Language of document : ECLI:EU:T:2002:317

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

12 de Dezembro de 2002 (1)

«Marca comunitária - Forma de um sabão - Execução de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância - Direito de defesa - Motivos absolutos de recusa - Artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 40/94»

No processo T-63/01,

The Procter & Gamble Company, com sede em Cincinnatti, Ohio (Estados Unidos), representada por T. van Innis, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por O. Montalto e E. Joly, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objecto um recurso da decisão da Terceira Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) de 14 de Dezembro de 2000 (processo R 74/1998-3), que foi notificada à recorrente em 11 de Janeiro de 2001,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, V. Tiili e P. Mengozzi, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vista a petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 16 de Março de 2001,

vista a contestação apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 29 de Maio de 2001,

vistas as medidas de organização do processo,

após a audiência de 10 de Julho de 2002,

profere o presente

Acórdão

Antecedentes do litígio

1.
    Em 16 de Abril de 1996, a recorrente apresentou um pedido de registo de uma marca figurativa comunitária no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), nos termos da versão alterada do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1). Em 25 de Fevereiro de 1997, deu entrada no IHMI uma reprodução da marca requerida, requalificada como marca tridimensional figurativa.

2.
    O sinal cujo registo é pedido consiste na forma reproduzida de seguida:

image: image1

Perspectiva

image: image2

Vista frontal

image: image3

Vista lateral

3.
    O registo de marca é pedido para sabões compreendidos na classe 3, na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e Serviços para efeitos de registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, na versão revista e alterada.

4.
    Em 18 de Março de 1998, o examinador notificou à recorrente a sua decisão de recusa do pedido de registo, considerando que o sinal consiste exclusivamente na forma imposta pela natureza do produto, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), i), do Regulamento n.° 40/94.

5.
    Por decisão de 15 de Março de 1999, a Câmara de Recurso confirmou a decisão do examinador com fundamento em que, em primeiro lugar, a modificação do pedido originário de marca figurativa em pedido de marca tridimensional constitui uma modificação substancial do pedido de marca comunitária, proibida pelo artigo 44.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, em segundo lugar, o sinal é exclusivamente composto pela forma imposta pela natureza do produto, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), i), do Regulamento n.° 40/94, em terceiro lugar, o sinal é composto por uma forma necessária à obtenção de um resultado técnico, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), e, em quarto lugar, o sinal é desprovido de carácter distintivo, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

6.
    Por acórdão de 16 de Fevereiro de 2000, Procter & Gamble/IHMI (Forma de um sabão) (T-122/99, Colect., p. II-265), o Tribunal de Primeira Instância anulou a decisão da Câmara de Recurso com fundamento em que, em primeiro lugar, a Câmara de Recurso excedeu a sua competência ao pronunciar-se oficiosamente sobre a inadmissibilidade do pedido de registo em litígio, em segundo lugar, a Câmara de Recurso violou o direito de defesa da recorrente ao não a convidar a apresentar as suas observações sobre dois motivos absolutos de recusa que conheceu oficiosamente, a saber, os previstos no artigo 7.°, n.° 1, alínea b) e alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94, e, em terceiro lugar, a Câmara de Recurso cometeu um erro de apreciação ao recusar o registo do sinal depositado, em virtude de ser exclusivamente composto por uma forma imposta pela própria natureza do produto, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), i), já referido. Segundo o Tribunal de Primeira Instância, esta última disposição não pode aplicar-se quando existam, no comércio, outras formas de pães de sabão que não apresentam as características da forma de sabão em causa (acórdão Forma de um sabão, já referido, n.° 55).

7.
    Tendo em vista a execução do acórdão Forma de um sabão, já referido, o relator da Terceira Câmara de Recurso convidou a recorrente, por comunicação de 7 de Junho de 2000, a apresentar as suas observações sobre a aplicação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b) e alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94 ao caso em apreço.

8.
    Por decisão de 14 de Dezembro de 2000 (a seguir «decisão impugnada»), a Terceira Câmara de Recurso rejeitou o pedido de registo da marca, considerando, no essencial, que o sinal em causa é desprovido de carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

Pedido das partes

9.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    condenar o IHMI nas despesas.

