Language of document : ECLI:EU:T:2006:116

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

2 de Maio de 2006 (*)

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Acordo notificado – Telecomunicações móveis de terceira geração – Certificado negativo – Isenção individual – Análise da situação se não existisse acordo – Impacto do acordo na concorrência»

No processo T‑328/03,

O2 (Germany) GmbH & Co. OHG, com sede em Munique (Alemanha), representada por N. Green, QC, K. Bacon, barrister, B. Amory e F. Marchini Camia, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por R. Wainwright, S. Rating e P. Oliver e, em seguida, por E. Gippini Fournier, P. Hellström e K. Mojzesowicz, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação do artigo 2.° e do artigo 3.°, alínea a), da Decisão 2004/207/CE da Comissão, de 16 de Julho de 2003, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/38.369 – T‑Mobile Deutschland/O2 Germany: acordo‑quadro relativo a partilha de infra‑estruturas) (JO 2004, L 75, p. 32),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: H. Legal, presidente, P. Mengozzi e I. Wiszniewska‑Białecka, juízes,

secretário: K. Pocheć, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Dezembro de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A O2 (Germany) GmbH & Co. OHG (a seguir «O2»), uma filial a 100% da mmO2 plc, antiga BT Cellnet Ltd, anteriormente controlada pela British Telecommunications plc, explora redes e serviços de telecomunicações móveis digitais na Alemanha, mercado em que entrou como o último de quatro operadores, com base numa licença GSM (Global System for Mobile Communications, sistema global de telecomunicações móveis) 1800 concedida em 1997. Além disso, a O2 obteve uma licença UMTS (Universal Mobile Telecommunications System, sistema universal de telecomunicações móveis) em Agosto de 2000.

2        A T‑Mobile Deutschland GmbH (a seguir «T‑Mobile»), detida a 100% pela T‑Mobile International AG, por sua vez filial a 100% do operador histórico Deutsche Telekom AG, é um operador alemão de redes e de serviços de telecomunicações móveis digitais. A T‑Mobile, que utiliza a família de normas GSM, fornece na Alemanha serviços GSM com base numa licença GSM 900 e obteve, em Agosto de 2000, uma licença UMTS.

3        A legislação nacional alemã e as licenças concedidas à O2 e à T‑Mobile prevêem, designadamente, requisitos de configuração da rede em termos de cobertura efectiva da população em função de um calendário preciso. Essa cobertura devia atingir 50% da população até ao fim de 2005.

4        Em 6 de Fevereiro de 2002, a O2 e a T‑Mobile notificaram à Comissão um acordo‑quadro, de 20 de Setembro de 2001, relativo à partilha das infra‑estruturas e à itinerância nacional no que diz respeito às telecomunicações móveis GSM da terceira geração (a seguir «3G») no mercado alemão, o qual foi alterado por acordos suplementares de 20 de Setembro de 2002, de 22 de Janeiro e de 21 de Maio de 2003. A T‑Mobile e a O2 solicitaram um certificado negativo ao abrigo do n.° 1 do artigo 81.° CE e do n.° 1 do artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) ou, em alternativa, uma isenção nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 81.° CE e no n.° 3 do artigo 53.° do acordo EEE.

5        A autoridade alemã reguladora dos correios e das telecomunicações considerou, em 7 de Dezembro de 2001, que o acordo estava em conformidade com a legislação nacional.

6        Em 16 de Julho de 2003, a Comissão adoptou a Decisão 2004/207/CE, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/38.369 – T‑Mobile Deutschland/O2 Germany: acordo‑quadro relativo a partilha de infra‑estruturas) (JO 2004, L 75, p. 32, a seguir «decisão»). Na mesma, esta instituição considera, em conclusão, que não tem motivos para agir em conformidade com o n.° 1 do artigo 81.° CE e o n.° 1 do artigo 53.° do acordo EEE relativamente às disposições do acordo que se referem à partilha de sítios (artigo 1.°). Por outro lado, nos termos do n.° 3 do artigo 81.° CE e do n.° 3 do artigo 53.° do acordo EEE, declara o n.° 1 do artigo 81.° CE e o n.° 1 do artigo 53.° do acordo EEE inaplicáveis às disposições do acordo relativas à itinerância, por períodos que determina (artigos 2.° e 3.°).

