Language of document : ECLI:EU:T:2009:392

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Sexta Secção)

7 de Outubro de 2009 (*)

«Produtos fitofarmacêuticos – Substância activa clorotalonil – Modificação da inscrição no anexo I da Directiva 91/414/CEE – Directiva 2006/76/CE – Retroactividade – Não previsão de período transitório – Segurança jurídica – Confiança legítima – Princípio da igualdade de tratamento»

No processo T‑380/06,

Vischim Srl, com sede em Cesano Maderno (Itália), representada por C. Mereu e K. Van Maldegem, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por L. Parpala e B. Doherty, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto a anulação do artigo 2.°, segundo parágrafo, da Directiva 2006/76/CE da Comissão, de 22 de Setembro de 2006, que altera a Directiva 91/414/CEE do Conselho no que se refere à especificação da substância activa clortalonil (JO L 263, p. 9),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Sexta Secção),

composto por: A. W. H. Meij, presidente, F. Dehousse e V. Vadapalas (relator), juízes,

secretário: C. Kantza, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 25 de Setembro de 2008,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

 Directiva 91/414/CEE

1        Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 91/414/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO L 230, p. 1), «[o]s Estados‑Membros certificar‑se‑ão de que um produto fitofarmacêutico só é autorizado […] [s]e as suas substâncias activas constarem do anexo I e se as condições prescritas nesse anexo se encontrarem preenchidas».

2        Nos termos do artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 91/414, «[à] luz dos conhecimentos científicos e técnicos existentes, uma substância activa será incluída no anexo I por um período inicial não superior a dez anos, se for possível presumir que os produtos fitofarmacêuticos que contêm essa substância activa respeitam as […] condições» definidas nas duas alíneas seguintes relativas à falta de nocividade para a saúde humana ou animal e para o ambiente.

3        Por força do disposto no artigo 5.°, n.° 4, primeiro e segundo travessão, da mesma directiva, a inclusão pode depender de exigências relativas ao «grau de pureza mínima da substância activa» e à «natureza e [a]o teor máximo de certas impurezas».

4        O artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 91/414 dispõe:

«A inclusão de uma substância activa no anexo I é decidida segundo o processo previsto no artigo 19.°»

Este processo é igualmente aplicado para decidir:

–        as condições de que eventualmente depende essa inclusão,

–        as alterações a introduzir, se necessário, no anexo I,

[…]»

5        Por força do disposto no artigo 8.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Directiva 91/414, «[e]m derrogação do artigo 4.° […], um Estado‑Membro pode, durante um prazo de doze anos a contar da data de notificação da presente directiva, autorizar a colocação no mercado, no seu território, de produtos fitofarmacêuticos que contenham substâncias activas não constantes do anexo I, que se encontrem já no mercado dois anos após a data de notificação da presente directiva».

6        Segundo o artigo 8.°, n.° 2, segundo parágrafo, da mesma directiva, durante o mesmo período de doze anos, a Comissão das Comunidades Europeias estabelece um programa de trabalho para a análise progressiva dessas substâncias activas.

7        Nos termos do artigo 8.°, n.° 2, quarto parágrafo, da Directiva 91/414, «[n]o decurso deste período […] pode ser decidido, após análise [de uma] substância activa pelo comité a que se refere o artigo 19.° e de acordo com o processo estabelecido nesse mesmo artigo, que a referida substância activa pode ser incluída do anexo I, definindo‑se as condições para tal, ou, nos casos em que não sejam satisfeitos os requisitos previstos no artigo 5.° ou em que as informações e os dados requeridos não tenham sido apresentadas dentro do período fixado, que essa substância activa não será incluída no anexo I». Esta disposição refere ainda que «[o]s Estados‑Membros assegurarão, conforme se revelar adequado, que as autorizações em questão serão concedidas, retiradas ou alteradas, no período fixado».

8        O artigo 19.° da Directiva 91/414, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 806/2003 do Conselho, de 14 de Abril de 2003 (JO L 122, p. 1), prevê que a Comissão é assistida por um comité de regulamentação, o Comité Permanente da Cadeia Alimentar e da Saúde Animal (a seguir «comité»).

9        Relativamente à substância activa clorotalonil, o período previsto no artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 91/414, que devia expirar em 26 de Julho de 2003, foi prorrogado, inicialmente até 31 de Dezembro de 2005, pelo Regulamento (CE) n.° 2076/2002 da Comissão, de 20 de Novembro de 2002 (JO L 319, p. 3), e depois até 31 de Dezembro de 2006, pelo Regulamento (CE) n.° 1335/2005 da Comissão, de 12 de Agosto de 2005 (JO L 211, p. 6), a menos que fosse tomada uma decisão sobre a respectiva inclusão no anexo I da Directiva 91/414 antes desta data.

 Regulamento (CEE) n.° 3600/92

10      O Regulamento (CEE) n.° 3600/92 da Comissão, de 11 de Dezembro de 1992, que estabelece normas de execução para a primeira fase do programa de trabalho referido no n.° 2 do artigo 8.° da Directiva 91/414 (JO L 366, p. 10), organiza o processo de avaliação de várias substâncias activas, entre as quais o clorotalonil, para efeitos da respectiva inclusão no anexo I dessa directiva.

