunal decidir a causa, se for caso disso, sem mais informações de apoio.

40      Segundo jurisprudência assente, a fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que um recurso seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que aquele se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Abril de 1993, De Hoe/Comissão, T‑85/92, Colect., p. II‑523, n.° 20, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Fevereiro de 2007, Clotuche/Comissão, T‑339/03, Colect., p. II‑0000, n.° 133). Ainda que o corpo da petição possa ser escorado e completado, em pontos específicos, por remissões para passagens de documentos que a ela foram anexados, uma remissão global para outros documentos, mesmo anexos à petição, não pode suprir a ausência dos elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais, por força da disposição atrás recordada, devem constar da petição (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Maio de 1999, Asia Motor France e o./Comissão, T‑154/98, Colect., p. II‑1703, n.° 49). Além disso, não compete ao Tribunal procurar e identificar, nos anexos, os elementos que possa considerar constituírem o fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm uma função puramente probatória e instrumental (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Novembro de 1997, Cipeke/Comissão, T‑84/96, Colect., p. II‑2081, n.° 34).

41      No caso em apreço, a demandante pede ao Tribunal de Primeira Instância que declare que a Comissão, não tendo adoptado uma decisão, em conformidade com o artigo 4.°, n.os 2, 3 ou 4, do Regulamento n.° 659/1999, sobre a sua denúncia de 20 de Janeiro de 2003, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 88.° CE bem como do artigo 10.°, n.° 1, e do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999. Por conseguinte, a petição identifica sem ambiguidade a omissão que o Tribunal de Primeira Instância é obrigado a apreciar e contém uma exposição clara e precisa do fundamento invocado. Além disso, a petição enuncia os elementos essenciais de facto e de direito relativos aos auxílios relatados na denúncia, à existência de um dever de agir que impende sobre a Comissão e à alegada omissão desta após o termo de um prazo que alegadamente ultrapassou os limites do razoável.

42      No que respeita à alegada falta de indicações na petição que demonstrem a existência de uma relação de concorrência suficiente, importa constatar que a demandante precisa na petição que é gestora de centros hospitalares privados na Alemanha e que está numa relação concorrencial concreta com os hospitais públicos na Alemanha que beneficiam dos auxílios que considera ilegais. Como exemplo cita hospitais situados na Baviera, remetendo para os anexos da petição para precisões mais amplas.

43      Atendendo ao exposto, verifica‑se que o elemento de facto essencial à determinação da legitimidade da demandante, ou seja, a sua relação de concorrência com os beneficiários do auxílio, foi indicado no texto da petição de forma concisa, mas suficientemente clara e precisa. Esta conclusão não é contrariada pela utilização pela demandante de anexos destinados a completar as informações fornecidas no texto da petição, na medida em que esta compreende os elementos de facto e de direito essenciais à preparação pela demandada da sua defesa e que permitem ao Tribunal decidir a causa.

44      Portanto, a petição preenche os requisitos impostos pelo artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, e o primeiro argumento da Comissão relativo à admissibilidade da acção deve ser julgado improcedente.

–       Quanto à legitimidade da demandante

45      Os artigos 230.° CE e 232.° CE constituem a expressão de uma única via processual. Daí resulta que, mesmo que o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE permita aos particulares interpor recurso de anulação de um acto de uma instituição de que não sejam destinatários, desde que esse acto lhes diga directa e individualmente respeito, o artigo 232.°, terceiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que lhes confere igualmente a faculdade de proporem um acção por omissão contra uma instituição que tenha omitido adoptar um acto que lhes diga respeito da mesma forma (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Novembro de 1970, Chevalley/Comissão, 15/70, Recueil, p. 975, n.° 6, e do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Maio de 2006, Air One/Comissão, T‑395/04, Colect., p. II‑1343, n.° 25).

46      Consequentemente, importa examinar se a demandante teria legitimidade para interpor um recurso de anulação de pelo menos um dos actos que a Comissão podia adoptar no termo da fase preliminar de análise dos auxílios referida no artigo 88.°, n.° 3, CE e que consistiria em considerar ou que as medidas denunciadas não constituíam um auxílio ou que constituíam um auxílio, embora fossem compatíveis com o mercado comum, ou que requeriam a abertura do procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE.