7        A decisão, depois de apresentar o contexto jurídico e factual do desenvolvimento recente das comunicações móveis na União Europeia, marcado por gerações tecnológicas sucessivas, indica que o acordo tem, designadamente, por objectivo a extensão da cobertura geográfica e a utilização mais rápida da rede e dos serviços 3G, e que fornece a base de cooperação entre as partes para a partilha de sítios, para a partilha da rede de acesso via rádio (RAN) e a itinerância nacional (considerando 24). A decisão acrescenta que o acordo indica que permanecerá em vigor até 31 de Dezembro de 2011 e será, em princípio, renovado por um período de dois anos (considerando 43).

8        A decisão expõe que a partilha de uma rede 3G contém vários graus, a saber, por grau crescente, a partilha de sítios, de estações de base (nós B) e antenas, de controladores de redes via rádio («RNC»: Radio Network Controllers), de redes de base, e das frequências (considerandos 12 e 15).

9        A decisão precisa que a RAN inclui postos emissores/receptores, caixas de equipamento de apoio («SSC») e fornecimento de electricidade, bem como antenas, combinadores e ligações de transmissão, nós B e os controladores de redes via rádio (considerando 13).

10      A decisão indica que a itinerância nacional permite aos operadores em causa, sem partilhar qualquer elemento da rede, utilizar a rede dos outros operadores para prestarem serviços aos seus próprios clientes (considerando 16).

11      A decisão precisa que a itinerância nacional prevista no acordo inclui, por um lado, a itinerância da O2 na rede da T‑Mobile no âmbito da área de cobertura de 50% da população e, por outro, a itinerância recíproca fora dessa área (pontos 4.3.1 e 4.3.2).

12      No que diz respeito ao mercado de produtos pertinente, a Comissão considera que, no sector das telecomunicações aqui em causa, os mercados do acesso à rede e dos serviços de rede a que o acordo diz respeito são, por um lado, o mercado de sítios e de infra‑estruturas de sítios para equipamento de radiocomunicações móveis digitais e, por outro, o mercado de acesso grossista à itinerância nacional para serviços de comunicações de 3G. Acrescenta que dois outros mercados são afectados indirectamente, a saber, os mercados de acesso grossista aos serviços de 3G, bem como os mercados a retalho a jusante para os serviços de 3G (considerando 46).

13      A Comissão considera que os mercados geográficos em causa são de dimensão nacional e estendem‑se a todo o território alemão (considerandos 60, 64 e 72).

14      No que diz respeito à estrutura do mercado, a Comissão aprecia, designadamente, o acesso grossista à itinerância nacional para os serviços de comunicação 3G e os serviços a retalho de 3G.

15      A Comissão considera que a T‑Mobile tem uma quota de 100% do mercado de acesso grossista à itinerância nacional das telecomunicações móveis da segunda geração (a seguir «2G») na Alemanha e que, no que respeita à itinerância nacional de 3G, os principais concorrentes efectivos ou potenciais nos mercados grossistas de acesso e de serviços são os outros dois licenciados que planeiam desenvolver as redes e os serviços de 3G na Alemanha, a saber, a D2 Vodafone e a E‑Plus.

16      No que se refere aos mercados dos serviços a retalho de 3G, a Comissão considera que os principais concorrentes são a D2 Vodafone e a E‑Plus, e, potencialmente, fornecedores de serviços como a Mobilcom e a Debitel, baseando‑se em dados disponíveis relativos à situação dos serviços a retalho 2G, relativamente aos quais as quotas de mercado foram calculadas em 2002 em 41,7% da T‑Mobile, 38,3% da D2 Vodafone, 12,2% da E‑Plus e 7,8% da O2 (considerandos 74 a 77).

