Language of document : ECLI:EU:T:2007:260

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

12 de Setembro de 2007 (*)

«Auxílios de Estado – Legislação que prevê medidas urgentes a favor do emprego para empresas em dificuldade – Decisão que declara o regime de auxílios incompatível com o mercado comum e ordena a recuperação do auxílio pago»

Nos processos apensos T‑239/04 e T‑323/04,

República Italiana, representada por D. Del Gaizo, na qualidade de agente,

recorrente no processo T‑239/04,

Brandt Italia SpA, com sede em Verolanuova (Itália), representada por M. van Empel, C. Visco e S. Lamarca, advogados,

recorrente no processo T‑323/04,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representado por V. Di Bucci, C. Giolito e E. Righini, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2004/800/CE da Comissão, de 30 Março 2004, relativa ao regime de auxílios estatais concedido pela Itália relativamente a medidas urgentes a favor do emprego (JO L 352, p. 10),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),

composto por: R. Garcia‑Valdecasas, presidente, J. D. Cooke e I. Labucka, juízes,

secretário: C. Kantza, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 19 Setembro 2006,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

 Regulamentação italiana

1        O Decreto‑Lei n.° 23, de 14 de Fevereiro de 2003, que estabelece medidas urgentes em matéria de emprego (GURI n.° 39, de 17 de Fevereiro de 2003), convertido, após alteração, na Lei n.° 81, de 17 de Abril de 2003 (GURI n.° 91, de 18 de Abril de 2003), prevê, no artigo 1.°, n.° 1, o seguinte:

«Para responder à grave crise de emprego que atingiu as empresas sujeitas ao processo de administração extraordinária nos casos a que se refere o artigo 63.°, n.° 4, do Decreto Legislativo n.° 270, de 8 de Julho de 1999, o Ministero del Lavoro e delle politiche sociali (Ministério do Trabalho e da Política Social) pode, em relação às empresas sujeitas ao referido processo que tenham mais de 1000 trabalhadores, conceder aos empregadores adquirentes os benefícios a que se referem os artigos 8.°, n.° 4, e 25.°, n.° 9, da Lei n.° 223, de 23 de Julho de 1991, para um limite máximo de 500 trabalhadores, desde que verifiquem os seguintes requisitos:

a)      O adquirente não tenha as características a que se refere o artigo 8.°, n.° 4 bis, da Lei n.° 223, de 23 de Julho de 1991;

b)      A transferência dos trabalhadores esteja prevista numa convenção colectiva celebrada até 30 de Abril de 2003 com o Ministero del Lavoro e delle politiche sociali que permita reconverter os trabalhadores.»

2        O artigo 63.°, n.° 4, do Decreto Legislativo n.° 270, de 8 de Julho de 1999, que estabelece o novo regime da administração extraordinária das grandes empresas em situação de insolvência (GURI n.° 185, de 9 de Agosto de 1999), prevê o seguinte, em caso de venda de toda ou parte de uma empresa explorada por grandes empresas sujeitas a um processo de administração extraordinária:

«No âmbito das consultas relativas à transmissão da empresa previstas no artigo 47.° da Lei n.° 428, de 29 de Dezembro de 1990, o comissário extraordinário, o adquirente e os representantes dos trabalhadores podem acordar que o adquirente só contratará parte dos trabalhadores e outras alterações das condições de trabalho permitidas pelas disposições aplicáveis em vigor.»

3        O artigo 8.° da Lei n.° 223, de 23 de Julho de 1991, relativa às normas em matéria de desemprego técnico, mobilidade, subsídio de desemprego, execução de directivas comunitárias, colocação de trabalhadores e outras disposições relativas ao mercado de trabalho (suplemento ordinário ao GURI n.° 175, de 27 de Julho de 1991, a seguir «lei n.° 223/91»), que rege o Intervento straordinario d’integrazione salariale (Caixa Especial de Integração Salarial, a seguir «CIGS»), completado pelo artigo 2.  do Decreto‑Lei n.° 148, de 20 de Maio de 1993 (GURI n.° 116, de 20 de Maio de 1993), contém determinadas disposições destinadas a favorecer a colocação dos trabalhadores sujeitos a regime especial de mobilidade. Neles está nomeadamente previsto que:

«1.      Para efeitos da colocação de trabalhadores sujeitos ao regime de mobilidade, aplica‑se o direito de prioridade na contratação [...]

4.      É concedida ao empregador que, sem estar vinculado a tanto pelo n.° 1, contrate a tempo inteiro e por período indeterminado os trabalhadores inscritos na lista do regime de mobilidade, por cada salário mensal pago a cada trabalhador, uma subvenção mensal igual a 50% do subsídio de mobilidade que é pago ao trabalhador. Essa subvenção não pode ser concedida durante mais de doze meses e, para os trabalhadores com mais de 50 anos, não pode ser concedida durante mais de 24 meses […].

4 bis O direito aos benefícios económicos previstos nos números anteriores é excluído no caso dos trabalhadores que tenham sido colocados, nos seis meses anteriores, em regime de mobilidade por uma empresa do mesmo ou doutro sector de actividade que, à data do despedimento, tenha vínculos de propriedade que correspondam essencialmente aos da empresa que contrata os trabalhadores ou que seja controlada por ou esteja coligada com esta última. A empresa que contrata os trabalhadores declarará, sob a sua responsabilidade, quando do pedido de contratação, que não se verificam os impedimentos supramencionados».

4        Segundo o artigo 25.°, n.° 9, da Lei n.° 223/91:

«Por cada trabalhador inscrito na lista do regime de mobilidade, contratado por tempo indeterminado, a parte das quotizações a cargo do empregador ascenderá, durante os primeiros 18 meses, ao montante previsto para os aprendizes na Lei n.° 25, de 19 de Janeiro de 1955, e suas alterações posteriores.»

5        Além disso, o artigo 1.°, n.° 1, da Lei n.° 223/91, dispõe:

«As disposições relativas à [CIGS] só se aplicam às empresas que empregaram, em média, mais de quinze pessoas durante o semestre anterior à data da apresentação do pedido a que se refere o artigo 2.° Relativamente aos pedidos apresentados antes de decorridos seis meses após a data da transferência da empresa, este requisito aplica‑se ao novo empregador durante o período seguinte à data da referida transferência […].»

6        Nos termos do artigo 1.°, n.° 2, da Lei n.° 233/91, o pedido de concessão do regime da CIGS deve conter o programa, redigido de acordo com um modelo fixado, que a empresa pretende pôr em prática e deve indicar eventuais medidas para fazer face às consequências sociais. O artigo 2.° da Lei n.° 223/91 precisa que esse regime é concedido por decreto do Minístro del Lavoro e delle politiche sociali italiano após aprovação do programa pelo Comitato interministeriale per il coordinamento della politica industriale [Comissão interministerial para a coordenação da política industrial (CIPI)] e que a atribuição do subsídio depende da correcta execução desse programa.

7        Por outro lado, o artigo 4.° da Lei n.° 223/91 dispõe, nomeadamente:

«1.      A empresa, à qual tenha sido concedido o regime da [CIGS], que considere, durante a execução do programa a que se refere o artigo 1.°, não estar em condições de garantir a reintegração de todos os trabalhadores suspensos e não poder recorrer a outras medidas, pode dar início aos procedimentos de mobilidade na acepção do presente artigo.

2.      As empresas que pretendam exercer a faculdade prevista no n.° 1 são obrigadas a dar conhecimento disso, previamente e por escrito, aos representantes sindicais da empresa [...]

3.      A comunicação a que se refere o n.° 2 deve conter indicações relativas aos motivos da existência de excedente de pessoal; aos motivos técnicos, organizacionais ou produtivos pelos quais a empresa considera não poder tomar medidas susceptíveis de remediar a situação supramencionada e evitar, total ou parcialmente, o regime de mobilidade; ao número, lugar na empresa e perfil profissional dos trabalhadores excedentários, assim como do pessoal habitualmente empregado; ao calendário do programa de mobilidade; às medidas eventuais para fazer face às consequências sociais da execução do referido programa; ao método de cálculo da totalidade dos pagamentos que não os resultantes da legislação em vigor e das negociações colectivas. À comunicação é anexada cópia do recibo do pagamento ao [Instituto Nazionale della Previdenza Sociale (INPS)], a título de adiantamento da quantia a que se refere o artigo 5.°, n.° 4, de um montante igual ao subsídio máximo da [CIGS], multiplicado pelo número de trabalhadores considerados excedentários [...]»

8        O artigo 4.° da Lei n.° 223/91 dispõe também:

«5.      No prazo de sete dias contados da data da recepção da comunicação a que se refere o n.° 2, a pedido das organizações sindicais das empresas e das respectivas associações, as partes procederão à apreciação conjunta das causas que contribuíram para o excedente de pessoal e das possibilidades de colocação diferente de todo ou parte desse pessoal na mesma empresa, inclusivamente através de contratos de solidariedade e de formas flexíveis de gestão do tempo de trabalho [...]

[...]

7.      Na falta de acordo, o Ufficio provinciale del lavoro e della massima occupazione convocará as partes para reapreciar as questões a que se refere o n.° 5, formulando inclusivamente propostas para se chegar a um acordo. Em todo o caso, a referida reapreciação deve ser concluída no prazo de 30 dias contados da recepção, pelo Ufficio provinciale del lavoro e della massima occupazione, da comunicação da empresa prevista no n.° 6.

[...]

9.      Uma vez celebrado o acordo sindical ou concluído o procedimento previsto nos n.os 6, 7 e 8, a empresa pode sujeitar ao regime de mobilidade os trabalhadores, operários e quadros excedentários, comunicando por escrito, a cada um deles, a rescisão do contrato, com observância do período de aviso prévio.

[...]

13.      Os trabalhadores aos quais foi concedido o benefício da [CIGS] são reintegrados na empresa no termo do período durante o qual gozaram daquele benefício.

[...] »

9        Por último, o artigo 5.°, n.os 4 e 5, da Lei n.° 223/91, estabelece:

«4.      Por cada trabalhador sujeito ao regime de mobilidade, a empresa é obrigada a pagar aos fundos de intervenção, de assistência e de apoio aos organismos de segurança social [...], em 30 prestações mensais, uma quantia igual a seis vezes a retribuição mensal inicial paga ao trabalhador no âmbito do regime de mobilidade. Essa quantia é reduzida a metade quando a declaração de excedente de pessoal a que se refere o artigo 4.°, n.° 9, tenha sido objecto de acordo sindical.

5.      A empresa que faça, segundo os procedimentos definidos pela Commissione regionale per l’impiego [comissão regional para o emprego], ofertas de trabalho por tempo indeterminado com as características a que se refere o artigo 9.°, n.° 1, alínea b), não é obrigada a pagar as prestações restantes referentes aos trabalhadores que perdem o direito ao regime de mobilidade por terem recusado essas ofertas ou correspondentes, quando esses trabalhadores tenham aceite a oferta da empresa, a todo o período em que tenham prestado trabalho. O referido benefício é excluído para as empresas que tenham, com a empresa disposta a contratar os trabalhadores, as relações a que se refere o artigo 8.°, n.° 4 bis.»

 Medida em causa e procedimento administrativo

10      Por ofício de 12 de Fevereiro de 2003, as autoridades italianas notificaram a Comissão do regime de auxílios instituído pelo Decreto‑Lei n.° 23/2003 (a seguir «medida em causa»).

