Language of document : ECLI:EU:C:2020:796

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GIOVANNI PITRUZZELLA

apresentadas em 6 de outubro de 2020(1)

Processo C344/19

D. J.

contra

Radiotelevicija Slovenija

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Vrhovno sodišče Republike Slovenije (Supremo Tribunal, Eslovénia)]

«Reenvio prejudicial — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Organização do tempo de trabalho — Conceito de tempo de trabalho e de período de descanso — Período de disponibilidade — Trabalho específico relativo à manutenção dos radiodifusores de televisão situados em alta montanha»






1.        Em que condições o tempo que um trabalhador passa em situação de disponibilidade pode ser considerado tempo de trabalho?

2.        Pode o conceito de tempo de trabalho que resulta da Diretiva 2003/88/CE (2) estender‑se de modo a abranger situações em que o trabalhador, embora não estando a «trabalhar», se encontra numa situação tal que não lhe permite um descanso efetivo? Quais são as características de um «descanso efetivo» em conformidade com as finalidades de proteção da saúde e da segurança do trabalhador dessa diretiva?

3.        É possível imaginar que existam «zonas cinzentas» em que o trabalhador não se encontra em tempo de trabalho mas também não se encontra em período de descanso?

4.        São estas interrogações quanto ao mérito do presente processo que, examinado de forma coordenada conjuntamente com o processo C‑580/19, oferece ao Tribunal de Justiça a oportunidade de se confrontar com o tema da qualificação jurídica dos períodos de prevenção e de disponibilidade à luz da Diretiva 2003/88.

5.        O Tribunal de Justiça já se pronunciou várias vezes sobre este assunto, mas o presente processo, devido às particularidades do caso concreto (situação geográfica peculiar do local de trabalho) exige um reexame dos princípios até agora afirmados para apreciar possíveis evoluções.

6.        Mais precisamente, trata‑se de saber se os períodos de disponibilidade contínua, com a possibilidade de o trabalhador ser contactado e, eventualmente, dever regressar ao local de trabalho no prazo de uma hora, devem ser considerados como tempo de trabalho ou como período de descanso na aceção do referido artigo 2.o da Diretiva 2003/88.

7.        Isto, tendo em conta, em particular, a circunstância de o recorrente, técnico especialista de um operador de televisão, permanecer nas proximidades do seu local de trabalho durante esses períodos de disponibilidade devido às dificuldades de acesso e à distância deste da sua habitação.

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da União

8.        O considerando 5 da Diretiva 2003/88 afirma que:

«[t]odos os trabalhadores devem beneficiar de períodos de descanso suficientes. O conceito de “descanso” deve ser expresso em unidades de tempo, ou seja, em dias, horas e/ou suas frações. Os trabalhadores da [União Europeia] devem beneficiar de períodos mínimos de descanso — diários, semanais e anuais — e de períodos de pausa adequados. Assim sendo, é conveniente prever igualmente um limite máximo para o horário de trabalho semanal».

9.        O artigo 2.o da Diretiva 2003/88 prevê:

«Para efeitos do disposto na presente diretiva, entende‑se por:

1. Tempo de trabalho: qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua atividade ou das suas funções, de acordo com a legislação e/ou a prática nacional.

2. Período de descanso: qualquer período que não seja tempo de trabalho.

[…]

9. Descanso suficiente: o facto de os trabalhadores disporem de períodos de descanso regulares cuja duração seja expressa em unidades de tempo, e suficientemente longos e contínuos para evitar que se lesionem ou lesionem os colegas ou outras pessoas e para não prejudicarem a saúde, a curto ou a longo prazo, por cansaço ou ritmos irregulares de trabalho».

B.      Direito esloveno

10.      O artigo 142.o da Zakon o delovnih razmerjih (Lei sobre Relações Laborais, ZDR‑1, JO RS n.o 21/2013 e seguintes) prevê:

«(1)      O tempo de trabalho compreende o tempo de trabalho efetivo e o período de descanso nos termos do artigo 154.o da presente lei, bem como os períodos de ausência justificada ao trabalho com base na lei e num contrato coletivo de trabalho ou num ato de aplicação geral.

(2)      Constitui tempo de trabalho efetivo qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a atividade laboral, devendo entender‑se como tal o período em que o trabalhador se mantém à disposição da entidade patronal e cumpre as suas obrigações laborais decorrentes do contrato de trabalho.

(3)      O tempo de trabalho efetivo constitui a base para o cálculo da produtividade de trabalho.»

11.      O artigo 46.o do Kolektivna pogodba za javni sektor (Contrato Coletivo para o Setor Público, KPJS, JO RS n.o 57/2008 e seguintes) estabelece que:

«[é] devido ao funcionário público um suplemento salarial pelo período de disponibilidade contínua correspondente a 20 % do custo horário do vencimento de base. Os períodos de disponibilidade contínua não são considerados tempo de trabalho, no que respeita aos funcionários públicos».

12.      O artigo 6.o do Regulamento Interno da Radiotelevicija Slovenia de 22 de dezembro de 2010 (a seguir «regulamento interno»), sobre o tempo de trabalho, prevê que:

«[n]o âmbito das unidades ou dos serviços, é permitido estabelecer serviços de prevenção ou outra forma de disponibilidade quando o trabalho deva ser realizado sem interrupções ou num determinado dia, ou dentro de um determinado prazo, para garantir uma proteção contra calamidades naturais ou acidentes de outro tipo, ou devido a circunstâncias excecionais alheias à vontade da entidade patronal e que esta última não pode impedir».

13.      O artigo 8.o do referido regulamento interno dispõe:

«O período de prevenção é o período durante o qual o trabalhador não pode dispor livremente do seu tempo e deve permanecer à disposição no local de trabalho ou noutro local previsto pela direção, de modo a que o referido trabalhador possa iniciar o seu trabalho habitual e/ou determinadas atividades e deveres associados ao seu trabalho. Considera‑se como período de prevenção também o tempo despendido pelo trabalhador para se deslocar até ao local de trabalho na qualidade de passageiro».

14.      Nos termos do artigo 9.o do mesmo regulamento interno:

«Todo o período de prevenção é considerado como tempo de trabalho.»

15.      Por último, o artigo 16.o do regulamento interno estabelece:

«Para o trabalhador, o período de disponibilidade contínua pode ser estabelecido com base no processo de produção e na repartição anual do trabalho ao nível das UO (unidades organizacionais) ou das UPP (unidades de produção de programas). A disponibilidade contínua implica que o trabalhador possa ser contactado fora do seu horário de trabalho, através do telefone ou de outros dispositivos, de modo a que, em caso de necessidade, o trabalhador possa apresentar‑se no seu local de trabalho. O período de tempo máximo aceitável para chegar ao local de trabalho é de uma hora. A disponibilidade contínua deve ser exigida por escrito e com o acordo do trabalhador com, pelo menos, dois dias de pré‑aviso. A proposta escrita (formulário 5) para o período de disponibilidade contínua no trabalho pode ser estabelecida numa base mensal, semanal ou diária.

No que respeita aos trabalhadores, os períodos de disponibilidade contínua não são considerados como tempo de trabalho».

II.    Factos, processo principal e questões prejudiciais

16.      O recorrente exerceu uma atividade laboral por conta de outrem como técnico especialista nos centros de transmissão de Pohorje (Eslovénia) e, em seguida, de Krvavec (Eslovénia), precisamente desde 1 de agosto de 2008 até 31 de janeiro de 2015.

17.      A natureza do trabalho, a distância dos referidos centros de transmissão do domicílio do recorrente — que tornavam impossível regressar de um desses centros à sua residência habitual todos os dias, mesmo com condições meteorológicas favoráveis —, bem como a dificuldade periódica de acesso aos mesmos, impunham que o recorrente residisse junto dos centros de transmissão.

18.      Assim, a entidade patronal preparou a estadia de DJ e de um outro técnico, presentes ao mesmo tempo em cada um dos referidos centros de transmissão, nos respetivos edifícios (com cozinha, sala de estar, zona de descanso e casa de banho).