17      Segundo a decisão, o acordo notificado é um acordo de cooperação horizontal entre dois concorrentes que envolve também determinados aspectos verticais. Não tem por objectivo restringir a concorrência, mas pode ter esse efeito na medida em que as partes do acordo são concorrentes nos mercados em causa (considerando 92).

18      A Comissão considera que a partilha de sítios e as trocas de informações que dele resultam não geram restrições da concorrência (considerandos 95 a 103 e artigo 1.°). Não estando a partilha de RAN prevista no momento da adopção da decisão, não foi apreciada (considerando 104).

19      Em compensação, a Comissão considera que a itinerância nacional entre os operadores com licenças para implantarem e operarem as suas próprias redes móveis digitais restringe, por definição, a concorrência entre estes operadores relativamente aos seus parâmetros essenciais (considerando 107).

20      A Comissão considera, antes de mais, que a itinerância nacional tem efeitos nos mercados por grosso. Expõe que há restrições da concorrência no que se refere, por um lado, ao âmbito e ao ritmo da cobertura, visto que, segundo a Comissão, o operador de itinerância não transfere suficientemente a sua própria rede, e, por outro, à qualidade e ao débito de transmissão das redes, porque o operador de itinerância ficará dependente das escolhas técnicas e comerciais efectuadas pelo operador da rede visitada. Além disso, as taxas por grosso cobradas pelo operador de itinerância aos compradores dos seus serviços estarão dependentes das taxas por grosso pagas ao operador visitado. Os efeitos restritivos serão mais graves nas áreas onde a implantação de redes concorrentes paralelas se justifique claramente a nível económico, designadamente em áreas urbanas principais. A Comissão considera que o efeito restritivo da concorrência é sensível, pois estão em causa mercados novos onde os obstáculos para neles se entrarem são importantes devido aos requisitos de licenciamento e de investimento necessários (considerandos 107 a 110).

21      De seguida, a Comissão entende que a itinerância tem efeitos restritivos nos mercados retalhistas, pois conduz, a esse nível, a uma maior uniformidade das condições de fornecimento dos serviços em causa. Além disso, o sistema de preços convencionado entre as partes é susceptível de dar origem a um risco de coordenação sobre os níveis de preço a retalho (considerandos 111 e 112).

22      A Comissão considera igualmente que as modalidades da revenda de direitos de acesso à itinerância aos «MVNO» (Mobile Virtual Network Operators, operadores da rede móvel virtual), para a qual o acordo exige a aprovação prévia da outra parte, ao limitar o tipo de clientes, limita a produção e constitui uma restrição da concorrência (considerandos 115 e 116).

23      Em compensação, a Comissão entende que, no que se refere às outras disposições do acordo relativo à itinerância, os requisitos mínimos de aquisição pela O2 à T‑Mobile não constituem nova restrição da concorrência (considerandos 113 e 114) e que a limitação da revenda dos direitos de acesso à itinerância a outros operadores de rede licenciados, bem como o intercâmbio de informações relativas à itinerância, não constituem restrições da concorrência (considerandos 117, 118 e 119).

24      Além disso, a Comissão considera que o acordo tem efeitos no comércio entre os Estados do EEE (considerando 120).

25      Seguidamente, a Comissão aprecia o acordo à luz das condições estabelecidas no n.° 3 do artigo 81.° CE e no n.° 3 do artigo 53.° do acordo EEE para a concessão de uma isenção.

26      Em primeiro lugar, a Comissão considera que o acordo contribui para a melhoria da produção e da distribuição dos serviços em causa, e para a promoção do progresso técnico e económico.

27      No que diz respeito à itinerância dentro da área de cobertura de 50% da população, a decisão indica que a O2 poderá, desde o início, oferecer uma melhor cobertura, qualidade e débitos de transmissão para os seus serviços do que lhe seria possível numa base autónoma durante a sua fase de implantação em concorrência com outros fornecedores de serviços a retalho e por grosso de 3G (considerandos 123 e 124).