11      A medida em causa entrou em vigor em 18 de Fevereiro de 2003, sem esperar que a Comissão se tivesse pronunciado sobre a sua compatibilidade com o mercado comum. Assim, a medida foi inscrita no registo das medidas não notificadas, sob a referência NN 7/2003.

12      Por ofício de 12 de Março de 2003, a Comissão pediu à República Italiana informações complementares sobre a medida em causa. A Comissão pediu, nomeadamente, que lhe fossem indicadas as grandes empresas cuja transmissão estava prevista ao abrigo dessa medida, bem como os novos adquirentes e os critérios segundo os quais estes últimos tinham sido seleccionados. Após ter pedido e obtido uma prorrogação do prazo de resposta que lhe fora fixado, a República Italiana transmitiu as informações pedidas à Comissão, por ofício de 20 de Maio de 2003.

13      Por ofício de 15 de Outubro de 2003, a Comissão informou a República Italiana da sua decisão de abrir o procedimento formal de investigação a que se refere o artigo 88.°, n.° 2, CE. Essa decisão foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 18 de Dezembro de 2003 (JO C 308, p. 5). A República Italiana transmitiu as suas observações à Comissão por ofício de 22 de Dezembro de 2003. No essencial, a República Italiana indicou, por um lado, que durante todo o período de aplicação da medida em causa, só uma empresa tinha sido transmitida segundo as regras previstas, nomeadamente o ramo de actividades da Ocean SpA localizado em Verolanuova (Brescia), transmitido à Brandt Italia SpA (a seguir «Brandt»). Por outro lado, segundo a República Italiana, a Brandt adquiriu a Ocean ao preço do mercado, sem ter usufruído de nenhum benefício económico directo devido à aplicação da medida em causa.

14      No entanto, por ofício de 19 de Janeiro de 2004, a Comissão pediu à República Italiana informações complementares, especialmente que esta confirmasse que, na realidade, a única empresa que beneficiou da medida em causa foi a Brandt, bem como várias informações relativas ao volume dos auxílios pagos nesse âmbito. Em 11 de Fevereiro de 2004, a República Italiana prestou à Comissão as informações pedidas.

15      Em 30 de Março de 2004, a Comissão adoptou a Decisão 2004/800/CE, relativa ao regime de auxílios estatais concedido pela Itália relativamente a medidas urgentes a favor do emprego (JO L 352, p. 10, a seguir «decisão recorrida»), de que a República Italiana foi notificada em 1 de Abril de 2004.

 Decisão recorrida

16      Na decisão recorrida, a Comissão declara, em primeiro lugar, que a medida em causa constitui um auxílio de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

17      Segundo a Comissão, em primeiro lugar a medida em causa favorece categorias específicas de empresas, nomeadamente, por um lado, os adquirentes de empresas em dificuldades, que estejam sujeitas a um procedimento de administração extraordinária, empreguem pelo menos 1000 pessoas e tenham assinado um contrato colectivo até 30 de Abril de 2003 com o Ministero del Lavoro e delle Politiche Sociali para a aprovação da transferência de trabalhadores, e, por outro, as empresas em situação difícil sujeitas a um procedimento de administração extraordinária que empreguem pelo menos 1000 pessoas e sejam objecto de transmissão. Esta medida confere às referidas empresas um benefício económico, reduzindo os seus custos normais e reforçando a sua posição financeira face aos outros concorrentes que não beneficiam do mesmo regime. Além disso, a selectividade da medida é confirmada pelo facto de esta só ter sido aplicada num caso.

18      Em segundo lugar, a medida foi concedida por meio de recursos estatais, porque, por um lado, foi financiada por meio de financiamentos públicos a fundo perdido e, por outro, porque o Estado renunciou a parte das contribuições sociais normalmente devidas.

19      Em terceiro lugar, a medida em causa ameaça afectar as trocas comerciais entre Estados‑Membros e falsear a concorrência, uma vez que reforça a posição financeira de determinadas empresas face aos seus concorrentes.

20      Segundo a Comissão, a medida em causa é, em princípio, proibida pelo artigo 87.°, n.° 1, CE e só pode ser considerada compatível com o mercado comum se puder beneficiar de uma das derrogações previstas no Tratado.

21      Em seguida, a Comissão lamenta que as autoridades italianas não tenham cumprido a obrigação que lhes incumbia por força do artigo 88.°, n.° 3, CE, uma vez que executaram a medida em causa antes de esta ter sido aprovada pela Comissão.

22      Por outro lado, no tocante à compatibilidade da medida em causa com o mercado comum, a Comissão exclui que esta possa beneficiar das derrogações previstas no Tratado.

23      Por último, a Comissão aprecia a compatibilidade da medida em causa à luz das orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade (JO 1999, C 288, p. 2), do Regulamento (CE) n.° 2204/2002 da Comissão, de 12 de Dezembro de 2002, relativo à aplicação dos artigos 87.° [CE] e 88.° [CE] aos auxílios estatais ao emprego (JO L 337, p. 3) e das orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (JO 1998, C 74, p. 9).

24      Em primeiro lugar, quanto à apreciação da compatibilidade da medida em causa com o mercado comum à luz das orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade, a Comissão considera que a mesma está excluída, pois a medida em causa aplica‑se às empresas que empregam mais de 1000 pessoas, isto é, às grandes empresas, ao passo que as referidas orientações admitem os regimes de auxílios de emergência e à reestruturação unicamente para pequenas e médias empresas.

25      Em segundo lugar, no contexto do Regulamento n.° 2204/2002, a Comissão rejeita nomeadamente o argumento da República Italiana de que os benefícios concedidos no âmbito da medida em causa são idênticos aos obtidos no âmbito do regime de desemprego técnico, que nunca foi considerado auxílio de Estado.

26      Em terceiro lugar, enquanto a República Italiana alegou que, mesmo admitindo que a medida em causa constitui um auxílio de Estado, a mesma é compatível com o mercado comum, na acepção do artigo 4.°, n.° 4, alínea c), do Regulamento n.° 2204/2002, enquanto auxílio à criação de emprego, a Comissão observa que os auxílios à criação de emprego nas regiões não assistidas só são autorizados em benefício das pequenas e médias empresas, ao passo que a medida em causa diz respeito a grandes empresas.

27      Quanto à apreciação da compatibilidade da medida em causa com o mercado comum à luz das orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional, a Comissão considera que a medida em causa não está abrangida pelo âmbito de aplicação dessas orientações, visto que a medida se aplica a todo o território nacional e, sobretudo, que o único caso em que a medida em causa foi aplicada diz respeito a uma empresa que se encontra numa região que não beneficia das derrogações previstas no artigo 87.°, n.° 3, alíneas a) e c), CE.

28      Por estes motivos, a Comissão entende que a medida em causa constitui um auxílio de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, executado ilegalmente, em infracção ao artigo 88.°, n.° 3, CE. Daí conclui que a medida é incompatível com o mercado comum e ordena que a sua decisão seja aplicada imediatamente, o que implica a recuperação dos auxílios incompatíveis. A Comissão precisa, porém, que a decisão recorrida não afecta a possibilidade de cada um dos auxílios concedidos no âmbito da medida em causa serem posteriormente considerados, mediante decisão da Comissão, total ou parcialmente compatíveis com o mercado comum, face às respectivas características específicas.

 Tramitação processual e pedidos das partes

29      Por petições entradas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 11 de Junho e 4 de Agosto de 2004, registadas respectivamente sob os n.os T‑239/04 e T‑323/04, a República Italiana e a Brandt interpuseram os presentes recursos.

30      Por despacho do presidente da Primeira Secção do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Julho de 2006, ouvidas as partes, foi ordenada a apensação dos dois processos para efeitos da fase oral e do acórdão, nos termos do artigo 50.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

31      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância, na audiência de 19 de Setembro de 2006.

32      No processo T‑239/04, a República Italiana conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

–        declarar nula a decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas.

33      No processo T‑323/04, a Brandt conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        subsidiariamente, caso o Tribunal de Primeira Instância confirme a incompatibilidade da medida em causa com os artigos 87.° CE e 88.° CE, declarar, com efeitos relativamente à Brandt, a nulidade parcial da decisão recorrida, limitada ao seu artigo 3.°, ou seja, a nulidade da decisão na parte em que ordena à República Italiana que proceda à recuperação do auxílio ilegalmente concedido;

–        condenar a Comissão nas despesas do presente processo.

34      No processo T‑239/04, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a República Italiana nas despesas.

35      No processo T‑323/04, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar inadmissível o recurso ou, subsidiariamente, negar‑lhe provimento por falta de fundamento;

–        condenar a Brandt nas despesas.

 Quanto à inadmissibilidade

 Argumentos das partes

36      A questão da admissibilidade do recurso interposto pela Brandt contra a decisão recorrida foi suscitada pela Comissão no processo T‑323/04. A Comissão, embora tenha acabado por renunciar a invocar a inadmissibilidade desse recurso num articulado separado, atendendo nomeadamente a que a República Italiana impugnou a mesma decisão no Tribunal de Primeira Instância no âmbito do processo T‑239/04, continua, porém, a defender que a Brandt não pode invocar um interesse individual, qualquer que ele seja, na anulação da decisão recorrida e, por isso, pede ao Tribunal de Primeira Instância que julgue inadmissível o recurso interposto por esta.

37      A Comissão, invocando nomeadamente as conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 2005, C‑78/03 P, Colect., p. I‑10737, n.os 138 a 142), alega que a jurisprudência relativa à admissibilidade dos recursos interpostos por concorrentes contra decisões adoptadas ao abrigo do artigo 88.°, n.° 3, CE, está longe de se encontrar estabilizada e que, na verdade, considerações análogas se aplicam relativamente aos recursos interpostos por beneficiários de auxílios concedidos no âmbito de um regime de auxílios contra a decisão que declara o regime em causa incompatível com o mercado comum e ordena a recuperação dos auxílios já pagos nesse âmbito. A Comissão acrescenta que, não obstante essas flutuações da jurisprudência, não há nenhum motivo para entender que a decisão da Comissão que declara um regime de auxílios incompatível com o mercado comum diz individualmente respeito, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, a todos os beneficiários de auxílios concedidos no âmbito do referido regime, pois a Comissão, nessa ocasião, apreciou normas nacionais gerais e abstractas, sem examinar casos individuais.

38      Além disso, a Comissão considera que, como a República Italiana concebeu e lhe notificou um regime geral e abstracto, pôde examinar a medida em causa qua tale, não obstante esta se destinar, na verdade, a ser aplicada a uma única empresa, nomeadamente a Brandt. A Comissão acrescenta que é precisamente por esse motivo que a decisão recorrida tem por objecto a medida em causa qua tale, sem apreciar a situação específica da Brandt, e que por isso mesmo o recurso interposto por esta última deve ser julgado inadmissível.

