Language of document : ECLI:EU:C:2022:513

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

30 de junho de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva 1999/70/CE — Acordo‑Quadro CES, UNICE e CEEP Relativo a Contratos de Trabalho a Termo — Artigo 4.o, n.o 1 — Princípio da não discriminação — Não tomada em consideração dos serviços prestados por um funcionário interino antes de aceder à qualidade de funcionário de carreira para efeitos da consolidação do seu grau — Equiparação destes serviços aos serviços prestados por um funcionário de carreira — Conceito de “razões objetivas” — Tomada em consideração do período de serviço para efeitos da aquisição da qualidade de funcionário — Estrutura da carreira vertical dos funcionários prevista na legislação nacional»

No processo C‑192/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Superior de Justicia de Castilla y León (Tribunal Superior de Justiça de Castela e Leão, Espanha), por Decisão de 9 de fevereiro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de março de 2021, no processo

M. Clemente

contra

Comunidad de Castilla y León (Dirección General de la Función Pública),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: J. Passer, presidente de secção, F. Biltgen (relator) e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de M. Clemente, por M. Pérez Rodríguez e F. J. Viejo Carnicero, abogados,

–        em representação da Comunidad de Castilla y León (Dirección General de la Función Pública), por D. Vélez Berzosa, na qualidade de letrada,

–        em representação do Governo espanhol, por J. Rodríguez de la Rúa Puig, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por E. De Bonis, avvocato dello Stato,

–        em representação da Comissão Europeia, por D. Recchia e N. Ruiz García, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro Relativo a Contratos de Trabalho a Termo, celebrado em 18 de março de 1999 (a seguir «Acordo‑Quadro»), que figura no anexo da Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao Acordo‑Quadro CES, UNICE e CEEP Relativo a Contratos de Trabalho a Termo (JO 1999, L 175, p. 43).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o recorrente no processo principal, ao qual o órgão jurisdicional de reenvio atribuiu o nome fictício de «Clemente», à Comunidad de Castilla y León (Dirección General de la Función Pública) [Comunidade de Castela e Leão (Direção‑Geral da Função Pública), Espanha] (a seguir «Comunidade») a propósito da recusa desta última em consolidar o grau que foi atribuído ao recorrente no processo principal na sua qualidade de funcionário interino antes da sua nomeação como funcionário de carreira.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos do artigo 1.o, alínea a), do Acordo‑Quadro, um dos objetivos do mesmo é melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo garantindo a aplicação do princípio da não discriminação.

4        Em conformidade com o artigo 2.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro, este é aplicável aos trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação laboral, nos termos definidos pela lei, convenções coletivas ou práticas vigentes em cada Estado‑Membro.

5        O artigo 3.o do Acordo‑Quadro, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos do presente acordo, entende‑se por

1.      “trabalhador contratado a termo” o trabalhador titular de um contrato de trabalho ou de uma relação laboral concluído diretamente entre um empregador e um trabalhador cuja finalidade seja determinada por condições objetivas, tais como a definição de uma data concreta, de uma tarefa específica ou de um certo acontecimento.

2.      ”trabalhador permanente em situação comparável” um trabalhador titular de um contrato de trabalho ou relação laboral sem termo que, na mesma empresa realize um trabalho ou uma atividade idêntico ou similar, tendo em conta as qualificações ou competências.

[…]»

6        O artigo 4.o do Acordo‑Quadro, sob a epígrafe «Princípio da não discriminação», prevê, no n.o 1:

«No que diz respeito às condições de emprego, não poderão os trabalhadores contratados a termo receber tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato ou uma relação laboral a termo, salvo se razões objetivas justificarem um tratamento diferente.»

 Direito espanhol

7        O artigo 69.o da Ley 7/2005 de la Función Pública de Castilla y León (Lei 7/2005 Relativa à Função Pública da Comunidade Autónoma de Castela e Leão), de 24 de maio de 2005 (BOE n.o 162, de 8 de julho de 2005, p. 24200), dispõe, no n.o 1:

«Independentemente do lugar que ocupe, o funcionário tem o direito de receber, pelo menos, o subsídio de função relativo aos lugares do nível correspondente ao seu grau individual.»