11      Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3600/92, «[q]ualquer produtor que pretenda que uma substância activa […] sej[a] incluíd[a] no anexo I da directiva [91/414] notificará a Comissão nesse sentido, o mais tardar seis meses após a data de entrada em vigor do presente regulamento».

12      O artigo 7.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 3600/92, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1199/97 da Comissão, de 27 de Junho de 1997 (JO L 170, p. 19), determina as modalidades de análise dos processos apresentados pelos autores da notificação.

13      Nos termos do artigo 8.°, n.° 3, quarto parágrafo, do Regulamento n.° 3600/92, conforme alterado:

«Depois do exame […], a Comissão […] apresentará ao comité:

a)      Um projecto de directiva com vista à inclusão da substância activa no anexo I da directiva, do qual constarão, se for caso disso, as condições, incluindo prazos, de tal inclusão;

[…]»

 Antecedentes do litígio

 Inclusão do clorotalonil no anexo I da Directiva 91/414

14      Em 8 de Julho de 1993, a recorrente, Vischim Srl, uma sociedade italiana que produz clorotalonil, informou a Comissão do seu interesse em obter a inclusão desta substância activa no anexo I da Directiva 91/414.

15      Só dois autores da notificação para o clorotalonil apresentaram o respectivo processo dentro do prazo, concretamente a sociedade ISK Biotech Europe (à qual sucedeu, durante o procedimento de avaliação, a sociedade Zeneca Agrochemicals, que por sua vez se tornou a sociedade Syngenta) e a recorrente.

16      Na sequência da análise desses processos, em 16 de Setembro de 2005, a Comissão adoptou a Directiva 2005/53/CE, que altera a Directiva 91/414 com o objectivo de incluir as substâncias activas clortalonil, clortolurão, cipermetrina, daminozida e tiofanato‑metilo (JO L 241, p. 51).

17      Por força do disposto no artigo 1.° da Directiva 2005/53 e no seu anexo, o clorotalonil está inscrito no n.° 102 do quadro que consta do anexo I da Directiva 91/414. A quarta coluna desse quadro, intitulada «Pureza», contém a seguinte menção: «Hexaclorobenzeno: não superior a 0,01 g/kg».

18      Resulta do relatório de revisão do clorotalonil (documento SANCO/4343/2000 final, de 14 de Fevereiro de 2005, a seguir «relatório de revisão») que o referido requisito relativo ao teor máximo de hexaclorobenzeno (HCB) foi estabelecido tendo em conta a especificação do clorotalonil adoptada pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) no mês de Fevereiro de 2005.

19      Por força do disposto no artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2005/53, os Estados‑Membros foram obrigados a alterar ou retirar, se necessário, as autorizações existentes de produtos fitofarmacêuticos que continham clorotalonil para 31 de Agosto de 2006, verificando, por um lado, se os requisitos impostos até anexo I da Directiva 91/414 tinham sido respeitados e, por outro, se o detentor da autorização tinha um processo, ou tinha acesso a um processo que satisfizesse as exigências do anexo II da Directiva 91/414, em conformidade com os requisitos impostos pelo artigo 13.° da mesma directiva.

20      A Directiva 2005/53 entrou em vigor em 1 de Março de 2006. Em conformidade com o seu artigo 2.°, primeiro e segundo parágrafos, os Estados‑Membros deviam adoptar e publicar as disposições necessárias para lhe dar cumprimento até 31 de Agosto de 2006, e aplicá‑las a partir de 1 de Setembro de 2006.

21      Em 25 de Novembro de 2005, a recorrente interpôs recurso de anulação, nomeadamente, da Directiva 2005/53 (processo T‑420/05).

22      No âmbito do referido recurso, a recorrente apresentou dois pedidos de medidas provisórias consecutivos, indeferidos por despachos do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Abril de 2006, Vischim/Comissão (T‑420/05 R, não publicado na Colectânea), e de 13 de Outubro de 2006, Vischim/Comissão (T‑420/05 R II, Colect., p. II‑4085), tendo este último sido confirmado por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 3 de Abril de 2007, Vischim/Comissão [C‑459/06 P(R), não publicado na Colectânea].

 Modificação da inclusão no anexo I da Directiva 91/414

23      No mês de Dezembro de 2005, a FAO publicou, com base nas informações apresentadas pela recorrente, uma nova especificação do clorotalonil, elevando o teor máximo de HCB a 0,04 g/kg.

24      A recorrente informou a Comissão desta nova especificação por carta de 16 de Dezembro de 2005.

25      No mês de Março de 2006, a Comissão pediu ao Estado‑Membro relator que avaliasse diferentes versões de clorotalonil conformes à nova especificação da FAO, entre as quais o produto da recorrente.

26      Simultaneamente, os serviços da Comissão dirigiram aos Estados‑Membros uma mensagem de correio electrónico redigida nos seguintes termos:

«[O Estado‑Membro relator] está a analisar a equivalência de produtos de origens diversas (incluindo da Vischim). Se se concluir que são tão seguros como o produto de referência, a Comissão ponderará a possibilidade de alterar a Directiva [91/414] no que diz respeito aos níveis de HCB autorizados. Neste caso, pode ser difícil alterar formalmente o diploma antes de 1 de Setembro de 2006, uma vez que pode ser necessária uma certa flexibilidade da administração por essa altura. Seria indesejável que fossem retirados produtos do mercado nacional para serem de novo autorizados pouco tempo depois. É evidente que se mantém a obrigatoriedade de retirar autorizações nos casos em que seja demonstrado que o resultado da análise do processo não é, claramente, favorável, ou em que as exigências de ordem administrativa não sejam cumpridas.»