47      A esse propósito, há que recordar que, sempre que, sem iniciar o procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, a Comissão declara, através de uma decisão adoptada com fundamento no n.° 3 do mesmo artigo, que um auxílio é compatível com o mercado comum, os beneficiários das garantias processuais previstas pelo artigo 88.°, n.° 2, CE só podem conseguir que elas sejam respeitadas se tiverem a possibilidade de impugnar perante o juiz comunitário essa decisão (acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão, C‑198/91, Colect., p. I‑2487, n.° 23, e acórdão Air One/Comissão, n.° 45 supra, n.° 30).

48      Por estas razões, o juiz comunitário declara admissível um recurso com vista à anulação de tal decisão, interposto por um interessado na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, sempre que o recorrente pretenda, através da interposição do mesmo, salvaguardar os direitos processuais que lhe confere esta última disposição (acórdãos Cook/Comissão, n.° 47 supra, n.os 23 a 26, e Air One/Comissão, n.° 45 supra, n.° 31).

49      Segundo jurisprudência constante, os interessados na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE são pessoas, empresas ou associações eventualmente afectadas nos seus interesses pela concessão de um auxílio, isto é, em particular, as empresas concorrentes dos beneficiários desse auxílio e as organizações profissionais (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, Recueil, p. 3809, n.° 16, e de 13 de Dezembro de 2005, Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, C‑78/03 P, Colect., p. I‑10737, n.° 36; acórdão Air One/Comissão, n.° 45 supra, n.° 36). A jurisprudência que decorre do acórdão Intermills/Comissão, já referido, foi consagrada ao artigo 1.°, alínea h), do Regulamento n.° 659/1999, que enuncia que o conceito de partes interessadas compreende «qualquer Estado‑Membro ou qualquer pessoa, empresa ou associação de empresas cujos interesses possam ser afectados pela concessão de um auxílio, em especial o beneficiário do auxílio, as empresas concorrentes e as associações [profissionais]».

50      Assim, um concorrente, mesmo futuro ou ainda simplesmente potencial do beneficiário do auxílio denunciado deve ser considerado parte interessada na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE (v., respectivamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C‑225/91, Colect., p. I‑3203, n.° 19, e acórdão Air One/Comissão, n.° 45 supra, n.° 39).

51      No caso em apreço, a demandante gere 39 centros hospitalares privados repartidos por todo o território da República Federal da Alemanha. Por conseguinte, encontra‑se em concorrência com determinados hospitais do sector público beneficiário do auxílio. Esta circunstância basta para confirmar a existência de uma relação de concorrência suficiente entre a demandante e pelo menos alguns dos beneficiários das medidas denunciadas, para que possa ser considerada como interessado na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE.

52      Por conseguinte, a demandante tem legitimidade para impugnar por via de recurso de anulação uma decisão da Comissão adoptada nos termos do artigo 88.°, n.° 3, CE, com o objectivo de obter o respeito dos seus direitos processuais na sua qualidade de interessado. Deve, portanto, considerar‑se que dispõe igualmente de legitimidade para pedir ao Tribunal de Primeira Instância que declare a eventual omissão da Comissão que consiste em não adoptar esta decisão.

53      Esta conclusão não é posta em causa pelas argumentações contrárias da Comissão e da interveniente.

54      Em primeiro lugar, deve ser rejeitado o argumento da interveniente segundo o qual a demonstração da relação de concorrência implica que a demandante precise os diferentes tipos de clínicas, as prestações médicas e os domínios médicos em causa e delimite as zonas geográficas em questão. Esta demonstração implicaria a definição precisa do mercado em causa bem como exercícios complexos de medida da elasticidade cruzada entre os serviços dos hospitais geridos pela demandante e os serviços dos hospitais públicos. Isso excederia largamente o âmbito do exame do conceito de parte interessada tal como resulta do artigo 1.°, alínea h), do Regulamento n.° 659/1999, que menciona apenas as empresas concorrentes, bem como a interpretação deste conceito pela jurisprudência, que se refere às empresas eventualmente afectadas nos seus interesses pelos auxílios.

55      Pela mesma razão, contrariamente ao que sustenta a Comissão, não é necessário que a demandante prove a existência de uma relação de concorrência concreta e directa com cada hospital beneficiário dos auxílios denunciados para ser considerada como interessado na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE. Com efeito, basta que demonstre a existência desta relação de concorrência com os beneficiários do auxílio.

