Language of document : ECLI:EU:C:2011:504

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

21 de Julho de 2011 (*)

«Ambiente e protecção da saúde humana – Directiva 67/548/CEE – Regulamento (CE) n.° 1272/2008 – Substâncias à base de borato – Classificação como substâncias tóxicas para a reprodução de categoria 2 – Directiva 2008/58/CE e Regulamento (CE) n.° 790/2009 – Adaptação destas classificações ao progresso técnico e científico – Validade – Métodos de avaliação das propriedades intrínsecas das referidas substâncias – Erro manifesto de apreciação – Base jurídica – Dever de fundamentação – Princípio da proporcionalidade»

No processo C‑15/10,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court) (Reino Unido), por decisão de 10 de Dezembro de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 11 de Janeiro de 2010, no processo

Etimine SA

contra

Secretary of State for Work and Pensions,

sendo interveniente:

Borax Europe Ltd,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, K. Schiemann, C. Toader (relatora), A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 20 de Janeiro de 2011,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Etimine SA, por J. Stratford, QC, C. Mereu, avocat, V. Wakefield, barrister, P. Sellar e C. Buchanan, solicitors,

–        em representação da Borax Europe Ltd, por H. Pearson, solicitor, e K. Nordlander, advokat,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por H. Walker, na qualidade de agente, assistida por J. Coppel, barrister,

–        em representação do Governo dinamarquês, por V. Pasternak Jørgensen e C. Vang, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo alemão, por B. Klein, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo francês, por G. de Bergues, S. Menez e R. Loosli‑Surrans, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo austríaco, por E. Riedl, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por P. Oliver, D. Kukovec e E. Manhaeve, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 24 de Março de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto:

–        a validade das classificações de substâncias que contêm boratos integradas no anexo I da Directiva 67/548/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1967, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes à classificação, embalagem e rotulagem das substâncias perigosas (JO 1967, 196, p. 1; EE 13 F1 p. 50), conforme alterada pela Directiva 2001/59/CE da Comissão, de 6 de Agosto de 2001 (JO L 225, p. 1, a seguir «Directiva 67/548»), pela Directiva 2008/58/CE da Comissão, de 21 de Agosto de 2008, que altera, tendo em vista a trigésima adaptação ao progresso técnico, a Directiva 67/548 (JO L 246, p. 1, a seguir «trigésima directiva APT»); e

–        a validade das referidas classificações na parte em que foram retomadas da trigésima directiva APT e integradas no Anexo VI do Regulamento (CE) n.° 1272/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, relativo à classificação, rotulagem e embalagem de substâncias e misturas, que altera e revoga as Directivas 67/548 e 1999/45/CE, e altera o Regulamento (CE) n.° 1907/2006 (JO L 353, p. 1, a seguir «regulamento CLP»), pelo Regulamento (CE) n.° 790/2009 da Comissão, de 10 de Agosto de 2009, que altera, para efeitos da sua adaptação ao progresso técnico e científico, o Regulamento n.° 1272/2008 (JO L 235, p. 1, a seguir «primeiro regulamento APT»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Etimine SA (a seguir «Etimine») ao Secretary of State for Work and Pensions a propósito da fiscalização da legalidade de eventuais medidas do Governo do Reino Unido de implementação das classificações efectuadas pela trigésima directiva APT e pelo primeiro regulamento APT.

 Quadro jurídico

 Regulamentação relativa à classificação, embalagem e rotulagem das substâncias perigosas e à avaliação dos seus riscos – Directivas 67/548 e 93/67/CEE e regulamento CLP

 Directiva 67/548 e sua trigésima adaptação ao progresso técnico pela trigésima directiva APT

3        No domínio dos produtos químicos, a Directiva 67/548 foi a primeira directiva de harmonização que fixou as regras relativas à comercialização de certas substâncias e preparações. Esta directiva continha, no seu anexo I, uma lista que harmoniza a classificação e a rotulagem de mais de 8 000 substâncias e grupos de substâncias em função da sua perigosidade.

4        O artigo 2.°, n.° 2, alínea n), da Directiva 67/548 qualifica de «perigosas» e «tóxicas para a reprodução» substâncias e preparações que, por inalação, ingestão ou penetração cutânea, podem causar ou aumentar a frequência de efeitos prejudiciais não hereditários na progenitura ou lesar as funções ou capacidades reprodutoras masculinas ou femininas.

5        O artigo 4.° da Directiva 67/548 prevê, no seu n.° 1, que as substâncias são classificadas em função das suas propriedades intrínsecas. Por força do n.° 3 deste artigo, a lista das substâncias classificadas é reproduzida no anexo I desta directiva e a decisão de incluir uma substância no dito anexo com a sua classificação harmonizada e rotulagem é tomada segundo o procedimento previsto no artigo 29.° da Directiva 67/548.

6        Em conformidade com os artigos 28.° e 29.° da Directiva 67/548, os anexos desta podem ser adaptados ao progresso técnico segundo o procedimento de regulamentação previsto nos artigos 5.° e 7.° da Decisão 1999/468/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão (JO L 184, p. 23), conforme alterada pela Decisão 2006/512/CE do Conselho, de 17 de Julho de 2006 (JO L 200, p. 11, a seguir «Decisão 1999/468»). A Decisão 1999/468 deve ser interpretada conjuntamente com o ponto 1 do Anexo III do Regulamento (CE) n.° 807/2003 do Conselho, de 14 de Abril de 2003, que adapta à Decisão 1999/468/CE as disposições relativas aos comités que assistem a Comissão no exercício das suas competências de execução previstas em actos do Conselho adoptados pelo procedimento consultivo (JO L 122, p. 36).

7        O ponto 1.1 do anexo VI da Directiva 67/548 dispõe, designadamente, que a classificação visa identificar todas a propriedades físico‑químicas, toxicológicas e ecotoxicológicas das substâncias ou das preparações, que podem constituir um risco aquando da manipulação ou da utilização normais destas.

8        O ponto 1.4 do anexo VI desta directiva prevê, designadamente, que a rotulagem deve ter em conta todos os perigos potenciais susceptíveis de estarem ligados à manipulação e à utilização normais das substâncias e das preparações perigosas sob a forma como são colocadas no mercado, mas não necessariamente sob qualquer outra forma diferente da utilização final, por exemplo, no estado diluído.

9        O ponto 1.6.1, alínea b), do anexo VI da Directiva 67/548 prevê que os dados necessários para a classificação e rotulagem das substâncias referidas nessa disposição podem ser obtidos:

«[…] a partir de várias fontes diferentes, nomeadamente:

–      resultados de ensaios anteriores,

–      informações exigidas nos termos da regulamentação internacional do transporte de substâncias perigosas,

–      informações extraídas de trabalhos de referência e da literatura, ou

–      informações resultantes da experiência prática.

Podem também ser tidos em conta, sempre que adequado, os resultados de relações validadas estrutura‑actividade, bem como pareceres de peritos.»

10      Nos termos do ponto 4.2.3.1 deste mesmo anexo VI, as substâncias classificadas como tóxicas para a reprodução de categoria 2 são substâncias que devem ser equiparadas a substâncias que alteram a fertilidade na espécie humana das quais se dispõe de suficientes elementos para justificar uma forte presunção de que a exposição do homem a tais substâncias pode alterar a fertilidade. Esta presunção baseia‑se numa evidência clara, nos estudos sobre o animal, de uma alteração da fertilidade ou de outras informações pertinentes.