27      Concluída a sua avaliação, em Abril de 2006, o Estado‑Membro relator considerou que o clorotalonil que continha 0,04 g/kg de HCB não criava riscos suplementares em relação aos que já tinham sido levados em consideração quando foi adoptada a Directiva 2005/53. Assim, propôs uma modificação da especificação do clorotalonil prevista na Directiva 2005/53.

28      Em 13 e 14 de Julho de 2006, a referida modificação foi aprovada pelo comité. No que diz respeito ao prazo relativo à introdução da especificação modificada, a acta da reunião refere, nomeadamente, o seguinte:

«[A] modificação da especificação em causa foi objecto de um consenso geral e a Comissão comprometeu‑se a fazer com que fosse adoptado um projecto rapidamente […] Quanto à questão da oportunidade de alongar o prazo de seis meses fixado para apresentar os estudos científicos em falta, não parece que seja adequado. Isto poderia criar um precedente e exporia a Comissão a críticas relacionadas com o tratamento desigual dos autores da notificação […] Por estas razões, não é oportuno afastarmo‑nos do prazo habitualmente fixado pela directiva relativa à inclusão […] O Reino Unido pede que seja prolongado o prazo de regularização do processo, de modo a permitir que a Vischim recorra à arbitragem prevista no direito nacional, com vista a obter o acesso aos estudos sobre os vertebrados, quando tiver sido votada a inclusão da substância.»

29      Por carta de 27 de Julho de 2006, a recorrente informou a Comissão de que, «para poder garantir a sua eficácia em relação [às suas] autorizações, a modificação [devia], por um lado, entrar em vigor antes de 31 de Agosto de 2006 e, por outro, fixar aos Estados‑Membros um novo prazo para que estes verificassem a observância dos requisitos da inclusão no anexo I». A Comissão não respondeu a esta carta.

30      Entre os meses de Julho e de Setembro de 2006, a recorrente recebeu ofícios das autoridades competentes do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, do Reino da Bélgica e da Irlanda que lhe notificavam a intenção de retirar o seu produto do mercado.

31      Em particular, o ofício dirigido à recorrente pelas autoridades do Reino Unido, datado de 28 de Julho de 2006, tem a seguinte redacção:

«[O vosso produto está] em conformidade com as novas especificações [de pureza] tais como alteradas pelo [comité] em 13 e 14 de Julho de 2006 [mas] V.as Ex.as ainda não demonstraram que tinham acesso adequado aos dados do anexo II […] para os vossos produtos autorizados existentes que contêm clorotalonil. Por conseguinte, segue uma notificação, junta ao presente ofício, da intenção de retirar os produtos existentes que contêm clorotalonil.»

32      Em 22 de Setembro de 2006, a Comissão adoptou a Directiva 2006/76/CE, que altera a Directiva 91/414 no que se refere à especificação da substância activa clortalonil (JO L 263, p. 9, a seguir «directiva impugnada»).

33      Nos termos do artigo 1.° da directiva impugnada, a especificação do clorotalonil prevista no âmbito da inclusão no anexo I da Directiva 91/414 é substituída pelo quadro anexo. A quarta coluna desse quadro, intitulada «Pureza», contém a seguinte menção: «Hexaclorobenzeno: não superior a 0,04 g/kg».

34      A directiva impugnada entrou em vigor em 23 de Setembro de 2006. Por força do disposto no seu artigo 2.°, os Estados‑Membros deviam adoptar e publicar as disposições necessárias para lhe dar cumprimento até 31 de Agosto de 2006 e aplicá‑las a partir de 1 de Setembro de 2006.

 Tramitação processual e pedidos das partes

35      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 15 de Dezembro de 2006, a recorrente interpôs o presente recurso.

36      Por requerimento separado apresentado no mesmo dia, a recorrente requereu a tramitação acelerada, ao abrigo do artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Este pedido foi indeferido por decisão do presidente da Quarta Secção do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Janeiro de 2007.

37      Em 27 de Fevereiro de 2007, a Comissão arguiu, em requerimento separado, uma questão prévia de inadmissibilidade. Depois de a recorrente ter apresentado as suas observações, o conhecimento da questão prévia de inadmissibilidade foi reservado para final por despacho do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Junho de 2007.

38      Depois de ter sido apresentada a contestação, o Tribunal de Primeira Instância decidiu, nos termos do disposto no artigo 47.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, que não era necessária uma segunda troca de articulados.

39      Uma vez que a composição das Secções do Tribunal de Primeira Instância foi alterada, o juiz relator foi afectado à Sexta Secção, à qual, consequentemente, o presente processo foi distribuído.

40      Uma vez que um dos membros da secção se encontrava impedido, o presidente do Tribunal de Primeira Instância, nos termos do artigo 32.°, n.° 3, do Regulamento de Processo designou outro juiz para completar a secção.