56      Em segundo lugar, os argumentos da Comissão e da interveniente baseados no facto de existirem mais de 700 hospitais públicos na Alemanha não podem ser aceites. A importância numérica dos beneficiários não é susceptível de afectar a admissibilidade da acção, uma vez que os auxílios alegadamente ilegais foram efectivamente pagos aos hospitais públicos alemães e não constituem um regime geral de auxílios, o que não é contestado pela Comissão.

57      Em face do exposto, o segundo argumento da Comissão relativo à admissibilidade da acção deve ser igualmente rejeitado.

 Quanto ao mérito

 Argumentos das partes

58      A demandante alega que a omissão se verifica uma vez que a Comissão não cumpriu o dever de agir imposto pelo artigo 88.° CE, bem como pelo artigo 10.°, n.° 1, e pelo artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999.

59      Resulta destas disposições que a Comissão é obrigada a proceder a um exame diligente e imparcial da sua denúncia e que deve adoptar uma decisão num prazo razoável.

60      Antes de mais, recordando o conteúdo do artigo 88.°, n.os 1 e 2, CE, do artigo 10.°, n.° 1, e do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999, a demandante assinala a obrigação de proceder a uma análise preliminar das medidas nacionais susceptíveis de constituírem auxílios de Estado ilegais. Esta obrigação constitui‑se, em relação às medidas notificadas, no momento da recepção da sua notificação e, em relação às medidas não notificadas, na recepção da denúncia. Lembra que a Comissão é obrigada a proceder a um exame diligente e imparcial das denúncias no interesse de uma boa administração das regras fundamentais do Tratado relativas aos auxílios estatais. Esta análise preliminar tem por objecto permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio com o mercado comum, enquanto o procedimento formal de investigação do artigo 88.°, n.° 2, CE visa um exame completo.

61      A seguir, a demandante, no que respeita à obrigação de tomar uma decisão na sequência desta análise preliminar, afirma que a inexistência de uma decisão de início do procedimento formal de investigação, nos termos do artigo 4.°, n.° 4, do Regulamento n.° 659/1999, apenas é justificada se a Comissão tiver podido adquirir a convicção, no termo da investigação preliminar, que a medida estatal não pode ser qualificada como auxílio de Estado, o que deve ser declarado por meio de decisão por força do artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 659/1999, ou que constitui um auxílio compatível com o mercado comum, o que deve ser declarado por meio de decisão por força do artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 659/1999.

62      Por último, em relação ao prazo fixado à Comissão para tomar uma decisão, ainda que o procedimento preliminar de investigação dos auxílios não notificados iniciado na sequência de denúncias de terceiros não esteja submetido a prazos imperativos, não se pode prolongar indefinidamente. A instituição é obrigada a tomar a sua decisão num prazo razoável que deve ser apreciado em função das circunstâncias próprias de cada caso e, designadamente, do contexto no qual se insere, das diferentes etapas processuais que a Comissão deve seguir, da complexidade do caso bem como da sua importância para as partes interessadas. Na medida em que apenas está em causa um primeiro exame da compatibilidade do auxílio e não uma avaliação completa desta questão, a Comissão devia ter podido tomar uma decisão num prazo de dois meses.

63      A demandante sublinha que o facto de, tanto quanto é do seu conhecimento, a Comissão não ter solicitado parecer nem pedido informações às autoridades alemãs demonstra que não eram necessárias medidas de esclarecimento mais amplas para se pronunciar sobre a justeza da sua denúncia.

64      Resulta da jurisprudência que um prazo de dez meses entre a apresentação das observações de um Estado‑Membro e a decisão de início de um procedimento formal de investigação foi considerado razoável enquanto um prazo de 26 meses foi considerado injustificado, excepto em circunstâncias excepcionais. Do mesmo modo, o facto de uma denúncia ser a primeira do género não justifica uma análise preliminar de 19 meses, apenas existindo algumas dificuldades reais. Ora, no caso em apreço, não foi ainda feita qualquer diligência para demonstrar os factos e a análise dos auxílios denunciados não apresenta qualquer problema jurídico importante, susceptível de conduzir, sendo caso disso, ao início de um procedimento formal de investigação.

65      Além disso, a demandante assinala que necessitava da tomada de uma decisão rápida. Por um lado, a situação actual origina distorções da concorrência no sector hospitalar alemão que lhe são prejudiciais. Por outro lado, a falta de tratamento da sua denúncia prejudica as negociações que leva a cabo com as autoridades públicas alemãs com vista à aquisição de hospitais públicos.