8        O Decreto 17/2018 por el que se rege la consolidación, convalidación y conservación del grado personal (Decreto 17/2018 relativo à consolidação, à validação e à conservação do grau individual), de 7 de junho de 2018 (BOCyL n.o 113, de 13 de junho de 2018; a seguir «Decreto 17/2018»), que, em conformidade com o seu artigo 2.o, é aplicável aos funcionários da Comunidade, estabelece, no artigo 3.o:

«1.      A consolidação do grau individual depende da verificação dos seguintes requisitos:

a)      A nomeação para um lugar a título definitivo, exceto para o grau de início da carreira profissional administrativa.

b)      Ocupação efetiva de um ou de vários lugares de nível correspondente.

2.      Ambos os requisitos devem ser cumpridos nos termos descritos nas disposições seguintes.»

9        Nos termos do artigo 4.o desse decreto:

«1.      A consolidação do grau individual pressupõe a nomeação a título definitivo para um lugar de nível igual ou superior ao do grau a consolidar.

2.      A carreira profissional administrativa começa, porém, no grau de início que corresponde ao nível do lugar atribuído ao funcionário após a aprovação no processo de seleção correspondente, independentemente da modalidade de ocupação do referido lugar, sem prejuízo de um pedido voluntário de consolidação de um grau inferior.»

10      O artigo 5.o, n.o 1, do referido decreto prevê:

«A consolidação do grau depende da ocupação, a título provisório ou definitivo, de um ou vários lugares de nível igual ou superior ao do grau a consolidar, durante um período ininterrupto de dois anos ou, em caso de interrupção, durante um período total de três anos. Quando se verifiquem as duas circunstâncias, a consolidação ocorre na data mais favorável ao funcionário.»

11      O artigo 6.o deste mesmo decreto tem a seguinte redação:

«1.      O grau a consolidar pode ser superior ao grau já adquirido até ao limite de um máximo de dois graus, mas não pode, em caso algum, superar o nível do lugar obtido a título definitivo, nem o intervalo de níveis correspondente ao subgrupo ou grupo de classificação profissional a que pertence o referido lugar.

2.      A duração da ocupação temporária de um lugar temporário, seja a título de destacamento ou de afetação provisória, só será contabilizada para efeitos de consolidação se o nível dos lugares ocupados a título temporário for igual ou superior ao do grau a consolidar.

3.      Só é possível adquirir um novo uma vez decorrido um período mínimo de dois anos a contar da data de consolidação do grau anterior.

4.      Os períodos de ocupação são calculados cronologicamente e só são contabilizados uma vez para efeitos da consolidação.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      De 28 de maio de 2001 a 21 de janeiro de 2008, o recorrente no processo principal ocupou, na qualidade de funcionário interino e ao abrigo de uma nomeação única, o lugar de Veterinário Coordenador na Comunidade. Em aplicação da classificação dos lugares da função pública aplicável nessa Comunidade, por força da qual todos os lugares são classificados por níveis numa escala que vai de 1 a 30, foi atribuído ao recorrente no processo principal o grau 24 para esse lugar.

13      Por Despacho de 7 de março de 2006, no âmbito do processo de consolidação do emprego temporário e estabilidade no emprego do pessoal da saúde, foram organizadas provas de seleção para o acesso ao corpo técnico superior universitário, especificamente em relação com a especialidade «saúde» (veterinários), da Comunidade. Este despacho previa que os serviços prestados na qualidade de funcionário interino em lugares afetados ao referido corpo eram contabilizados à razão de 0,25 pontos por cada mês completo de serviço até ao limite de 40 pontos.

14      O recorrente no processo principal participou com êxito nas referidas provas e foi nomeado, em 10 de novembro de 2015, com efeitos a 22 de janeiro de 2008, para um lugar definitivo tendo‑lhe sido atribuído o grau 22.