41      Ouvidas as partes, o presente processo foi apenso ao processo T‑420/05 para efeitos da fase oral.

42      Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal de Primeira Instância decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo, fez determinadas perguntas escritas às partes, a que estas responderam em 16 de Junho, 7 e 14 de Julho de 2008.

43      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas colocadas pelo Tribunal na audiência de 25 de Setembro de 2008.

44      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular parcialmente a directiva impugnada, nomeadamente o seu artigo 2.°, segundo parágrafo;

–        ordenar à Comissão que preveja prazos prospectivos, precisos, razoáveis e legítimos no que diz respeito à directiva impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

45      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso inadmissível ou, a título subsidiário, negar‑lhe provimento;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

46      Relativamente, em primeiro lugar, ao pedido da recorrente no sentido de que o Tribunal de Primeira Instância ordene à Comissão que preveja prazos prospectivos, precisos, razoáveis e legítimos no que diz respeito à directiva impugnada, recorde‑se que, no âmbito da fiscalização da legalidade prevista no artigo 230.° CE, não cabe ao juiz comunitário dirigir injunções às instituições (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2006, SELEX Sistemi Integrati/Comissão, T‑155/04, Colect., p. II‑4797, n.° 28).

47      Assim, o segundo pedido da recorrente é inadmissível.

48      No que diz respeito, em seguida, ao pedido de anulação do artigo 2.°, segundo parágrafo, da directiva impugnada, a Comissão arguiu a inadmissibilidade desse pedido, invocando, em primeiro lugar, a impossibilidade da anulação parcial pedida pela recorrente e, em segundo lugar, a natureza legislativa da directiva impugnada.

49      A recorrente sustenta que o seu pedido é admissível.

50      Quanto ao primeiro fundamento invocado pela Comissão, observe‑se que, de acordo com jurisprudência assente, a anulação parcial de um acto só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem separáveis da parte restante do acto. Esta exigência de separabilidade não se encontra satisfeita quando a anulação parcial teria por efeito modificar a substância do acto impugnado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Junho de 2006, Parlamento/Conselho, C‑540/03, Colect., p. I‑5769, n.os 27 e 28 e jurisprudência aí referida).

51      Por força do disposto no artigo 2.°, segundo parágrafo, da directiva impugnada, os Estados‑Membros devem aplicar as disposições adoptadas para dar cumprimento à mesma directiva a partir de 1 de Setembro de 2006, portanto, retroactivamente.

52      A recorrente afirma que o seu recurso não se destina a obter a anulação total da directiva impugnada, que, no essencial, lhe é favorável, mas tem apenas por objecto os seus efeitos no tempo, definidos, nomeadamente, na disposição impugnada.

53      A Comissão sustenta que a disposição em causa, que define o âmbito de aplicação temporal da directiva impugnada, não é separável desta, uma vez que, se essa disposição for anulada, a directiva impugnada se tornará inaplicável.

54      Refira‑se, a este respeito, que nada impede que a legalidade de um acto comunitário seja posta em causa apenas no que diz respeito aos seus efeitos no tempo e, em particular, ao seu efeito retroactivo (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1991, Crispoltoni, C‑368/89, Colect., p. I‑3695, e de 1 de Abril de 1993, Diversinte e Iberlacta, C‑260/91 e C‑261/91, Colect., p. I‑1885).

55      Por outro lado, no âmbito de um recurso que se destina a obter não a supressão de uma disposição substantiva, favorável à parte recorrente, mas apenas a anulação da disposição que define os seus efeitos no tempo, o juiz comunitário pode decidir, nos termos do artigo 231.°, segundo parágrafo, CE, manter o acto impugnado tal como está até que as instituições competentes adoptem as medidas que a execução do acórdão impõe (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 2000, Medici Grimm/Conselho, T‑7/99, Colect., p. II‑2671, n.os 93 e 94 e jurisprudência aí referida). Além disso, embora o artigo 231.°, segundo parágrafo, CE faça apenas referência aos regulamentos, o âmbito de aplicação desta disposição deve estender‑se aos actos das instituições que, apesar de não terem a forma de regulamento, produzem, no entanto, efeitos análogos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Julho de 1992, Parlamento/Conselho, C‑295/90, Colect., p. I–4193, n.° 26).

56      Assim, não há que acolher o fundamento de inadmissibilidade invocado pela Comissão relativo à impossibilidade da anulação parcial da directiva impugnada, limitada à disposição do artigo 2.°, segundo parágrafo, que define os seus efeitos no tempo.

57      Quanto ao segundo fundamento de inadmissibilidade invocado pela Comissão, relativo à natureza legislativa da directiva impugnada, recorde‑se que o facto de o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE não tratar expressamente da admissibilidade dos recursos de anulação interpostos por uma pessoa singular ou colectiva contra uma directiva não é suficiente para julgar esses recursos inadmissíveis (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Junho de 1998, UEAPME/Conselho, T‑135/96, Colect., p. II‑2335, n.° 63, e despacho do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Setembro de 2002, Japan Tobacco e JT International/Parlamento e Conselho, T‑223/01, Colect., p. II‑3259, n.° 28).