66      Dado que a Comissão não tinha necessidade de obter esclarecimentos sobre os auxílios denunciados e que a denúncia não apresentava complexidade particular, e atendendo aos imperativos da demandante, um prazo de quinze meses entre a denúncia de 20 de Janeiro de 2003 e a proposição da presente acção não é um prazo razoável para um primeiro exame destes auxílios. A demandante sublinha que este prazo é claramente superior ao de dois meses de que dispõe a Comissão para a análise preliminar dos auxílios notificados e levemente inferior ao de 18 meses de que dispõe no âmbito do procedimento formal de investigação para tomar uma decisão final. Considera que esta inacção durante um período de mais de 15 meses constitui uma violação das obrigações que incumbem à Comissão por força do artigo 88.° CE bem como do artigo 10.°, n.° 1, e do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999.

67      Esta conclusão não é invalidada pelo argumento da Comissão segundo o qual a denúncia de 20 de Janeiro de 2003, por não conter informações factuais suficientes, não implicava para ela o dever de agir. Pelo contrário, decorre do artigo 20.°, n.° 2, e do artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999 que a Comissão deve examinar de imediato as informações na sua posse. Por outro lado, contrariamente à Comissão, que dispõe de amplas possibilidades de prova dos factos, a denunciante está consideravelmente limitada nas suas possibilidades de fornecer informações pertinentes. Nestas circunstâncias, uma denúncia, na acepção do artigo 20.°, n.° 2, já referido, tem um carácter meramente informativo e não pode constituir mais do que uma incitação para a Comissão proceder a uma investigação. A demandante considera que as informações contidas na denúncia de 20 de Janeiro de 2003, e, em particular, no parecer anexo a esta, eram suficientes para que a Comissão procedesse a uma investigação de imediato. Apenas se podia exigir à denunciante que o conteúdo das informações apresentadas justificasse «uma suspeita inicial» de auxílio ilegal. As informações apresentadas na carta de 24 de Janeiro de 2004 completam ou actualizam as referidas na denúncia de 20 de Janeiro de 2003.

68      Além disso, a demandante assinala que nem o projecto de decisão nem a decisão 2005/842 podem pôr termo à inacção da Comissão, na medida em que a adopção de um acto de alcance geral não é susceptível de justificar ou desculpar a interrupção do procedimento de investigação das denúncias em matéria de auxílios de Estado.

69      A Comissão considera que, à data da notificação, em 26 de Janeiro de 2004, não infringiu de modo algum a exigência de investigação prévia do auxílio num prazo razoável. Assim, a demandante não demonstrou que, nesta data, a Comissão era obrigada a adoptar uma decisão que pusesse termo à sua inacção, o que é a única questão juridicamente importante para apreciação da alegada omissão da Comissão.

70      A Comissão reconhece que a investigação preliminar dos auxílios que constituem objecto de uma denúncia não se pode prolongar indefinidamente. No entanto, o prazo de dois meses previsto no artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 659/1999 não pode ser confundido com a exigência de um prazo razoável imposto à Comissão para concluir essa investigação. O carácter razoável do prazo deve ser apreciado em função das circunstâncias próprias de cada caso e, designadamente, do contexto no qual se insere, das diferentes etapas processuais que a Comissão deve seguir, da complexidade do caso e da sua importância para as partes interessadas.

71      A demandante apresentou a sua denúncia no momento em que se concluía o processo no caso em que foi proferido o acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, Colect., p. I‑7747). Dado que este acórdão reveste uma grande importância para a apreciação do financiamento público dos hospitais, a Comissão aguardou a sua prolação antes de tomar posição sobre a denúncia da demandante, em conformidade com o princípio da boa administração. O prazo de apenas seis meses que medeia entre a notificação da Comissão pela demandante e a prolação do acórdão era demasiado curto para permitir a adopção do projecto de decisão que a Comissão estava a elaborar ou para concluir a análise preliminar da denúncia da demandante.

72      Por outro lado, se tivesse decidido dar sequência ao pedido da demandante, seis meses teriam sido igualmente insuficientes para proceder a uma investigação, mesmo sumária, e para se pronunciar sobre o financiamento dos mais de 700 hospitais públicos alemães em causa, tanto mais que seriam necessárias medidas de clarificação destes factos para apreciar juridicamente a denúncia.