19.      Após a atividade laboral, os dois técnicos podiam descansar nas salas de estar ou realizar atividades de tempo livre nas proximidades, na medida das possibilidades oferecidas pelas respetivas localidades.

20.      Os dois técnicos exerciam a sua atividade laboral por turnos ou faixas horárias: um das 6 horas às 18 horas e o outro das 12 horas às 24 horas. DJ trabalhava a maior parte das vezes durante esta segunda faixa horária.

21.      O trabalho efetuado no período assim determinado foi considerado «trabalho normal», o que exigia a presença no posto de trabalho e tinha em média duas a três horas de trabalho «efetivo», enquanto o tempo remanescente consistia em estar sentado em frente ao ecrã, vigiar as transmissões, aguardar eventuais alarmes relativamente aos quais fosse necessário intervir.

22.      A entidade patronal pagava um salário a DJ com base nas doze horas de trabalho normal tal como acima organizado (ou seja, pela presença efetiva de DJ no local de trabalho) e contabilizava, em contrapartida, o período das 24 horas às 6 horas da manhã como período de descanso, relativamente ao qual não pagava ao interessado qualquer remuneração. As restantes seis horas da jornada (das 6 horas às 12 horas) eram consideradas pela entidade patronal como período de disponibilidade contínua.

23.      Durante esse período, o trabalhador podia afastar‑se do centro de transmissão e deslocar‑se por todo o lado sem restrições. O trabalhador devia, no entanto, estar contactável em caso de chamada e, se necessário, devia regressar ao trabalho no prazo de uma hora, não obstante apenas as tarefas urgentes deverem ser executadas imediatamente, enquanto as restantes podiam também ser executadas no dia seguinte.

24.      Como contrapartida desses períodos de disponibilidade contínua, a entidade patronal pagou a DJ um complemento salarial (subsídio) equivalente a 20 % do salário de base. Nos casos em que, durante esses períodos de disponibilidade contínua, na sequência de uma chamada, fosse necessária uma intervenção efetiva do trabalhador (com regresso ao posto de trabalho), o tempo assim despendido era contabilizado e remunerado como trabalho normal, em conformidade com o artigo 16.o do regulamento interno.

25.      DJ intentou uma ação judicial para obter o pagamento, com base no valor previsto para as horas de trabalho extraordinário, das horas em que lhe foi exigida a disponibilidade contínua (seis horas por dia). Em apoio do seu pedido, alegou, antes de mais, que residia no lugar onde prestava o seu trabalho e que, por esse motivo, se devia considerar que estava presente no seu posto de trabalho, de facto, durante 24 horas por dia. A este respeito, o recorrente considera não poder dispor livremente do seu tempo nem mesmo nos períodos livres, uma vez que estava obrigado, durante os períodos de disponibilidade contínua, a responder às chamadas e, se necessário, a regressar ao seu local de trabalho no prazo de uma hora. Além disso, nas proximidades dos centros de transmissão, as possibilidades de se dedicar a atividades de lazer eram escassas e, por conseguinte, o recorrente permanecia todo o tempo, na maior parte dos casos, nas redondezas dos centros de transmissão.

26.      Os órgãos jurisdicionais de primeira e segunda instância julgaram improcedente o pedido de pagamento das horas de trabalho extraordinário de DJ.

27.      O recorrente interpôs então recurso para o órgão jurisdicional de reenvio, no qual reiterou que o conceito de tempo de trabalho efetivo não abrange apenas o período durante o qual o trabalhador exerce efetivamente a sua atividade laboral mas também todo aquele tempo em que se encontra presente no local indicado pela entidade patronal. Na realidade, a entidade patronal impôs ao recorrente turnos de trabalho de vários dias e abusou do instituto da disponibilidade contínua com o objetivo de penalizar DJ do ponto de vista da remuneração pelo tempo em que este último deveria estar disponível.

28.      O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o objeto do presente litígio é a remuneração do tempo passado pelo recorrente em situação de disponibilidade contínua. Apesar de uma questão deste género não estar abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2003/88, considera que só pode pronunciar‑se quanto ao mérito do pedido apresentado por DJ após a resolução das questões prejudiciais aqui submetidas.

29.      A esse respeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o presente litígio apresenta pontos de vista diferentes de outros processos sobre os quais o Tribunal de Justiça já se pronunciou.

30.      Antes de mais, ao contrário do processo que deu origem ao Acórdão de 3 de outubro de 2000, Simap (C‑303/98, EU:C:2000:528), a presença física de DJ durante o período de disponibilidade contínua e a sua disponibilidade no posto de trabalho não eram necessárias nem exigidas, exceto nos casos em que era necessário intervir e, ao contrário do processo que deu origem ao Acórdão de 9 de setembro de 2003, Jaeger (C‑151/02, EU:C:2003:437), é por força da posição geográfica (e não devido à necessidade de estar contactável) que a possibilidade de DJ gerir o seu tempo livre e de se dedicar aos seus interesses era mais limitada.

31.      Além disso, no que respeita ao processo que deu origem ao Acórdão de 10 de setembro de 2015, Federación de Servicios Privados del sindicato Comisiones obreras (C‑266/14, EU:C:2015:578), o presente processo distingue‑se‑lhe na medida em que os períodos de deslocação para visitar os clientes, a qualificar de tempo de trabalho, não podem ser colocados no mesmo plano que os períodos de disponibilidade contínua.

32.      Por último, o processo que deu origem ao Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, Matzak (C‑518/15, EU:C:2018:82), difere igualmente do que está em causa no presente litígio, na medida em que não só não tinha sido exigido a DJ que se mantivesse disponível num lugar determinado como o lapso de tempo dentro do qual se exigia a sua eventual intervenção era significativamente mais longo (uma hora em vez de oito minutos).

33.      Nestas condições, o Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal, Eslovénia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 2.o da Diretiva 2003/88 ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as do presente processo, se considera como tempo de trabalho o período de disponibilidade contínua, durante a qual o trabalhador que efetua a sua prestação profissional numa estação de transmissão de televisão deve, no período em que não está em serviço (não sendo necessária a sua presença física no local de trabalho), estar contactável telefonicamente e, se necessário, chegar ao local de trabalho no prazo de uma hora?

2)      Em circunstâncias como as do presente processo, o facto de o trabalhador residir num alojamento situado no lugar onde exerce a sua atividade laboral (estação de transmissão de televisão), por as características geográficas do local tornarem impossível (ou mais difícil) um regresso diário a casa (“vale abaixo”), influencia a definição da natureza da disponibilidade contínua?

3)      A resposta às duas questões anteriores será diferente se se tratar de um lugar em que as possibilidades de exercer atividades de lazer no tempo livre são limitadas devido às características geográficas desse lugar e se o trabalhador encontrar maiores limitações na gestão do seu tempo livre e na satisfação dos seus interesses (em relação ao que aconteceria se residisse na sua habitação)?»

III. Análise jurídica

A.      Observações preliminares

1.      Quanto à admissibilidade

34.      A Diretiva 2003/88, fundada no artigo 153.o, n.o 2, TFUE, limita‑se a regular determinados aspetos da organização do tempo de trabalho a fim de proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores e não se aplica, por força do n.o 5 do mesmo artigo, à questão da remuneração dos trabalhadores abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, excetuada uma hipótese particular relativa às férias anuais remuneradas, referida no artigo 7.o, n.o 1, dessa diretiva (3); em princípio, não é, portanto, aplicável à remuneração dos trabalhadores.

35.      O facto de o objeto do processo principal ser o pedido de pagamento a título de retribuição, enquanto horas de trabalho extraordinário, das horas de disponibilidade contínua não implica que as questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça no presente processo não sejam respondidas.

36.      Com efeito, resulta da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional nacional deseja ser esclarecido quanto à interpretação do artigo 2.o da Diretiva 2003/88, interpretação considerada necessária para resolver o litígio no processo principal. O facto de este último dizer respeito, in fine, a uma questão de remuneração é irrelevante, uma vez que incumbe ao órgão jurisdicional nacional e não ao Tribunal de Justiça dirimir esta questão no âmbito do litígio no processo principal(4).