10.
    O IHMI conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto ao mérito

11.
    Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca dois fundamentos baseados, respectivamente, numa violação do direito de defesa e numa violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

Quanto ao primeiro fundamento, baseado numa violação do direito de defesa

Argumentos das partes

12.
    A recorrente alega que o seu direito de defesa foi violado, uma vez que a decisão impugnada foi tomada pelos mesmos membros da Terceira Câmara de Recurso que, em 15 de Março de 1999, proferiram a decisão anulada pelo acórdão Forma de um sabão, já referido, e em que as partes, o pedido de registo e o motivo absoluto de recusa eram os mesmos.

13.
    A recorrente reconhece que as regras do processo nas Câmaras de Recurso não prevêem a recusa de um dos seus membros que, nessa qualidade, decidiu previamente a mesma questão entre as mesmas partes. No entanto, alega que o respeito do direito de defesa implica um processo equitativo, ou seja, um processo que não pode dar a impressão de uma decisão baseada num juízo antecipado.

14.
    A este respeito, a recorrente alega que, na maioria dos Estados de direito, os juízes, árbitros ou peritos judiciais estão obrigados a escusar-se no âmbito de um determinado litígio se já anteriormente se pronunciaram, numa ou noutra destas qualidades, sobre o litígio em causa, a fim de garantir a sua independência de espírito.

15.
    O IHMI recusa a argumentação da recorrente, dado que os princípios aduzidos não se aplicam no âmbito dos processos que lhe são submetidos nos termos do Regulamento n.° 40/94 e que as Câmaras de Recurso não podem ser qualificadas de «tribunal».

16.
    O IHMI alega que nem os casos de recusa previstos no artigo 132.° do Regulamento n.° 40/94 nem um princípio de direito aplicável aos procedimentos administrativos geralmente admitidos pelo direito dos Estados-Membros, e cujo respeito se impõe ao IHMI por força do artigo 79.° do Regulamento n.° 40/94, foram violados.

17.
    Por outro lado, o IHMI observa que não existe uma regra processual comunitária segundo a qual um processo em que uma decisão de uma instância é anulada em sede de recurso não pode mais ser confiado à instância que tomou essa decisão.

18.
    Por último, o IHMI salienta que a Terceira Câmara de Recurso reconheceu, em várias decisões, o carácter distintivo de marcas compostas pela forma de um produto. Assim, não existe nenhuma razão para considerar que a decisão impugnada se baseia num juízo prévio desfavorável.

Apreciação do Tribunal

19.
    Refira-se, previamente, que as Câmaras de Recurso são compostas por membros cuja independência é garantida pelo modo de nomeação, pela duração do mandato e pelas modalidades de exercício das suas funções. Acresce que algumas disposições do Regulamento n.° 40/94 que regulam o processo nas Câmaras de Recurso garantem, nomeadamente, o direito de defesa das partes.

20.
    No entanto, as Câmaras de Recurso fazem parte do IHMI, que é a administração encarregada de proceder, nas condições previstas pelo Regulamento n.° 40/94, ao registo das marcas comunitárias, contribuindo igualmente, nos limites enunciados por esse regulamento, para a concretização da marca comunitária [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 1999, Procter & Gamble/IHMI (BABY-DRY), T-163/98, Colect., p. II-2383, n.os 36 e 37].

21.
    A este respeito, resulta do acórdão BABY-DRY, já referido, n.os 38 a 43, que existe uma continuidade funcional entre as diferentes instâncias do IHMI e que as Câmaras de Recurso dispõem, designadamente, para deliberar sobre o recurso, das mesmas competências que o examinador. Assim, as Câmaras de Recurso, embora beneficiando de um amplo grau de independência no exercício das suas funções, constituem uma instância do IHMI encarregada de controlar, nas condições e nos limites enunciados no Regulamento n.° 40/94, a actividade das outras instâncias da administração a que pertencem.