11      O ponto 4.2.3.3, terceiro e quarto parágrafos, do anexo VI da Directiva 67/548 prevê que, se a classificação de uma substância na categoria 1 devido aos efeitos na fertilidade e/ou à toxicidade no desenvolvimento é feita com base em dados epidemiológicos, a classificação de uma substância nas categorias 2 e 3 devido aos efeitos da fertilidade e/ou à toxidade no desenvolvimento é feita, sobretudo, com base em dados obtidos em animais. Mesmo quando tenha sido demonstrada a existência de efeitos claros em estudos com animais, a extrapolação para o homem pode ser incerta dadas as doses administradas, por exemplo, quando se tenham manifestado efeitos apenas em doses elevadas, quando existam nítidas diferenças tóxicocinéticas ou quando a via de administração for inadequada. Por estas ou por outras razões análogas, pode suceder que a classificação na categoria 3, ou até a falta de classificação, seja justificada.

12      A Directiva 67/548 foi alterada pela trigésima directiva APT, que classifica, designadamente, certas substâncias à base de borato (a seguir, conjuntamente, «substâncias à base de borato em causa no processo principal») num nível elevado de perigosidade, o que implicava o cumprimento de novas exigências em matéria de rotulagem e de embalagem, bem como outras consequências legislativas e comerciais. Esta directiva APT classificou as substâncias à base de borato em causa no processo principal como tóxicas para a reprodução de categoria 2.

 Directiva 93/67/CEE, que estabelece os princípios para a avaliação dos riscos no regime da Directiva 67/548

13      Resulta do artigo 2.°, alínea a), da Directiva 93/67/CEE da Comissão, de 20 de Julho de 1993, que estabelece os princípios para a avaliação dos riscos para o homem e para o ambiente das substâncias notificadas em conformidade com a Directiva 67/548 (JO L 229, p. 9), interpretado em conjugação com os artigos 3.° a 5.° da mesma directiva, que a avaliação dos riscos que apresenta uma substância, para efeitos da sua classificação em conformidade com a Directiva 67/548, comporta, como primeira etapa, a identificação de perigo, definida como a identificação dos efeitos indesejáveis que uma substância pode intrinsecamente causar.

14      Resulta igualmente do artigo 2.°, alínea d), da Directiva 93/67 que a caracterização dos riscos consiste numa estimativa da incidência e da gravidade dos efeitos indesejáveis que se podem produzir numa população humana ou num componente ambiental devido à exposição, real ou previsível, a uma substância, e que essa caracterização pode incluir uma quantificação dessa probabilidade, ou seja, uma estimativa dos riscos.

 Regulamento CLP e sua primeira adaptação ao progresso técnico pelo primeiro regulamento APT

15      O regulamento CLP adapta a Directiva 93/37, na parte em que se refere à classificação, rotulagem e etiquetagem das substâncias químicas, ao sistema geral harmonizado de classificação e rotulagem dos produtos químicos (a seguir «GHS»). O GHS consiste num conjunto de recomendações adoptadas pelo Comité Económico e Social das Nações Unidas, que visa permitir a identificação dos produtos químicos perigosos e a informação dos utilizadores sobre os perigos que estes produtos apresentam, mediante símbolos e frases estandardizadas que figuram nos rótulos das embalagens.

16      Nos termos do considerando 53 do regulamento CLP, para ter plenamente em conta os trabalhos e a experiência acumulados no âmbito da Directiva 67/548, incluindo a classificação e a rotulagem de substâncias específicas enumeradas no anexo I desta directiva, todas as classificações harmonizadas já existentes deveriam ser convertidas em novas classificações harmonizadas com base nos novos critérios.

17      Os artigos 36.° e 37.° do regulamento CLP inserem‑se no título V, capítulo 1, deste, que tem por epígrafe «Estabelecimento da classificação e rotulagem harmonizada de substâncias», e prevêem o processo de classificação e de rotulagem harmonizadas das substâncias que preenchem os critérios fixados no Anexo I do referido regulamento para perigos como a toxicidade reprodutiva.

18      O artigo 37.° concede o direito, designadamente às autoridades competentes dos Estados‑Membros e, em circunstâncias mais limitadas, aos fabricantes, importadores e distribuidores de substâncias, de apresentarem propostas específicas de classificação e de rotulagem harmonizadas à Agência Europeia das Substâncias Químicas (a seguir «ECHA»), que substitui o Gabinete Europeu de Produtos Químicos desde 1 de Junho de 2008.

19      O artigo 53.° do regulamento CLP, sob a epígrafe «Adaptação ao progresso técnico», autoriza a Comissão a adoptar as medidas que visam adaptar os Anexos I a VII deste regulamento ao progresso técnico e científico «tendo na devida conta o desenvolvimento do GHS» e prevê que essas medidas são aprovadas em conformidade com o procedimento de regulamentação com controlo fixado no artigo 5.°‑A, n.os 1 a 4, da Decisão 1999/468.

20      Por força do artigo 55.°, n.os 2 e 11, do regulamento CLP, o anexo I da Directiva 67/548 é suprimido e substituído pelo Anexo VI, parte 3, deste regulamento a contar de 20 de Janeiro de 2009. O quadro 3.1 deste Anexo VI apresenta a nova classificação na sequência desta conversão e o quadro 3.2 retoma a antiga classificação fixada de acordo com a Directiva 67/548, na sua versão resultante da Directiva 2004/73/CE da Comissão, de 29 de Abril de 2004, que adapta ao progresso técnico pela vigésima nona vez a Directiva 67/548 (JO L 152, p. 1, e rectificações no JO L 216, p. 3).

21      No momento da entrada em vigor do regulamento CLP, de 20 de Janeiro de 2009, este Anexo VI não repercutia as classificações controvertidas integradas pela trigésima directiva APT no anexo I da Directiva 67/548.

22      O artigo 60.° do regulamento CLP prevê a revogação da Directiva 67/548 com efeitos a partir de 1 de Junho de 2015. Todavia, o artigo 61.°, n.° 3, do mesmo regulamento enuncia, a título de disposição transitória, que, a partir de 1 de Dezembro de 2010 e até 1 de Junho de 2015, as substâncias são classificadas em conformidade, simultaneamente, com a Directiva 67/548 e com o regulamento CLP.

23      O ponto 1.1.1.3 do Anexo I do regulamento CLP prevê, designadamente, que todas as informações disponíveis que tenham incidência na determinação dos perigos de uma substância, tais como os resultados dos ensaios in vitro adequados, os dados pertinentes obtidos com experiências em animais, as informações obtidas com a aplicação da abordagem por categorias (agrupamento, referências cruzadas) ou ainda os modelos de relações estrutura/actividade, são tomadas em consideração conjuntamente.

24      O Anexo VII do regulamento CLP contém um quadro destinado a facilitar a conversão da classificação de uma substância, estabelecida de acordo com a Directiva 67/548, na classificação correspondente estabelecida em conformidade com o regulamento CLP.

25      Com base no artigo 53.° do regulamento CLP, o primeiro regulamento APT procedeu uma transferência e uma conversão das classificações estabelecidas pela trigésima directiva APT para o Anexo VI, parte 3, do regulamento CLP, pelo que estas são incluídas sem alteração no quadro 3.2 do Anexo VI do regulamento CLP quando, no quadro 3.1 do mesmo anexo, essas classificações foram simplesmente convertidas nas classificações CLP, utilizando o quadro de conversão que figura no Anexo VII do regulamento CLP. O primeiro regulamento APT entrou em vigor em 25 de Setembro de 2009.

 Regulamentação sobre a avaliação e controlo dos riscos apresentados pelas substâncias existentes – Regulamento (CE) n.° 793/93 e regulamento REACH

26      O Regulamento (CEE) n.° 793/93 do Conselho, de 23 de Março de 1993, relativo à avaliação e controlo dos riscos ambientais associados às substâncias existentes (JO L 84, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1882/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Setembro de 2003 (JO L 284, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 793/93»), completou o sistema de notificação das substâncias novas previsto na Directiva 67/548.