37.      Considero, por conseguinte, que as questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio são admissíveis.

B.      Finalidade da diretiva, conceitos de tempo de trabalho e de serviço de prevenção

38.      O objetivo da Diretiva 2003/88 é fixar prescrições mínimas destinadas a melhorar a proteção da saúde e da segurança nos locais de trabalho, objetivo que é alcançado, nomeadamente através de uma aproximação das regulamentações nacionais relativas à duração do tempo de trabalho (5).

39.      Esta aspiração é um elemento‑chave na construção do direito social europeu. Depois de ter fixado, com base no artigo 153.o TFUE, os princípios gerais para a proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores na Diretiva 89/391/CEE do Conselho, de 12 de junho de 1989, o legislador concretizou essas orientações através de uma série de diretivas específicas. Entre estas, precisamente, a Diretiva 2003/88, que codificou a anterior Diretiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de novembro de 1993 (6).

40.      Para alcançar os objetivos referidos, as disposições da Diretiva 2003/88 fixam períodos mínimos de descanso diário e semanal, bem como um limite de quarenta e oito horas para a duração média da semana de trabalho, incluindo as horas de trabalho extraordinário.

41.      É através das referidas previsões que é aplicado o artigo 31.o da Carta dos Direitos Fundamentais, que, após ter reconhecido, no seu n.o 1, que «[t]odos os trabalhadores têm direito a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas», dispõe, no n.o 2, que «[t] os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas». Esse direito está diretamente relacionado com o respeito da dignidade humana protegida de forma mais ampla no título I da Carta (7).

42.      É nesse quadro sistemático que o Tribunal de Justiça afirma que as regras enunciadas pela Diretiva 2003/88 constituem regras do direito social da União que revestem especial importância e de que cada trabalhador deve beneficiar como prescrições mínimas necessárias para assegurar a proteção da sua segurança e da sua saúde (8), proteção que não diz respeito apenas ao interesse individual deste, mas também ao da sua entidade patronal, bem como ao interesse geral(9).

43.      Uma primeira consequência que, na minha opinião, pode extrair‑se do vínculo instrumental entre a Diretiva 2003/88 e os direitos sociais fundamentais reconhecidos na Carta é que a interpretação da Diretiva 2003/88 e a determinação do seu âmbito de aplicação devem ser idóneas a permitir o pleno e efetivo exercício dos direitos subjetivos que reconhece aos trabalhadores, eliminando qualquer obstáculo que, de facto, possa limitar ou prejudicar o seu exercício (10).

44.      Para esse fim, ao interpretar e aplicar a Diretiva 2003/88, importa ter presente que, como foi sublinhado várias vezes pelo Tribunal de Justiça, o trabalhador deve ser considerado a parte fraca na relação de trabalho, pelo que é necessário impedir que a entidade patronal lhe possa impor uma restrição dos seus direitos (11).

45.      Assim, a ratio de proteção é o farol que guia o Tribunal de Justiça no trabalho interpretativo da Diretiva 2003/88.

46.      Um exemplo claro e significativo da interpretação teleologicamente orientada do Tribunal de Justiça encontra‑se, antes de mais, na leitura que este deu às definições de «tempo de trabalho» e de «período de descanso»; uma leitura que produziu efeitos perturbadores nos equilíbrios que resultavam da regulamentação presente em vários Estados‑Membros (12).

47.      A diretiva, ao definir o conceito de tempo de trabalho, útil para efeitos da aplicação das proteções nela previstas, refere‑se, com efeito, a «qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua atividade ou das suas funções (13) […]»; de modo simétrico, entende‑se por período de descanso «qualquer período que não seja tempo de trabalho» (artigo 2.o, n.os 1 e 2).

48.      Como o Tribunal de Justiça já declarou várias vezes, os conceitos de «tempo de trabalho» e de «período de descanso», na aceção da Diretiva 2003/88, constituem conceitos do direito da União que importa definir segundo características objetivas, tomando‑se por referência o sistema e a finalidade dessa diretiva, que visa estabelecer prescrições mínimas destinadas a melhorar as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores (14); por conseguinte, «não devem ser interpretados em função das disposições das diversas regulamentações dos Estados‑Membros […]. Só essa interpretação autónoma é suscetível de assegurar a essa diretiva a sua plena eficácia, bem como uma aplicação uniforme dos referidos conceitos no conjunto dos Estados‑Membros […]. O facto de a definição do conceito de tempo de trabalho fazer referência à “legislação e/ou prática nacional” não significa que os Estados‑Membros possam determinar unilateralmente o alcance desse conceito. Os Estados‑Membros não podem, portanto, submeter a qualquer condição o direito dos trabalhadores a que esses períodos de trabalho e, correlativamente, os de descanso sejam devidamente tomados em conta, resultando esse direito diretamente das disposições dessa diretiva. Qualquer outra interpretação poria em causa o objetivo da Diretiva 93/104 (15), de harmonizar a proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores por meio de prescrições mínimas» (16).

49.      O Tribunal de Justiça adota, portanto, uma abordagem decididamente binária: o tempo do trabalhador ou é trabalho ou é descanso.

50.      Os conceitos de «tempo de trabalho» e de «período de descanso», com efeito, «excluem[‑se] mutuamente»(17). No estado atual do direito da União, o tempo de prevenção passado por um trabalhador no quadro das suas atividades desenvolvidas para a sua entidade patronal deve ser qualificado de “tempo de trabalho” ou de “período de descanso”» (18).

51.      Na doutrina, defendeu‑se que «este sistema binário tem a vantagem da simplicidade, mas não é desprovido de inconvenientes» (19). Com efeito, referiu‑se, entre outros, que, durante o período de disponibilidade, mesmo que o trabalhador não efetue qualquer trabalho, a sua liberdade de circulação, a qualidade do seu descanso, a capacidade de se ocupar dos seus interesses é limitada, ainda que tal não esteja totalmente excluída; pode acontecer que, ao qualificar o período de disponibilidade como sendo de descanso, o trabalhador se encontre sistematicamente em situação de disponibilidade entre dois períodos de trabalho.

52.      Sobre este tema, desenvolveu‑se um amplo debate doutrinário relativo à possibilidade de identificar um tertium genus entre trabalho e descanso (20).

53.      No estado atual, apesar de compreender as exigências que estão na base das propostas de superação da rígida dicotomia existente (21), tal superação só pode, na minha opinião, ser eventualmente introduzida pelo legislador europeu.

54.      Quanto a este assunto, observo que, na eventual introdução de uma «zona cinzenta» entre trabalho e descanso (22), antevejo alguns riscos em termos de aplicação concreta em todos os países e, portanto, para a segurança jurídica.

55.      Parece‑me, em todo o caso, muito difícil chegar a esta superação por via interpretativa diante de um texto claro e inequívoco: qualquer período que não integre o tempo de trabalho é tempo de descanso (23).

56.      Voltando aos elementos que caracterizam o conceito de tempo de trabalho, previstos no artigo 2.o da Diretiva 2003/88, foram eficazmente resumidos em: 1) um critério espacial (estar no local de trabalho); 2) critério de autoridade (estar à disposição da entidade patronal) e 3) um critério profissional (estar no exercício da sua atividade ou das suas funções) (24).

57.      Como veremos, o Tribunal de Justiça, na ótica de uma interpretação teleológica orientada, teve de se afastar de uma interpretação literal desta disposição da diretiva (25).

58.      Com efeito, nos acórdãos em matéria de serviço de prevenção, o Tribunal de Justiça seguiu uma linha evolutiva coerente, para oferecer um quadro interpretativo sólido dos conceitos de trabalho e de descanso, a fim de imputar a um ou a outro conceito os períodos passados pelos trabalhadores naquela situação particular.

59.      O Tribunal de Justiça, desde as primeiras decisões sobre o tema (26), distinguiu as duas hipóteses de: 1) serviço de prevenção no regime de presença física no local de trabalho (período de prevenção no local de trabalho) e 2) serviço de prevenção de acordo com o sistema que prevê que os trabalhadores estejam permanentemente acessíveis sem contudo estarem obrigados a uma presença efetiva no local de trabalho (período de disponibilidade contínua).