28      No que diz respeito à itinerância fora da área de cobertura de 50% da população, a decisão indica que a O2 poderá tornar‑se um concorrente activo que oferece cobertura nacional nos mercados retalhistas de 3G quando, sem o acordo, provavelmente não poderia satisfazer a obrigação de cobertura imposta pela sua licença na área em causa (considerando 126). A revenda de direitos de acesso à itinerância aos MVNO promoveria a concorrência nos mercados de itinerância nacional de 3G, para «airtime» por grosso e ao nível retalhista (considerando 127). Além disso, acordo permite às partes, em especial à T‑Mobile, uma utilização mais intensiva e, consequentemente, mais eficaz da sua rede, em especial em áreas menos densamente povoadas (considerando 128).

29      Em segundo lugar, a Comissão entende que o efeito positivo da itinerância nacional de 3G na posição concorrencial da O2 contribuirá para aumentar a concorrência na rede móvel digital e nos mercados de serviços de comunicações móveis digitais, que os concorrentes terão incentivos para introduzirem novos serviços no mercado e ficarão sujeitos a uma maior pressão para reduzir os preços. Indica ainda que os benefícios económicos resultantes da maior concorrência ao nível retalhista são susceptíveis de se repercutirem nos utilizadores finais (considerandos 129 e 130).

30      Em terceiro lugar, a Comissão considera que as cláusulas do acordo são indispensáveis e equilibradas para assegurar os benefícios constatados, tendo em conta a posição mais fraca da O2 no mercado (considerandos 131 a 133). Entende que a restrição à venda de direitos de acesso à itinerância aos MVNO que fornecem serviços vocais é, por um lado, necessária para que o acordo possa ser benéfico e, por outro lado, equilibrada, pois está limitada aos serviços vocais (considerandos 134 a 136).

31      Em quarto lugar, a Comissão entende que a concorrência entre os quatro operadores licenciados de redes e serviços de 3G, que pretendem implantar redes de 3G na Alemanha, e entre fornecedores de serviços e os MVNO (com excepção dos serviços vocais) é reforçada pelo acordo. Este permite também a concorrência eficaz entre as partes do acordo porque o operador da rede local controlará a sua própria rede de base e pode assim oferecer serviços diferenciados (considerandos 137 e 138). Indica ainda que a responsabilidade pela tarifação e pela facturação continua a ser do operador local e que as partes recorrem a princípios de facturação diferentes (considerando 140). A Comissão considera, a título definitivo, que a eliminação parcial da concorrência dos MVNO é substancialmente compensada pelos efeitos pró‑concorrenciais globais do acordo (considerando 142).

32      Em conclusão, a Comissão, depois de indicar que os efeitos prováveis das restrições não podem ser apreciados por um período que exceda cinco anos (considerando 144), decide:

–        não agir em conformidade com o n.° 1 do artigo 81.° CE e o n.° 1 do artigo 53.° do acordo EEE no que diz respeito às disposições do acordo relativas à partilha de sítios, à troca de informações necessárias para a partilha de sítios e às restrições do acordo relativamente à revenda [de direitos de acesso à] itinerância nacional a outros operadores de rede licenciados (artigo 1.°);

–        conceder uma isenção, nos termos do n.° 3 do artigo 81.° CE e do n.° 3 do artigo 53.° do acordo EEE, às disposições do acordo relativas ao fornecimento de itinerância nacional de 3G pela T‑Mobile à O2 Germany, dentro da área sujeita à obrigação de cobertura de 50% da população, até 31 de Dezembro de 2005, durante os períodos seguintes:

–        de 6 de Fevereiro de 2002 e até 31 de Dezembro de 2005, relativamente às cidades situadas numa área que inclui principalmente regiões urbanas (área 1), excepto nas áreas subterrâneas;