39      A Brandt considera que tem legitimidade para pedir a anulação da decisão recorrida. Embora admita que, formalmente, o destinatário da decisão recorrida é a República Italiana, a Brandt considera, com efeito, que esta lhe diz directa e individualmente respeito. Por um lado, a decisão recorrida tem um impacto directo na situação da Brandt, pois a obrigação, imposta à República Italiana, de recuperar o auxílio causa‑lhe um prejuízo económico efectivo (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C‑386/96 P, Colect., p. I‑2309, n.° 43). Por outro lado, a decisão recorrida diz directa e individualmente respeito à Brandt, uma vez que esta, no próprio entender da Comissão, é beneficiária do alegado auxílio e obrigada a restituir o respectivo montante por força do artigo 3.° da decisão recorrida.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

40      Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância observa que, no processo T‑239/04, no âmbito do qual a República Italiana impugna a decisão recorrida, a Comissão sustenta que a medida em causa não reveste carácter geral, mas constitui uma intervenção limitada a um caso específico e que só proporciona benefícios a uma única empresa, concretamente a Brandt, ao derrogar as condições previstas na legislação nacional.

41      De mais a mais, no âmbito do processo T‑323/04, a Brandt tem interesses próprios que se distinguem dos da República Italiana, na acepção dos critérios aplicados no acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1986, DEFI/Comissão (282/85, Colect., p. 2469, n.° 16). Com efeito, quando adoptou a medida em causa, que está na origem da decisão recorrida e portanto dos dois recursos apreciados no âmbito dos presentes processos apensos, a República Italiana quis evitar a crise social que o despedimento de um grande número de trabalhadores poderia provocar, facilitando a transferência destes da Ocean para a Brandt. Do ponto de vista da Brandt, essa transacção era uma opção comercial facilitada pela medida em causa.

42      Além disso, ainda que a medida em causa não identifique as empresas em benefício das quais será pago o auxílio, a Brandt foi mencionada durante os debates parlamentares que antecederam a adopção da medida em causa, debates esses referidos pela Comissão. Por último, na decisão recorrida, a Comissão admite várias vezes que, durante todo o período de aplicação da medida em causa, só uma empresa foi transmitida segundo as regras nela previstas, nomeadamente a Ocean, transmitida à Brandt.

43      Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância recorda que, de acordo com jurisprudência assente, a admissibilidade do recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou colectiva depende de essa pessoa demonstrar que tem interesse em agir (v. acórdão do Tribunal de 22 de Novembro de 2001, Mitteldeutsche Erdöl‑Raffinerie/Comissão, T‑9/98, Colect., p. II‑3367, n.° 32, e jurisprudência aí referida). No caso vertente, se a decisão recorrida fosse anulada, a situação jurídica da Brandt seria inegavelmente alterada, na medida em que a recuperação do auxílio ordenada no seu artigo 3.° deixaria de ter fundamento legal. Daqui se conclui que a Brandt tem interesse em agir para obter a anulação da decisão recorrida (v., neste sentido, despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Agosto de 2001, Saxonia Edelmetalle/Comissão, T‑111/01 R, Colect., p. II‑2335, n.° 17).

44      Em terceiro lugar, no que respeita à questão de a Brandt ser directa e individualmente afectada pela decisão recorrida, o Tribunal de Primeira Instância salienta que, uma vez que o artigo 3.° da decisão obriga a República Italiana a recuperar, junto dos beneficiários, o auxílio concedido com fundamento na medida em causa, deve‑se considerar que a Brandt é directa e individualmente afectada por essa decisão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2000, Itália e Sardegna Lines/Comissão, C‑15/98 e C‑105/99, Colect., p. I‑8855, n.os 35 e 36). De mais a mais, o Tribunal de Primeira Instância nota que os serviços da segurança social italiana deram ordem de suspensão do pagamento do auxílio, no montante de cerca de 500 000 euros.

45      Pelo exposto, o recurso interposto pela Brandt é admissível.

 Quanto ao mérito da causa

46      No âmbito dos três fundamentos invocados no processo T‑239/04, a República Italiana aduz os seguintes fundamentos:

–        violação do artigo 87.°, n.° 1, CE, e preterição de formalidades essenciais;

–        subsidiariamente, falta de fundamentação quanto às violações do artigo 87.°, n.° 1, CE e à preterição de formalidades essenciais;

–        a título mais subsidiário, violação do artigo 88.°, n.° 3, CE, das orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade e do Regulamento n.° 2204/2002, e preterição de formalidades essenciais, resultante de vários vícios processuais e de várias omissões na fundamentação.

47      No processo T‑323/04, a Brandt invoca cinco fundamentos:

–        violação do Tratado, especialmente do artigo 87.° CE, e preterição de uma formalidade essencial, especialmente a violação do artigo 253.° CE;

–        desvio de poder por parte da Comissão;

–        violação do artigo 88.° CE e preterição de uma formalidade essencial;

–        violação do Tratado, em especial dos artigos 88.° CE e 89.° CE, violação do Regulamento (CE) n.° 994/98 do Conselho, de 7 de Maio de 1998, relativo à aplicação dos artigos [87.° CE] e [88.° CE] do Tratado que institui a Comunidade Europeia a determinadas categorias de auxílios estatais horizontais (JO L 142, p. 1), e do Regulamento n.° 2204/02, e preterição de formalidades essenciais, em especial, violação do artigo 253.° CE;

–        invalidade do artigo 3.° da decisão recorrida por violação do artigo 88.° CE, bem como dos princípios gerais de direito, especialmente do princípio da protecção da confiança legítima, e de normas imperativas de natureza processual, especialmente do artigo 253.° CE.

48      Uma vez que vários fundamentos e argumentos invocados pelas recorrentes, respectivamente nos processos T‑239/04 e T‑323/04, são pois largamente coincidentes, o Tribunal de Primeira Instância entende que é oportuno apreciá‑los conjuntamente, pela ordem seguinte:

–        qualificação da medida em causa como auxílio de Estado;

–        qualificação da medida em causa como auxílio existente;

–        conformidade da decisão recorrida com o artigo 88.°, n.° 3, com o Regulamento n.° 2204/2002 e com as orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade;

–        preterição de formalidades essenciais, em especial do artigo 253.° CE:

–        falta de fundamentação da decisão recorrida no tocante à aplicação da condição da selectividade;

–        falta de fundamentação da decisão recorrida no tocante à identificação do beneficiário do auxílio concedido com fundamento na medida em causa;

–        falta de fundamentação da decisão recorrida no tocante aos efeitos negativos da medida em causa nas trocas comunitárias e na concorrência;

–        fundamentação inadequada da decisão em causa no tocante à apreciação da compatibilidade da medida em causa com o mercado comum à luz do Regulamento n.° 2204/2002 e das orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade;

–        falta de fundamentação da decisão recorrida no tocante à recuperação do auxílio.

–        recuperação do auxílio:

–        violação do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.° CE] (JO L 83, p. 1);

–        violação do princípio da protecção da confiança legítima.

49      Atendendo à natureza dos argumentos aduzidos pela Brandt para fundamentar o alegado desvio de poder por parte da Comissão, o Tribunal de Primeira Instância considera que esse fundamento deve ser requalificado como fundamento relativo à fundamentação insuficiente e contraditória de determinados pontos da decisão recorrida. O fundamento deve, pois, ser tratado no âmbito da apreciação da fundamentação dessa decisão.

 Quanto à qualificação da medida em causa como auxílio de Estado

 Argumentos das partes

50      A República Italiana alega que a medida em causa constitui uma medida de carácter geral destinada a fomentar o emprego. A mesma, enquanto tal, não falseia nem provoca o risco de falseamento da concorrência mediante o favorecimento de determinadas empresas ou da produção de determinados bens, pelo que não constitui um auxílio de Estado. Essa medida alargou o alcance do regime da CIGS e do regime de mobilidade, já existentes, a determinadas situações específicas, atribuindo, sob reserva de determinadas condições, os mesmos benefícios aos empregadores adquirentes de empresas sujeitas a um processo de administração extraordinária. Os verdadeiros beneficiários do regime instituído pela medida em causa são os trabalhadores e a própria Comissão reconheceu que os dois regimes referidos não são, por si só, auxílios de Estado.

51      A República Italiana alega que a Comissão não apreciou essa questão no âmbito da análise preliminar da existência de um auxílio de Estado, tendo‑a abordado apenas no âmbito da apreciação da medida em causa com base no Regulamento n.° 2204/2002.

52      A Brandt sustenta que, para ela, os efeitos económicos da medida em causa são absolutamente neutros. Esta conclusão resulta de uma análise comparativa da medida em causa e da Lei n.° 223/91, que a Comissão deveria ter efectuado. Não existindo a medida em causa, a Brandt poderia ter obtido o mesmo resultado económico acordando com a Ocean a transferência parcial dos trabalhadores das instalações de Verolanuova, nos termos da legislação geral existente. Consequentemente, a Brandt considera que a medida em causa dá apoio aos trabalhadores da empresa sujeita a um processo de administração extraordinária (no caso vertente, concretamente os trabalhadores da Ocean), ao favorecer a respectiva transferência para o adquirente, sem que sejam colocados no regime da CIGS ou inscritos nas listas de mobilidade. A Brandt conclui daí que, se o Tribunal de Primeira Instância confirmar a decisão recorrida e, especialmente, a obrigação imposta à República Italiana de recuperar os auxílios já pagos, ficará numa situação nitidamente menos favorável do que aquela em que se encontraria se a medida em causa nunca tivesse sido tomada.

53      A Brandt recorda, além disso, que, para que o artigo 87.° CE seja aplicável, é necessário que o beneficiário de uma medida dela tenha retirado um benefício de natureza económica ou financeira. A Brandt nota, a este respeito, que adquiriu a Ocean em concorrência com outros adquirentes potenciais e que o preço que pagou é o do mercado. Além disso, essa aquisição abrangeu não só as actividades industriais do ramo adquirido mas também todas as dívidas deste último. A Brandt insiste que não retirou nenhum benefício da medida em causa, nomeadamente porque nenhum benefício, seja indirecto seja parcial, resultante já da aplicação da legislação geral existente, poderia compensar os custos suplementares que a Brandt teve de suportar devido à referida medida.

54      Reportando‑se ao considerando 31 da decisão recorrida, a Brandt alega que há uma contradição manifesta entre a afirmação da Comissão de que os benefícios proporcionados pela medida em causa são idênticos aos que estavam já previstos no âmbito do regime da CIGS e do regime de mobilidade e a recusa daquela em entender a medida em causa como parte integrante desses regimes. A Brandt insiste que a medida em causa não introduziu nenhum benefício novo e provoca os mesmos efeitos que os já previstos nas disposições da legislação geral existente, nomeadamente as da Lei n.° 223/91. Assim sendo, a medida em causa estaria em plena consonância com o espírito e a arquitectura global do sistema italiano de quotizações sociais. A este respeito, a Brandt recorda que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o desagravamento parcial dos encargos sociais que recaem sobre empresas de um determinado sector industrial constitui um auxílio na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, se esta medida se destinar a isentar parcialmente as empresas dos encargos financeiros que resultam da aplicação normal do sistema geral de previdência social, sem que essa isenção encontre justificação na natureza ou estrutura desse sistema (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1999, França/Comissão, C‑251/97, Colect., p. I‑6639, n.° 36, e jurisprudência).

55      De um ponto de vista geral, a Comissão observa que examinou a medida em causa quando apreciou a existência de um auxílio de Estado nos considerandos 30 e 31 da decisão recorrida.