60.      A primeira hipótese não coloca problemas interpretativos particulares, uma vez que é hoje pacífico que um trabalhador, obrigado a estar presente e disponível no local de trabalho com vista à prestação dos seus serviços profissionais, deve ser considerado no exercício das suas funções e, portanto, em tempo de trabalho (27), incluindo durante o período em que não exerce concretamente uma atividade laboral.

61.      A segunda hipótese, que é igualmente a que se integra na situação objeto do presente processo, é sem dúvida mais complexa do ponto de vista interpretativo.

62.      Com efeito, em caso de disponibilidade, o Tribunal de Justiça afirmou princípios diferentes, também em razão das questões prejudiciais submetidas, que podem, todavia, ser coerentemente reconduzidos à perspetiva teleológica acima referida.

63.      Partiu‑se do Acórdão Simap, relativo a médicos das equipas de urgência em serviço de prevenção num centro de saúde; deviam estar presentes no seu local de trabalho durante uma parte do tempo, ao passo que, para a parte restante, deviam simplesmente estar «acessíveis».

64.      No que respeita à segunda situação, embora estando à disposição da sua entidade patronal, na medida em que deviam estar acessíveis, os médicos podiam gerir o seu tempo de forma mais livre e dedicar‑se aos seus interesses. O referido tempo integra‑se, portanto, na categoria de «período de descanso», com exceção do tempo efetivamente passado ao serviço na sequência da chamada.

65.      O processo Matzak (28) distingue‑se do Simap pelo facto de o trabalhador não se encontrar no local de trabalho para responder imediatamente à chamada, mas encontra‑se num local determinado pela entidade patronal (29) (neste caso, o domicílio do trabalhador) com a obrigação de responder à chamada em oito minutos.

66.      Em substância, o Tribunal de Justiça considerou que um serviço de disponibilidade como o de R. Matzak deve ser considerado na íntegra como tempo de trabalho, na medida em que, embora não fosse efetuado no local de trabalho, estava sujeito a condicionalismos geográficos (disponibilidade num local determinado pela entidade patronal) e temporais (obrigação, uma vez chamado, de regressar ao posto de trabalho num período de tempo muito limitado) suscetível de limitar de maneira muito significativa a liberdade do trabalhador se dedicar, no tempo de descanso, aos seus interesses pessoais e sociais.

67.      Encontrar‑se num «local determinado pela entidade patronal» foi considerado pelo Tribunal de Justiça equivalente a encontrar‑se «no local de trabalho», quando conjugado com o facto de a resposta à chamada dever ser dada num prazo tão curto que é equivalente a «imediatamente».

68.      Por conseguinte, o Tribunal de Justiça, como já fez em relação aos serviços de prevenção prestados no local de trabalho (30), deduziu da coexistência de dois elementos do conceito de tempo de trabalho a existência de um terceiro: estar presente num local determinado pela entidade patronal e estar à disposição para a prestação da atividade laboral apenas integram também o exercício da sua atividade laboral no caso de o tempo de reação à chamada ser particularmente limitado.

69.      Pode, portanto, deduzir‑se da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para considerar como tempo de trabalho o período passado em situação de disponibilidade contínua, são necessárias três condições: 1) que o trabalhador esteja presente num local determinado pela entidade patronal; 2) que o trabalhador esteja à disposição da entidade patronal para responder à chamada e 3) que o tempo de reação à chamada seja particularmente limitado.

70.      O que é agora pedido ao Tribunal de Justiça é que aprecie se, à luz da tantas vezes referida perspetiva de interpretação teleológica da Diretiva 2003/88, a existência destes elementos é sempre necessária para qualificar de tempo de trabalho o período de disponibilidade e se essas obrigações devem ser apreciadas em concreto à luz dos condicionalismos que recaem sobre o trabalhador, a fim de determinar se são suscetíveis de dificultar as suas possibilidades efetivas de se dedicar aos seus interesses pessoais durante o período de descanso.

C.      Questões prejudiciais: condicionalismos impostos pela entidade patronal e descanso efetivo

71.      Com as suas três questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que a disponibilidade contínua imposta ao trabalhador nas circunstâncias do caso em apreço deve ser qualificada de «tempo de trabalho» ou, pelo contrário, de «período de descanso» na aceção das definições dessa diretiva.

72.      As circunstâncias particulares descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio, que o induziram em dúvida sobre a possibilidade de incluir um caso como o que é objeto do seu processo nas situações já analisadas pelo Tribunal de Justiça, são: a) o facto de o trabalhador dever estar contactável telefonicamente e, se necessário, regressar ao posto de trabalho dentro de uma hora; b) o facto de o trabalhador residir num alojamento situado no local onde prestava o seu trabalho porque as características geográficas do local tornavam impossível (ou mais difícil) o regresso diário à sua habitação e c) o facto de se tratar de um local onde as possibilidades de se dedicar a atividades de lazer eram limitadas devido às características geográficas do local.

73.      As apreciações a fazer à luz do que foi exposto até aqui dizem respeito ao local onde o trabalhador se deve encontrar durante o período da disponibilidade, ao tempo de reação à chamada e às características geográficas do local de trabalho.

74.      Quanto ao primeiro elemento, o espacial, resulta claramente dos autos, e a circunstância também foi confirmada na audiência, que o trabalhador não estava juridicamente obrigado a permanecer, durante o período de disponibilidade, no local de trabalho nem sequer num local determinado pela entidade patronal: com efeito, era livre de passar o seu tempo onde quisesse e o único condicionalismo que lhe era imposto era a resposta à chamada no prazo de reação de uma hora.

75.      O segundo elemento, o temporal, está bem longe de poder ser considerado próximo de uma reação «imediata»: uma hora afigura‑se, com efeito, um tempo de reação adequado para permitir uma programação de um período de descanso enquanto se aguarda a chamada.

76.      Como resulta das questões prejudiciais, é o terceiro elemento, o relativo às particularidades geográficas que caracterizam o lugar onde se encontra o local de trabalho, que suscita dúvidas ao órgão jurisdicional nacional em relação à inclusão efetiva do tempo passado pelo trabalhador em situação de disponibilidade em períodos de descanso. Com efeito, lê‑se nos autos que a estação de televisão em que o trabalhador está colocado se encontra em alta montanha, afastada de centros habitados, ligada ao vale por um teleférico em funcionamento apenas durante alguns períodos, que o trabalhador não dispõe de um meio de transporte autónomo, uma vez que é trazido e levado em transporte da entidade patronal, no início e no fim do período que passar na estação de televisão, que o trabalhador não pode deslocar‑se diariamente para o seu domicílio e que, portanto, é obrigado a residir em espaços adjacentes à estação de televisão, durante todo esse período, num alojamento disponibilizado pela entidade patronal.

77.      Em minha opinião, essa circunstância, a particularidade geográfica do local de trabalho, não é suscetível de alterar a qualificação do período de disponibilidade de período de descanso para horário de trabalho, nem do ponto de vista do afastamento e da conexa e difícil acessibilidade ao seu domicílio pelo trabalhador, nem do ponto de vista da limitação, para o trabalhador, da possibilidade de se dedicar a atividades de lazer.

78.      O local de trabalho faz parte das escolhas organizacionais do empresário e a afetação a um ou outro local de um trabalhador é abrangida pelo poder de direção da entidade patronal. O trabalhador por conta de outrem é, portanto, obrigado a cumprir a sua obrigação de trabalho no local indicado pela entidade patronal, no interesse da empresa.

79.      Do primeiro ponto de vista, o facto de a prestação de trabalho dever ser efetuada num local distante do domicílio do trabalhador é bastante frequente na experiência comum (31) e em muitíssimos casos para o trabalhador é impossível, ou particularmente difícil, regressar à sua habitação no fim do dia de trabalho.

80.      Nestes casos, o trabalhador pode optar por alterar o seu domicílio em função das exigências laborais ou passar uma parte da semana, ou períodos ainda mais longos, afastado de casa. A entidade patronal não pode ser obrigada a estabelecer o local de trabalho em função do domicílio do trabalhador.