58      Há que referir, além disso, que a recorrente, na sua qualidade de autora da notificação e de titular de autorizações existentes de produtos fitofarmacêuticos que contêm clorotalonil, é individual e directamente afectada pela inclusão desta substância activa no anexo I da Directiva 91/414 prevista pela Directiva 2005/53 e, por conseguinte, pela directiva impugnada, que altera os requisitos da referida inclusão. Observe‑se, além disso, que a directiva impugnada foi adoptada na sequência de uma avaliação solicitada pela recorrente e que tinha por objecto, nomeadamente, o seu produto.

59      Face ao exposto, o pedido da recorrente de anulação da directiva impugnada no que diz respeito aos efeitos no tempo definidos no seu artigo 2.°, segundo parágrafo, é admissível.

 Quanto ao mérito

 Argumentos das partes

60      A recorrente invoca, para sustentar o seu recurso, um primeiro fundamento, relativo à falta de fundamentação. A directiva impugnada não contém uma fundamentação que justifique o seu efeito retroactivo. A Comissão não explicou de que forma essa retroactividade devia operar, de jure e de facto, para permitir a aplicação útil da especificação modificada.

61      O segundo fundamento da recorrente é relativo à violação do artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 91/414 e do artigo 8.°, n.° 3, alínea a), do Regulamento n.° 3600/92. Segundo afirma, estas disposições impõem que a Comissão preveja, numa directiva relativa à inclusão de uma substância activa no anexo I da Directiva 91/414, um período transitório para a revisão das autorizações nacionais existentes. A existência desta obrigação é confirmada pela prática da Comissão. Para ter sentido e ser eficaz, esse período transitório deve necessariamente inscrever‑se no futuro, ou seja, a partir da data de entrada em vigor da directiva impugnada. Não prevendo tal período transitório no caso em apreço, a Comissão deixou de dar cumprimento a uma obrigação processual essencial que lhe é imposta pela Directiva 91/414 e pelo Regulamento n.° 3600/92.

62      Centrando sempre a sua argumentação na inexistência, na directiva impugnada, de um período transitório futuro, a recorrente invoca, em seguida, a violação dos princípios da não retroactividade, da segurança jurídica, da protecção da confiança legítima e da igualdade de tratamento.

63      A este respeito, a recorrente recorda a jurisprudência segundo a qual uma medida comunitária só pode ser objecto de aplicação retroactiva em casos excepcionais, quando o seu objectivo o imponha e a confiança legítima dos interessados for respeitada. Ora, no caso em apreço, nenhum destes requisitos se encontra preenchido.

64      O efeito retroactivo da directiva impugnada não pode justificar‑se pela necessidade de evitar a aplicação da especificação mais estrita prevista pela Directiva 2005/53. Com efeito, esta última já produziu efeitos jurídicos, concretamente, a revogação das autorizações de que a recorrente era titular. Nestas condições, a modificação retroactiva só teria efeitos se fosse associada a um período transitório futuro, durante o qual a conformidade com a nova especificação podia ser provada.

65      Além disso, o facto de não ter previsto um novo período transitório é contrário às expectativas legítimas dos operados criadas pela regulamentação aplicável e pela prática da Comissão. Em particular, pelo facto de não ter sido previsto um novo período transitório, o efeito retroactivo da directiva impugnada viola a confiança legítima da recorrente, na medida em que esta última não pôde fazer valer os direitos decorrentes da modificação da especificação do clorotalonil.

66      Na falta de período transitório, a recorrente alega que não pode «fazer o tempo voltar atrás» para apresentar o seu processo às autoridades nacionais, para estas verificarem a conformidade do seu produto com a especificação modificada introduzida pela directiva impugnada. Os Estados‑Membros, por sua vez, não puderam cumprir as suas obrigações decorrentes das novas disposições aplicáveis, nomeadamente as de examinar ou reexaminar as autorizações nacionais da recorrente à luz da nova especificação. Assim, a directiva impugnada não tem qualquer efeito útil e viola o princípio da segurança jurídica.

67      Além disso, a Comissão não tratou a recorrente da mesma maneira que os produtores afectados pelas outras medidas adoptadas no mesmo domínio, que previram um período transitório na sequência da inclusão das substâncias activas no anexo I da Directiva 91/414, nomeadamente, não a tratou da mesma maneira que o outro autor da notificação do clorotalonil, a Syngenta, que beneficiou de um período transitório previsto pela Directiva 2005/53.

68      A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

69      O Tribunal considera que há que começar por analisar a alegada violação do artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 91/414 e do artigo 8.°, n.° 3, alínea a), do Regulamento n.° 3600/92, bem como a prática anterior da Comissão, depois, a violação dos vários princípios gerais de direito invocados pela recorrente e, por último, a violação do dever de fundamentação.

–       Quanto à alegada violação do artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 91/414 e do artigo 8.°, n.° 3, alínea a), do Regulamento n.° 3600/92, bem como da prática anterior da Comissão

70      No que diz respeito, em primeiro lugar, às disposições alegadamente violadas, há que referir que nenhuma delas impõe à Comissão a obrigação de prever um período transitório para se proceder à reapreciação das autorizações nacionais existentes.

71      Por um lado, o artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 91/414 fixa um programa de trabalho para a análise progressiva das substâncias activas que se encontrassem já no mercado dois anos após a data de notificação da directiva com vista à sua eventual inclusão no anexo I da referida directiva. O artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 91/414 não trata, assim, da questão da fixação de um período transitório pela Comissão depois da inclusão de uma substância activa no anexo I.