15      Por carta de 18 de março de 2019, o recorrente no processo principal requereu à Comunidade a consolidação no grau 24, por ter ocupado um lugar correspondente a esse grau na qualidade de funcionário interino.

16      A Comunidade indeferiu este pedido, alegando que o nível dos lugares ocupados na qualidade de funcionário interino ou a título provisório não pode ser consolidado e que o lugar permanente para o qual o recorrente no processo principal tinha sido nomeado correspondia a um grau inferior ao grau requerido.

17      O recorrente no processo principal interpôs recurso no órgão jurisdicional de primeira instância competente, que decidiu que o recorrente só podia consolidar o grau 22 correspondente ao nível do lugar permanente para o qual tinha sido nomeado na qualidade de funcionário de carreira.

18      Chamado a conhecer do recurso interposto dessa sentença da primeira instância, o Tribunal Superior de Justicia de Castilla y León (Tribunal Superior de Justiça de Castela e Leão, Espanha), órgão jurisdicional de reenvio, salienta que a consolidação do grau 24 implicaria a promoção do recorrente no processo principal a um grau mais elevado do que aquele — grau 22 — que corresponde ao lugar para o qual foi nomeado a título definitivo, em violação dos requisitos de consolidação previstos nos artigos 3.o e 4.o do Decreto 17/2018.

19      Quanto à compatibilidade com o artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro, do indeferimento da Comunidade no que respeita à consolidação do grau 24 do recorrente no processo principal, correspondente ao lugar que ocupava como funcionário interino, o órgão jurisdicional de reenvio questiona, em primeiro lugar, o conceito de «trabalhador permanente em situação comparável» que figura nesta disposição. A este respeito, salienta que a situação do recorrente no processo principal, quando era funcionário interino, era idêntica à de um funcionário que ocupe o mesmo lugar no que respeita às funções, ao diploma exigido, ao regime, ao local e às demais condições de trabalho, pelo que, no que respeita à consolidação do grau, trata‑se, em princípio, de trabalhadores em situação comparável. O órgão jurisdicional de reenvio cita, a este respeito, o Acórdão 1592/2018, de 7 de novembro de 2018 (ES:TS:2018:3744), no qual o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), tendo em conta, nomeadamente, o Acórdão [do Tribunal de Justiça] de 8 de setembro de 2011, Rosado Santana (C‑177/10, EU:C:2011:557), declarou que, atendendo à comparabilidade das situações entre os funcionários interinos e os funcionários de carreira, os serviços prestados pelos funcionários interinos podiam ser tidos em conta para efeitos da consolidação do grau.

20      Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, por um lado, que o recorrente no processo principal não pede que lhe seja reconhecido retroativamente o direito à consolidação do grau 24 como funcionário de carreira, à data da sua nomeação como funcionário interino, mas que, uma vez que foi nomeado funcionário de carreira, sejam tidos em conta os serviços anteriormente prestados como funcionário interino para efeitos da consolidação do grau 24. Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio recorda que um funcionário de carreira que ocupa a título temporário, nomeadamente em caso de destacamento, um lugar de nível superior beneficia da consolidação não do grau que corresponde a esse lugar mas do que corresponde ao lugar para o qual foi nomeado a título definitivo. Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à comparabilidade das situações no processo principal e pergunta se o conceito de «trabalhador permanente em situação comparável» deve ser interpretado no sentido de que se refere exclusivamente à natureza da relação com a Comunidade, ou seja, consoante se trate de um funcionário de carreira ou de um funcionário interino, ou se também há que ter em conta o caráter definitivo ou temporário do lugar ocupado pelo funcionário.