–        a partir de 6 de Fevereiro de 2002 e até 31 de Dezembro de 2007, relativamente às regiões situadas numa área que inclui pequenas regiões urbanas de interesse comercial secundário (área 2), excepto nas áreas subterrâneas;

–        a partir de 6 de Fevereiro de 2002 e até 31 de Dezembro de 2008, relativamente às regiões situadas numa área que inclui pequenas regiões urbanas de pequeno interesse comercial (área 3) e em áreas subterrâneas das cidades e regiões incluídas nas áreas 1, 2 e 3 (artigo 2.°).

33      A Comissão também concede uma isenção, a partir de 6 de Fevereiro de 2002 e até 31 de Dezembro de 2008, ao fornecimento de itinerância nacional de 3G entre a T‑Mobile e a O2 fora da área abrangida pela obrigação de cobertura de 50% da população, até 31 de Dezembro de 2005, tal como definido no acordo [artigo 3.°, alínea a), da decisão], e às restrições de venda de direitos de acesso à itinerância nacional de 3G aos MVNO previstas no acordo [artigo 3.°, alínea b), da decisão].

 Tramitação processual e pedidos das partes

34      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Setembro de 2003, a O2 interpôs o presente recurso.

35      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância deu início à fase oral do processo procedendo previamente à realização de uma medida de organização do processo.

36      Por medida de organização do processo notificada em 26 de Outubro de 2005, o Tribunal solicitou, por uma lado, à Comissão que esclarecesse os fundamentos, baseados nos diplomas, na jurisprudência, na análise económica e na sua doutrina, da apreciação formulada no considerando 107 da decisão segundo a qual «[a] itinerância nacional […] restringe, por definição, a concorrência» e, por outro, à O2 que esclarecesse as consequências de uma utilização mais rápida da sua rede sobre as obrigações de compra de direitos de acesso à itinerância previstas no acordo e que fornecesse indicações sobre as especificidades do seu sistema de preços.

37      A recorrente e a Comissão responderam a esses pedidos por cartas registadas em 24 de Novembro de 2005.

38      As partes apresentaram as suas alegações e responderam às perguntas do Tribunal de Primeira Instância na audiência de 7 de Dezembro de 2005.

39      A O2 conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o artigo 2.° e o artigo 3.°, alínea a), da Decisão 2004/207/CE da Comissão, de 16 de Julho de 2003, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/38.369 – T‑Mobile Deutschland/O2 Germany: acordo‑quadro relativo a partilha de infra‑estruturas);

–        condenar a Comissão nas despesas.

40      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade e ao alcance do pedido de anulação

 Argumentos das partes

41      A Comissão afirma que a decisão distingue os aspectos horizontais do acordo dos seus aspectos verticais e que a recorrente não tem em conta essa distinção e faz uma interpretação inexacta da jurisprudência e da sua relação contratual com a T‑Mobile. A esse respeito, interroga‑se sobre o interesse da O2 em agir, dado que a recorrente pede a anulação do artigo 2.° e do artigo 3.°, alínea a), da decisão, que dizem respeito aos aspectos horizontais do acordo, e não a anulação do artigo 3.°, alínea b), que respeita aos seus aspectos verticais. Segundo a Comissão, desta forma, a recorrente admite que esta parte do acordo integrava o âmbito da proibição prevista no artigo 81.°, n.° 1, CE e necessitava de uma isenção.

42      Além disso, na audiência, a Comissão formulou dúvidas sobre o interesse da recorrente em agir devido ao facto de a decisão, que concede uma isenção à O2, que se impõe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais, oferecer à O2 uma segurança jurídica que desapareceria em caso de anulação, pois a Comissão não poderia adoptar nova decisão, visto que o Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° e 82.° do Tratado (JO 2003, L 1, p. 1), pôs fim ao sistema de notificação prévia dos acordos para a obtenção de uma isenção.