72      Por outro lado, o artigo 8.°, n.° 3, alínea a), do Regulamento n.° 3600/92 dispõe que, num projecto de directiva para incluir a substância activa no anexo I da Directiva 91/414, a Comissão fixa, sendo caso disso, as condições da inclusão, nomeadamente em termos de prazo. Esta disposição refere‑se, assim, a determinadas modalidades relativas à fase de inclusão de uma substância activa no anexo I da Directiva 91/414. Dela não decorre a obrigação da Comissão de prever um período transitório destinado a permitir a reapreciação das autorizações nacionais existentes depois da referida inclusão.

73      Isto é tanto mais verdade quanto, no caso em apreço, a directiva impugnada não revoga a Directiva 2005/53, limitando‑se a alterar o anexo I da Directiva 91/414 no que diz respeito à especificação da substância em causa. De modo nenhum põe em causa todo o procedimento de inclusão da referida substância no anexo I da Directiva 91/414. Foi no âmbito desse procedimento de inclusão que a recorrente teve de depositar um processo sumário e um processo completo, em conformidade com o artigo 2.° do Regulamento (CE) n.° 933/94 da Comissão, de 27 de Abril de 1994, que estabelece as substâncias activas dos produtos fitofarmacêuticos e designa os Estados‑Membros relatores com vista à aplicação do Regulamento (CEE) n.° 3600/92 (JO L 107, p. 8), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 2230/95 da Comissão, de 21 de Setembro de 1995 (JO L 225, p. 1), e com o artigo 6.° do Regulamento n.° 3600/92, conforme completado pelo Regulamento (CE) n.° 2266/2000 da Comissão, de 12 de Outubro de 2000 (JO L 259, p. 27). No termo desse procedimento, foi adoptada a Directiva 2005/53, que inscreveu a substância em causa no anexo I da Directiva 91/414 e previu um período transitório antes de essa inclusão produzir efeitos. No presente caso, a inclusão do clorotalonil no anexo I da Directiva 91/414 foi, assim, devidamente seguida de um período transitório destinado a permitir o exame, pelas autoridades nacionais, das autorizações nacionais existentes.

74      Consequentemente, o facto de a directiva impugnada não prever um período transitório não constitui uma violação das disposições invocadas pela recorrente.

75      No que diz respeito, em segundo lugar, ao argumento da recorrente relativo à prática da Comissão, refira‑se que uma simples prática administrativa, que não seja contrária à regulamentação em vigor e não implique o exercício de um poder de apreciação, pode suscitar a confiança legítima dos interessados (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Setembro de 2004, MCI/Comissão, T‑310/00, Colect., p. II‑3253, n.° 112 e jurisprudência aí referida).

76      No caso em apreço, a Comissão alega que a sua prática constante consiste em exigir que os Estados‑Membros adoptem certas medidas no prazo de seis meses a contar da inclusão de uma substância activa no anexo I da Directiva 91/414.

77      A prática da Comissão que consiste em prever esse prazo para permitir que as partes interessadas possam preparar‑se para as novas exigências e que os Estados‑Membros reapreciem as autorizações existentes decorre igualmente dos considerandos 9 e 10 da Directiva 2005/53.

78      Há que observar, no entanto, que tal prática, por um lado, visa antes de mais os Estados‑Membros, aos quais impõe obrigações, nomeadamente quanto ao prazo de reapreciação de que dispõem, e, por outro, enquadra a inclusão inicial de uma substância activa no anexo I da Directiva 91/414.

79      Por conseguinte, não se pode deixar de concluir que foi também erradamente que a recorrente invocou a prática da Comissão para alegar que esta tinha a obrigação, no caso vertente, de prever um período transitório destinado à reapreciação das autorizações nacionais existentes. A prática a que a recorrente se refere não diz respeito ao presente caso.

80      Assim, pelo facto de não ter previsto, na directiva impugnada, um período transitório destinado à reapreciação das autorizações nacionais existentes, a Comissão não violou nem o artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 91/414, nem o artigo 8.°, n.° 3, alínea a), do Regulamento n.° 3600/92 e não se afastou da sua prática anterior.

–       Quanto à alegada violação dos princípios da não retroactividade, da segurança jurídica, da protecção da confiança legítima e da igualdade de tratamento

81      Recorde‑se que o princípio da segurança jurídica exige que uma regulamentação comunitária imposta aos particulares seja clara e precisa de modo a que estes últimos possam conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e possam agir em conformidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 1981, Gondrand e Garancini, 169/80, Recueil, p. 1931, n.° 17).

82      Por outro lado, em regra, o princípio da segurança das situações jurídicas opõe‑se a que os efeitos de um acto comunitário no tempo tenham início numa data anterior à da sua publicação, salvo, a título excepcional, quando o objectivo a atingir o exija e a confiança legítima dos interessados seja devidamente respeitada (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 1979, Racke, 98/78, Colect., p. 53, n.° 20; v., igualmente, quanto aos efeitos retroactivos das directivas, acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 1990, Fedesa e o., C‑331/88, Colect., p. I‑4023, n.° 45).

83      Por conseguinte, há que verificar, no caso vertente, por um lado, se o objectivo a atingir justifica a retroactividade da directiva impugnada e, por outro, se a confiança legítima da recorrente foi devidamente respeitada e se esta última pôde conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade.