27      O regulamento foi revogado na sequência da entrada em vigor, em 1 de Junho de 2008, do Regulamento (CE) n.° 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Dezembro de 2006, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição de substâncias químicas (REACH), que cria a Agência Europeia das Substâncias Químicas, que altera a Directiva 1999/45/CE e revoga o Regulamento (CEE) n.° 793/93 do Conselho e o Regulamento (CE) n.° 1488/94 da Comissão, bem como a Directiva 76/769/CEE do Conselho e as Directivas 91/155/CEE, 93/67/CEE, 93/105/CE e 2000/21/CE da Comissão (JO L 396, p. 1, e rectificações no JO 2007, L 136, p. 3, a seguir «regulamento REACH»).

28      Os artigos 3.° e 4.° do Regulamento n.° 793/93 prevêem a obrigação de os fabricantes e importadores comunicarem à Comissão certos dados pertinentes relativos às substâncias a avaliar em função da quantidade importada ou produzida e de fazer todos os esforços razoáveis para obter esses dados. Todavia, na falta de informações, os fabricantes e importadores não eram obrigados a fazer experiências suplementares em animais, com o fim de apresentar esses dados.

29      Nos termos do artigo 8.° do Regulamento n.° 793/93, lido em conjugação com o artigo 15.° do mesmo regulamento, com base em informações comunicadas pelos fabricantes e importadores, listas de substâncias prioritárias que exigiam uma atenção imediata devido aos efeitos potenciais que pudessem ter no homem e no ambiente tinham sido adoptadas em conformidade com um processo de comitologia com controlo.

30      A Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 1488/94, de 28 de Junho de 1994, que estabelece os princípios para a avaliação dos riscos para o homem e para o ambiente associados às substâncias existentes, em conformidade com o Regulamento (CEE) n.° 793/93 do Conselho (JO L 161, p. 3).

31      Resulta dos considerandos do regulamento REACH que o sistema actual, gerido pela ECHA, visa assegurar um nível elevado de protecção da saúde humana e do ambiente, bem como reforçar a competitividade do sector das substâncias químicas e a inovação. O regulamento REACH obriga as empresas que fabricam e importam substâncias químicas a avaliar os perigos e os riscos resultantes da sua utilização e a adoptar as medidas necessárias para gerir qualquer risco identificado.

32      Segundo o artigo 13.° do regulamento REACH, as informações prestadas com vista à avaliação das substâncias químicas no que diz respeito, em especial, à toxicidade humana devem ser obtidas, sempre que possível, por meios diferentes das experiências em animais vertebrados, nomeadamente através da utilização de métodos alternativos, por exemplo, métodos in vitro ou modelos de relações qualitativas ou quantitativas estrutura/actividade ou através da exploração de dados relativos a substâncias estruturalmente próximas (agrupamento ou referências cruzadas).

33      O ponto 1.5 do Anexo XI do regulamento REACH prevê a utilização do método das referências cruzadas na avaliação das substâncias químicas. A este respeito, está previsto, designadamente, que as substâncias cujas propriedades físico‑químicas, toxicológicas e ecotoxicológicas sejam provavelmente semelhantes ou sigam um esquema regular devido à sua semelhança estrutural podem ser consideradas como um grupo ou uma «categoria» de substâncias. A aplicação do conceito de grupo exige, designadamente, que as propriedades físico‑químicas e os efeitos na saúde humana e no ambiente possam ser previstos a partir dos dados correspondentes a uma ou várias substâncias de referência pertencentes ao mesmo grupo, por interpolação para outras substâncias do grupo (método das referências cruzadas).

 Procedimento que levou às classificações controvertidas

34      Em 28 de Janeiro de 1999, a República Francesa apresentou à Comissão uma proposta no sentido de classificar o ácido bórico, ao abrigo da Directiva 67/548, na categoria 2 das substâncias tóxicas para a reprodução e para o desenvolvimento, não tendo até então essa substância sido visada pelo anexo I desta directiva.

35      A República da Turquia detém mais de dois terços das reservas mundiais de boratos.

36      Em 10 de Fevereiro de 1999, o Reino da Dinamarca apresentou uma proposta visando classificar o ácido bórico e o bórax deca‑hidratado, ao abrigo da Directiva 67/548, na categoria 2 das substâncias tóxicas para a reprodução e na categoria 3 das substâncias tóxicas para o desenvolvimento.

37      Na reunião realizada de 15 a 17 de Novembro de 2000, o grupo de trabalho da Comissão sobre a classificação e a rotulagem das substâncias químicas (a seguir «grupo de trabalho CE») no Gabinete Europeu de Produtos Químicos recomendou a classificação do ácido bórico, ao abrigo da Directiva 67/548, entre as substâncias tóxicas para a reprodução de categoria 3 tanto para a fertilidade como para o desenvolvimento. No que se refere ao bórax deca‑hidratado e ao tetraborato de dissódio anidro, este grupo de trabalho CE recomendou uma classificação ao abrigo da Directiva 67/548 entre as substâncias tóxicas para a reprodução da categoria 3.

38      A pedido da Direcção‑Geral «Ambiente» da Comissão, o Gabinete Europeu de Produtos Químicos reuniu peritos especializados com vista a reexaminar a classificação dos boratos ao abrigo da Directiva 67/548 em função da sua toxicidade para a reprodução. Na reunião de 5 e 6 de Outubro de 2004, o grupo de trabalho da Comissão composto por peritos especializados em matéria de toxicidade para a reprodução examinou várias substâncias à base de borato, entre as quais o bórax penta‑hidratado, o óxido bórico, o ácido bórico, o bórax deca‑hidratado e o tetraborato de dissódio anidro, e concluiu que estas substâncias deviam ser classificadas, ao abrigo da Directiva 67/548, nas substâncias tóxicas para a reprodução de categoria 2 com base em estudos efectuados com animais (documento ECBI/132/04 Rev. 2).

39      Em 4 de Abril de 2005, teve lugar uma reunião entre as autoridades turcas, a Etimine e a Comissão no decurso da qual as autoridades turcas contestaram a classificação proposta das substâncias à base de borato em causa no processo principal entre as substâncias tóxicas para a reprodução de categoria 2. Em apoio desta contestação, as autoridades turcas transmitiram à Direcção‑Geral «Ambiente», por ofício de 18 de Maio de 2005, uma nota técnica preparada por toxicólogos turcos, que tinha sido apresentada oralmente na reunião de 4 de Abril de 2005, bem como um relatório com o título «Posição da Sociedade Turca de Toxicologia relativamente à classificação do ácido bórico e dos boratos entre as substâncias tóxicas para a reprodução».

40      Por carta de 8 de Abril de 2005 dirigida à Direcção‑Geral «Ambiente», a Etimine contestou as conclusões do grupo de trabalho dos peritos especializados e pediu que a Comissão não as tivesse em consideração.

41      Na reunião de 8 de Setembro de 2005, o Comité Técnico para a Classificação e a Rotulagem das Substâncias Perigosas (a seguir «CTCE»), com a participação de representantes das autoridades turcas, da Eti Mine Works General Management e de toxicólogos turcos, continuou a debater a classificação proposta das substâncias à base de borato em causa no processo principal, ao abrigo da Directiva 67/548, antes de decidir seguir o parecer do grupo de trabalho dos peritos especializados e de recomendar a classificação das referidas substâncias entre as substâncias tóxicas para a reprodução da categoria 2 (documento ECBI/43/05 Rev. 1).

42      Por ofício de 30 de Setembro de 2005, as autoridades turcas pediram à Comissão para diferir a decisão relativa à classificação das substâncias à base de borato em causa no processo principal, ao abrigo da Directiva 67/548, designadamente até que terminassem vários estudos em curso relativos a esta matéria.

43      Por carta de 17 de Outubro de 2005 dirigida à Direcção‑Geral «Ambiente», a Etimine reiterou o seu pedido no sentido de que, quando da trigésima adaptação ao progresso técnico da Directiva 67/548, as substâncias à base de borato em causa no processo principal não fossem classificadas entre as substâncias tóxicas para a reprodução de categoria 2.

