Language of document : ECLI:EU:C:2020:976

Processo C815/18

Federatie Nederlandse Vakbeweging

contra

Van den Bosch Transporten B. V. e o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos)]

 Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 1 de dezembro de 2020

«Reenvio prejudicial — Diretiva 96/71/CE — Artigo 1.°, n.os 1 e 3, e artigo 2.°, n.° 1 — Destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços — Motoristas de transporte rodoviário internacional — Âmbito de aplicação — Conceito de “trabalhador destacado” — Operações de cabotagem — Artigo 3.°, n.os 1, 3 e 8 — Artigo 56.° TFUE — Livre prestação de serviços — Convenções coletivas declaradas de aplicação geral»

1.        Livre prestação de serviços — Destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços — Diretiva 96/71 — Âmbito de aplicação — Prestações de serviços transnacionais no setor do transporte rodoviário — Inclusão — Base jurídica que não inclui disposições relativas aos transportes — Falta de pertinência

(Diretiva 96/71 do Parlamento Europeu e do Conselho, considerando 4 e artigo 1.°, n.os 1 e 3, e artigo 2.°, n.° 1)

(cf. n.os 31‑34, 38, 40, 41, disp. 1)

2.        Livre prestação de serviços — Destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços — Diretiva 96/71 — Trabalhador destacado — Conceito — Motoristas de transporte rodoviário internacional — Contrato de fretamento entre a empresa que emprega os referidos motoristas, estabelecida num EstadoMembro, e uma empresa situada noutro EstadoMembro — Inclusão — Requisito — Existência de uma ligação suficiente com o território em causa — Instruções inerentes às missões — Início ou fim dessas missões na sede desta segunda empresa — Relação de grupo entre as empresas que são partes no contrato de colocação à disposição de trabalhadores — Irrelevância

(Diretiva 96/71 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 1.°, n.os 1, e 3, e artigo 2.°, n.° 1)

(cf. n.os 45, 46, 49‑52, 56, 57, disp. 2, 3)

3.        Livre prestação de serviços — Destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços — Diretiva 96/71 — Trabalhador destacado — Conceito — Motoristas de transporte rodoviário internacional — Contrato de fretamento entre a empresa que emprega os referidos motoristas, estabelecida num EstadoMembro, e uma empresa situada noutro EstadoMembro — Operações de cabotagem no território de um EstadoMembro diferente do Estado de exercício da sua atividade habitual — Inclusão — Duração da operação de cabotagem — Irrelevância

(Diretiva 96/71 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 1.°, n.os 1 e 3, artigo 2.°, n.° 1, e artigo 3.°, n.° 3)

(cf. n.os 62‑65, disp. 4)

4.        Livre prestação de serviços — Destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços — Diretiva 96/71 — Convenção coletiva declarada de aplicação geral — Conceito — Apreciação por referência ao direito nacional aplicável — Convenção coletiva que não foi declarada de aplicação geral mas cuja observância condiciona a dispensa de aplicação da convenção de aplicação geral — Disposições das duas convenções coletivas essencialmente idênticas — Inclusão

(Diretiva 96/71 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 3.°, n.os 1 e 8)

(cf. n.os 69, 70, 72, disp. 5)

Resumo

A diretiva relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços é aplicável às prestações de serviços transnacionais no setor do transporte rodoviário

Trabalhadores provenientes da Alemanha e da Hungria exerciam a sua atividade de motorista no âmbito de contratos de fretamento relativos a transportes internacionais, celebrados entre uma empresa de transportes cujas instalações estão situadas em Erp (Países Baixos), a Van den Bosch Transporten BV, e duas sociedades‑irmãs, uma de direito alemão e outra de direito húngaro, pertencentes ao mesmo grupo, às quais os motoristas estavam vinculados. Regra geral, durante o período em causa, o fretamento ocorria a partir de Erp e os trajetos terminavam aí, todavia a maioria dos transportes efetuados com base nos contratos de fretamento em causa ocorria fora do território dos Países Baixos. A Van den Bosch Transporten, enquanto membro da Associação Neerlandesa do Transporte de Mercadorias, estava abrangida pela convenção coletiva de trabalho aplicável a este setor (a seguir «CCT “transporte de mercadorias”»), celebrada entre esta associação e a Federatie Nederlandse Vakbeweging (Federação dos Sindicatos Neerlandeses, a seguir «FNV»). Uma segunda convenção coletiva de trabalho, aplicável, nomeadamente, ao setor do transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem e cujas disposições eram, no essencial, idênticas às da CCT «transporte de mercadorias», foi, ao contrário da primeira, declarada de aplicação geral. No entanto, por força do direito nacional, as empresas abrangidas pela CCT «transporte de mercadorias» estavam dispensadas da aplicação desta segunda convenção, na condição de observarem a primeira convenção.

Segundo a FNV, quando a Van den Bosch Transporten recorria a motoristas provenientes da Alemanha e da Hungria deveria aplicar‑lhes as condições básicas de trabalho da CCT «transporte de mercadorias», na sua qualidade de trabalhadores destacados, na aceção da diretiva relativa ao destacamento de trabalhadores (1). Uma vez que as condições básicas de trabalho estipuladas nesta convenção não foram aplicadas a esses motoristas, a FNV intentou uma ação contra as três empresas de transporte, que foi julgada procedente em primeira instância por sentença interlocutória. No entanto, esta sentença foi anulada em sede de recurso. O órgão jurisdicional de recurso considerou, nomeadamente, que os fretamentos em causa não estavam abrangidos pelo âmbito de aplicação da diretiva relativa ao destacamento de trabalhadores, uma vez que esta diretiva apenas visava os fretamentos efetuados, pelo menos principalmente, «no território» de outro Estado‑Membro.