56      Desenvolvendo globalmente os mesmos argumentos nos dois processos, a Comissão alega que a medida em causa não reveste carácter geral, conclusão confirmada não só pelos extractos dos trabalhos preparatórios e dos debates parlamentares que antecederam a adopção da medida em causa mas também pelo facto de a medida ter sido aplicada num caso. Além disso, a Comissão sublinha que, como resulta do ofício do Ministro del Lavoro e delle Politiche Sociali de 7 de Fevereiro de 2003, transmitido à Comissão pelo ofício de 12 de Fevereiro de 2003, inicialmente as autoridades italianas notificaram a medida em causa como auxílio de Estado, ainda que, no ofício seguinte, tivessem acabado por alegar o contrário.

57      A Comissão recorda que o facto de a medida em causa se destinar a fomentar o emprego não tem influência na sua qualificação como auxílio de Estado, pois, segundo jurisprudência muito abundante, o artigo 87.°, n.° 1, CE define as medidas nacionais em função dos seus efeitos e não em função das suas causas ou dos seus objectivos.

58      Além disso, pouco importa que a Brandt tenha logrado, no âmbito doutros processos e em data posterior, benefícios distintos previstos noutras disposições italianas, independentemente de constituírem auxílios de Estado ou não. Segundo a Comissão, a única coisa que importa é que a medida em questão lhe tenha concedido benefícios específicos.

59      O facto de a Brandt ter apresentado uma contrapartida para os auxílios recebidos não altera em nada a sua qualificação (acórdão França/Comissão, já referido). Segundo a Comissão, a tese do auxílio líquido desenvolvida pela Brandt, de que a existência de uma contrapartida suprime o benefício e portanto o auxílio, na verdade é inconciliável com a lógica da fiscalização dos auxílios de Estado. Em todo o caso, os cálculos apresentados pela Brandt na fase escrita do processo nunca foram invocados durante o procedimento administrativo, pelo que, segundo jurisprudência assente, os mesmos não poderiam ser tomados em consideração para efeitos da apreciação da legalidade da decisão recorrida.

60      A alusão da Brandt à jurisprudência que exclui a existência de um benefício específico e portanto de um auxílio quando a isenção das retenções obrigatórias se justifica pela natureza ou estrutura do sistema fiscal e contributivo também não tem fundamento, no caso vertente. A este respeito, a Comissão refere que é ao Estado‑Membro que cabe fazer essa demonstração (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004, Países Baixos/Comissão, C‑159/01, Colect., p. I‑4461, n.° 43) e observa que a República Italiana nunca invocou esse argumento. Do ponto de vista do mérito, a medida assim justificada deve corresponder à lógica interna do sistema fiscal em geral (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Março de 2002, Diputación Foral de Álava e o./Comissão, T‑127/99, T‑129/99 e T‑148/99, Colect., p. II‑1275, n.° 164, e Diputación Foral de Álava e o./Comissão, T‑92/00 e T‑103/00, Colect., p. II‑1385, n.° 60, e jurisprudência aí referida), o que é pouco provável no caso de uma isenção temporária.

61      Segundo a Comissão, o benefício proporcionado pela medida em causa consiste em que os benefícios de segurança social, em vez de serem concedidos na sequência de procedimentos complexos, como o procedimento previsto para se beneficiar do regime da CIGS ou o previsto para a aplicação do regime de mobilidade, são imediatamente concedidos ao empregador que adquire a empresa. Além disso, o sistema estabelecido pela medida em causa assegurou a continuidade funcional entre a Ocean e a Brandt, dando a esta última a possibilidade de contratar os trabalhadores da Ocean ainda antes de serem despedidos. Só as empresas que cumprem os critérios estabelecidos pela medida em causa podem tirar partido antecipado de benefícios de segurança social, ao contrário de todas as outras empresas; isso basta, por si só, para concluir que se trata de uma medida selectiva.

62      Por último, ao contrário do que as recorrentes afirmam, a Comissão refere que nunca apreciou o regime de desemprego técnico e o regime especial de despedimento à luz das regras relativas aos auxílios de Estado. Por isso, não é de excluir que constituam, por si só, auxílios de Estado, e este juízo vale por maioria de razão para o alargamento selectivo destes.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

63      O Tribunal de Primeira Instância observa, em primeiro lugar, que, ao contrário do que a República Italiana sustenta, a questão relativa à existência de um auxílio de Estado no caso vertente foi analisada pela Comissão no n.° 5 da decisão recorrida e, no tocante ao Regulamento n.° 2204/2002, nos considerandos 30 e 31 dessa decisão.

64      Em seguida, o Tribunal de Primeira Instância considera que há que dar razão ao argumento da Comissão de que o benefício proporcionado pela medida em causa consiste em que os benefícios de segurança social, em vez de serem concedidos na sequência de procedimentos complexos, como o procedimento previsto para se beneficiar do regime da CIGS ou o previsto para a aplicação do regime de mobilidade, são imediatamente concedidos ao empregador que adquire a empresa sujeita a um processo de administração extraordinária. O argumento invocado pela Brandt que consiste em sustentar que não é ao adquirente que cabe seguir qualquer um dos procedimentos relativos à colocação de trabalhadores no regime de mobilidade não pode ser acolhido. Mesmo que se admita que esses procedimentos são desencadeados pelo transmitente, os mesmos destinam‑se à celebração de um contrato de direito civil que, em princípio, é benéfico para as duas partes. Com efeito, segundo o sistema estabelecido, é o transmissário que beneficia das prestações e do direito a pagar quotizações sociais reduzidas. É, pois, incontestável que este tem interesse em obter rápida e facilmente os benefícios previstos.

65      Além disso, a medida em causa permitiu assegurar a continuidade funcional entre a Ocean e a Brandt, dando a esta última a possibilidade de contratar os trabalhadores ainda antes de estes serem despedidos, facto que, por si mesmo, proporciona uma vantagem concorrencial.

66      No que respeita ao carácter selectivo da medida em causa, o Tribunal de Primeira Instância recorda que a medida em causa foi adoptada em 14 de Fevereiro de 2003, no âmbito de um procedimento urgente. Os benefícios previstos na medida em causa estavam subordinados a uma convenção colectiva, que devia ser celebrada em 30 de Abril de 2003. Os benefícios estavam, pois, acessíveis durante um período de 2 meses e 17 dias. Os benefícios previstos na medida em causa são os previstos na legislação geral existente. Porém, no âmbito da medida em causa, já não é necessário seguir os procedimentos complexos que condicionam a obtenção dos referidos benefícios no âmbito da legislação geral existente e o alcance desse regime geral é consideravelmente reduzido, nomeadamente pela limitação do benefício da medida em causa somente às empresas que empreguem mais de 1 000 pessoas, contra um mínimo de só quinze trabalhadores exigido pela legislação geral. Daqui resultou que a medida só foi aplicada num caso. De mais a mais, os estenogramas dos debates parlamentares que antecederam a adopção da medida em causa, apresentados pela Comissão na fase oral, indicam expressamente que a transmissão da Ocean está na origem da adopção da medida em causa. Consequentemente, o Tribunal de Primeira Instância dá por provado o carácter selectivo da medida em causa.

67      Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância verifica que as partes estão de acordo em que o benefício contido na medida em causa é concedido por meio de recursos estatais.

68      No que respeita à influência da medida em causa nas trocas comunitárias e na concorrência, o Tribunal de Primeira Instância considera que a Comissão tem razão quando declara, no considerando 20 da decisão recorrida, que a medida em causa é susceptível de falsear a concorrência, uma vez que reforça a posição financeira de algumas empresas relativamente aos seus concorrentes e, em especial, é susceptível de falsear a concorrência e de afectar as trocas comerciais quando os beneficiários se encontram em concorrência com produtos provenientes de outros Estados‑Membros, mesmo que não exportem directamente a sua produção (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1980, Philip Morris, 730/79, Recueil, p. 2671, n.os 11 e 12, e de 17 de Junho de 1999, Bélgica/Comissão, C‑75/97, Colect., p. I‑3671, n.os 47 e 48). O Tribunal de Primeira Instância observa, além disso, que a Brandt, beneficiária da medida em causa, pertence ao grupo Elcobrandt, quinto grupo no sector dos electrodomésticos na Europa, sector caracterizado pelo seu grau particular de exposição à concorrência, o que corrobora a conclusão de que a medida em causa é susceptível de afectar as trocas entre os Estados‑Membros e de falsear ou ameaçar falsear a concorrência nesse sector (v., nesse sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Junho de 2005, Regione autonoma della Sardegna/Comissão, T‑171/02, Colect., p. II‑2123, n.° 87).

69      O Tribunal de Primeira Instância entende, por outro lado, que o facto de a medida em causa se destinar à protecção do emprego não tem influência na sua qualificação como auxílio de Estado, pois o artigo 87.°, n.° 1, CE não distingue as intervenções estatais segundo as suas causas ou objectivos, mas define‑as em função dos seus efeitos [v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Agosto de 2003, P & O European Ferries (Vizcaya) e Diputación Foral de Vizcaya/Comissão, T‑116/01 e T‑118/01, Colect., p. II‑2957, n.° 112, e jurisprudência aí referida]. Além disso, o argumento de que a Brandt poderia ter obtido, no âmbito de outros procedimentos e em data posterior, os mesmos benefícios ao abrigo de outras disposições italianas também não tem razão de ser, visto que o critério decisivo no caso vertente consiste em que a medida em causa constitui um alargamento selectivo desses regimes gerais, na medida em que concede benefícios específicos a determinadas empresas ao reforçar a respectiva situação financeira face aos seus concorrentes.

70      Pelo exposto, o Tribunal de Primeira Instância considera que a medida em causa constitui um auxílio de Estado, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

 Quanto à qualificação da medida em causa como auxílio existente

 Argumentos das partes

71      A Brandt sustenta que foi sem razão que a Comissão considerou que a medida em causa não era um auxílio existente, pois, em seu entender, a medida em causa está abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 2204/2002. A Brandt sustenta, a este respeito, que a Comissão se limitou a afirmar que a medida em causa não estava abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 2204/2002. Ao fazê‑lo, quando o Regulamento n.° 2204/2002 não lhe confere nenhum poder específico na matéria, a Comissão arrogou‑se a faculdade de retirar o benefício do regime de auxílios existente, previsto nesse regulamento. Além de que, ao proceder assim, a Comissão não justificou em que medida é que tinha competência para essa suspensão mediante uma decisão individual e, desse modo, no mínimo não cumpriu o dever de fundamentação adequada que lhe incumbe.

72      A Comissão sustenta que a Brandt formula uma série de hipóteses sem verificar os respectivos fundamentos e sem demonstrar que se verificam as condições para a aplicação do Regulamento n.° 2204/2004 ou refutar o raciocínio exposto pela Comissão nos considerandos 29 a 33 da decisão recorrida, os quais demonstram precisamente o contrário.