21      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio apresenta duas «razões objetivas», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro, que podem justificar que não sejam tidos em conta os serviços prestados na qualidade de funcionário interino para efeitos da consolidação do grau após a sua nomeação como funcionário de carreira. Por um lado, na medida em que esses serviços foram tomados em consideração no processo de seleção para a aquisição da qualidade de funcionário de carreira, a sua tomada em consideração para efeitos da consolidação do grau daria lugar a uma dupla valorização que levaria a conceder às pessoas na situação do recorrente no processo principal um tratamento mais vantajoso do que aquele de que beneficiam os funcionários que não foram interinos.

22      Por outro lado, para os funcionários de carreira, a carreira profissional vertical e, portanto, a aquisição dos graus a consolidar, são progressivas, sendo a consequência da própria estrutura administrativa e tem por objetivo a motivação desses funcionários e a melhoria do seu desempenho profissional. Em contrapartida, os funcionários interinos não integram nenhum corpo nem são classificados em nenhum grupo, pois são nomeados para preencher lugares vagos em diferentes corpos e grupos em função das necessidades, e não ocupam um lugar a título definitivo. Ora, a consolidação do grau que corresponde ao lugar ocupado como funcionário interino pode gerar «avanços» e «progressões» na referida carreira profissional vertical como funcionário, sem ter de respeitar as outras exigências legais, o que distorceria a estrutura dessa carreira.

23      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, embora o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) tenha considerado, no passado, que a consolidação do grau só é possível quando o lugar é ocupado a título definitivo, tendo em conta a sua importância na estrutura da função pública, no seu acórdão citado no n.o 19 do presente acórdão, aplicou o artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro, independentemente do caráter definitivo do lugar ocupado. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, nos n.os 47 e 50 do Acórdão [do Tribunal de Justiça] de 20 de junho de 2019, Ustariz Aróstegui (C‑72/18, EU:C:2019:516), relativo a um complemento de remuneração concedido aos funcionários de carreira e não aos funcionários interinos, o Tribunal de Justiça estabeleceu uma distinção entre a diferença de tratamento baseada unicamente na antiguidade e a que assenta na progressão para os graus superiores, deixando entender que esta diferença de tratamento pode ser justificada por outros elementos que acrescem a uma simples duração de ocupação do lugar em causa.

24      Nestas condições, o Tribunal Superior de Justicia de Castilla y León (Tribunal Superior de Justiça de Castela e Leão) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o conceito de “trabalhador permanente numa situação comparável” utilizado no artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro […] ser interpretado no sentido de que, [para efeitos] da consolidação do grau, os serviços prestados na qualidade de funcionário interino por um funcionário de carreira, antes de adquirir esta qualidade, devem ser equiparados aos prestados por outro funcionário de carreira?

2)      Deve o artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro […] ser interpretado no sentido de que tanto o facto de esse período já ter sido valorado e tido em conta para aceder à qualidade de funcionário de carreira como a estrutura da carreira vertical dos funcionários prevista na legislação nacional são razões objetivas que justificam que os serviços prestados enquanto funcionário interino por um funcionário de carreira, antes de adquirir esta qualidade, não sejam tomados em consideração para a consolidação do grau?»

 Quanto às questões prejudiciais

25      Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro, se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual, para efeitos da consolidação do grau, não são tidos em conta os serviços prestados por um funcionário na qualidade de funcionário interino antes de aceder à qualidade de funcionário de carreira.

26      Antes de mais, é necessário recordar que a Diretiva 1999/70 e o Acordo‑Quadro são aplicáveis a todos os trabalhadores que fornecem prestações remuneradas no âmbito de uma relação laboral a termo que os vincula ao seu empregador (Despacho de 22 de março de 2018, Centeno Meléndez, C‑315/17, não publicado, EU:C:2018:207, n.o 38 e jurisprudência referida).

27      As disposições do Acordo‑Quadro destinam‑se, portanto, a regular os contratos e as relações laborais a termo estabelecidos com a Administração Pública e outras entidades do setor público (Despacho de 22 de março de 2018, Centeno Meléndez, C‑315/17, não publicado, EU:C:2018:207, n.o 39 e jurisprudência referida).