81.      Além disso, em algumas situações, a localização do local de execução da prestação laboral está, por natureza, afastada de centros habitados e é suscetível de manter o trabalhador afastado de casa, mesmo durante períodos muito longos: pense‑se, por exemplo, no trabalho marítimo, em plataformas petrolíferas.

82.      Por último, uma tal circunstância não depende diretamente da obrigação de disponibilidade contínua: com efeito, as características descritas nos autos parecem, com efeito, ser suscetíveis de excluir que o trabalhador pudesse regressar a casa todos os dias, mesmo sem a obrigação de disponibilidade.

83.      Daqui resulta que o afastamento do local de trabalho, em especial quando é temporário, do domicílio do trabalhador não pode revestir qualquer papel na qualificação do período de disponibilidade.

84.      Acresce que as tecnologias modernas permitem, muito mais do que no passado, estar «ligado» aos seus familiares e às pessoas que lhe são próximas, mesmo à distância.

85.      Do segundo ponto de vista, a possibilidade limitada de o trabalhador se dedicar a atividades de lazer parece ser um critério que não é suscetível de influenciar a qualificação do período de disponibilidade.

86.      Com efeito, o direito da União garante ao trabalhador o direito de poder beneficiar de períodos de descanso, alternados com os de trabalho, que lhe permitam recuperar as energias físicas e psíquicas. Também o conceito de «descanso suficiente» (32) se limita a garantir que os trabalhadores disponham de períodos de descanso regulares e suficientemente longos e contínuos para evitar que se lesionem ou lesionem os colegas ou outras pessoas e para não prejudicarem a saúde, a curto ou a longo prazo, por cansaço ou ritmos irregulares de trabalho.

87.      O simples facto de o trabalhador se encontrar limitado, e não totalmente impedido, para se dedicar a atividades de lazer afigura‑se absolutamente compatível com o conceito de tempo de descanso suficiente acima referido.

88.      No presente caso, resulta dos autos e também de alguns esclarecimentos das partes na audiência que o trabalhador, embora num contexto geográfico peculiar, estava em condições de se poder dedicar a múltiplas atividades durante o período de disponibilidade (33).

89.      Por último, no que respeita à disponibilização de uma residência para o trabalhador nas proximidades do local de trabalho, essa circunstância não pode influenciar qualificação do período de disponibilidade: o Tribunal de Justiça no processo Grigore já respondeu à questão no sentido que a qualificação de um período de disponibilidade contínua como «tempo de trabalho», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, não depende da disponibilização de uma residência de serviço (34).

90.      No caso que nos ocupa, parece‑me, portanto, poder concluir‑se, sem prejuízo da apreciação dos factos que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, que as limitações parciais à liberdade de circulação e à de se dedicar aos seus interesses pessoais e sociais não resultam diretamente de condicionalismos impostos pela entidade patronal, mas de circunstâncias particulares objetivas que não são reconduzíveis à responsabilidade contratual da entidade patronal e que não são suscetíveis de prejudicar a efetividade do descanso do trabalhador durante os períodos de disponibilidade contínua.

91.      Para a solução do presente caso, os princípios até agora afirmados pelo Tribunal de Justiça são, portanto, confirmados: os fatores determinantes para a qualificação do período de disponibilidade como tempo de trabalho são os condicionalismos impostos pela entidade patronal, que não permitem ao trabalhador gozar uma situação de descanso suficiente(35).

92.      O elemento adicional que o Tribunal de Justiça pode hoje acrescentar, sempre na perspetiva, tantas vezes referida, da interpretação teleológica dos conceitos constantes da Diretiva 2003/88, é o de não considerar como elemento necessário para efeitos de configuração do período de disponibilidade contínua como tempo de trabalho o facto de o trabalhador se encontrar num local determinado pela entidade patronal, mas é suficiente a circunstância de que o trabalhador esteja à disposição da entidade patronal e deva intervir para prestar a sua atividade laboral efetiva num prazo muito curto.

93.      Como vimos no recente Acórdão Matzak, o Tribunal de Justiça interpretou de forma flexível a expressão utilizada pela diretiva que, entre os requisitos do tempo de trabalho, introduz o de estar «a trabalhar», referindo‑se não apenas ao local de trabalho mas também a outro local determinado pela entidade patronal.

94.      Quando o trabalhador não se encontra no local de trabalho, mesmo em alguns casos anteriores examinados pelo Tribunal de Justiça, é a sujeição aos condicionalismos impostos pela entidade patronal e, em particular, o tempo de reação à chamada que reveste um papel determinante e não apenas o facto de se encontrar num local determinado pela entidade patronal ou nas proximidades do local de trabalho.

95.      Com efeito, nos processos Grigore e Tyco, a circunstância de o trabalhador se encontrar ou não num local específico estabelecido pela entidade patronal ou nas proximidades do local de trabalho foi considerada neutra em relação à qualificação do período de disponibilidade.

96.      No processo Grigore, o Tribunal de Justiça, partindo do pressuposto de que a atribuição de uma residência de serviço nas proximidades do local de trabalho não constitui um fator determinante para qualificar o período de disponibilidade em termos de trabalho ou descanso, remeteu, no entanto, para o órgão jurisdicional nacional a apreciação com base no seguinte critério: o período de disponibilidade pode ser considerado tempo de trabalho se se verificar a existência de «obrigações que tornam impossível ao trabalhador em causa a escolha do local de residência durante os períodos de inatividade no trabalho». Com efeito, quando verificadas, «devem ser consideradas como fazendo parte do exercício das suas funções» (36).

97.      Em contrapartida, no processo Tyco (37), o Tribunal de Justiça declarou que, numa situação como a que está em causa no processo principal, o tempo de viagem de trabalhadores que não têm local de trabalho fixo, entre a sua residência e os clientes indicados pela entidade patronal, deve ser considerado tempo de trabalho a partir do momento em que esses trabalhadores, embora tendo um certo grau de liberdade durante as viagens, são, de qualquer forma, obrigados a agir segundo as instruções específicas da entidade patronal.

98.      A leitura dos precedentes do Tribunal de Justiça, na perspetiva de uma interpretação teleológica à qual já fiz várias vezes referência, leva‑me, portanto, a considerar que o fator determinante na qualificação dos períodos de disponibilidade contínua é a intensidade dos condicionalismos decorrentes da sujeição do trabalhador às ordens da entidade patronal e, em especial, o tempo de reação à chamada.

99.      O tempo de reação à chamada é fator determinante porque influencia diretamente de forma objetiva e inequívoca a liberdade de o trabalhador se dedicar aos seus interesses e, em substância, de descansar: um tempo de reação à chamada de poucos minutos não permite qualquer programação, mesmo que modificável, do seu período de descanso.

100. Em contrapartida, um tempo de reação à chamada razoável permite ao trabalhador dedicar‑se a outras atividades no período de disponibilidade, embora tendo consciência de uma possível chamada ao serviço.

101. Na minha opinião, o tempo de reação também influencia o local em que o trabalhador se deve encontrar durante o período de disponibilidade (38): é evidente que um tempo de reação muito curto impõe ao trabalhador que esteja presente durante a disponibilidade numa determinada área geográfica que, em substância, é determinada pela entidade patronal (39). Ou seja, mesmo que esta última não imponha ao trabalhador que esteja num local determinado, se lhe impuser um tempo de reação à chamada muito curto, impõe‑lhe, de facto, também um condicionalismo relevante à sua liberdade de circulação.

102. Considero, portanto, que não é tanto o local em que o trabalhador se encontra durante o período de disponibilidade que reveste um papel decisivo para a qualificação desse período em termos de descanso ou trabalho, mas o condicionalismo à liberdade de circulação do próprio trabalhador que decorre do tempo imposto de reação à chamada.

103. Com efeito, não vejo grandes diferenças em termos de condicionalismos para o trabalhador entre a situação em que este é obrigado a estar no seu domicílio durante o período de disponibilidade e aquela em que não tem essa obrigação, mas tem de responder à chamada num período de tempo particularmente curto.