73      Quanto à contestação das competências da Comissão nesse domínio, a mesma considera que, se a Brandt sustenta, como parece resultar dos n.os 99 e seguintes da sua petição, que a Comissão não está habilitada a aplicar o Regulamento n.° 2204/2002 e, de um modo geral, os regulamentos de isenção às decisões individuais que adopta, então essa tese está manifestamente errada. Por um lado, o considerando 4 do Regulamento n.° 2204/2002 reserva aos Estados‑Membros a possibilidade de notificarem os auxílios ao emprego e impõe à Comissão que aprecie essas notificações, especialmente à luz dos critérios definidos no Regulamento n.° 2204/2002 e no Regulamento (CE) n.° 70/2001 da Comissão, de 12 de Janeiro de 2001, relativo à aplicação dos artigos 87.° [CE] e 88.° [CE] aos auxílios estatais a favor das pequenas e médias empresas (JO L 10, p. 33) ou das orientações e enquadramentos comunitários aplicáveis. Por outro lado, é mais do que evidente que, para efeitos da apreciação da compatibilidade de um auxílio, a Comissão é obrigada a aplicar todos os diplomas potencialmente relevantes, quer se tratem de orientações, enquadramentos ou regulamentos. Segundo a Comissão, se assim não fosse, nunca poderia adoptar decisões negativas, pois não estaria habilitada a excluir a hipótese de o auxílio ser compatível com o mercado comum à luz de um regulamento de isenção.

74      A Comissão acrescenta que se, pelo contrário, a Brandt alega que a Comissão entendeu erradamente que a medida em causa não está abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 2204/2002, então o artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e o artigo 44.°, n.° 1, alínea c) obrigam a Brandt a desenvolver esse fundamento.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

75      Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância recorda que o Regulamento n.° 994/98 prevê, no seu artigo 1.°, alíneas a), iv), e b), que a Comissão pode, por meio de regulamentos adoptados nos termos do seu artigo 8.° e do artigo 87.° CE, declarar que os auxílios a favor do emprego e da formação e os auxílios respeitantes ao mapa aprovado pela Comissão para cada Estado‑Membro para a concessão de auxílios com finalidade regional são compatíveis com o mercado comum e não estão sujeitos à obrigação de notificação prevista no artigo 88.°, n.° 3, CE.

76      A Comissão exerceu essa competência mediante a adopção do Regulamento n.° 2204/2002. Para beneficiar da isenção prevista nesse regulamento, um auxílio deve cumprir os requisitos de aplicação desse regulamento, o que, como se demonstrará nos n.° 93 a 96 infra, não sucede no caso em apreço.

77      Em seguida, quanto ao argumento aduzido pela Brandt, que consiste na alegação de que a medida em causa é só uma variação insignificante do regime do CIGS e do regime de mobilidade, os quais, segundo afirma, são eles próprios regimes de auxílios existentes, o Tribunal considera que esse argumento também não pode ser acolhido. Nos termos do artigo 1.° do Regulamento n.° 659/1999, um auxílio existente verificar‑se em diversas situações. Com efeito, nos termos dessa disposição, constituem um auxílio existente:

–        primeiro, qualquer auxílio que já existisse antes da entrada em vigor do Tratado no respectivo Estado‑Membro;

–        segundo, os regimes de auxílio e os auxílios individuais que tenham sido autorizados pela Comissão ou pelo Conselho;

–        terceiro, os auxílios que se considere terem sido autorizados pelo facto de a Comissão não ter tomado uma decisão no prazo de dois meses a contar, em princípio, do dia seguinte ao da recepção da respectiva notificação completa, prazo de que dispõe para efectuar uma análise preliminar;

–        quarto, qualquer auxílio relativamente ao qual o prazo de prescrição de dez anos em matéria de recuperação já expirou;

–        quinto, os auxílios considerados existentes por se poder comprovar que não constituíam auxílios no momento da sua execução, tendo‑se subsequentemente transformado em auxílios devido à evolução do mercado comum e sem terem sido alterados pelo Estado‑Membro.

78      No caso vertente, o Tribunal de Primeira Instância observa que a mais antigas das leis italianas que estabelecem os regimes de auxílios em referência data de 1991. Consequentemente, a primeira situação em que é possível considerar que um auxílio é um auxílio existente está excluída no caso vertente.

79      Além disso, como se sublinhou no n.° 62 supra, a Comissão referiu que nunca foi notificada do regime da CIGS nem do regime de mobilidade e que nunca os analisou à luz das regras relativas aos auxílios de Estado. Logo, a segunda e a terceira situações em que se pode considerar que a medida de auxílio é um auxílio existente também não se verificam no caso vertente.

80      Por outro lado, na decisão recorrida, a Comissão limita‑se a ordenar à República Italiana que tome todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio concedido com fundamento na medida em causa. Logo, o caso vertente também não se enquadra na quarta situação em que se pode considerar que uma medida de auxílio é um auxílio existente.

81      Por último, o Tribunal de Primeira Instância salienta que as partes não aduziram argumentos no sentido de que a medida não constituía um auxílio à data da sua entrada em vigor e que só assumiu as características de um auxílio na sequência da evolução do mercado. Logo, o caso vertente também não se enquadra na quinta e última situação em que se pode considerar que uma medida de auxílio é um auxílio existente.

82      Pelo exposto, há que considerar que a medida em causa não constitui um auxílio existente.

83      Logo, este fundamento é improcedente.

 Quanto à conformidade da decisão recorrida com o artigo 88.°, n.° 3, CE, com o Regulamento n.° 2204/2002 e com as orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade

 Quanto à violação do artigo 88.°, n.° 3, CE

–       Argumentos das partes

84      A República Italiana alega que, ao contrário do referido no considerando 22 da decisão recorrida, não se verifica a alegada ilegalidade da medida em causa, por esta ter sido executada antes de a Comissão ter tomado uma decisão, dado a urgência da medida. Segundo a República Italiana, não executar a medida durante o procedimento administrativo tê‑la‑ia privado do seu efeito útil.

85      A Comissão recorda que o artigo 88.°, n.° 3, CE impõe a notificação prévia de todos os projectos de auxílio e proíbe a execução das medidas projectadas antes de o procedimento de investigação ter culminado numa decisão final. Não é permitido a um Estado‑Membro eximir‑se unilateralmente a essa obrigações invocando urgência, uma vez que a fixação de um prazo de dois meses para concluir a análise preliminar responde já a essa exigência (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2001, C‑99/98, Colect., p. I‑1101, n.° 73).

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

86      O Tribunal de Primeira Instância recorda que o artigo 88.°, n.° 3, CE, estabelece de modo claro e inequívoco que o Estado‑Membro interessado não pode executar as medidas projectadas antes de o procedimento de investigação ter culminado numa decisão final.

87      Além disso, esta disposição é completada pelo artigo 4.°, n.°5, do Regulamento n.° 659/1999, que prevê um prazo, que em princípio é de dois meses a contar do dia seguinte ao da recepção da notificação, para a tomada de uma decisão final no termo da análise preliminar.

88      Quanto a esse prazo de dois meses, inicialmente fixado na jurisprudência, o Tribunal de Justiça decidiu, no processo que deu origem ao acórdão Áustria/Comissão, já referido (n.° 73), que, inspirando‑se nos artigos 230.° CE e 232.° CE e avaliando assim o prazo máximo em dois meses, pretendeu evitar uma insegurança jurídica manifestamente contrária ao objectivo da fase de análise preliminar dos auxílios de Estado instituída pelo artigo 88.°, n.° 3, CE. Com efeito, como o Tribunal de Justiça esclarece, esse objectivo, que consiste em fazer beneficiar o Estado‑Membro da segurança jurídica necessária, determinando rapidamente a compatibilidade com o Tratado de um auxílio que pode revestir natureza urgente, estaria comprometido se o prazo fosse considerado indicativo. Além disso, a insegurança jurídica daí decorrente podia agravar‑se em caso de prolongamento artificial da fase de pré‑exame.

89      Consequentemente, há que entender que o prazo agora previsto no artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 659/1999 é um prazo imperativo, que vincula todas as partes no procedimento de análise preliminar. Por isso, não é permitido ao Estado‑Membro eximir‑se‑lhe invocando urgência. De mais a mais, como refere acertadamente a Comissão, a fixação de um prazo de dois meses para concluir a análise preliminar responde já a essa exigência.

90      Pelo exposto, a primeira parte do presente fundamento é improcedente.

 Quanto à violação do Regulamento n.° 2204/2002

–       Argumentos das partes

91      A República Italiana contesta a decisão recorrida, quando esta refere, nos considerandos 32 e 33, que a medida em causa não pode ser considerada compatível com o mercado comum à luz do Regulamento n.° 2204/2002, nomeadamente porque a medida se aplica a todo o território nacional e diz respeito à transmissão de empresas que empreguem mais de 1000 pessoas, isto é, principalmente à transmissão de grandes empresas. Ainda que os auxílios à criação de emprego em regiões não assistidas sejam apenas autorizados para pequenas e médias empresas, isso não pode, de qualquer das formas, permitir à Comissão concluir pela incompatibilidade total da medida, com base no regulamento, pois não é de excluir que a aquisição de empresas desse tipo possa interessar a pequenas e médias empresas.

92      A Comissão alega que a República Italiana demonstra uma compreensão imperfeita da fiscalização dos auxílios de Estado, especialmente dos regimes de auxílios. Para que um regime seja considerado compatível, não basta que os critérios de compatibilidade sejam cumpridos em determinadas situações possíveis. Ao invés, é necessário que os auxílios sejam concedidos com base em regimes de auxílios que cumpram esses critérios em todas as hipóteses. Este princípio está expressamente consagrado no artigo 3.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 2204/2002. Segundo a Comissão, no caso vertente a medida em causa não exclui que os auxílios sejam concedidos a uma grande empresa numa região não assistida e, consequentemente, a Comissão concluiu, com razão, que os mesmos não cumpriam o requisitos fixados pelo Regulamento n.° 2204/2002.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

93      O Tribunal de Primeira Instância sublinha que resulta da própria letra do artigo 4.° do Regulamento n.° 2204/2002 que só as pequenas e médias empresas podem beneficiar de auxílios à criação de emprego, fora das zonas que podem obter auxílios de finalidade regional. Uma vez que a medida em causa é aplicável a qualquer empresa e em todo o território nacional, esse requisito não está cumprido, como se refere nos considerandos 32 e 33 da decisão recorrida. De mais a mais, o único caso em que a medida em causa foi aplicada diz respeito a grandes empresas numa zona não assistida, pelo que a medida, ainda que apreciada enquanto tal, não é compatível.

94      Além disso, o Tribunal de Primeira Instância considera que, como observa acertadamente a Comissão, para que um regime de auxílios seja considerado compatível com o mercado comum à luz do Regulamento n.° 2204/2002, não basta que os requisitos que este fixa sejam cumpridos em determinadas situações de aplicação possíveis. É necessário que os auxílios concedidos com fundamento nesse regime cumpram esses requisitos em todas as hipóteses. Este princípio está expressamente consagrado no artigo 3.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 2204/2002. No caso vertente, a medida em causa não exclui que os auxílios sejam concedidos a uma grande empresa numa região não assistida. Por conseguinte, foi com razão que a Comissão decidiu que a medida em causa não satisfazia os requisitos fixados pelo Regulamento n.° 2204/2002.

95      Além disso, o Tribunal de Primeira Instância salienta que a decisão recorrida diz respeito à totalidade da medida em causa e prevê expressamente, no considerando 38, que não afecta a possibilidade de os auxílios concedidos no âmbito do regime que a medida instaura serem posteriormente considerados, mediante decisão da Comissão, total ou parcialmente compatíveis, tendo em conta as suas características específicas.