84      No que diz respeito ao primeiro requisito, resulta dos considerandos 1 e 2 da directiva impugnada que a Comissão alterou a especificação do clorotalonil para levar em conta a nova especificação da FAO, publicada depois da adopção da Directiva 2005/53. A referida especificação da FAO, que revogou a especificação que estava em vigor na data da adopção da Directiva 2005/53, modificou a exigência relativa ao teor de HCB, fixando o limite de 0,01 em 0,04 g/kg.

85      A este respeito, a Comissão referiu, no considerando 4 da directiva impugnada, que, «[u]ma vez que a Directiva 2005/53 […] exig[ia] que os Estados‑Membros apli[cassem] o seu artigo 2.° a partir de 1 de Setembro de 2006, a especificação alterada do clortalonil dev[ia] também aplicar‑se a partir desta data».

86      Resulta destas indicações que, ao prever o efeito retroactivo da especificação modificada, a Comissão pretendeu evitar que os Estados‑Membros fossem obrigados a aplicar, ainda que por muito pouco tempo, a especificação mais estrita prevista na Directiva 2005/53. Tendo em conta este objectivo, devia prever‑se que a especificação modificada do clorotalonil seria aplicável a partir da data prevista para a aplicação da especificação inicial.

87      Assim sendo, no presente caso, há que concluir que o primeiro requisito enunciado pela jurisprudência, acima referido no n.° 82, que consiste no facto de o objectivo a atingir exigir que a directiva impugnada preveja a aplicação retroactiva da nova especificação menos rigorosa, se encontra preenchido. A recorrente não contesta, de resto, o carácter retroactivo da directiva impugnada na parte em que fixa uma nova especificação menos rigorosa.

88      Quanto ao segundo requisito, ou seja, o respeito da confiança legítima dos interessados, há que referir desde já que, na medida em que a especificação modificada prevista na directiva impugnada tem unicamente por efeito tornar os requisitos de inclusão menos exigentes, o seu efeito retroactivo não era susceptível, enquanto tal, de lesar a confiança legítima dos operadores em causa.

89      Todavia, a recorrente alega que a directiva impugnada viola os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima na medida em que não fixa um período transitório que lhe permita adaptar‑se às novas exigências e que implique a obrigação dos Estados‑Membros de reapreciarem as autorizações nacionais existentes.

90      A este respeito, importa recordar (v. n.os 70 a 80, supra) que nem as disposições aplicáveis nem a prática da Comissão impõem que esta preveja esse período transitório no caso vertente.

91      A recorrente também não carreou elementos susceptíveis de demonstrar que a Comissão lhe tenha criado legítimas expectativas de ver a modificação da especificação seguida da instauração de um novo período transitório. Na medida em que a própria recorrente esteve na origem dessa modificação (v. n.os 23 e 24, supra) que reduz as exigências para a autorização dos seus produtos, não pode ser contrário aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima não prever um período transitório para permitir à recorrente adaptar‑se às novas exigências.

92      No caso em apreço, qualquer produto que obedeça à especificação da Directiva 2005/53 corresponde, a fortiori, à da directiva impugnada, de modo que a adaptação, tanto por parte dos Estados‑Membros como da recorrente, às novas exigências não parece impor medidas ou esforços particulares que justifiquem uma confiança legítima na instauração de um período transitório para o efeito.

93      Mais precisamente, na perspectiva do respeito do princípio da segurança jurídica, a Directiva 2005/53 e as disposições claras e precisas aplicáveis na altura, que não foram revogadas pela directiva impugnada, permitiam à recorrente conhecer sem ambiguidade a extensão das obrigações que lhe eram impostas. A recorrente podia agir em conformidade e, nomeadamente, se queria conservar as suas autorizações existentes, podia apresentar um processo completo em conformidade com as exigências do anexo II da Directiva 91/414. Durante o período transitório que se seguiu à adopção da Directiva 2005/53, era claramente do interesse da recorrente apresentar esse processo completo ou demonstrar a possibilidade de aceder a esse processo para poder conservar as suas autorizações existentes.

94      Com efeito, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2005/53, a recorrente estava avisada de que, se não cumprisse essa obrigação, independentemente da relativa à conformidade de um produto à especificação comunitária, as suas autorizações seriam retiradas.

95      De modo acessório e mais contextualizado, resulta, por outro lado, dos factos do presente caso que a recorrente estava informada do facto de que a Comissão planeava modificar a especificação do clorotalonil para levar em conta a adoptada pela FAO no mês de Dezembro de 2005, e que essa modificação estava inserida no âmbito da reapreciação levada a cabo nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2005/53.

96      Com efeito, o procedimento que precedeu a adopção da directiva impugnada teve início com base nas informações fornecidas pela recorrente em 16 de Dezembro de 2005, e esta foi informada tanto das conclusões do relatório elaborado pelo Estado‑Membro relator no mês de Abril de 2006, que propunha modificar a especificação definida pela Directiva 2005/53, como da adopção da proposta nesse sentido pelo comité, em 13 e 14 de Julho de 2006.