28      No caso em apreço, é pacífico que, enquanto funcionário interino na Comunidade durante mais de seis anos, o recorrente no processo principal era considerado um «trabalhador contratado a termo», na aceção do Acordo‑Quadro.

29      Em seguida, deve recordar‑se que o artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro proíbe, no que respeita a condições de emprego, que os trabalhadores contratados a termo recebam tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato ou uma relação laboral a termo, salvo se razões objetivas justificarem um tratamento diferente.

30      A este propósito, importa salientar que, embora, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro, este seja aplicável aos trabalhadores contratados a termo tal como definidos no artigo 3.o do Acordo‑Quadro, o facto de o recorrente no processo principal ter posteriormente adquirido a qualidade de funcionário de carreira e, portanto, a de trabalhador permanente, não o impede de invocar o princípio da não discriminação enunciado no artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro, na medida em que põe em causa uma diferença de tratamento, para efeitos da consolidação do seu grau, no que respeita à tomada em consideração dos serviços prestados como funcionário interino antes de ser nomeado funcionário de carreira (v., neste sentido, Acórdão de 18 de outubro de 2012, Valenza e o., C‑302/11 a C‑305/11, EU:C:2012:646, n.os 34 e 35 e jurisprudência referida).

31      Por outro lado, cumpre referir, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, que a consolidação do grau a que se refere a regulamentação em causa no processo principal constitui uma «condição de emprego», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro, sendo o critério decisivo para determinar se uma medida é abrangida por este conceito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, precisamente o do emprego, isto é, a relação laboral estabelecida entre um trabalhador e o seu empregador (Acórdão de 20 de junho de 2019, Ustariz Aróstegui, C‑72/18, EU:C:2019:516, n.o 25 e jurisprudência referida).

32      Com efeito, por um lado, decorre dos artigos 3.o a 5.o do Decreto 17/2018 que a consolidação do grau está subordinada a dois requisitos, a saber, «a nomeação para um lugar a título definitivo, exceto para o grau de início da carreira profissional administrativa», e «a ocupação efetiva de um ou de vários lugares de nível correspondente» ao lugar anteriormente ocupado. Por outro lado, em conformidade com o artigo 69.o, n.o 1, da Lei 7/2005 Relativa à Função Pública da Comunidade Autónoma de Castela e Leão, a referida consolidação garante ao funcionário o direito de receber a remuneração correspondente ao grau consolidado mesmo em caso de mudança de lugar. Constitui igualmente um pressuposto para a carreira profissional vertical do funcionário.

33      Por conseguinte, na medida em que resulta da redação das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que estas assentam na premissa de que os funcionários interinos são tratados de maneira menos favorável do que os funcionários de carreira, no que respeita à tomada em consideração dos serviços prestados nessas qualidades respetivas, para efeitos da consolidação do grau, importa examinar, em primeiro lugar, se estas duas categorias de trabalhadores se encontram numa situação comparável, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro.

34      Para apreciar se os trabalhadores exercem um trabalho idêntico ou similar na aceção do Acordo‑Quadro, há que determinar, em conformidade com os artigos 3.o, n.o 2, e 4.o, n.o 1, deste, se, atendendo a uma série de fatores como a natureza do trabalho, as condições de formação e as condições de trabalho, se pode considerar que esses trabalhadores se encontram numa situação comparável (Acórdão de 20 de junho de 2019, Ustariz Aróstegui, C‑72/18, EU:C:2019:516, n.o 34 e jurisprudência referida).

35      Embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para apreciar os factos, determinar se os funcionários de carreira e os funcionários interinos se encontram numa situação comparável (v., neste sentido, Acórdão de 20 de junho de 2019, Ustariz Aróstegui, C‑72/18, EU:C:2019:516, n.o 35 e jurisprudência referida), resulta da própria decisão de reenvio que, no caso em apreço, a situação do recorrente no processo principal, quando era funcionário interino, era idêntica à sua situação enquanto funcionário de carreira, no que respeita às funções de Veterinário Coordenador, ao diploma exigido, ao regime, ao local e às demais condições de trabalho.