43      A O2 alega que a Comissão não formula uma objecção estruturada, em especial do ponto de vista da admissibilidade do seu recurso, e que as partes impugnadas da decisão produzem efeitos jurídicos vinculativos e podem, por conseguinte, ser objecto de recurso de anulação.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

44      Resulta da decisão que a O2 e a T‑Mobile notificaram à Comissão, em 6 de Fevereiro de 2002, um acordo com duas partes principais, a saber, a partilha de sítios e a itinerância nacional, previsto para durar até 2011, com renovação automática por dois anos, para obter um certificado negativo ou, na falta deste, uma isenção e que a Comissão concedeu um certificado negativo relativamente à primeira parte, e, no que se refere à segunda, uma isenção até 2008. Por outro lado, resulta da notificação que as partes do acordo consideravam que este não tinha por objecto nem por efeito restringir a concorrência e que só solicitavam uma isenção a título subsidiário. Além disso, a O2 alegou na audiência que as limitações no tempo que ela própria e a T‑Mobile consentiram em inserir no acordo a pedido da Comissão, e sem as quais não teriam obtido a isenção, lhes colocavam problemas práticos relacionados com o respeito dos prazos assim fixados.

45      Há que observar, por um lado, que a decisão, de que a O2 é destinatária, defere apenas parcialmente as suas pretensões tendo em conta os termos da notificação e, por outro, que a recorrente pede a anulação parcial da mesma na medida em que a Comissão não considerou as disposições do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE inaplicáveis ao acordo notificado, pelo facto de o acordo não ser restritivo da concorrência, e não concedeu o certificado negativo pedido a título principal. Há igualmente que observar que a decisão, que fixa um calendário obrigatório relativamente à isenção atribuída, é susceptível de afectar os interesses da recorrente devido aos efeitos jurídicos obrigatórios que produz.

46      Por conseguinte, o presente recurso, que, na realidade, só visa a anulação das disposições impugnadas na medida em que estas implicam que as cláusulas em questão fazem parte do âmbito de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE, é admissível (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 2001, M6 e o./Comissão, T‑112/99, Colect., p. II‑2459, n.os 36 a 40 e 44).

47      Esta conclusão não é infirmada pelo argumento da Comissão segundo o qual uma eventual anulação das disposições impugnadas da decisão pelo Tribunal de Primeira Instância colocaria a O2 numa situação de insegurança jurídica na medida em que não se poderia adoptar uma nova decisão sobre a notificação, uma vez que esse procedimento, previsto pelo Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), já não existe sob a égide do Regulamento n.° 1/2003, aplicável de ora em diante.

48      Com efeito, a Comissão, perante essa anulação, com o efeito retroactivo que lhe estaria associado, deveria readoptar uma decisão sobre as estipulações do acordo notificado atingidas por essa anulação e pronunciar‑se, em particular, sobre o pedido de certificado negativo, situando‑se na data da notificação e realizando, por conseguinte, a sua apreciação no âmbito do Regulamento n.° 17/62 (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1998, Espanha/Comissão, C‑415/96, Colect., p. I‑6993, n.° 31). A circunstância de o Regulamento n.° 1/2003, que passou a reger a execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° CE e 82.° CE, ter suprimido o procedimento de notificação que existia anteriormente não teria assim consequências para a execução de um acórdão que julgue procedente o pedido de anulação da recorrente.

49      Além disso, uma eventual anulação parcial da decisão que se baseasse, como a recorrente pede, na declaração da ilegalidade cometida pela Comissão na data em que adoptou a decisão, ao recusar conceder um certificado negativo a todas as cláusulas notificadas, não prejudicaria a segurança jurídica da recorrente, antes a reforçando na medida em que resultaria dos fundamentos desse acórdão de anulação que as cláusulas controvertidas do acordo, relativas à itinerância nacional, não caem no âmbito da proibição estabelecida no artigo 81.°, n.° 1, CE e no artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE.