22.
    Com efeito, refira-se que, como uma Câmara de Recurso dispõe, designadamente, das mesmas competências do examinador, quando as exerce, age enquanto administração do IHMI. O recurso na Câmara de Recurso inscreve-se, portanto, no procedimento administrativo de registo, no seguimento de uma «revisão prejudicial» efectuada pela «primeira instância» de exame, ao abrigo do artigo 60.° do Regulamento n.° 40/94.

23.
    Tendo em conta o que antecede, as Câmaras de Recurso não podem ser qualificadas de «tribunal». Por conseguinte, a recorrente não pode validamente invocar um direito a um «processo» equitativo nas Câmaras de Recurso do IHMI.

24.
    Por outro lado, cumpre observar que o direito de defesa no âmbito do processo nas Câmaras de Recurso é garantido pelo artigo 132.° do Regulamento n.° 40/94, que prevê as hipóteses nas quais os membros das Câmaras de Recurso podem ser excluídos ou recusados e que dispõe, nomeadamente no n.° 3, que os membros que «puderem ser suspeitos de parcialidade» podem ser recusados por qualquer das partes.

25.
    No entanto, importa referir que, nos termos da disposição acima referida, a recusa não é admissível quando a parte em causa praticou actos processuais, embora já tenha conhecimento do motivo de recusa. Ora, como o IHMI alega com razão, é o que acontece no caso em apreço. Com efeito, por um lado, a recorrente absteve-se de alegar uma eventual parcialidade da Câmara de Recurso em causa ou do seu membro-relator no presente processo, e que foi igualmente relator da primeira decisão da mesma Câmara, quando foi convidada por este último a apresentar as suas observações. Por outro lado, ao apresentar as suas observações na Câmara de Recurso, a recorrente praticou um acto processual, na acepção do artigo 132.°, n.° 3, segundo período, do Regulamento n.° 40/94, e perdeu, portanto, a possibilidade de pedir a recusa dos membros da Câmara de Recurso em causa.

26.
    Nestas condições, o primeiro fundamento não pode ser acolhido.

Quanto ao segundo fundamento, baseado numa violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94

Argumentos das partes

27.
    A recorrente admite que uma forma de sabão que só apresente diferenças mínimas e, como tal, pouco significativas em relação a uma forma usual de sabão não pode, em princípio, ser entendida como marca pelo público em causa. Porém, no caso em apreço, o sinal difere singularmente das formas tradicionais de sabões, na medida em que apresenta um perfil longitudinal côncavo, enquanto as formas usuais são convexas em pelo menos um dos comprimentos.

28.
    Assim, na medida em que é invulgar, o sinal pode criar no espírito do público uma associação mental entre a forma do produto e o facto de ser proveniente de uma determinada empresa.

29.
    A recorrente refere que se entrevê um determinado preconceito em relação às marcas tridimensionais na afirmação da Câmara de Recurso segundo a qual o público deve ser previamente informado do facto de a forma ser uma marca individual. A recorrente alega que esta exigência não tem base legal. A este respeito, refere que, segundo a jurisprudência Benelux, não é necessário nem permitido colocar exigências mais rígidas do que as previstas na lei, sendo que esta jurisprudência não exige que o público esteja consciente do facto de o sinal ter sido especificamente concebido como sinal destinado a distinguir o produto e a indicar a sua proveniência.

30.
    A este respeito, a recorrente refere várias decisões proferidas em França e no Benelux que seguem esta abordagem, quer em relação a marcas constituídas por formas de embalagem quer por formas de produtos.

31.
    A recorrente alega igualmente que a forma de um sabão é mais duradoura do que a marca nominativa que o pode revestir e que é mais facilmente perceptível do que qualquer outro sinal. Além disso, a sua forma é particularmente apta a distingui-lo de outro sabão quando não esteja na sua embalagem de origem.

32.
    Por último, a recorrente refere que a consideração segundo a qual a forma em causa tem uma função utilitária não exclui que disponha de uma função de indicação de origem, na medida em que um mesmo sinal pode ter várias funções.