44      Por ofício de 18 de Novembro de 2005, a Direcção‑Geral «Ambiente» indicou ter tomado devidamente em conta as observações da Etimine e respondeu a certos aspectos suscitados por esta no seu ofício de 8 de Abril de 2005.

45      Por ofício de 6 de Fevereiro de 2006 dirigido à Comissão, as autoridades turcas expressaram o seu desacordo relativamente à classificação considerada para as substâncias à base de borato em causa no processo principal ao abrigo da Directiva 67/548.

46      Na sequência da recomendação do grupo de trabalho CE e do CTCE, em 16 de Fevereiro de 2007, o Comité para a Adaptação ao Progresso Técnico (a seguir «comité APT») proferiu um parecer favorável sobre a proposta da trigésima directiva APT no seu todo (documento JM/30ATP/09/2006).

47      No termo de um processo seguido no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) em que o projecto de proposta encontrou a oposição de alguns países terceiros produtores de boratos, a Comissão, considerando que este processo não trouxe nenhum elemento novo, adoptou seguidamente a trigésima directiva APT, em 21 de Agosto de 2008. Os Estados‑Membros estavam obrigados a transpô‑la para o direito nacional até 1 de Junho de 2009.

48      O anexo I da Directiva 67/548 foi revogado com a entrada em vigor do regulamento CLP, em 20 de Janeiro de 2009, e foi substituído pelo Anexo VI deste, que nessa data continha apenas as classificações do anexo I da Directiva 67/548, conforme alterada, pela última vez, pela vigésima nona Directiva APT.

49      O conteúdo da trigésima directiva APT foi acrescentado ao Anexo VI do regulamento CLP pelo primeiro regulamento APT. Este foi adoptado em 10 de Agosto de 2009, com base no artigo 53.° do regulamento CLP na sequência de uma proposta favorável, adoptada por unanimidade, pelo comité APT em 25 de Março de 2009, e entrou em vigor em 25 de Setembro de 2009.

 Processo principal e questões prejudiciais

50      A recorrente no processo principal, Etimine, sociedade de direito luxemburguês, é agente de venda e distribuidor exclusivo no Reino Unido de substâncias à base de borato produzidas pela sociedade‑mãe, a Eti Mine Works General Management. Esta é detida na totalidade pelo Estado turco e dispõe de um direito exclusivo de exploração das minas de borato na Turquia.

51      A interveniente, Borax Europe Limited (a seguir «Borax»), é uma sociedade de direito inglês. Detida na totalidade pela Rio Tinto PLC. A sua sociedade‑irmã, U.S. Borax Inc, explora minas de boratos na Califórnia e na Argentina, que satisfazem actualmente metade da procura global de boratos. A Borax vende e distribui na Europa as substâncias à base de boratos da U.S. Borax Inc., correspondendo estas vendas aproximadamente a um terço das vendas globais da U.S. Borax Inc.

52      O recorrido no processo principal, o Secretary of State for Work and Pensions, é o ministério responsável no Reino Unido pela classificação das substâncias químicas.

53      A Etimine interpôs na High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court), em 19 de Dezembro de 2008, um recurso contra o Secretary of State for Work and Pensions com vista à fiscalização da legalidade das eventuais medidas do Governo do Reino Unido no sentido de implementar as classificações feitas pela trigésima directiva APT e pelo primeiro regulamento APT.

54      A Etimine contesta a validade da classificação de cinco entradas no anexo 1G da trigésima directiva APT, que foram retomadas nos Anexos II e V do primeiro regulamento APT. Estas entradas que classificam certas substâncias à base de boratos como tóxicas para a reprodução de categoria 2 são as seguintes: 005‑007‑00‑2 (ácido bórico), 005‑008‑00‑8 (trióxido de diboro, óxido bórico), 005‑011‑00‑4 (tetraborato de dissódio anidro, ácido bórico anidro, sal dissódico, heptóxido de tetraboro e dissódio hidratado, ácido ortobórico, sal de sódio), 005‑011‑01‑1 (tetraborato de dissódio deca‑hidratado, bórax deca‑hidratado) e 005‑011‑02‑9 (tetraborato de dissódio penta‑hidratado, bórax penta‑hidratado).

55      Nessas condições, a High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court), decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      As classificações [controvertidas] de boratos, constantes da [trigésima directiva APT] e/ou do [primeiro regulamento APT], são inválidas com base em um ou mais dos seguintes fundamentos:

a)      as classificações foram incluídas na trigésima directiva APT em violação de formalidades processuais essenciais?

b)      as classificações foram incluídas na trigésima directiva APT em violação da [Directiva 67/548] e/ou em resultado de erros manifestos de apreciação na medida em que:

–        a Comissão não aplicou, ou não aplicou adequadamente, o princípio da ‘manipulação e utilização normais’ constante do anexo VI da Directiva 67/548;

–        [a Comissão fez] uma aplicação ilegal dos critérios de avaliação dos riscos;

–        a Comissão não aplicou, ou não aplicou correctamente, o critério da ‘adequação’, em violação do ponto 4.2.3.3 do anexo VI da Directiva 67/548;

–        a Comissão não tomou adequadamente em consideração a necessidade de dados epidemiológicos/humanos? e/ou

–        a Comissão extrapolou ilegalmente dados relativos a uma das substâncias de borato com a finalidade de classificar as outras substâncias de borato e/ou apresentou uma justificação inadequada para essa extrapolação, em violação do artigo 253.° CE?

c)      as classificações foram incluídas na [trigésima] directiva APT em violação do princípio da proporcionalidade, princípio fundamental do direito comunitário?

2)      As classificações dos boratos [controvertidas] incluídas no primeiro regulamento APT são inválidas, na medida em que:

a)      o [primeiro] regulamento APT foi adoptado utilizando, incorrectamente, o procedimento estabelecido no artigo 53.° [do regulamento CLP] como sua base legal,

b)      os critérios [que permitem a adopção de] uma nova classificação harmonizada ao abrigo do Anexo I do Regulamento [CLP] não foram aplicados e, em vez deles, foi incorrectamente aplicado o Anexo VII [do referido] regulamento?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade da primeira questão

56      Nas suas observações escritas, a Comissão pediu que a primeira questão prejudicial fosse declarada inadmissível uma vez que versa sobre a validade da trigésima directiva APT, que teria sido revogada com a entrada em vigor, em 20 de Janeiro de 2009, do regulamento CLP. Todavia, na audiência, desistiu desta excepção de inadmissibilidade, considerando que, de qualquer o modo, as classificações introduzidas no Anexo VI do regulamento CLP, através do primeiro regulamento APT, mais não fazem do que retomar as classificações já constantes da trigésima directiva APT com base nas recomendações científicas apresentadas por vários comités de peritos no âmbito da Directiva 67/548.

57      Uma vez que o Tribunal de Justiça não tem de suscitar outros fundamentos de inadmissibilidade, cabe‑lhe pronunciar‑se sobre as questões prejudiciais.

 Quanto à primeira questão

58      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se a classificação das substâncias à base de borato em causa no processo principal como substâncias tóxicas para a reprodução de categoria 2 efectuada pela trigésima directiva APT e pelo primeiro regulamento APT não está ferida de invalidade, na medida em que viola as formalidades substanciais do princípio da proporcionalidade e está ferida de erros manifestos de apreciação ou de falta de fundamentação.

 Observações preliminares

59      A título preliminar, há que salientar que, neste quadro técnico e jurídico complexo, com carácter essencialmente evolutivo, a Directiva 67/548 deixa, quanto ao mérito, um amplo poder de apreciação à Comissão sobre o alcance das medidas a tomar para adaptar os anexos desta directiva ao progresso técnico [acórdão de 15 de Outubro de 2009, Enviro Tech (Europe), C‑425/08, Colect., p. I‑10035, n.° 46].