104. Como referi, é, portanto, na minha opinião, a intensidade dos condicionalismos decorrentes da sujeição às ordens da entidade patronal que reveste um papel determinante para a qualificação do período de disponibilidade como trabalho ou como descanso. Os condicionalismos decorrentes dessa sujeição podem ser os mais variados, mas, em primeiro lugar, deve considerar‑se decisivo o tempo de reação à chamada.

105. A imposição de um local onde passar o período de disponibilidade apenas pode revestir algum papel, enquanto sintoma da referida intensidade da sujeição às ordens da entidade patronal, no quadro de uma apreciação global.

106. Mesmo analisando a situação do ponto de vista da entidade patronal, a possibilidade de contactar o trabalhador por meios eletrónicos portáteis (telemóveis, tablets, computadores portáteis), que permitem fazê‑lo em qualquer momento, torna menos justificado e compreensível que a entidade patronal exija que o trabalhador esteja fisicamente presente num local por ela determinado durante o período de disponibilidade. O que é de primordial importância para a entidade patronal é o período de tempo em que o trabalhador, onde quer se se encontre, deve poder chegar ao local que lhe é indicado pela entidade patronal.

107. Identificado o fator determinante para a qualificação do período de disponibilidade em termos de trabalho ou descanso, é necessário oferecer aos órgãos jurisdicionais nacionais alguns critérios adicionais a utilizar quando o condicionalismo principal, o tempo de reação à chamada, não for de tal forma curto que impeça um descanso efetivo do trabalhador.

108. Com efeito, quando o tempo de reação à chamada é de tal forma curto, isto é, alguns minutos, considero que isso basta para qualificar o período de disponibilidade de tempo de trabalho, sem apreciações adicionais atendendo às considerações desenvolvidas anteriormente: a liberdade de circulação do trabalhador é, neste caso, de tal modo comprimida que se deve igualmente considerar o local de permanência como sujeito às prescrições da entidade patronal.

109. Pelo contrário, se o tempo de reação à chamada for curto, mas não a ponto de impedir de modo quase absoluto a liberdade de escolha do trabalhador do local onde o período de disponibilidade é passado, podem servir de ajuda critérios adicionais, a examinar conjuntamente, tendo em atenção o efeito global que todas as condições de aplicação de um sistema de disponibilidade podem ter sobre o descanso do trabalhador: os condicionalismos globalmente impostos limitam a possibilidade de o trabalhador cuidar dos seus interesses pessoais e familiares e a sua liberdade de circulação do local de trabalho ou impedem‑na de um modo quase absoluto? É natural, com efeito, que o período de disponibilidade imponha alguns condicionalismos e limitações à liberdade do trabalhador; a finalidade do direito da União é evitar que essas limitações sejam de tal forma invasivas que não consintam ao trabalhador um descanso efetivo.

110. Pretendo, nesse sentido, colocar a atenção na efetividade do descanso do trabalhador. Em contrapartida, sou mais cauteloso em utilizar como critério, embora proposto com autoridade (40), o da «qualidade do tempo» que o trabalhador pode gozar nos períodos de disponibilidade. Com efeito, considero que tal critério pode revelar‑se excessivamente subjetivo e, por isso, prestar‑se a diversas interpretações dos órgãos jurisdicionais nacionais, mesmo em razão das diferentes sensibilidades de cada país, que não favorecem a segurança jurídica.

111. Nas observações escritas e na audiência, as partes intervenientes (41) propuseram numerosos critérios, que consistem em condicionalismos de que pode depender a qualificação do período de disponibilidade como trabalho ou descanso: obrigatoriedade ou não da resposta à chamada; margem de manobra do trabalhador face a essa chamada (possibilidade de intervenção à distância, eventual substituição por outro trabalhador); previsões de sanções para a falta de intervenção ou atraso na chamada; grau de urgência da intervenção; nível de responsabilidade do trabalhador; características específicas da profissão, distância a percorrer entre o local onde se encontra o trabalhador e o local de entrada ao serviço; condicionalismos geográficos suscetíveis de atrasar o percurso para o local de trabalho; necessidade de usar vestuário de trabalho; disponibilidade de um veículo de serviço.

112. A estes acresce o critério da expectativa razoável de ser chamado ao serviço, objeto da segunda questão prejudicial no processo C‑580/19, que parece referir‑se à incidência da frequência das intervenções na natureza de efetivo período de descanso do período de disponibilidade.

113. Na minha opinião, o Tribunal de Justiça deve limitar‑se a enunciar critérios gerais e objetivos sem entrar demasiado nas especificidades de situações particulares e deixar, pelo contrário, aos órgãos jurisdicionais nacionais a apreciação de todas as circunstâncias de facto.

114. Creio, portanto, que seja possível limitar‑se a exemplificar alguns critérios supletivos a utilizar nos casos duvidosos tal como acima exposto, que sejam, porém, reconduzíveis ao exercício do poder de direção da entidade patronal — e ao correlativo estado de sujeição do trabalhador, parte fraca da relação — e que não resultem de situações objetivas alheias à esfera de controlo da entidade patronal.

115. Excluo, portanto, que circunstâncias como a distância a percorrer para chegar ao local de prestação do trabalho (salvo se for diferente do habitual e não dependa, portanto, da vontade específica da entidade patronal) ou condicionalismos geográficos, também esses, conforme referido, independentes da disponibilidade da entidade patronal, possam ser objeto de apreciação.

116. Excluo igualmente que se atribua uma relevância particular ao nível de responsabilidade e às tarefas específicas exercidas: a disponibilidade é uma modalidade de organização do trabalho deixada ao poder de direção da entidade patronal. Para o trabalhador, a resposta à chamada representa o cumprimento da obrigação laboral para o que deve usar da diligência normal. Considero, portanto, que a prestação laboral deve ser cumprida pelo trabalhador em benefício da empresa com o mesmo empenho e isto independentemente da posição ocupada e do nível de responsabilidade. Com efeito, seria difícil fazer uma apreciação objetiva do interesse da empresa, uma vez que o que pode parecer pouco importante para alguém pode ser de extrema importância para outro. Raciocínio idêntico vale para o critério do grau de urgência da intervenção e da natureza e relevância dos interesses envolvidos na atividade desenvolvida.

117. É verdade que o grau de pressão psicológica sobre o trabalhador pode variar segundo o nível de responsabilidade, mas, na minha opinião, este é um elemento demasiado subjetivo para poder ter relevância na qualificação.

118. Na minha opinião, deve adotar‑se um discurso diferente para alguns critérios que dizem respeito a circunstâncias na disponibilidade da entidade patronal: a margem de manobra do trabalhador diante da chamada poderia, por exemplo, ser utilizada como critério supletivo, quer no caso de consistir numa flexibilização do tempo de reação à chamada, quer no caso de consistir na possibilidade de intervir à distância sem se deslocar ao local de trabalho, quer ainda no caso de o trabalhador poder contar com a sua possível substituição por outro trabalhador já presente no local de trabalho ou que esteja em condições de lá chegar mais facilmente.

119. O mesmo deve dizer‑se para as consequências previstas para o atraso ou falta de intervenção em caso de chamada durante o período de disponibilidade.

120. Como referido, a resposta à chamada em caso de disponibilidade consiste para o trabalhador no cumprimento da prestação de trabalho. A entidade patronal pode, todavia, prever consequências mais ou menos significativas para o seu cumprimento defeituoso. A não previsão de sanções para o incumprimento ou para a mora no cumprimento, bem como a extensão de eventuais sanções previstas, podem revestir um papel na qualificação do período de disponibilidade.

121. Mesmo circunstâncias aparentemente com menor relevância, como a necessidade de usar vestuário técnico para o trabalho e a disponibilidade de um veículo de serviço para chegar ao local da intervenção, podem revestir um papel na qualificação do período de disponibilidade, em particular na apreciação do caráter adequado ou não do tempo para responder à chamada.