33.
    O IHMI considera que, para exercer uma função de indicador de origem, uma marca deve ser perceptível enquanto tal e não como um simples atributo descritivo, utilitário ou decorativo. Para este efeito, um sinal deve poder ser facilmente individualizado e memorizado. Não é o que acontece quando, como no caso em apreciação, a forma constitui a representação material dos produtos que é suposto distinguir. As formas só podem, enquanto tais, exercer uma função de marca se se diferenciarem das formas habituais dos produtos em causa.

34.
    A este respeito, o IHMI sublinha que, embora a função distintiva não exclua outras funções, a existência destas últimas pode, como considerado pela Câmara de Recurso no presente caso, reduzir a propensão da forma para individualizar o produto e para exercer uma função de indicação de origem.

35.
    Segundo o IHMI, a forma de pão de sabão deve apresentar particularidades não negligenciáveis em relação às outras formas de pão de sabão existentes no mercado para poder ser considerada distintiva. A este respeito, recorda que a sua apreciação se efectua unicamente em relação à representação da marca como apresentada pelo requerente no acto de depósito.

Apreciação do Tribunal

36.
    Importa referir que a forma de um produto ou do seu acondicionamento é, nos termos do artigo 4.° do Regulamento n.° 40/94, susceptível de constituir uma marca comunitária, desde que seja adequada para distinguir os produtos de uma empresa dos de outras empresas. Além disso, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), deste regulamento, é recusado o registo de «marcas desprovidas de carácter distintivo».

37.
    No entanto, a aptidão geral de uma categoria de sinais para constituir uma marca não implica que os sinais pertencentes a essa categoria possuam necessariamente carácter distintivo, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), acima referido, relativamente a um determinado produto ou serviço.

38.
    Considera-se que os sinais desprovidos de carácter distintivo são incapazes de exercer a função essencial da marca, isto é, identificar a origem do produto ou do serviço, para assim permitir que o consumidor que adquire o produto ou o serviço que a marca designa faça, no momento de uma aquisição posterior, a mesma escolha se a experiência for positiva ou outra escolha se a experiência for negativa [v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 2002, Rewe Zentral/IHMI (LITE), T-79/00, Colect., p. II-705, n.° 26].

39.
    O carácter distintivo de uma marca deve ser analisado relativamente, por um lado, aos produtos ou aos serviços em relação aos quais é pedido o registo e, por outro lado, à percepção do público-alvo [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, DaimlerChrysler/IHMI (TRUCKCARD), T-358/00, Colect., p. II-0000, n.° 55].

40.
    Além disso, cumpre observar que o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 não distingue entre os sinais de naturezas diferentes. No entanto, a percepção do consumidor não é necessariamente a mesma no caso de um sinal constituído pela forma de um produto, enquanto tal, e no caso de uma marca nominativa ou figurativa que consiste num sinal independente dos produtos por ela designados. Com efeito, embora o público tenha o hábito de imediatamente perceber as marcas nominativas ou figurativas como sinais identificadores da origem comercial do produto, não acontece necessariamente o mesmo quando o sinal se confunde com o aspecto exterior do produto.

41.
    No caso em apreciação, importa referir que os sabões são produtos de consumo corrente destinados a todos os consumidores. Por conseguinte, supõe-se que o público-alvo seja o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido. No entanto, há que tomar em conta a circunstância de que o consumidor médio raramente tem a possibilidade de proceder a uma comparação directa entre as diferentes marcas, devendo confiar na imagem não perfeita que conservou na memória (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C-342/97, Colect., p. I-3819, n.° 26).

42.
    Refira-se, igualmente, que a forma pedida pode, no essencial, definir-se como sendo um paralelepípedo rectangular cujas arestas foram suavizadas.

43.
    Ora, um paralelepípedo rectangular é uma forma tradicionalmente utilizada para sabões. Visto que a forma pedida é apenas uma variação ligeira das diferentes formas de paralelepípedo tradicionalmente utilizadas nos sabões, não permite ao público-alvo distinguir imediata e correctamente os sabões da recorrente dos que têm outra origem comercial.