73      A Comissão recorda a jurisprudência segundo a qual o Tribunal de Primeira Instância considerou um período útil de dez meses como um prazo razoável, enquanto julgou procedentes acções por omissão quando tinham decorrido períodos superiores a dois anos entre a denúncia e a notificação, ou seja, um lapso de tempo quatro vezes superior ao verificado no caso em apreço.

74      A Comissão alega, além disso, que agiu suficientemente. A adopção e a publicação do seu projecto de decisão relativo à aplicação do artigo 86.°, n.° 3, CE, equivale ao início do procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE. Em qualquer caso, a adopção da Decisão 2005/842, em 28 de Novembro de 2005, pôs termo à sua inacção e tornou inútil todo o controlo do financiamento de cada hospital público pela Comissão. Por conseguinte, não é necessário proferir qualquer decisão na acção por omissão.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

75      A título liminar, devem rejeitar‑se os argumentos da Comissão segundo os quais esta tomou posição sobre a denúncia ao adoptar o seu projecto de decisão e posteriormente a Decisão 2005/842, e não é necessário proferir uma decisão sobre a acção por omissão.

76      É certo que esta decisão enuncia critérios que permitem apreciar a legalidade dos financiamentos estatais criticados pela demandante. Por conseguinte, a compatibilidade com o mercado comum e a isenção de notificação das compensações são condicionadas, nos termos do artigo 4.° da Decisão 2005/842, pela existência de um acto oficial que precise a natureza, o alcance e a duração das obrigações de serviço público impostas bem como a identidade das empresas em causa. Por força do artigo 5.° da mesma decisão, as compensações, que incluem todos os benefícios concedidos pelo Estado, independentemente da forma que assumam, não devem ultrapassar o necessário para cobrir os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviço público, tendo em conta as receitas obtidas, assim como uma rentabilidade razoável. Além disso, resulta do seu artigo 6.° que os Estados devem exigir às empresas em causa o reembolso de eventuais excessos de compensação pagos. Pode, portanto, deduzir‑se daqui que a compensação de perdas que não constituam a contrapartida de obrigações de serviço público é proibida e que os montantes em questão devem ser recuperados pelo Estado.

77      No entanto, a fixação de critérios abstractos numa decisão de alcance geral não pode constituir, em si mesma, uma tomada de posição da Comissão sobre uma denúncia específica como a da demandante. Com efeito, estes critérios estabelecem apenas os elementos que devem ser tomados em conta para avaliar a compatibilidade com o direito comunitário de financiamentos comparáveis aos criticados pela demandante. Apenas a sua aplicação pela Comissão às situações denunciadas pela demandante pode marcar claramente a vontade da instituição em relação ao seu pedido e, portanto, constituir uma tomada de posição na acepção do artigo 232.°, segundo parágrafo, CE.

78      Esta conclusão impõe‑se ainda mais em relação ao projecto de decisão. O facto de as partes em causa – dentre as quais a demandante – terem tido a ocasião de se pronunciar sobre o seu conteúdo não permite equipará‑lo ao início do procedimento formal de investigação do artigo 88.°, n.° 2, CE. Esta consulta permitiu apenas à demandante exprimir o seu ponto de vista sobre o conteúdo de uma decisão geral e não invocar os seus argumentos sobre a legalidade das medidas denunciadas, como seria seu direito nos termos do artigo 20.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999 se a Comissão tivesse decidido iniciar o procedimento formal de investigação do artigo 88.°, n.° 2, CE.

79      Resulta do que precede que, no momento em que foi notificada para agir em conformidade com o artigo 232.° CE, a Comissão não tinha tomado posição sobre a denúncia da demandante.

80      Quando a omissão consiste numa abstenção da instituição, contrária ao direito comunitário, importa verificar se, no momento da interpelação da Comissão para agir, em 26 de Janeiro de 2004, esta tinha obrigação de agir (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, Gestevisión Telecinco/Comissão, T‑95/96, Colect., p. II‑3407, n.° 71, e Air One/Comissão, n.° 45 supra, n.° 60).