60      A este respeito, em conformidade com uma jurisprudência assente, dado que as autoridades da União dispõem de um amplo poder de apreciação, nomeadamente quanto à apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica altamente complexos para determinar a natureza e o alcance das medidas que adoptam, o controlo do juiz da União deve limitar‑se a examinar se o exercício de tal poder de apreciação não está viciado de erro manifesto ou desvio de poder, ou ainda se essas autoridades não ultrapassaram manifestamente os limites do seu poder de apreciação. Em tal contexto, o juiz da União não pode, com efeito, substituir pela sua apreciação a apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica feita pelas instituições, às quais o Tratado CE exclusivamente conferiu esta missão [acórdão Enviro Tech (Europe), já referido, n.° 47].

 Quanto à violação das formalidades essenciais

61      Antes de mais, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se a Comissão respeitou as formalidades essenciais previstas no artigo 29.° da Directiva 67/548, lido em conjugação com o artigo 5.° da Decisão 1999/468.

62      A Etimine e a Borax sustentam que, ao examinar a proposta da trigésima directiva APT, no quadro do comité APT reunido em 16 de Fevereiro de 2007, os representantes de sete Estados‑Membros consideraram que as substâncias à base de borato em causa no processo principal deviam ser classificadas entre as substâncias tóxicas de reprodução de categoria 3, em vez de categoria 2.

63      Segundo estas empresas, dado que o artigo 5.° da Decisão 1999/468 refere que o parecer do comité APT deve ser proferido por maioria qualificada na acepção do artigo 205.°, n.° 2, CE, o comité APT deveria ter dado um parecer desfavorável à classificação das substâncias à base de borato em causa no processo principal entre as substâncias de categoria 2. Apesar deste desacordo, o comité APT foi convidado a proferir um único parecer sobre todas as classificações propostas no quadro da trigésima directiva APT (incluindo as substâncias à base de borato em causa no processo principal) e foi neste contexto que o comité APT deu um parecer favorável à maioria qualificada (uma ausência e duas abstenções) necessária, em conformidade com o artigo 5.° da Decisão 1999/468.

64      Todavia, há que salientar que, nem o artigo 29.° da Directiva 67/548 nem o artigo 5.° da Decisão 1999/468 impõem ao comité APT a obrigação de adoptar um parecer distinto para cada classificação proposta no projecto de medidas.

65      Por outro lado, como realçou o advogado‑geral no n.° 61 das suas conclusões, essa obrigação também não decorre do regulamento interno do comité APT, designadamente do seu artigo 5.°, n.° 2, que não autoriza os membros do comité APT a exigir um voto distinto numa hipótese como a que está em causa no processo principal, muito embora tenham a possibilidade de pedir um prolongamento da discussão.

66      Se os representantes dos sete Estados‑Membros que tinham emitido reservas relativamente à classificação das substâncias à base de borato em causa no processo principal como tóxicas para a reprodução de categoria 2 tivessem mantido a sua posição, teriam podido, com o seu voto, rejeitar a totalidade do projecto. Todavia, não o fizeram e a proposta foi aprovada.

67      Por conseguinte, há que concluir que a Comissão não violou as formalidades essenciais previstas no artigo 29.° da Directiva 67/548, lido em conjugação com o artigo 5.° da Decisão 1999/468.

 Quanto aos erros manifestos de apreciação e à falta de fundamentação

68      O órgão jurisdicional de reenvio procura saber, em seguida, se, no âmbito da avaliação das propriedades intrínsecas das substâncias à base de borato em causa no processo principal, as classificações controvertidas não foram adoptadas na sequência de erros manifestos de apreciação da Comissão que incidem designadamente sobre cinco aspectos: a inobservância das condições normais de manipulação ou da utilização das substâncias; a avaliação dos riscos em vez da avaliação dos perigos; o carácter adequado da via de administração de substâncias quando da avaliação dos resultados das experiências com animais; a falta de dados epidemiológicos; e a aplicação do método de referências cruzadas ou a falta de fundamentação.

–       Quanto à avaliação dos riscos no momento da manipulação ou de uma utilização normal das substâncias

69      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a Comissão aplicou correctamente o princípio da «manipulação ou utilização normais» que consta dos pontos 1.1 e 1.4 do anexo VI da Directiva 67/548, na medida em que baseou a sua análise em dados colhidos no termo da administração por via oral das substâncias à base de borato em causa no processo principal.

70      Com efeito, a Etimine censura a Comissão por esta ter classificado as substâncias à base de borato em causa no processo principal em função dos efeitos que provocam no momento da sua ingestão pelos animais. Ora, no entender da Etimine, a manipulação ou a utilização normal de tais substâncias implicam uma possível exposição à inalação destas e talvez uma penetração cutânea, mas não risco de exposição por ingestão. Assim, sustenta que, em circunstâncias normais, as substâncias não devem ser ingeridas.

71      A este respeito, mesmo que nem a Directiva 67/548 nem o regulamento CLP ou o regulamento REACH forneçam qualquer definição de «manipulação ou utilização normais», deve ser admitido, como sustentou a Comissão, que este conceito engloba todas as manipulações e utilizações que podem ser feitas em circunstâncias normais, o que inclui, designadamente, a necessidade de ter em conta acidentes realistas e previsíveis, como quando as crianças ingerem determinadas quantidades de substâncias que não são destinadas a um consumo oral.

72      De qualquer modo, importa, em primeiro lugar, recordar que o artigo 2.°, n.° 2, alínea n), da Directiva 67/548, ao definir as substâncias e as preparações tóxicas para a reprodução, menciona também a via de administração oral (por ingestão) ao lado da inalação e da penetração cutânea como modo de administração possível das substâncias tóxicas.

73      Em segundo lugar, observe‑se que, como realçou o advogado‑geral nos n.os 79 e seguintes das suas conclusões, a crítica suscitada pela recorrente no processo principal assenta, no essencial, numa confusão entre a avaliação dos perigos e a avaliação dos riscos que uma substância apresenta.

74      Com efeito, como resulta designadamente do artigo 4.° da Directiva 67/548, lido em conjugação com os artigos 2.° a 5.° da Directiva 93/67, a classificação e a rotulagem das substâncias estabelecidas pela Directiva 67/548 assentam na transmissão de informações sobre os perigos ligados às propriedades intrínsecas das substâncias. A avaliação dos perigos constitui a primeira etapa do processo de avaliação dos riscos, o qual representa um conceito mais preciso. Esta diferenciação entre os perigos e os riscos foi, aliás, mantida no regulamento CLP e no regulamento REACH.

75      Assim, uma avaliação dos perigos ligados às propriedades intrínsecas das substâncias não deve ser limitada tendo em conta circunstâncias de utilização específicas, como no caso de uma avaliação dos riscos, e pode ser validamente realizada independentemente do lugar de utilização da substância, da via pela qual se poderá produzir contacto com esta (por ingestão, por inalação ou por penetração cutânea) e dos níveis eventuais de exposição à substância.

76      Em face destas considerações, há que considerar que a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação ao basear a sua avaliação das propriedades intrínsecas das substâncias à base de borato em causa no processo principal nos resultados das experiências sobre animais, quando essas substâncias tinham sido administradas por via oral.

–       Quanto à avaliação dos riscos em vez da avaliação dos perigos

77      A Etimine sustenta que, apesar de a Directiva 67/548 e todas as medidas relativas à sua adaptação ao progresso técnico estarem reguladas pelo princípio da avaliação dos perigos e não dos riscos, a Comissão aplicou os princípios da avaliação dos riscos prevista no Regulamento n.° 1448/94. É o que resulta do ponto 1.1.5 da exposição de motivos do projecto da trigésima directiva APT que menciona, várias vezes, o conceito de riscos e o de identificação dos riscos tal como resultam do dito regulamento.

78      Neste contexto, há que recordar que, como foi sustentado pelos Governos do Reino Unido, dinamarquês e francês, foram os representantes da indústria em causa que, nas numerosas discussões que antecederam a adopção da trigésima directiva APT, tentaram demonstrar, com argumentos baseados no risco, que seriam necessários níveis inatingíveis de exposição para que uma pessoa receba uma dose susceptível de causar efeitos nefastos na reprodução.