36      Não obstante, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que um funcionário que ocupa a título temporário, ou seja, no âmbito de um destacamento, um lugar de nível superior àquele para o qual foi nomeado a título definitivo consolida o grau que corresponde, não ao lugar ocupado no âmbito do destacamento, mas ao lugar para o qual foi nomeado a título definitivo. Por conseguinte, questiona‑se se a consolidação, por um funcionário, do grau mais elevado que tinha quando era funcionário interino, constitui uma discriminação invertida em detrimento dos funcionários de carreira.

37      A este respeito, há que sublinhar que decorre da redação do artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro que basta que os trabalhadores contratados a termo em causa sejam tratados de maneira menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável, para que os primeiros possam reivindicar o benefício desse artigo (Acórdão de 20 de junho de 2019, Ustariz Aróstegui, C‑72/18, EU:C:2019:516, n.o 31).

38      Ora, verifica‑se que o recorrente no processo principal ocupou durante vários anos, na qualidade de funcionário interino e ao abrigo de uma nomeação única, o lugar de Veterinário Coordenador na Comunidade, para o qual lhe foi atribuído o grau 24 em virtude do sistema de classificação dos lugares aplicável. Portanto, a situação do recorrente no processo principal é comparável à de um funcionário de carreira que ocupa esse lugar a título definitivo.

39      Daqui resulta, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio de todos os elementos pertinentes, que há que considerar que a situação de um funcionário interino, como a do recorrente no processo principal antes da aquisição por este da qualidade de funcionário de carreira, é comparável à de um funcionário de carreira que ocupa, a título definitivo, o mesmo lugar que o ocupado pelo referido funcionário interino.

40      Nestas condições, há que verificar, em segundo lugar, se existem «razões objetivas», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro, suscetíveis de justificar a diferença de tratamento mencionada no n.o 33 do presente acórdão.

41      Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o conceito de «razões objetivas» exige que a desigualdade de tratamento verificada seja justificada pela existência de elementos precisos e concretos, que caracterizem a condição de emprego em questão, no contexto específico em que esta se insere e com base em critérios objetivos e transparentes, a fim de verificar se esta desigualdade responde a uma verdadeira necessidade, é apta a alcançar o objetivo prosseguido e necessária para esse efeito. Esses elementos podem resultar, nomeadamente, da natureza particular das tarefas para cuja realização esses contratos a termo foram celebrados e das características inerentes a essas tarefas ou, eventualmente, da prossecução de um objetivo legítimo de política social de um Estado‑Membro (Acórdão de 20 de junho de 2019, Ustariz Aróstegui, C‑72/18, EU:C:2019:516, n.o 40 e jurisprudência referida).

42      Em contrapartida, o referido conceito não deve ser entendido no sentido de que permite justificar uma diferença de tratamento entre os trabalhadores contratados a termo e os trabalhadores contratados por tempo indeterminado pelo facto de esta diferença estar prevista numa norma geral e abstrata, como uma lei ou uma convenção coletiva (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2011, Rosado Santana, C‑177/10, EU:C:2011:557, n.o 72 e jurisprudência referida).

43      O recurso à natureza temporária do trabalho dos funcionários interinos não é suscetível, por si só, de constituir uma razão objetiva na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro (v., neste sentido, Acórdão de 20 de junho de 2019, Ustariz Aróstegui, C‑72/18, EU:C:2019:516, n.o 41 e jurisprudência referida).

44      Quanto às eventuais justificações da diferença de tratamento verificada no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio evoca, por um lado, a carreira profissional vertical dos funcionários, que é progressiva e que decorre da própria estrutura administrativa.