81      Na medida em que tem competência exclusiva para apreciar a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado comum, a Comissão é obrigada, no interesse de uma boa administração das regras fundamentais do Tratado relativas aos auxílios de Estado, a proceder a um exame diligente e imparcial da denúncia da existência de um auxílio incompatível com o mercado comum (acórdão Air One/Comissão, n.° 45 supra, n.° 61). Por conseguinte, a Comissão não pode prolongar indefinidamente a análise preliminar de medidas estatais que foram objecto de uma denúncia. O carácter razoável da duração do exame de uma denúncia deve apreciar‑se em função das circunstâncias próprias de cada processo, nomeadamente, do contexto deste, das diferentes etapas processuais que a Comissão deve seguir e da complexidade do processo (acórdãos Gestevisión Telecinco/Comissão, referido no n.° 80 supra, n.° 75)

82      A denúncia e a notificação da Comissão pela demandante foram recebidas pela Comissão em 20 de Janeiro de 2003 e em 26 de Janeiro de 2004, respectivamente.

83      Resulta dos autos que a Comissão acusou a recepção da denúncia da demandante sem lhe pedir informações complementares ou explicitar as razões pelas quais não a pôde instruir devidamente. Portanto, deve considerar‑se que o prazo no qual a Comissão devia concluir a sua investigação preliminar dos financiamentos controvertidos começou a correr no dia da recepção da denúncia.

84      Assim, no momento em que a Comissão foi notificada, em conformidade com o artigo 232.°, segundo parágrafo, CE, o exame prévio da denúncia durava há 12 meses.

85      O Tribunal de Primeira Instância já decidiu que uma duração de cerca de 6 meses para tratar um caso de uma determinada complexidade respeitante a diversos aeroportos italianos, não excedia os limites do prazo razoável (acórdão Air One/Comissão, n.° 45 supra, n.os 62 a 67). Ao invés, no acórdão Gestevisión Telecinco/Comissão, (referido no n.° 80 supra, n.° 80), o Tribunal de Primeira Instância considerou que a duração do tratamento das denúncias de 47 meses para a primeira e de 26 meses para a segunda ultrapassara os limites do razoável.

86      Dado que os prazos previstos pelo Regulamento n.° 659/1999 para os auxílios notificados não são aplicáveis aos auxílios não notificados, o argumento da demandante segundo o qual a Comissão devia, em princípio, estar em condições de tomar esta decisão no prazo de dois meses deve ser rejeitado.

87      No momento da apresentação da sua denúncia, o processo no caso em que foi proferido o acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, n.° 71, supra, ainda não estava concluído. Dada a importância que este acórdão reveste para o tratamento dos financiamentos públicos criticados pela demandante, a Comissão podia legitimamente protelar o exame das questões de facto suscitadas pela denúncia para aguardar uma clarificação do quadro jurídico à luz do qual a investigação da denúncia devia ser conduzida.

88      A preparação de uma decisão geral sobre auxílios de Estado sob a forma de compensação de serviço público concedidos a certas empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral não eximia certamente a Comissão da sua obrigação de proceder a uma análise individual da denúncia da demandante.

89      Um intervalo de 6 meses medeia entre a prolação do acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, referido no n.° 71, supra, e o termo do prazo previsto no artigo 232.°, segundo parágrafo, CE. Ora, o caso é inegavelmente complexo. A denúncia refere todos os hospitais do sector público na Alemanha, que montam a mais de 700, sem todavia os identificar individualmente, e critica tanto a compensação pelos organismos públicos de eventuais perdas de exploração dos hospitais como a concessão de uma garantia, sem que sejam fornecidas precisões sobre os auxílios recebidos por cada hospital referido.

90      Atendendo à complexidade do caso, este prazo era, de qualquer modo, demasiado curto para que a Comissão pudesse concluir a análise preliminar da compatibilidade dos financiamentos denunciados pela demandante.

91      Consequentemente, deve declarar‑se que, à data da notificação, a duração da análise da denúncia não excedia os limites do razoável.

92      Por conseguinte, a acção deve ser julgada improcedente.

 Quanto às despesas

93      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a demandante sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

94      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas. Por conseguinte, a República Federal da Alemanha e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1)      A acção é julgada improcedente.

2)      A Asklepios Kliniken GmbH suportará, além das suas próprias despesas, as efectuadas pela Comissão.

3)      A República Federal da Alemanha e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte suportarão as suas próprias despesas.

Legal

Wiszniewska‑Białecka

Moavero Milanesi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de Julho de 2007.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      H. Legal


* Língua do processo: alemão.