96      Pelo exposto, improcede a segunda parte do presente fundamento.

 Quanto à violação das orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade

–       Argumentos das partes

97      A República Italiana alega que, nos termos do n.° 101 das orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade, a Comissão deve analisar a compatibilidade com o mercado comum de qualquer auxílio destinado à recuperação e à reestruturação que seja concedido sem a sua autorização prévia e, por conseguinte, em violação do artigo 88.°, n.° 3, CE. A este respeito, a República Italiana rejeita o argumento aduzido pela Comissão, que consiste em invocar a falta de elementos necessários para proceder à apreciação individual da situação da medida em causa e refere que a Comissão deveria ter solicitado formalmente às autoridades italianas as informações de que necessitava, em vez de se limitar a aludir à possibilidade de uma notificação individual.

98      A Comissão alega que resulta do n.° 64 das orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade que os regimes de auxílios de emergência ou à reestruturação de empresas em dificuldade só podem ser autorizados a favor de pequenas e médias empresas, na acepção da definição comunitária. Ao contrário do que a República Italiana afirma, o n.° 101 das referidas orientações não obriga a Comissão a analisar a compatibilidade com o mercado comum de qualquer medida de auxílio de emergência ou destinada à reestruturação de empresas em dificuldade concedida sem a autorização da Comissão. Trata‑se somente de uma disposição que regula a aplicação temporal das diferentes regras que se sucederam na matéria, que certamente não obriga a Comissão a analisar individualmente a situação de todos os regimes não notificados.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

99      O Tribunal de Primeira Instância salienta que, nos termos das orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade, dois tipos de auxílios de emergência e à reestruturação podem ser autorizados pela Comissão, desde que sejam cumpridas as condições definidas nas orientações: os auxílios de emergência e à reestruturação notificados individualmente à Comissão para todas as empresas, independentemente da respectiva dimensão (n.os 22 a 63 das referidas orientações), por um lado, e os regimes de auxílios de emergência e à reestruturação, por outro (n.os 64 a 69 das referidas orientações).

100    No caso vertente, de acordo com o Decreto‑Lei n.° 23/2003, a medida em causa aplica‑se a todas as empresas, independentemente da respectiva dimensão. Além disso, o único caso em que foi aplicada consistiu na aquisição de uma grande empresa, concretamente a Ocean, por outra grande empresa, no caso a Brandt.

101    Como já se referiu a propósito do Regulamento n.° 2204/2002 no n.° 94 supra, para que um regime de auxílios possa ser considerado compatível com o mercado comum, não basta que os requisitos que fixa sejam cumpridos em determinadas situações de aplicação possíveis. É necessário que os auxílios concedidos com fundamento nesse regime cumpram esses requisitos em todas as hipóteses. Consequentemente, no caso vertente, a possibilidade puramente teórica de, no contexto da medida em causa, o cedente potencial ser uma pequena ou média empresa não é suficiente para se considerar que o auxílio assim notificado é compatível com o mercado comum à luz das orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade.

102    Uma vez que a medida em causa não cumpre os requisitos relativos ao âmbito de aplicação impostos pelas orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade, não é necessário verificar se os requisitos processuais foram respeitados.

103    Consequentemente, improcede a terceira parte do presente fundamento.

104    Pelo exposto, o Tribunal de Primeira Instância entende que a medida em causa não pode ser considerada compatível com o mercado comum à luz de nenhum dos diplomas comunitários invocados. Há, pois, que julgar totalmente improcedente esse fundamento.

 Quanto à violação do artigo 253.° CE

105    Quanto à falta de fundamentação da decisão recorrida no tocante à qualificação da medida em causa como auxílio de Estado, invocada pelas recorrentes, o Tribunal de Primeira Instância considera que a fundamentação desenvolvida no n.° 5 da decisão recorrida é clara e suficiente para justificar a posição da Comissão, já que o raciocínio aí seguido coincide com o adoptado pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 63 a 70 supra.

 Argumentos das partes

–       Quanto à falta de fundamentação da decisão recorrida no tocante à aplicação da condição da selectividade

106    A República Italiana invoca a falta de fundamentação da apreciação da Comissão, formulada no considerando 18 da decisão recorrida, segundo a qual a medida em causa não reveste carácter geral, antes conferindo um benefício económico a empresas específicas, ao reduzir os custos normais e reforçar a situação financeira destas últimas face a outros concorrentes que não beneficiam das mesmas medidas, o que é confirmado, além disso, pelo facto de a medida só ter sido aplicada num caso. A República Italiana considera que essa apreciação resulta da aplicação errada da condição da selectividade prevista no Tratado, que exige que a medida favoreça determinadas empresas ou determinadas produções. Com efeito, este requisito não é cumprido quando, como sucede no caso vertente, a medida em causa não tem o objectivo nem o efeito de favorecer determinadas empresas ou determinadas produções, pois aplica‑se a pessoas bem definidas, segundo critérios objectivos, sem que haja nenhuma possibilidade de alterar discricionariamente o seu alcance. No tocante à duração limitada da medida e à aplicação da medida em causa num único caso, circunstâncias que, segundo a Comissão, provam o seu carácter selectivo, a República Italiana sublinha que o que conta, na realidade, é o carácter geral e abstracto do diploma que a institui, o qual, no âmbito de uma fiscalização a priori como a que a Comissão deveria efectuar, não lhe deveria ter permitido excluir a aplicação da medida em causa a outros beneficiários que cumpram os requisitos exigidos.

107    A Comissão alega que, mesmo que uma medida defina o seu âmbito de aplicação com base em critérios objectivos, a mesma pode ainda assim ter carácter selectivo (acórdãos de 6 de Março de 2002, Diputación Foral de Álava e o./Comissão, T‑127/99, T‑129/99 e T‑148/99, já referido, n.° 163, e Diputación Foral de Álava e o./Comissão, T‑92/00 e T‑103/00, já referido, n.° 58). A grande precisão dos critérios para a sua aplicação, como a duração muito breve da sua execução, da qual resultou uma aplicação limitada apenas a um caso, demonstra que o carácter geral e abstracto da medida em causa, invocado pela República Italiana, mais não é do que uma pura aparência. De mais a mais, atendendo que a decisão recorrida diz respeito à medida na sua globalidade, basta que esta se revele selectiva para uma só das duas categorias de beneficiários. Além disso, em resposta às observações formuladas pela República Italiana quanto à relevância da jurisprudência referida, a Comissão recorda que não é necessário que um benefício seja concedido discricionariamente para se considerar que o mesmo é selectivo. Na verdade, o seu carácter selectivo pode resultar da aplicação dos critérios previstos para a sua atribuição automática (acórdão Bélgica/Comissão, já referido, n.os 27 a 31). A Comissão alega, por último, que o carácter selectivo da medida em causa é confirmado pelo facto de esta só ter sido aplicada uma vez.

–       Quanto à falta de fundamentação da decisão recorrida no tocante à identificação do beneficiário do auxílio concedido com fundamento na medida em causa

108    A República Italiana afirma que a decisão recorrida está também viciada de falta de fundamentação, na medida em que identifica como beneficiários da medida em causa as empresas em dificuldade sujeitas a um processo de administração extraordinária, que empregam mais de 1 000 pessoas e são objecto de transmissão, a partir da simples conclusão de que o efectivo beneficiário da medida em causa depende, com efeito, de uma série de factores, que não foram especificados pelas autoridades italianas, sem esclarecer quais desses factores seriam relevantes para essa identificação nem o motivo para tanto.

109    A Comissão observa que a medida em causa pode, na verdade, constituir um auxílio, não obstante só o cedente ou só o cessionário ser o respectivo beneficiário. A Comissão recorda, a este respeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual os beneficiários de uma medida não correspondem necessariamente às pessoas a quem o Estado concede directamente prestações positivas ou reduções (acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑156/98, Colect., p. I‑6857, n.os 22 a 28). No caso vertente, por exemplo, seria perfeitamente possível que uma empresa sujeita a um processo de administração extraordinária e que cedeu um dos seus ramos de actividades continuasse a exercer outras actividades. Nesse caso, a medida diminuiria os encargos que essa empresa normalmente teria de suportar, concretamente os salários, as indemnizações por despedimento e as várias contribuições, nomeadamente as contribuições para a gestão da CIGS. Por último, outros benefícios poderiam decorrer do facto de uma medida tomada pelo Estado permitir a transmissão de uma empresa, transmissão essa que, de outra forma, não poderia ter lugar ou não poderia ser efectuada em condições diferentes, por exemplo a um preço superior.

–       Quanto à falta de fundamentação da decisão recorrida no tocante aos efeitos negativos da medida em causa nas trocas comunitárias e na concorrência

110    A República Italiana considera que a decisão recorrida também não está fundamentada no tocante à apreciação da terceira e quarta condições para a aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE, relativas respectivamente à afectação das trocas entre Estados‑Membros e aos efeitos negativos na concorrência, pois a Comissão, para essa apreciação, no considerando 20 da decisão, contentou‑se em fazer uma afirmação apodíctica sobre as referidas questões.

111    A Brandt expressa as mesmas críticas, sustentando que, no considerando 20 da decisão recorrida, a Comissão refere, em termos muito gerais, o reforço da posição financeira de determinadas empresas face aos seus concorrentes. Por isso, a Comissão não procedeu à avaliação e demonstração do impacto da medida em causa no comércio entre os Estados‑Membros e do prejuízo que essa medida causa à concorrência. Assim, a Comissão não cumpriu a sua obrigação, recordada no acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Março de 1985, Países Baixos e Leeuwarder Papierwarenfabriek/Comissão (296/82 e 318/82, Recueil, p. 809, n.os 22 a 24), de concretizar os fundamentos das decisões que adopta em matéria de auxílios com um mínimo de indicações úteis que permitam, pelo menos, determinar o mercado relevante, a posição das empresas interessadas nesse mercado, as correntes comerciais dos produtos em causa entre os Estados‑Membros e as exportações da empresa alegadamente beneficiária do auxílio.

112    A Comissão alega que, quando são concedidos ilegalmente auxílios, não é obrigada a provar o efeito real desses auxílios na concorrência e nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros [acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, C‑301/87, Colect., p. I‑307, n.° 33; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Setembro de 2000, CETM/Comissão, T‑55/99, Colect., p. II‑3207, n.° 103, e P & O European Ferries (Vizcaya) e Diputación Foral de Vizcaya/Comissão, já referido, n.° 142].

–       Quanto à fundamentação inadequada da decisão recorrida no tocante à apreciação da compatibilidade da medida em causa com o mercado comum à luz do Regulamento n.° 2204/2002 e das orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade

113    A República Italiana alega, paralelamente aos argumentos que já foram desenvolvidos nos n.os 91 e 97 supra, que a Comissão fundamentou inadequadamente a decisão recorrida quando afastou a possibilidade de a medida em causa ser considerada compatível com o mercado comum à luz do Regulamento n.° 2204/2002 e das orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade.

114    A Comissão limita‑se, na sua resposta, a retomar os argumentos já desenvolvidos nos n.os 92 e 98 supra, relativos à inaplicabilidade, no caso vertente, do Regulamento n.° 2204/2002 e das orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade.