79      Assim, se é verdade que no ponto 1.1.5 da fundamentação a Comissão recorreu à avaliação dos riscos, isso, no entanto, foi feito com o objectivo de responder aos argumentos da indústria relativos à inobservância do princípio da manipulação ou da utilização normal de substâncias.

80      Além disso, tendo em conta o amplo poder de apreciação que o sistema de avaliação da Directiva 67/548 concede à Comissão, esse sistema não exclui um recurso à avaliação dos riscos para confirmar a razoabilidade de uma proposta de classificação estabelecida com base no estudo das propriedades intrínsecas das substâncias.

81      Por fim, tendo em conta todos os fundamentos do projecto da trigésima directiva APT, a referência feita à avaliação dos riscos unicamente no ponto 1.1.5 não pode pôr em causa o fundamento da avaliação das propriedades intrínsecas das substâncias à base de borato em causa no processo principal, o qual assenta em termos globais na avaliação dos perigos destas.

82      Por conseguinte, não resulta do ponto 1.1.5 da exposição de motivos do projecto da trigésima directiva APT, ao qual se refere a recorrente no processo principal, que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao invocar no referido ponto elementos de avaliação dos riscos previstos pelo Regulamento n.° 1488/94.

–       Quanto ao carácter adequado da via de administração das substâncias no momento da avaliação dos resultados das experiências em animais

83      O órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se a Comissão não teria aplicado erradamente o critério do «carácter adequado», violando o ponto 4.2.3.3 do anexo VI da Directiva 67/548.

84      A Etimine alega que o critério do «carácter adequado» previsto no referido ponto 4.2.3.3 não consiste em perguntar se a via de administração é uma das três vias mencionadas no artigo 2.°, n.° 2, alínea n), da referida directiva (inalação, ingestão ou penetração cutânea), mas saber se a via de administração com base na qual os dados sobre os animais foram obtidos é adequada para os seres humanos. Por esta razão, a Comissão deveria ter classificado as substâncias à base de borato em causa no processo principal como tóxicas para a reprodução de categoria 3 e não de categoria 2.

85      A este respeito, importa observar que, no ponto 1.1.4 da exposição de motivos do projecto da trigésima directiva APT, a Comissão, após ter indicado que as experiências em animais tinham sido realizadas utilizando uma administração por via oral, afirmou que esta via de administração era adequada em conformidade com o artigo 2.°, n.° 2, alínea n), da Directiva 67/548.

86      Daqui resulta necessariamente que a Comissão se tenha interrogado sobre o carácter adequado ou não da via de administração prevista no referido ponto 4.2.3.3 quando da avaliação das propriedades intrínsecas das substâncias à base de borato em causa no processo principal.

87      Além disso, relativamente à questão de saber se a via de administração oral com base na qual os resultados da experiência em animais foram colhidos tinha carácter adequado, nada permite concluir que a Comissão tivesse cometido um erro manifesto de apreciação.

–       Quanto à falta de dados epidemiológicos suficientes

88      O órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se a Comissão atribuiu importância suficiente aos dados epidemiológicos ou relativos aos seres humanos.

89      A recorrente no processo principal sustenta, com efeito, que a Comissão partiu erradamente da presunção de que os resultados obtidos nos animais podiam ser extrapolados para os seres humanos, antes de examinar os dados relativos aos seres humanos, quando deveria ter abordado esses mesmos dados sem nenhuma presunção.

90      Resulta contudo do documento ECBI/132/04 Rev. 2 que contém a acta da reunião de 5 e 6 de Outubro de 2004 do grupo de trabalho dos peritos especializados, e do ponto 1.1.4 da exposição de motivos do projecto da trigésima directiva APT, intitulado «Human Data and Toxico‑kinetic information» (Dados epidemiológicos e informações toxicocinéticas), que esses peritos e a Comissão tomaram em consideração, quando da classificação das substâncias à base de borato em causa no processo principal, os dados epidemiológicos e que se debruçaram sobre a pertinência para os seres humanos das experiências praticadas em animais.

91      Neste contexto, os ditos peritos concluíram que os estudos já desenvolvidos no âmbito da exposição de mineiros a boratos no exercício da sua profissão não eram suficientes para demonstrar que as substâncias à base de borato em causa no processo principal não têm efeitos negativos na fertilidade do homem.

92      Assim, a falta de dados epidemiológicos suficientes (relativamente aos efeitos tóxicos sobre a reprodução do homem) foi tomada em consideração no sentido de que a classificação das substâncias à base de borato em causa no processo principal como tóxicas para a reprodução de categoria 1 não foi acolhida, uma vez que, para uma classificação nesta categoria, teriam sido necessários dados epidemiológicos pertinentes. No entanto, os peritos consideraram que os dados tóxicocinéticos constatados para os animais de laboratório não apresentavam grandes diferenças relativamente aos constatados no homem, pelo que uma extrapolação para o homem dos resultados constatados nas experiências em animais era possível e que uma classificação das substâncias à base de borato em causa no processo principal como tóxicas para a reprodução de categoria 2 era recomendada.

93      Assim, a Comissão teve em conta os dados epidemiológicos existentes e não excedeu manifestamente os limites do seu poder de apreciação na avaliação das propriedades intrínsecas das substâncias à base de borato em causa no processo principal.

–       Quanto à aplicação do método das referências cruzadas no âmbito da avaliação das propriedades intrínsecas das substâncias à base de borato em causa no processo principal

94      O órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se a Comissão não excedeu o seu poder de apreciação ao aplicar o método das referências cruzadas em vez de avaliar as propriedades intrínsecas das substâncias à base de borato em causa no processo principal com o auxílio de critérios e de exigências em matéria de dados previstos no anexo VI da Directiva 67/548.

95      A Etimine censura a Comissão por esta não ter analisado as propriedades intrínsecas das substâncias à base de borato em causa no processo principal como exigido pelo artigo 4.° da Directiva 67/548 e pelo ponto 1.1 do anexo VI desta. Censura também a Comissão por esta ter aplicado o método de referências cruzadas com vista à classificação destas substâncias apesar da falta de dados relativamente a estas.

96      A este respeito, importa recordar que o método das referências cruzadas é uma das modalidades de avaliação válidas previstas no ponto 1.1.1.3 do Anexo I do regulamento CLP. Aparece também descrito no ponto 1.5 do Anexo XI do regulamento REACH como um método segundo o qual as propriedades de certas substâncias podem ser prognosticadas com base em dados existentes relativos a outras substâncias de referência de uma similaridade estrutural com as primeiras. Esta modalidade permite evitar o teste de cada substância para cada efeito e pode, por conseguinte, ser utilizada no caso de inexistência de dados relativos às substâncias sujeitas à avaliação dos riscos.

97      Embora este método esteja previsto de modo expresso no quadro do regulamento REACH e no do regulamento CLP, não está mencionado enquanto tal no anexo VI da Directiva 67/548.

98      A lista das fontes das quais se podem extrair os dados exigidos para a classificação das substâncias à base de borato em causa no processo principal que figuram no ponto 1.6.1, alínea b), do dito anexo VI é meramente exemplificativa, como resulta da expressão «tais como».

99      O referido ponto 1.6.1, alínea b), prevê, contudo, a possibilidade de tomar em conta, na avaliação das substâncias químicas, os resultados das relações estrutura/actividade validadas e os pareceres dos peritos.

100    A avaliação das substâncias baseada nas relações estrutura/actividade faz, assim, parte, à semelhança do método das referências cruzadas, das modalidades de avaliação baseadas numa abordagem por categoria e representa um processo de prognóstico da actividade de uma substância partindo da apreciação quantitativa da sua estrutura molecular análoga à de outra substância ou de outro grupo de substâncias cujos efeitos são conhecidos.