97      Ora, resulta do ofício das autoridades do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte de 28 de Julho de 2006 (v. n.° 31, supra), apresentado pela recorrente, bem como dos ofícios das autoridades da Irlanda de 30 de Agosto de 2006 e do Reino da Bélgica de 7 de Setembro de 2006, apresentados pela Comissão, que foram retiradas certas autorizações à recorrente não por não estarem em conformidade com a especificação do clorotalonil prevista na Directiva 2005/53, mas pelo facto de a recorrente não ter apresentado um processo que satisfizesse as exigências do anexo II da Directiva 91/414 ou demonstrado a possibilidade de aceder a tal processo.

98      Por conseguinte, a recorrente não pode arrogar‑se um direito a integrar as lacunas do seu processo no âmbito de uma nova apreciação das suas autorizações durante um novo período transitório quando podia avaliar plenamente o interesse de apresentar um processo em conformidade com as exigências do anexo II da Directiva 91/414 durante o período transitório que se seguiu à adopção da Directiva 2005/53. Saliente‑se, a este respeito, que as exigências ligadas à apresentação desse processo se mantiveram inalteradas. Qualquer processo que estivesse em conformidade com as exigências do anexo II da Directiva 91/414 na vigência da Directiva 2005/53 mantinha‑se na mesma situação na vigência da directiva impugnada. Tanto no plano da especificação como no da posse de um processo conforme, a Comissão não tinha, portanto, aquando da adopção da directiva impugnada, nenhuma razão de obrigar os Estados‑Membros a proceder a uma nova apreciação das autorizações existentes nem de prever um período transitório para o efeito.

99      Por conseguinte, a aplicação retroactiva da nova especificação introduzida pela directiva impugnada não infringe os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima. Há que acrescentar que, contrariamente ao que afirma a recorrente, a directiva impugnada também produz efeitos úteis. Com efeito, a directiva permite a manutenção das autorizações existentes para os produtos que estejam em conformidade com a nova especificação que introduziu, desde que o titular da autorização tenha satisfeito as outras exigências previstas na Directiva 2005/53.

100    Quanto ao princípio da igualdade de tratamento, só é violado quando situações comparáveis são tratadas de maneira diferente ou situações diferentes são tratadas de modo idêntico, a menos que a diferenciação seja objectivamente justificada (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 1990, Hoche, C‑174/89, Colect., p. I‑2681, n.° 25).

101    Ora, no caso em apreço, a argumentação da recorrente equivale, no essencial, a comparar situações diferentes. Com efeito, a inclusão de uma substância no anexo I da Directiva 91/414 não é comparável à mera modificação da especificação dessa substância, já inscrita, de modo que a directiva impugnada não devia obrigatoriamente prever as mesmas modalidades transitórias que a Directiva 2005/53, aliás não revogada.

102    Por outro lado, uma vez que a recorrente pôde, como os outros produtores, beneficiar do período transitório que se seguiu à adopção da Directiva 2005/53 e, portanto, da inclusão do clorotalonil no anexo I da Directiva 91/414, nomeadamente apresentando às autoridades nacionais, nesse âmbito, um processo em conformidade com as exigências do anexo II da Directiva 91/414, não pode invocar uma desigualdade de tratamento em relação aos outros produtores dessa substância ou de qualquer outra substância aquando da sua inclusão no anexo I da referida directiva. A recorrente também não demonstrou que tenham sido previstos períodos transitórios pela Comissão em benefício de outros produtores aquando da modificação da especificação de uma substância já inscrita no anexo I da Directiva 91/414.

103    Em consequência, a Comissão não infringiu o princípio da igualdade de tratamento pelo facto de não ter previsto, na directiva impugnada, o período transitório para a reapreciação das autorizações existentes previsto no artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2005/53.

104    Assim, nenhuma das violações dos princípios gerais de direito invocadas pela recorrente pode ser acolhida.

–       Quanto à alegada violação do dever de fundamentação

105    Importa recordar que, segundo jurisprudência assente, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição autora do acto, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada para defenderem os seus direitos e ao juiz comunitário exercer a sua fiscalização [v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Setembro de 2002, Europe Chemi‑Con (Deutschland)/Conselho, T‑89/00, Colect., p. II‑3651, n.° 65 e jurisprudência aí referida].

106    A este respeito, quanto à alegada falta de fundamentação relativamente à disposição da directiva impugnada que fixa a respectiva aplicação no tempo, por um lado, há que concluir que os considerandos 1, 2 e 4 da directiva impugnada, citados nos n.os 84 e 85, supra, deixam claramente transparecer as razões pelas quais a Comissão atribuiu efeitos retroactivos à especificação modificada.

107    Por outro lado, a Comissão não estava obrigada a indicar as razões pelas quais não previu um período transitório para a reapreciação das autorizações nacionais. Com efeito, como resulta das considerações precedentes, nem as disposições aplicáveis nem a sua prática anterior nem nenhum dos princípios gerais de direito invocados pela recorrente impunham à Comissão prever esse período transitório.

108    Consequentemente, a recorrente sustenta erradamente que a directiva impugnada está viciada por falta de fundamentação.

109    Pelo exposto, há que negar provimento ao presente recurso.

 Quanto às despesas

110    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, nos termos do pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Sexta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Vischim Srl é condenada nas despesas.

Meij

Dehousse

Vadapalas

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de Outubro de 2009.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.