–       Quanto à falta de fundamentação da decisão recorrida no tocante à recuperação do auxílio

115    A Brandt sustenta que a decisão recorrida enferma de fundamentação muito insuficiente, na medida em que a Comissão não indicou os motivos pelos quais a República Italiana era obrigada a tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio que foi concedido à Brandt. Segundo a Brandt, num contexto legislativo e factual em que a regularidade dessa acção se afigura, no mínimo, duvidosa, a Comissão deveria ter explicitado a decisão recorrida quanto a esse ponto, de modo a permitir ao Tribunal de Primeira Instância e aos interessados manifestar os seus próprios pontos de vista.

116    A Comissão sustenta que, quanto à Brandt, não fundamentou especificamente a ordem dada à República Italiana de recuperar o auxílio concedido a esse empresa com base na medida em causa, porque a recuperação é uma consequência normal e geral da declaração da incompatibilidade de um auxílio com o mercado comum e porque a Comissão não seria, assim, obrigada a apreciar o caso individual da Brandt.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

117    Segundo jurisprudência assente, o dever de fundamentação é uma formalidade essencial que importa distinguir da questão da procedência da fundamentação, a qual se integra na validade material do acto controvertido (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Março de 2001, França/Comissão, C‑17/99, Colect., p. I‑2481, n.° 35, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Janeiro de 2005, Confédération nationale du Crédit mutuel/Comissão, T‑93/02, Colect., p. II‑143, n.° 67).

118    A fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do acto, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer o seu controlo. Esta exigência deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o acto diga directa e individualmente respeito podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 63, e jurisprudência aí referida).

119    Resulta destes princípios, em especial, que a Comissão é obrigada a demonstrar que a medida em causa constitui um auxílio de Estado e é incompatível com o mercado comum. Ao invés, a Comissão não é obrigada a responder ponto por ponto aos argumentos irrelevantes aduzidos pelas autoridades nacionais ou terceiros que intervenham no processo (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2006, Asociación de Estaciones de Servicio de Madrid e Federación Catalana de Estaciones de Servicio/Comissão, T‑95/03, ainda não publicado na Colectânea, n.° 108).

–       Quanto à falta de fundamentação da decisão recorrida em relação à aplicação do requisito da selectividade

120    No tocante a esta primeira e alegada falta de fundamentação da decisão recorrida, o Tribunal de Primeira Instância considera que todas as informações recordadas no n.° 66 supra, que constam dessa decisão, são suficientes e claras para provar a selectividade da medida em causa.

121    Consequentemente, improcede a primeira parte do presente fundamento.

–       Quanto à falta de fundamentação da decisão recorrida no tocante à identificação do beneficiário do auxílio concedido com base na medida em causa

122    O Tribunal de Primeira Instância salienta, em primeiro lugar, que a decisão recorrida indica, no considerando 18, as duas categorias de beneficiários potenciais da medida em causa, concretamente:

–        os adquirentes de empresas com dificuldades financeiras, sujeitas a um procedimento de administração extraordinária, que empreguem, pelo menos, 1000 trabalhadores e tenham assinado um contrato colectivo até 30 de Abril de 2003 com o Ministero del Lavoro e delle Politiche Sociali para a aprovação da transferência de trabalhadores, e/ou

–        as empresas em dificuldade financeira sujeitas a um procedimento de administração extraordinária, que empreguem, pelo menos, 1000 trabalhadores e que sejam objecto de cessão.

123    Em seguida, o Tribunal de Primeira Instância considera que, ao contrário do que a República Italiana sustenta, a Comissão não ó obrigada a identificar, na sua decisão, um beneficiário preciso do auxílio concedido com fundamento na medida em causa e que esta se podia limitar, como fez no considerando 18 da decisão recorrida, a indicar as duas categorias específicas de beneficiários. Além disso, o Tribunal de Primeira Instância recorda que, no âmbito do único caso em que foi aplicada a medida em causa, o auxílio concedido tinha por objecto facilitar a cessão de uma empresa em dificuldade. Com este procedimento, a medida facilitou uma transacção económica entre duas partes. O Tribunal de Primeira Instancia recorda, a este respeito, a jurisprudência segundo a qual os beneficiários de uma medida não correspondem necessariamente às pessoas a quem o Estado concede directamente prestações positivas ou reduções (acórdão Alemanha/Comissão, já referido, n.° 28).

124    Uma vez que a Comissão apreciou a medida em causa apenas com base nas informações apresentadas pelas autoridades italianas, as quais não contêm elementos específicos do único caso em que aquela foi aplicada, o Tribunal de Primeira Instância considera, por conseguinte, que todas as indicações constantes do considerando 18 da decisão recorrida, incluindo a enumeração exemplificativa dos factores de que a identificação do beneficiário pode depender, são suficientes.

125    Por conseguinte, improcede a segunda parte do presente fundamento.

–       Quanto à falta de fundamentação da decisão recorrida no tocante aos efeitos negativos da medida em causa nas trocas intracomunitárias e na concorrência

126    O Tribunal de Primeira Instância recorda que é jurisprudência assente que, embora em certos casos possa resultar das próprias circunstâncias em que o auxílio é concedido que este é susceptível de afectar as trocas comerciais entre Estados‑Membros e falsear ou ameaçar falsear a concorrência, compete à Comissão pelo menos invocar essas circunstâncias na fundamentação da sua decisão (v. acórdãos Itália e Sardegna Lines/Comissão, já referido, n.° 66, e jurisprudência aí referida, e Regione autonoma della Sardegna/Comissão, já referido, n.os 73 e 74).

127    Porém, a Comissão não é obrigada a fazer a demonstração do efeito real que os auxílios ilegais tiveram na concorrência e nas trocas comerciais entre Estados‑Membros. Com efeito, a obrigação de a Comissão fazer tal prova redundaria em favorecer os Estados‑Membros que pagam auxílios sem observarem o dever de notificação do artigo 88.°, n.° 3, CE, em detrimento daqueles que notificam os auxílios na fase de projecto (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Abril de 1998, Vlaams Gewest/Comissão, T‑214/95, Colect., p. II‑717, n.° 67, e de 30 de Janeiro de 2002, Keller e Keller Meccanica/Comissão, T‑35/99, Colect., p. II‑261, n.° 85, e a jurisprudência aí referida). Essa jurisprudência é, aliás, confirmada pelo teor literal do artigo 87.°, n.° 1, CE, segundo o qual são incompatíveis com o mercado comum não só os auxílios que «falseiem» a concorrência, mas também os que «ameacem» falseá‑la (acórdão Keller e Keller Meccanica/Comissão, já referido, n.° 85).

128    No caso vertente, o Tribunal de Primeira Instância salienta que, no considerando 30 da decisão recorrida, a Comissão faz as seguintes apreciações:

«Com base na terceira e quarta condições para a aplicação do [artigo 87.°, n.° 1, CE], a medida falseia ou é susceptível de falsear a concorrência e afectar as trocas comerciais intracomunitárias. O regime em apreço é susceptível de falsear a concorrência, uma vez que reforça a posição financeira de algumas empresas relativamente aos seus concorrentes. Nomeadamente, a medida é susceptível de falsear a concorrência e de afectar as trocas comerciais quando os beneficiários se encontram em concorrência com produtos provenientes de outros Estados‑Membros, sem eles próprios serem exportadores da sua própria produção. Quando as empresas beneficiárias não exportam, a produção nacional resulta favorecida pelo facto que a possibilidade das empresas, situadas noutros Estados‑Membros, de exportarem os seus produtos no mercado em questão resulta diminuída».

129    O Tribunal de Primeira Instância recorda, por outro lado, que, como se decidiu nos n.os 86 a 90 supra, as autoridades italianas não cumpriram a obrigação que lhes incumbe por força do artigo 88.°, n.° 3, CE, ao executar a medida antes de esta ser autorizada pela Comissão.

130    Consequentemente, em consonância com a jurisprudência já referida, o Tribunal de Primeira Instância considera que a fundamentação constante do considerando 20 da decisão recorrida é adequada e suficiente.

131    Pelo exposto, improcede a terceira parte do presente fundamento.

–       Quanto à fundamentação inadequada da decisão recorrida no tocante à apreciação da compatibilidade da medida em causa com o mercado comum à luz do Regulamento n.° 2204/2002 e dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade

132    No tocante a esta outra alegada falta de fundamentação da decisão recorrida, o Tribunal de Primeira Instância considera que a fundamentação desenvolvida nos n.os 5.4. e 5.5. da decisão recorrida é clara e suficiente para justificar a posição da Comissão, uma vez que o raciocínio aí seguido coincide com o adoptado pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 93 a 96 e 99 a 103 supra.

–       Quanto à falta de fundamentação da decisão recorrida no tocante à recuperação do auxílio

133    O Tribunal de Primeira Instância recorda que, segundo jurisprudência assente, a supressão de um auxílio ilegal, mediante recuperação deste e dos respectivos juros, é a consequência lógica do reconhecimento da sua incompatibilidade com o mercado comum (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão, C‑142/87, Colect., p. I‑959, n.° 66; de 14 de Janeiro de 1997, Espanha/Comissão, C‑169/95, Colect., p. I‑135, n.° 47, e de 29 de Junho de 2004, Comissão/Conselho, C‑110/02, Colect., p. I‑6333, n.° 41).

134    No caso em apreço, a Comissão declarou, no artigo 1.° da decisão recorrida, que a medida em causa é incompatível com o mercado comum, o que o Tribunal de Primeira Instância confirmou no n.° 104 supra.

135    Consequentemente, em consonância com a jurisprudência referida e uma vez que, como se decide nos n.os 140 a 145 infra, a Comissão não é obrigada a apreciar o caso individual da Brandt, o Tribunal de Primeira Instância considera que a Comissão também não faltou ao seu dever de fundamentar a decisão recorrida quanto a este ponto.

136    Pelo exposto, improcede a quarta parte do presente fundamento.

137    Por conseguinte, há que julgar totalmente improcedente este fundamento.

 Quanto à recuperação do auxílio

 Quanto à violação do Regulamento n.° 659/1999

–       Argumentos das partes

138    A Brandt alega que a Comissão baseou a ordem que deu à República Italiana, de tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio que a Brandt recebeu a título individual com fundamento na medida em causa, apenas na apreciação desta medida, que no entanto qualificou de regime geral. A Comissão não fez, porém, uma análise apropriada do caso de aplicação concreto constituído pelo alegado auxílio. Assim, a Brandt considera que a Comissão, ao ordenar à República Italiana que recuperasse esse auxílio – que poderia perfeitamente ter‑se revelado compatível com o mercado após um exame de rotina efectuado nos termos do Regulamento n.° 659/1999 – , violou designadamente as normas desse regulamento [acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 1980, Boussac, 22/80, Recueil, p. 3427, e conclusões do advogado‑geral Alber no processo França/Comissão (acórdão de 22 de Março de 2001, já referido, p. I‑2484, n.° 40)]. Se a Comissão tencionava ordenar qualquer recuperação do alegado auxílio à Brandt, então deveria ter observado o procedimento previsto no artigo 11.° do Regulamento n.° 659/1999.