101    O anexo VI da Directiva 67/548 refere‑se expressamente à Directiva 86/609/CEE do Conselho, de 24 de Novembro de 1986, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares, e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes à protecção dos animais utilizados para fins experimentais e outros fins científicos (JO L 358, p. 1), no âmbito da qual o método das referências cruzadas e o método baseado na relação estrutura/actividade são incentivados.

102    Além disso, em 2007, o Centro Comum de Investigação da Comissão publicou um estudo extensivo relativo à utilização das referências cruzadas no âmbito da Directiva 67/548 («A Compendium of Case Studies that helped to shape the REACH Guidance on Chemical Categories and Read Across»). De entre os exemplos analisados neste estudo, figuram também as classificações das substâncias à base de borato em causa no processo principal.

103    Assim, mesmo sendo verdade que o método baseado numa relação estrutura/actividade, como sublinhou o advogado‑geral nos n.os 121 e 122 das conclusões, apresenta algumas diferenças relativamente ao método das referências cruzadas, não é menos certo que estes métodos não devem ser considerados autónomos, uma vez que se baseiam ambos no princípio da extrapolação dos dados existentes sobre certas substâncias a fim de avaliar e classificar outras substâncias que têm uma estrutura semelhante e sobre as quais há muito poucos ou nenhuns dados.

104    Além disso, o método das referências cruzadas, enquanto método de avaliação de substâncias amplamente reconhecido pela comunidade científica foi utilizado várias vezes na classificação das substâncias no âmbito do anexo I da Directiva 67/548, ainda que apenas desde a entrada em vigor da Directiva 91/632/CEE da Comissão, de 28 de Outubro de 1991, que adapta ao progresso técnico pela décima quinta vez a Directiva 67/548 (JO L 338, p. 23).

105    No que toca aos argumentos científicos subjacentes às classificações controvertidas, resulta das actas das reuniões do grupo de trabalho CE, do CTCE e do comité APT que os peritos estão de acordo quanto ao facto de que as substâncias à base de borato em causa no processo principal têm propriedades muito semelhantes. Além disso, essas actas contêm muitas vezes a utilização concomitante dos termos «ácido bórico» e «boratos».

106    Além disso, num relatório relativamente ao bórax, redigido em 1998 no âmbito do Programa Internacional sobre a Segurança de Substâncias Químicas, instituído conjuntamente pela Organização Mundial da Saúde, a Organização Internacional do Trabalho e o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, os peritos consideram que as propriedades químicas e toxicológicas do bórax penta‑hidratado, do bórax, do ácido bórico e de outros boratos deviam ser semelhantes tendo em conta a concentração molar equivalente do bórax quando dissolvidos em água ou líquidos biológicos de um pH idêntico e de pequena concentração. Afirmam também que o óxido bórico apresentará propriedades idênticas às do ácido bórico porque se trata de anidrido cuja hidrólise dará ácido bórico.

107    A classificação actual das substâncias à base de borato em causa no processo principal foi assim decidida com base em dados conhecidos relativos aos compostos de boratos pertencentes ao mesmo grupo.

108    Além disso, o regulamento REACH reconhece, no seu artigo 13.°, a importância do recurso a métodos alternativos, como o método de referências cruzadas, a fim de avaliar a toxicidade das substâncias químicas para a espécie humana por outros meios diversos das experiências em animais vertebrados.

109    Por último, importa sublinhar que a aplicação do método das referências cruzadas e a apreciação feita sobre as propriedades físico‑químicas das substâncias à base de borato em causa no processo principal foram resultado de um consenso a que chegaram numerosos peritos que faziam parte de vários comités científicos, na presença dos representantes da indústria em causa, no termo de um processo que durou vários anos.

110    Resulta do que precede que, ao basear‑se no parecer dos peritos que recorreram, designadamente ao método das referências cruzadas a fim de avaliar propriedades intrínsecas de substâncias à base de borato em causa no processo principal, a Comissão não ultrapassou manifestamente o poder de apreciação de que dispõe na matéria.

–       Quanto à falta de fundamentação da trigésima directiva APT

111    Em sexto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se a trigésima directiva APT não está ferida de falta de fundamentação, em violação do artigo 253.° CE.

112    A Etimine considera, por sua vez, que a Comissão não expôs as razões que justificam a utilização do método de transposição para extrapolar os dados relativos ao ácido bórico a fim de classificar as outras substâncias à base de borato em causa num processo principal.

113    Neste contexto, se é certo que o Tribunal de Justiça decidiu, por um lado, que a fundamentação de um acto da União deve figurar nesse acto e, por outro, que deve ser adoptada pelo próprio autor do acto (v. acórdão de 21 de Janeiro de 2003, Comissão/Parlamento e Conselho, C‑378/00, Colect., p. I‑937, n.° 66 e jurisprudência referida), não deixa de ser verdade que o grau de fundamentação exigido é variável.

114    Assim, o Tribunal de Justiça já decidiu que a exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas directa e individualmente afectadas pelo acto podem ter em obter explicações (acórdão de 22 de Dezembro de 2008, Régie Networks, C‑333/07, Colect., p. I‑10807, n.° 63 e jurisprudência referida).

115    Resulta igualmente de jurisprudência assente que o alcance do dever de fundamentação depende da natureza do acto em causa e que, nos actos de alcance geral, a fundamentação se pode limitar a indicar, por um lado, a situação de conjunto que levou a sua adopção e, por outro, os objectivos gerais que esse acto se propõe alcançar. Neste contexto, o Tribunal de Justiça precisou reiteradamente que é excessivo exigir a fundamentação específica das diferentes opções técnicas efectuadas se o acto impugnado evidenciar no essencial, o objectivo prosseguido pela instituição (v., neste sentido, acórdão de 17 de Março de 2011, AJD Tuna, C‑221/09, Colect., p. I‑0000, n.° 59 e jurisprudência referida).

116    Além disso, como salientou o advogado‑geral no n.° 135 das suas conclusões, a participação dos interessados no processo de elaboração de um acto pode reduzir as exigências de fundamentação uma vez que ela contribui para a sua informação.

117    Afigura‑se que o acto contestado cumpre estas regras.

118    Assim, a trigésima directiva APT é um acto de alcance geral cujos considerandos prevêem que as medidas previstas nesta directiva são conformes com o parecer do comité APT e anunciam que a lista das substâncias a que se refere deve ser actualizada para incluir as substâncias novamente notificadas e outras substâncias existentes, bem como para adaptar as entradas existentes ao progresso técnico.

119    Em seguida, é pacífico que a trigésima directiva APT se inscreve no quadro técnico e jurídico complexo, de natureza essencialmente evolutiva, que torna difícil uma fundamentação detalhada e individual das classificações efectuadas, de modo que a fundamentação contida nesta directiva é suficiente atendendo à natureza deste acto.

120    Por fim, não oferece contestação que os representantes da indústria em causa foram associados ao processo de elaboração da respectiva directiva. Por outro lado, o raciocínio científico e os dados que tinham justificado as classificações controvertidas figuravam em vários documentos e actas de reuniões de peritos que tinham sido comunicados ao público antes da adopção da trigésima directiva APT.

121    Por conseguinte, cumpre concluir, neste contexto, que a trigésima directiva APT não está ferida de falta de fundamentação contrária ao artigo 253.° CE.

 Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

122    O órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se, na adopção das classificações controvertidas, a Comissão respeitou o princípio da proporcionalidade.

123    A Etimine alega que, aguardando receber dados epidemiológicos suplementares, a Comissão deveria abster‑se de propor uma classificação, ou propor uma classificação de categoria 3.

124    A título preliminar, deve recordar‑se que, segundo jurisprudência constante, o princípio da proporcionalidade, que constitui um dos princípios gerais do direito comunitário, exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objectivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos prosseguidos (v. acórdão de 8 de Julho de 2010, Afton Chemical, C‑343/09, Colect., p. I‑0000, n.° 45 e jurisprudência referida).