44.
    No que respeita ao argumento da recorrente segundo o qual esta forma distingue-se das formas tradicionalmente utilizadas pela presença de perfis côncavos, impõe-se referir que esta especificidade não é suficiente, na medida em que só representa um pormenor do conjunto percebido pelo consumidor, pormenor que não é susceptível de alterar a sua impressão global.

45.
    Com efeito, a presença de perfis côncavos não afecta substancialmente o aspecto exterior do sabão, não podendo, portanto, considerar-se que constitui uma diferença perceptível em relação às formas de sabão tradicionalmente utilizadas.

46.
    Por último, se os perfis côncavos chamarem a atenção do consumidor, este não os entenderia de imediato como uma indicação da origem comercial. Na verdade, os perfis convexos ou côncavos são elementos sobretudo interpretados como um elemento funcional que permite um manuseamento fácil do sabão ou como um acabamento estético. Portanto, não são directamente compreendidos e memorizados como um sinal distintivo e não podem ser utilizados pelo público-alvo para distinguir, sem confusão possível, um sabão com esta forma dos que têm uma forma semelhante.

47.
    Assim, mesmo que a forma pedida não seja exactamente idêntica a uma forma de sabão existente no mercado, não apresenta características próprias susceptíveis de indicar ao consumidor a origem comercial dos produtos.

48.
    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual é possível que o público tenha uma percepção inconsciente, mas suficiente, do sinal para presumir a sua origem comercial, importa declarar que essa análise inclui-se, na realidade, numa apreciação do carácter distintivo adquirido pela utilização, que é objecto de uma disposição específica, ou seja, o artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94. Esse carácter distintivo adquirido traduz-se, com efeito, no reconhecimento da existência de um sinal que, à partida, não era perceptível.

49.
    Por outro lado, os argumentos da recorrente assentes no facto de a forma de um sabão ser mais duradoura do que a marca nominativa que o podia revestir e no facto de o sabão não se manter na sua embalagem de origem não são pertinentes, na medida em que têm que ver com o uso que o utilizador faz do produto na vida quotidiana e não com a percepção que o consumidor tem do sinal no acto de compra. Esta forma era, de resto, completamente invisível se a embalagem não tivesse, também ela, a mesma forma.

50.
    Por último, quanto aos argumentos da recorrente baseados nas jurisprudências nacionais, há que declarar, por um lado, que, segundo a jurisprudência comunitária firmada, o regime comunitário das marcas é um sistema autónomo [acórdão Forma de um sabão, já referido, n.os 60 e 61, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Dezembro de 2000, Messe München/IHMI (electronica), T-32/00, Colect., p. II-3829, n.° 47] e, por outro, que a jurisprudência apresentada pela recorrente não é pertinente, na medida em que não se refere nem a formas comparáveis à forma cujo registo é pedido nem a produtos equiparáveis a sabões. Em contrapartida, importa referir, a título indicativo, que a decisão impugnada menciona duas decisões nacionais que recusaram o pedido de registo da marca da recorrente para esta forma de sabão.

51.
    Daqui resulta que, ao declarar, por um lado, que a forma pedida é apenas uma variação menor em relação às formas de sabão típicas e, por outro, que se o público-alvo tivesse a percepção das características da forma em causa, esse público consideraria que essas características têm sobretudo uma função utilitária destinada a permitir um manuseamento fácil do sabão, foi com razão que a Câmara de Recurso decidiu que esta forma não é susceptível de indicar directamente ao público-alvo uma origem comercial específica.

52.
    Importa, assim, julgar improcedente o segundo fundamento.

53.
    Daqui resulta que deve ser negado provimento à totalidade do recurso.

Quanto às despesas

54.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas do IHMI, em conformidade com o pedido deste.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1.
    É negado provimento ao recurso.

2.
    A recorrente é condenada nas despesas.

Vilaras
Tiili
Mengozzi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Dezembro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

M. Vilaras


1: Língua do processo: francês.