139    A Comissão alega que a decisão recorrida não contém nenhuma injunção de recuperação provisória do auxílio, na acepção do artigo 11.° do Regulamento n.° 659/1999. A recuperação foi ordenada unicamente com base na decisão recorrida, nos termos do artigo 14.° do referido regulamento, pelo não há que tomar em consideração os requisitos formais e substantivos do artigo 11.° desse regulamento. Este procedimento é perfeitamente legítimo, como resulta de numerosos acórdãos que confirmaram decisões negativas sobre regimes de auxílios, nas quais a Comissão tinha determinado justamente a recuperação dos auxílios concedidos ao abrigo desses regimes (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1999, Bélgica/Comissão, já referido, n.os 64 e seguintes; Alemanha/Comissão, já referido, n.° 112 e seguintes; de 7 de Março de 2002, Itália/Comissão, C‑310/99, Colect., p. I‑2289, n.os 98 e seguintes; de 19 de Setembro de 2002, Espanha/Comissão, C‑114/00, Colect., p. I‑7657, n.os 107 e seguintes; de 29 de Abril de 2004, Itália/Comissão, C‑298/00 P, Colect., p. I‑4087, n.os 86 e seguintes, que confirma o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Junho de 2000, Alzetta e o./Comissão, T‑298/97, T‑312/97, T‑313/97, T‑315/97, T‑600/97 a T‑607/97, T‑1/98, T‑3/98 a T‑6/98 e T‑23/98, Colect., p. II‑2319, e de 29 de Abril de 2004, Grécia/Comissão, C‑278/00, Colect., p. I‑3997, n.os 103 a 108).

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

140    No tocante à alegação da Brandt de que a Comissão estava obrigada a apreciar individualmente o seu caso, o Tribunal de Primeira Instância recorda, antes de mais, que, por ofício de 12 de Fevereiro de 2003, as autoridades italianas notificaram a medida em causa. Em resposta ao pedido de informações complementares sobre a medida em causa que lhe foi apresentado pela Comissão e durante todo o procedimento administrativo, a República Italiana manteve o entendimento de que a medida em causa era um regime geral que fora aplicado num só caso, que consistiu na aquisição da Ocean pela Brandt. No entanto, a República Italiana não transmitiu à Brandt nenhuma informação relativa ao caso individual da Brandt, tal como, por exemplo, o plano de reestruturação.

141    O Tribunal de Primeira Instância observa, em seguida, que, como se recordou no n.° 13 supra, a decisão da Comissão de abrir o procedimento formal de investigação a que se refere o artigo 88.°, n.° 2, foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 18 de Dezembro de 2003. Apesar desta publicação, a Brandt não considerou necessário formular observações no procedimento formal de investigação. No entanto, segundo jurisprudência assente, a publicação de um aviso no Jornal Oficial constitui um meio adequado para dar a conhecer a todos os interessados a instauração de um procedimento [acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, Recueil, p. 3809, n.° 17; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Maio de 2005, Saxonia Edelmetalle/Comissão, T‑111/01 e T‑133/01, Colect., p. II‑1579, n.° 48, e de 31 de Maio de 2006, Kuwait Petroleum (Nederland)/Comissão, T‑354/99, Colect., p. II‑1475, n.° 81]. Apesar dessa publicação, a Brandt não interveio no procedimento formal de investigação e não submeteu à Comissão nenhuma observação suplementar.

142    Consequentemente, o Tribunal de Primeira Instância considera que a Comissão foi notificada da medida em causa e, por isso, dispunha da informação suficiente para a analisar. O Tribunal de Primeira Instância reconhece que podia haver dúvidas sobre se a medida em causa podia constituir um auxílio individual; porém, há que ter em conta que a Comissão não tinha nenhuma informação concreta que lhe permitisse chegar a essa conclusão a partir do reconhecimento, por parte da República Italiana, de que a medida em causa só tinha sido aplicada num caso. A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância recorda que, no caso de um regime de auxílios, a Comissão pode limitar‑se a analisar as características gerais do regime em causa, sem ser obrigada a examinar cada caso de aplicação específico, para verificar se esse regime contém elementos de auxílio (acórdãos de 19 de Outubro de 2000, Itália e Sardegna Lines/Comissão, já referido, n.° 51; Grécia/Comissão, já referido, n.° 24), e de 15 de Dezembro de 2005, Unicredito Italiano, C‑148/04, Colect., p. I‑11137, n.° 67).

143    O Tribunal de Primeira Instância salienta, por outro lado, que a decisão recorrida indica claramente, no considerando 38, que a mesma diz respeito à medida em causa e aos respectivos casos de aplicação, mas não afecta a possibilidade de cada um dos auxílios concedidos no âmbito do regime serem posteriormente considerados, mediante decisão da Comissão, total ou parcialmente compatíveis com base nas suas características específicas.

144    Consequentemente, o Tribunal de Primeira Instância considera que a Comissão procedeu correctamente quando examinou a medida em causa tal como esta lhe foi notificada pela República Italiana e, por conseguinte, que a Comissão não causou nenhum prejuízo processual à Brandt.

145    Pelo exposto, improcede a primeira parte do presente fundamento.

 Quanto à violação do princípio da confiança legítima

–       Argumentos das partes

146    No tocante à injunção de recuperação, a Brandt invoca, no essencial, o princípio da protecção da confiança legítima e alega que o dever de fundamentação não foi observado.

147    A Comissão alega que, antes mesmo da adopção do Regulamento n.° 659/1999 e independentemente da existência de disposição expressão sobre essa matéria, o Tribunal de Justiça reconhecera que a supressão de um auxílio ilegal, mediante recuperação do auxílio pago e dos respectivos juros, era a consequência lógica do reconhecimento da sua incompatibilidade com o mercado comum (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão, já referido, n.° 66; de 14 de Setembro de 1994, Espanha/Comissão, C‑278/92 a C‑280/92, Colect., p. I‑4103, n.° 75; de 14 de Janeiro de 1997, Espanha/Comissão, já referido, n.° 47; de 7 de Março de 2002, Itália/Comissão, já referido, n.° 98, e Comissão/Conselho, já referido, n.° 41).

148    O artigo 14.° do Regulamento n.° 659/1999, passou a obrigar expressamente a Comissão a prever a recuperação dos auxílios junto do beneficiário, salvo se a isso obstar um princípio geral de direito comunitário, como o da protecção da confiança legítima.

149    Porém, a Comissão sustenta que, segundo jurisprudência assente, as empresas só podem, em princípio, ter confiança legítima na regularidade do auxílio de que beneficiaram se este tiver sido concedido no respeito pelo processo previsto pelo referido artigo. Com efeito, um operador económico diligente deve, normalmente, estar em condições de se certificar que esse processo foi respeitado, mesmo quando a ilegalidade da decisão de concessão do auxílio é imputável ao Estado em causa, a ponto de a revogação da decisão se revelar contrária ao princípio da boa‑fé (acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 1990, Comissão/Alemanha, C‑5/89, Colect., p. I‑3437, n.° 14, e de 20 de Março de 1997, Alcan Deutschland, C‑24/95, Colect., p. I‑1591, n.° 25).

150    Por outro lado, a Comissão, apesar de reconhecer a possibilidade de os beneficiários de um auxílio invocarem circunstâncias excepcionais, nas quais legitimamente fundamentaram a sua confiança na regularidade desse auxílio, e portanto de se oporem ao seu reembolso, sublinha que, segundo a jurisprudência, nesse caso compete ao tribunal nacional eventualmente chamado a proferir decisão apreciar essas circunstâncias, sendo caso disso após ter submetido ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais de interpretação (acórdãos Comissão/Alemanha, já referido, n.° 16, e de 7 de Março de 2002, Itália/Comissão, já referido, n.° 103).

151    A Comissão nota que, no caso vertente, a medida em causa foi instituída por um decreto‑lei imediatamente aplicável. Segundo afirma, é evidente, portanto, que a República Italiana, embora tenha notificado essa medida e admitido, nessa altura, que se tratava de um regime de auxílios, não respeitou a obrigação prevista no artigo 88.°, n.° 3, CE, e executou ilegalmente a medida em causa, pois a Comissão ainda não se tinha pronunciado sobre a incompatibilidade desta com o mercado comum. De mais a mais, a Comissão sustenta que no próprio ofício de notificação, de 7 de Fevereiro de 2003, era convidada a apreciar a compatibilidade da medida em causa com o mercado comum à luz das orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade.

152    Segundo a Comissão, era por isso manifesto, desde o início, que as medidas de aplicação da medida em causa eram susceptíveis de constituir auxílios de Estado e, portanto, que o artigo 88.°, n.° 3, CE tinha sido violado. Segundo a Comissão, isso basta para excluir, desde logo, toda e qualquer hipótese de confiança legítima.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

153    Como resulta dos factos e se decidiu nos n.os 70 e 104 do presente acórdão, a medida em causa é incompatível com o mercado comum, uma vez que foi adoptada em infracção às normas comunitárias, tanto adjectivas como substantivas, sobre auxílios de Estado.

154    O Tribunal de Primeira Instância considera que, no caso vertente, se verifica ser impossível que um operador económico diligente como a Brandt pudesse ignorar a ilegalidade do auxílio em causa. O Tribunal de Primeira Instância recorda, a este respeito, que é jurisprudência assente que, tendo em conta o carácter imperativo do controlo dos auxílios de Estado efectuado pela Comissão a título do artigo 88.° CE, as empresas só podem, em princípio, ter uma confiança legítima na regularidade do auxílio de que beneficiaram se este tiver sido concedido no respeito pelo processo (acórdãos Comissão/Alemanha, já referido, n.° 14, e Alcan Deutschland, já referido, n.° 25). Com efeito, um operador económico diligente deve, normalmente, estar em condições de se certificar que esse processo foi respeitado, mesmo quando a ilegalidade da decisão de concessão do auxílio é imputável ao Estado considerado, a ponto de a revogação da decisão se revelar contrária ao princípio da boa‑fé (acórdão do Tribunal de Justiça Alcan Deutschland, já referido, n.° 41, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Janeiro de 2004, Fleuren Compost/Comissão, T‑109/01, Colect., p. II‑127, n.° 135).

155    Por último, o Tribunal de Primeira Instância recorda que também é jurisprudência assente que, se, à semelhança da Brandt, o beneficiário do auxílio considerar que há circunstâncias excepcionais que legitimamente fundamentaram a sua confiança na regularidade do auxílio, compete ao tribunal nacional eventualmente chamado a proferir decisão apreciar essas circunstâncias, sendo caso disso após ter submetido ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais de interpretação (acórdãos Comissão/Alemanha, já referido, n.° 16; de 7 de Março de 2002, Itália/Comissão, já referido, n.° 103, e acórdão Fleuren Compost/Comissão, já referido, n.° 136).

156    Consequentemente, também improcede a segunda parte do presente fundamento.

157    Pelo exposto, julga‑se este fundamento totalmente improcedente.

 Quanto às despesas

158    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No processo T‑239/04, tendo a Comissão pedido a condenação da República Italiana e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas. No processo T‑239/04, tendo a Comissão pedido a condenação da Brandt e tendo esta também sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

decide:

1)      É negado provimento aos recursos.

2)      A República Italiana suportará as respectivas despesas e as efectuadas pela Comissão no âmbito do processo T‑239/04.

3)      A Brandt Italia SpA suportará as respectivas despesas e as efectuadas pela Comissão no âmbito do processo T‑323/04.

García‑Valdecasas

Cooke

Labucka

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Setembro de 2007.

O secretário

 

       O presidente

E. Coulon

 

       J. D. Cooke


* Língua do processo: italiano.