Foi neste contexto que, chamado a conhecer de um recurso interposto pela FNV, o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos) submeteu ao Tribunal de Justiça uma série de questões prejudiciais, relativas, em substância, às condições em que se pode concluir pela existência de um destacamento de trabalhadores «para o território de um Estado‑Membro» no setor dos transportes rodoviários internacionais.

Apreciação do Tribunal

O Tribunal, reunido em Grande Secção começa por salientar que a diretiva relativa ao destacamento de trabalhadores é aplicável às prestações de serviços transnacionais no setor do transporte rodoviário. Com efeito, esta diretiva aplica‑se, em princípio, a qualquer prestação transnacional de serviços que implique um destacamento de trabalhadores, independentemente do setor económico em causa e, diferentemente de um instrumento clássico de liberalização, prossegue uma série de objetivos baseados na necessidade de promover a prestação de serviços transnacionais, assegurando simultaneamente uma concorrência leal e garantindo o respeito pelos direitos dos trabalhadores. O facto de a base jurídica da referida diretiva não conter disposições relativas aos transportes não pode, contudo, excluir do seu âmbito de aplicação as prestações de serviços transnacionais no setor das atividades de transporte rodoviário, designadamente de mercadorias.

No que respeita, em seguida, à qualidade de trabalhadores destacados dos motoristas visados, o Tribunal recorda que, para um trabalhador poder ser considerado destacado «para o território de um Estado‑Membro», a execução do seu trabalho deve apresentar uma ligação suficiente com esse território. A existência dessa ligação é determinada no âmbito de uma apreciação global de elementos como a natureza das atividades exercidas pelo trabalhador em causa no referido território, o grau de intensidade da ligação das atividades desse trabalhador com o território de cada Estado‑Membro em que opera assim como a parte que as referidas atividades representam em todo o serviço de transporte.

Em especial, o facto de um motorista de transporte internacional colocado por uma empresa estabelecida num Estado‑Membro à disposição de uma empresa estabelecida noutro Estado‑Membro receber instruções inerentes às suas missões e começar ou terminá‑las na sede desta segunda empresa não basta, por si só, para se considerar que esse motorista foi destacado para o território desse outro Estado‑Membro, na aceção da Diretiva relativa ao destacamento de trabalhadores, uma vez que a execução do trabalho do referido motorista não apresenta, com base noutros fatores, uma ligação suficiente com esse território.

Além disso, o Tribunal precisa que a existência de uma relação de grupo entre as empresas que são partes no contrato de colocação à disposição de trabalhadores não é, enquanto tal, suscetível de definir o grau de ligação da execução do trabalho com o território de um Estado‑Membro para o qual esses trabalhadores são enviados. Por conseguinte, a existência dessa relação não é relevante para efeitos da apreciação de um destacamento de trabalhadores.

Quanto ao caso específico das operações de cabotagem, às quais se aplica a diretiva relativa ao destacamento de trabalhadores, como sublinha o regulamento relativo ao transporte internacional rodoviário de mercadorias (2), o Tribunal salienta que essas operações se realizam inteiramente no território do Estado‑Membro de acolhimento, o que permite considerar que a execução do trabalho pelo motorista no âmbito dessas operações tem uma ligação suficiente com esse território. A duração da operação de cabotagem é um elemento irrelevante para se apreciar a existência de tal destacamento, sem prejuízo da possibilidade, de que os Estados‑Membros dispõem nos termos desta diretiva, de não aplicar determinadas disposições desta última, nomeadamente no que respeita às remunerações salariais mínimas, quando o período de destacamento não for superior a um mês.

Por último, o Tribunal recorda que, no caso de um destacamento de trabalhadores, os Estados‑Membros devem, nos termos desta mesma diretiva, velar por que as empresas em causa garantam aos trabalhadores destacados no seu território um determinado número de condições de trabalho e emprego fixadas, nomeadamente, por convenções coletivas declaradas de aplicação geral, ou seja, aquelas que devem ser cumpridas por todas as empresas pertencentes ao setor ou à profissão em causa e abrangidas pelo seu âmbito de aplicação territorial. A questão de saber se uma convenção coletiva foi declarada de aplicação geral deve ser apreciada por referência ao direito nacional aplicável. O Tribunal precisa, todavia, que este conceito abrange igualmente uma convenção coletiva de trabalho que não foi declarada de aplicação geral mas cuja observância condiciona, para as empresas por elas abrangidas, a dispensa de aplicação de outra convenção coletiva de trabalho declarada, por seu turno, de aplicação geral e cujas disposições são, no essencial, idênticas às dessa outra convenção coletiva de trabalho.


1      Diretiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços (JO 1997, L 18, p. 1).


2      Regulamento (CE) n.º 1072/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, que estabelece regras comuns para o acesso ao mercado do transporte internacional rodoviário de mercadorias (JO 2009 L 300, p. 72).