122. Com efeito, se o trabalhador dispuser de tempo relativamente curto para reagir à chamada ao serviço durante a disponibilidade contínua e se a entidade patronal lhe impuser que, no mesmo lapso de tempo, vista roupas específicas de especial complexidade que exigem tempos especialmente longos para serem vestidas, essa circunstância pode incidir na referida apreciação de adequação.

123. Do mesmo modo, pelo contrário, a disponibilização pela entidade patronal de um transporte de serviço para chegar ao local da intervenção em caso de chamada, que pode, por hipótese, derrogar algumas disposições do regime da circulação rodoviária devido à importância dos interesses envolvidos na intervenção, pode influenciar a apreciação da adequação em termos de a facilitar e, portanto, fazer considerar apropriado também um tempo de reação que, sem esta circunstância, poderia parecer inadequado para permitir um descanso efetivo.

124. Outra circunstância, igualmente na disponibilidade da entidade patronal, que considero poder influenciar, nos casos duvidosos, a qualificação do período de disponibilidade contínua diz respeito ao escalonamento temporal e à duração do período de disponibilidade. Com efeito, se o trabalhador estiver frequentemente escalado para a noite ou feriados, ou se for particularmente longo, o grau de penosidade para o trabalhador é maior em relação a uma escala diurna ou em dias úteis.

125. Por último, no que respeita à circunstância relativa à frequência provável das intervenções, como referido, objeto específico da segunda questão prejudicial no processo conexo C‑580/19, pode, na minha opinião, ser incluída nas circunstâncias suscetíveis de ser apreciadas em casos duvidosos, mas sem nenhum automatismo: tal como uma frequência baixa de intervenções não permite qualificar o período de disponibilidade contínua de descanso, também uma outra frequência não permite considerá‑lo tempo de trabalho.

126. O elemento que pode revestir algum papel numa apreciação global é o de saber se, e em que medida, o trabalhador deve normalmente esperar ser chamado durante o serviço de prevenção (42).

127. Esta circunstância está, pelo menos em parte, na disponibilidade do poder de direção da entidade patronal que, na sua organização empresarial, pode fazer juízos de prognose sobre as necessidades de intervenção.

128. Caso as intervenções se repitam frequentemente durante os períodos de disponibilidade contínua, o envolvimento do trabalhador torna‑se tão relevante que é suscetível de reduzir de forma quase absoluta a sua possibilidade de programação do tempo livre durante esses períodos; se a essa circunstância acrescer um prazo curto de reação à chamada, corre‑se o risco de prejudicar seriamente e a efetividade do seu descanso.

129. Com base nos critérios até aqui expostos, caberá aos órgãos jurisdicionais nacionais, verificadas as circunstâncias do caso concreto, através de uma abordagem destinada a considerar o efeito global que podem ter todas as condições de aplicação de um sistema de disponibilidade contínua na efetividade do descanso do trabalhador, qualificar o tempo passado em disponibilidade contínua pelo trabalhador de tempo de trabalho ou de período de descanso. Devem determinar concretamente se o tempo passado em disponibilidade contínua é, como normalmente, um período de descanso ou, por força de condicionalismos particularmente rígidos introduzidos pela entidade patronal, perde os seus contornos para se transformar em tempo de trabalho.

IV.    Conclusão

130. À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio do seguinte modo:

«1)      O artigo 2.o da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da qualificação como tempo de trabalho ou período de descanso de um período de disponibilidade contínua, o fator determinante é a intensidade dos condicionalismos decorrentes da sujeição do trabalhador às ordens da entidade patronal e, em especial, o tempo de reação à chamada.

Se o tempo de reação à chamada é curto, mas não a ponto de impedir de modo absoluto a liberdade de escolha do trabalhador do local onde o período da disponibilidade é passado, podem ser tidos em consideração critérios adicionais, a examinar globalmente, tendo em conta o efeito global que podem ter todas as condições de aplicação de um sistema de disponibilidade contínua no descanso do trabalhador.

Esses critérios supletivos devem ser reconduzíveis ao exercício do poder de direção da entidade patronal — e ao correlativo estado de sujeição do trabalhador, parte fraca da relação — e não resultar de situações objetivas, alheias à esfera de controlo da entidade patronal.

Podem, a título de exemplo, consistir na margem de manobra do trabalhador diante da chamada, nas consequências previstas para a atraso ou falta de intervenção em caso de chamada, na necessidade de usar vestuário técnico para o trabalho, na disponibilização veículo de serviço para chegar ao local da intervenção, no escalonamento temporal e na duração do período de disponibilidade, na frequência provável das intervenções.

Nas circunstâncias do caso em apreço, o período de disponibilidade contínua de um trabalhador que trabalha num lugar de acessibilidade difícil, sem condicionalismos impostos pela entidade patronal relativos ao local e com um tempo de reação à chamada de uma hora, sem prejuízo da apreciação dos factos que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio com base nos critérios acima expostos, não parece qualificável de “tempo de trabalho”.

2)      O facto de o trabalhador residir, durante certos períodos, numa habitação situada nas proximidades do local onde presta o seu trabalho (estação de transmissão de televisão), porque as características geográficas do lugar tornam impossível (ou mais difícil) o regresso diário a casa, não influencia a qualificação jurídica do período de disponibilidade contínua.

3)      A resposta às questões precedentes, sem prejuízo da apreciação dos factos que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio com base nos critérios acima expostos, não é diferente se se tratar de um local onde as possibilidades de desenvolver atividades recreativas são limitadas devido às características geográficas do local e se o trabalhador se encontrar mais limitado na gestão do seu tempo e na prossecução dos seus interesses (em relação ao que aconteceria se permanecesse em casa).»


1      Língua original: italiano.


2      Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 2003, L 299, p. 9).


3      V., mais recentemente, Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, Matzak (C‑518/15, EU:C:2018:82, n.os 23 e 24), e anterior Acórdão de 26 de julho de 2017, Hälvä e o. (C‑175/16, EU:C:2017:617, n.o 25 e jurisprudência referida).


4      V. Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, Matzak (C‑518/15, EU:C:2018:82, n.o 26).


5      V., neste sentido, Acórdãos de 9 de novembro de 2017, Maio Marques da Rosa (C‑306/16, EU:C:2017:844, n.o 45), e de 10 de setembro de 2015, Federación de Servicios Privados del sindicato Comisiones obreras (C‑266/14, EU:C:2015:578, n.o 23).


6      A jurisprudência do Tribunal de Justiça é, de facto, constante ao afirmar que, uma vez que os artigos 1.o a 8.o da Diretiva 2003/88 estão redigidos em termos substancialmente idênticos aos dos artigos 1.o a 8.o da Diretiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de novembro de 1993, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 1993, L 307, p. 18), conforme alterada pela Diretiva 2000/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 2000 (JO 2000, L 195, p. 41), a interpretação que o Tribunal de Justiça fez destes últimos artigos é transponível para os artigos supramencionados da Diretiva 2003/88; ex multis, v. Despacho de 4 de março de 2011, Grigore (C‑258/10, não publicado, EU:C:2011:122, n.o 39 e jurisprudência referida), e Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, Matzak (C‑518/15, EU:C:2018:82, n.o 32).


7      V., também, neste sentido, Conclusões do advogado‑geral E. Tanchev no processo King (C‑214/16, EU:C:2017:439, n.o 36).


8      V. Acórdãos de 10 de setembro de 2015, Federación de Servicios Privados del sindicato Comisiones Obreras (C‑266/14, EU:C:2015:578, n.o 24); e de 1 de dezembro de 2005, Dellas e o. (C‑14/04, EU:C:2005:728, n.o 49) e jurisprudência referida; Despacho de 4 de março de 2011, Grigore (C‑258/10, não publicado, EU:C:2011:122, n.o 41).


9      V. Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften (C‑684/16, EU:C:2018:338, n.o 52).


10      V. as minhas Conclusões no processo CCOO (C‑55/18, EU:C:2019:87, n.o 39).


11      V. Acórdão de 25 de novembro de 2010, Fuß (C‑429/09, EU:C:2010:717, n.o 80 e jurisprudência referida). V., igualmente, Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften (C‑684/16, EU:C:2018:874, n.o 41).