45      A este respeito, na medida em que a carreira profissional vertical e a consolidação do grau são inerentes ao estatuto dos funcionários, há que recordar que, atendendo à margem de apreciação de que dispõem no que respeita à organização das suas próprias Administrações Públicas, os Estados‑Membros podem, em princípio, sem contrariar a Diretiva 1999/70 nem o Acordo‑Quadro, prever condições de acesso à qualidade de funcionário de carreira e as condições de emprego desses funcionários (Acórdão de 20 de junho de 2019, Ustariz Aróstegui, C‑72/18, EU:C:2019:516, n.o 43 e jurisprudência referida).

46      Embora a Diretiva 1999/70 e o Acordo‑Quadro não se oponham, pois, em princípio, a que a consolidação do grau seja reservada apenas aos funcionários de carreira, não é menos verdade que a regulamentação de um Estado‑Membro não pode estabelecer uma condição geral e abstrata relativa à mera natureza temporária do trabalho dos funcionários interinos, sem ter em conta a natureza específica das tarefas realizadas e das características inerentes a estas.

47      A este respeito, importa, porém, observar que, como resulta da decisão de reenvio, a regulamentação nacional aplicável ao litígio no processo principal prevê que o simples facto de um funcionário ocupar, temporariamente, um lugar que corresponde a um grau superior ao correspondente ao lugar que ocupa a título definitivo não lhe confere automaticamente o direito de consolidar esse grau superior.

48      Nestas condições, permitir a consolidação, por um funcionário, do grau mais elevado que tinha quando era funcionário interino, pode constituir uma discriminação inversa em prejuízo dos funcionários de carreira que foram temporariamente destacados para um lugar ao qual corresponde um grau superior ao grau correspondente ao lugar para o qual foram nomeados a título definitivo.

49      Em consequência, na medida em que, embora excluindo a consolidação automática do grau ocupado a título temporário, a regulamentação nacional aplicável no processo principal permite ter em conta, para efeitos da determinação do grau a consolidar, o período ocupado num lugar temporário, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, esta regulamentação deve ser aplicada de forma igual às pessoas que ocuparam esse lugar temporário como funcionários interinos ou como funcionários nomeados a título definitivo.

50      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, na medida em que os serviços prestados pelo recorrente no processo principal na qualidade de funcionário interino foram tidos em conta no processo de seleção que lhe permitiu adquirir a qualidade de funcionário de carreira, a sua tomada em consideração para efeitos da consolidação do grau equivaleria a uma dupla valorização desses serviços, o que levaria a conceder ao recorrente no processo principal um tratamento mais vantajoso em relação a outros funcionários.

51      No entanto, a imposição de requisitos de acesso à qualidade de funcionário de carreira e o benefício por parte desse funcionário da consolidação do grau, a qual, como mencionado nos n.os 31 e 32 do presente acórdão, constitui uma condição de emprego, são dois aspetos distintos do regime aplicável aos funcionários, pelo que a tomada em consideração dos serviços prestados pelo interessado na qualidade de funcionário interino a título de acesso à qualidade de funcionário de carreira ou a título da consolidação do grau não pode ser considerada uma dupla valorização dos referidos serviços apenas para efeitos da consolidação do grau.

52      Por conseguinte, embora, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 45 do presente acórdão, seja legítimo prever requisitos de acesso à qualidade de funcionário, a imposição desses requisitos de acesso não pode justificar uma diferença de tratamento no que diz respeito aos requisitos da referida consolidação.

53      À luz das considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual, para efeitos da consolidação do grau, não são tidos em conta os serviços prestados por um funcionário na qualidade de funcionário interino antes de aceder à qualidade de funcionário de carreira.

 Quanto às despesas

54      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

O artigo 4.o, n.o 1, do AcordoQuadro Relativo a Contratos de Trabalho a Termo, celebrado em 18 de março de 1999, que figura no anexo da Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao AcordoQuadro CES, UNICE e CEEP Relativo a Contratos de Trabalho a Termo, opõese a uma regulamentação nacional por força da qual, para efeitos da consolidação do grau, não são tidos em conta os serviços prestados por um funcionário na qualidade de funcionário interino antes de aceder à qualidade de funcionário de carreira.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.