125    No que diz respeito à fiscalização jurisdicional das condições mencionadas no número anterior, na medida em que a adopção pela Comissão de uma directiva ou de um regulamento implica por sua parte opções de natureza política, económica e social nas quais é chamada a fazer apreciações complexas, impõe‑se reconhecer que esta dispõe na matéria de um amplo poder de apreciação, embora a fiscalização jurisdicional da legalidade destes actos apenas possa ser restrito. Só o facto de uma medida adoptada neste domínio ser manifestamente inadequada ao objectivo que a Comissão pretende prosseguir pode afectar a legalidade de tal medida (v., neste sentido, acórdão Afton Chemical, já referido, n.° 46 e jurisprudência referida).

126    A este respeito, importa constatar desde já que, como o Tribunal de Justiça afirmou no n.° 46 do acórdão Enviro Tech (Europe), já referido, as medidas de classificação adoptadas no âmbito da Directiva 67/548 são tomadas num quadro técnico e jurídico complexo e apresentam carácter essencialmente evolutivo. Neste contexto, as classificações adoptadas pelas adaptações ao progresso técnico, como a trigésima directiva APT e o primeiro regulamento APT, baseiam‑se no estado dos conhecimentos científicos e técnicos num momento determinado, susceptível de ser posto em causa por elementos ulteriores.

127    Com efeito, no caso concreto, nesse quadro de carácter complexo e evolutivo, a Comissão tomou a decisão de adoptar as classificações controvertidas no termo de um processo que cobre o período 1999‑2008 e após numerosas discussões nos vários comités de peritos, em que participaram os representantes da indústria em causa.

128    Por conseguinte, um argumento com que se pretenda demonstrar que o princípio da proporcionalidade exige que tais medidas sejam diferidas unicamente porque estão em curso estudos susceptíveis de pôr em causa as classificações adoptadas não pode ser acolhido.

129    Além disso, o respeito do princípio da precaução aplicado no âmbito sensível da protecção da saúde humana e do ambiente, tal como resulta de uma leitura conjugada dos artigos 95.°, n.° 3, CE, e 174.°, n.os 1 e 2, CE, retira igualmente qualquer pertinência a tal argumento.

130    Tendo em conta esses elementos, não está demonstrado que o princípio da proporcionalidade foi violado quando da classificação das substâncias à base de borato em causa no processo principal como tóxicas para a reprodução de categoria 2.

131    Em face de todas as considerações anteriores, cumpre concluir que o exame da primeira questão não revelou nenhum elemento susceptível de afectar a validade da trigésima directiva APT e, por conseguinte, a do primeiro regulamento APT, na parte em que classificaram como tóxicas para a reprodução de categoria 2 as substâncias à base de borato em causa no processo principal.

 Quanto à segunda questão

132    Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a validade do primeiro regulamento APT que integra no Anexo VI, parte 3, quadros 3.1 e 3.2 de regulamento CLP as alterações que tinham sido introduzidas no Anexo I da Directiva 67/548 pela trigésima directiva APT.

133    O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, mais precisamente, por um lado, se a escolha da base jurídica do primeiro regulamento APT é válida e, por outro, se as classificações que figuram no quadro 3.1 do Anexo VI, parte 3, do regulamento CLP são legais.

 Quanto à escolha da base jurídica do primeiro regulamento APT

134    O órgão jurisdicional de reenvio procura saber se a validade do primeiro regulamento APT é afectada pelo facto de a Comissão, para a adopção desta regulamentação, ter recorrido como base jurídica ao artigo 53.° do regulamento CLP e não ao artigo 37.° deste mesmo regulamento.

135    A este respeito, a recorrente no processo principal censura a Comissão por esta ter utilizado o processo de adaptação ao progresso técnico previsto no artigo 53.° do regulamento CLP, escolhendo um método quase automático de adaptação ao progresso técnico do dito regulamento sem passar pelo processo de avaliação complexo e detalhado das propriedades intrínsecas das substâncias à base de borato em causa no processo principal previsto no artigo 37.° deste regulamento.

136    No que diz respeito a esta primeira crítica, há que referir que o artigo 37.° do regulamento CLP faz parte do título V, capítulo I, deste regulamento, que tem por epígrafe «Estabelecimento de uma classificação e de uma rotulagem harmonizada das substâncias».

137    A utilização da expressão «estabelecimento» neste contexto indica que o processo previsto no artigo 37.° só deve ser utilizado na adopção de novas classificações. Pelo contrário, segundo o procedimento do artigo 53.° do regulamento CLP, a «Comissão pode ajustar e adaptar ao progresso técnico e científico […] os Anexos I a VII [do dito regulamento]».

138    Ora, no caso concreto, o primeiro regulamento APT limita‑se a integrar no regulamento CLP as classificações controvertidas já aprovadas com base no fundamento dos critérios e princípios estabelecidos no quadro da Directiva 67/548.

139    Daqui resulta que o artigo 53.° do regulamento CLP podia legitimamente constituir a base jurídica da adopção do primeiro regulamento APT.

 Quanto à legalidade das classificações que figuram no quadro 3.1 do Anexo VI, parte 3, do regulamento CLP

140    O órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se, na adopção das classificações controvertidas no quadro 3.1 do Anexo VI, parte 3, do regulamento CLP, a Comissão cometeu um erro ao utilizar o quadro de conversão previsto no Anexo VII deste regulamento, em vez de considerar os critérios do Anexo I do dito regulamento.

141    Assim, segundo a recorrente no processo principal, a Comissão deveria ter retomado o processo de avaliação das propriedades intrínsecas das substâncias à base de borato em causa no processo principal aplicando os critérios previstos no Anexo I do regulamento CLP.

142    Como foi referido no n.° 138 do presente acórdão, uma repetição deste processo de avaliação não era necessária tendo em conta o facto de que o primeiro regulamento APT se limita a integrar no regulamento CLP as mesmas classificações que tinham beneficiado do processo complexo de avaliação aplicável no quadro da Directiva 67/548.

143    Relativamente ao quadro de conversão do Anexo VII do regulamento CLP, há que recordar que, nos termos do artigo 61.°, n.° 3, deste regulamento, todas as substâncias devem ser classificadas simultaneamente no antigo e no novo sistema até 1 de Junho de 2015. Daqui resulta que todas as classificações estabelecidas segundo a Directiva 67/548 devem ser convertidas, com a ajuda do quadro de conversão que figura no referido Anexo VII, nas classificações correspondentes ao abrigo do regulamento CLP.

144    Por conseguinte, foi correctamente que a Comissão decidiu integrar as classificações controvertidas no quadro 3.1 do Anexo VI, parte 3, do regulamento CLP com a ajuda do quadro de conversão que consta do Anexo VII deste regulamento.

145    Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, cumpre constatar que o exame da segunda questão não revelou nenhum elemento susceptível de afectar a validade do primeiro regulamento APT na parte em que este regulamento classificou como tóxicas para reprodução de categoria 2 as substâncias à base de borato em causa no processo principal.

 Quanto às despesas

146    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

O exame das questões prejudiciais não revelou nenhum argumento susceptível de afectar, por um lado, a validade da Directiva 2008/58/CE da Comissão, de 21 de Agosto de 2008, que altera, tendo em vista a trigésima adaptação ao progresso técnico, a Directiva 67/548/CEE do Conselho relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes à classificação, embalagem e rotulagem das substâncias perigosas, bem como por outro, do Regulamento (CE) n.° 790/2009 da Comissão, de 10 de Agosto de 2009, que altera, para efeitos da sua adaptação ao progresso técnico e científico, o Regulamento (CE) n.° 1272/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à classificação, rotulagem e embalagem das substâncias e misturas, na parte em que essa directiva e este regulamento classificaram como tóxicas para a reprodução de categoria 2 certas substâncias à base de borato.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.