12      Neste sentido, na doutrina, v. Leccese, V., «Directive 2003/88/EC concerning certain aspects of the organisation of working time», in Ales, E., Bell, M., Deinert O., Robin‑Olivier, S. (a cargo de), International and European Labour Law. ArticlebyArticle Commentary, Nomos Verlagsgesellshaft, Baden‑Baden, 2018, pp. 1285 a 1332, em particular p. 1291.


13      O sublinhado é meu.


14      V. Acórdãos de 21 de fevereiro de 2018, Matzak (C‑518/15, EU:C:2018:82, n.o 62), e de 10 de setembro de 2015, Federación de Servicios Privados del sindicato Comisiones obreras (C‑266/14, EU:C:2015:578, n.o 27).


15      O mesmo, como foi acima referido, que o da Diretiva 2003/88, para a qual continuam, portanto, válidas as interpretações precedentes fornecidas pelo Tribunal de Justiça sobre as disposições da diretiva anteriormente em vigor.


16      V. Acórdão de 9 de setembro de 2003, Jaeger (C‑151/02, EU:C:2003:437, n.os 58 e 59).


17      V. Acórdãos de 21 de fevereiro de 2018, Matzak (C‑518/15, EU:C:2018:82, n.o 55); de 3 de outubro de 2000, Simap (C‑303/98, EU:C:2000:528, n.o 47); e de 10 de setembro de 2015, Federación de Servicios Privados del sindicato Comisiones obreras (C‑266/14, EU:C:2015:578, n.o 26).


18      V. Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, Matzak (C‑518/15, EU:C:2018:82, n.o 55).


19      Kéfer, F., e Clesse, J., «Le temps de garde inactif, entre le temps de travail et le temps de repos», in Revue de la Faculté de droit de l’Université Liège, 2006, p. 161.


20      V., por todos, Supiot, A., «Alla ricerca della concordanza dei tempi (le disavventure europee del “tempo di lavoro”)», in Lav. dir., 1997, pp. 15 e segs.; anteriormente na doutrina italiana Ichino, P., L’orario di lavoro e i riposi. Artt. 21072109, in Schlesinger, P. (coordenação de), Il Codice Civile. Commentario, Giuffrè Editore, Milão, 1987, p. 27. Mais recentemente, Ray, J.‑E., «Les astreintes, un temps du troisième type», in Dr. soc. (F), 1999, p. 250; Barthelemy, J., «Temps de travail et de repos: l’apport du droit communautaire», in Dr. soc. (F), 2001, p. 78.


21      V. Mitrus, L., «Potencial implications of the Matzak judgement (quality of rest time, right to disconnect)», in European Labour Law Journal, 2019, p. 393, segundo o qual «a relação binária entre “tempo de trabalho” e “período de descanso” nem sempre responde às exigências do mercado de trabalho atual».


22      Todas as partes intervenientes na audiência manifestaram‑se contrárias à introdução de um tertium genus entre trabalho e descanso.


23      A única possibilidade, alheia às finalidades da Diretiva 2003/88, que pode ser utilizada pelos legisladores nacionais para uma posterior flexibilização do conceito de tempo de trabalho, no sentido de remunerar as limitações impostas ao trabalhador durante o período de disponibilidade contínua, é a retributiva. Com efeito, o Tribunal de Justiça reafirmou o princípio da liberdade das legislações nacionais preverem retribuições diferenciadas para remunerar situações em que o trabalhador está em período de disponibilidade contínua; v. Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, Matzak (C‑518/15, EU:C:2018:82, n.o 52), segundo o qual «o artigo 2.o da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que não impõe aos Estados‑Membros que determinem a remuneração de períodos de prevenção no domicílio, como os que estão em causa no processo principal, em função da qualificação desses períodos como “tempo de trabalho” ou “período de descanso”»; v. Despacho de 4 de março de 2011, Grigore (C‑258/10, não publicado, EU:C:2011:122, n.o 84), segundo o qual «a Diretiva 2003/88 deve ser interpretada no sentido de que a obrigação do empregador pagar a remuneração e outras compensações análogas pelo período de tempo durante o qual o guarda‑florestal tem a obrigação de assegurar a vigilância da parcela florestal sob a sua gestão tem fundamento, não nesta diretiva, mas nas disposições pertinentes de direito nacional».


24      V. Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Federación de Servicios Privados del sindicato Comisiones obreras (C‑266/14, EU:C:2015:391, n.o 31) e doutrina referida na nota 12.


25      V., neste sentido, também, observações escritas da Comissão, n.o 40.


26      V. Acórdão de 3 de outubro de 2000, Simap (C‑303/98, EU:C:2000:528, n.os 48 a 50).


27      V. Acórdão de 3 de outubro de 2000, Simap (C‑303/98, EU:C:2000:528, n.o 48).


28      Trata‑se, como é sabido, no que respeita ao serviço de disponibilidade de um sapador‑bombeiro voluntário que, durante o período de disponibilidade, era obrigado a ficar no seu domicílio à espera da chamada a que estava obrigado a responder, sob pena de sanções disciplinares, chegando, no prazo de oito minutos, ao quartel dos bombeiros já pronto com o equipamento de trabalho vestido.


29      O sublinhado é meu.


30      A partir da coexistência de dois elementos do conceito de tempo de trabalho contida no artigo 2.o da Diretiva 2003/88 (o espacial, ou seja, a presença no local de trabalho e o da autoridade, ou seja, estar à disposição da entidade patronal) deduziu a presença do terceiro (o profissional, ou seja, estar no exercício da sua atividade ou das suas funções).


31      V., neste sentido, também, observações escritas da Comissão, n.o 61.


32      Artigo 2.o, n.o 9, da Diretiva 2003/88.


33      Com efeito, a entidade patronal alegou que resulta do processo principal que os trabalhadores prosseguiram diferentes interesses e atividades durante o período de disponibilidade: alguns esquiaram, caminharam, outros desceram o vale de teleférico, foram às compras ou assistiram a filmes ou séries de televisão (ata da audiência, p. 6).


34      V. Despacho de 4 de março de 2011, Grigore (C‑258/10, não publicado, EU:C:2011:122, n.o 70).


35      Neste sentido, v., também, Leccese, V., «Il diritto del lavoro europeo: l’orario di lavoro. Un focus sulla giurisprudenza della Corte di giustizia», 2016, p. 7, não publicado, mas disponível em http://giustizia.lazio.it/appello.it/form_conv_didattico/Leccese %20‑ %20Diritto %20lavoro %20europeo %20e %20orario %20lavoroLECCESE.pdf, p. 7, segundo o qual «não há qualquer dúvida de que a pedra angular de todo o raciocínio é representada por um juízo teleológico, que se centra no caráter suficiente do descanso permitido ao trabalhador em relação ao objetivo estabelecido pela diretiva».


36      V. Despacho de 4 de março de 2011, Grigore (C‑258/10, não publicado, EU:C:2011:122, n.o 68).


37      V. Acórdão de 10 de setembro de 2015, Federación de Servicios Privados del sindicato Comisiones obreras (C‑266/14, EU:C:2015:578).


38      A obrigação de responder à chamada num prazo particularmente curto «limita a liberdade de o trabalhador de gerir o seu tempo. Essa [obrigação] implica limitações tanto geográficas como temporais às atividades do trabalhador»; assim, Mitrus, L., «Potential implications of the Matzak judgment (quality of rest time, right to disconnect)», in European Labour Law Journal, 2019, p. 391.


39      Frankart, A., e Glorieux, M., «Temps de garde: regards rétrospectifs et prospectifs à la lumière des développements européens», in La loi sur le travail 40 ans d'application de la loi du 16 mars 1971 (sob a coordenação científica de Gilson, S., e Dear, L.), Anthémis, Limal, 2011, p. 374.


40      V. Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Matzak (C‑518/15, EU:C:2017:619, n.o 57).


41      Em particular no processo C‑580/19, durante a audiência comum.


42      Assim, o Governo finlandês, nas suas observações escritas apresentadas no processo conexo C‑580/19 (n.o 22).