 Quanto ao mérito

 Considerações preliminares

50      A recorrente alega na petição que a Comissão cometeu um erro de direito ao concluir que o acordo restringe a concorrência, pois, por um lado, não existe restrição da concorrência e, por outro, a alegada restrição não resultaria de um acordo. Acrescenta que «as conclusões da Comissão quanto a esses aspectos não são suficientemente fundamentadas em contradição com o dever de fundamentação estabelecido no artigo 253.° CE».

51      Esta última crítica deve, não obstante o seu enunciado literal, ser entendida no sentido de que contesta o carácter insuficientemente aprofundado da apreciação no fim da qual a Comissão concluiu que o acordo era restritivo da concorrência podendo, contudo, ser objecto de uma isenção, questão esta que diz respeito ao mérito da decisão e não à questão, que tem que ver com a legalidade externa, da fundamentação do acto impugnado. Com efeito, tanto os articulados como as alegações limitaram‑se exclusivamente às questões de mérito suscitadas pelo litígio e, além disso, a O2 não acompanhou a sua invocação do artigo 253.° CE de nenhuma precisão que permita identificar os pontos da decisão que estariam viciados por falta de fundamentação.

52      Por conseguinte, esta crítica deve ser associada aos dois fundamentos de mérito invocados pela O2 em apoio do seu recurso, relativos aos erros de direito que a Comissão terá cometido no que se refere à itinerância nacional organizada pelo acordo. A recorrente sustenta, em primeiro lugar, que a Comissão conclui erradamente que o acordo implica restrições da concorrência na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE. A Comissão, que tinha admitido que o acordo não tinha um objecto anticoncorrencial, fez uma análise parcial da situação da concorrência ao não a ter apreciado na falta de acordo, ignorando assim a jurisprudência assente. Em segundo lugar, a alegada restrição não resultaria de um acordo, na acepção destas disposições, mas das acções unilaterais da recorrente.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à inexistência de restrição da concorrência e à insuficiência da análise da situação concorrencial

 Argumentos das partes

53      A O2 sustenta que, embora se admita que o acordo não tinha um objecto anticoncorrencial, a Comissão não procedeu à análise dos efeitos reais do acordo na concorrência e, em especial, não apreciou quais teriam sido as condições da concorrência se este não existisse. Ora, segundo a jurisprudência, essa apreciação global impõe‑se de forma geral para todos os acordos, horizontais ou verticais, tal como a Comissão enuncia, de resto, nas suas Orientações sobre a aplicação do artigo 81.° do Tratado CE aos acordos de cooperação horizontal (JO 2001, C 3, p. 2). As conclusões da Comissão também não se apoiam numa análise dos factos pertinentes relativos ao mercado em causa.

54      A O2 alega que o raciocínio da Comissão parte de uma posição de princípio errada segundo a qual a itinerância nacional é, enquanto tal, restritiva da concorrência, uma vez que o acordo permite à O2 comprar serviços grossistas à T‑Mobile em vez de os fornecer ela própria. A Comissão limita‑se a afirmar que a dependência da O2 relativamente à rede da T‑Mobile constitui uma restrição da concorrência sem o demonstrar nem proceder à análise económica exigida pelo artigo 81.°, n.° 1, CE.

55      Segundo a recorrente, a Comissão limita‑se assim a afirmações gerais desmentidas pelas próprias constatações da sua decisão, segundo as quais o acordo, longe de restringir a concorrência, lhe é benéfico (considerandos 122 a 142 da decisão). Além disso, as conclusões da Comissão são contrárias à jurisprudência e à prática administrativa.

56      A O2 sustenta, a esse respeito, que o acordo tem efeitos positivos para a concorrência – como a decisão admite – quer se trate da cobertura da população, da qualidade dos serviços fornecidos, do débito das transmissões ou dos preços. A recorrente sustenta, que, caso o acordo não existisse, a sua posição concorrencial ficaria enfraquecida e provavelmente não seria capaz de assegurar, nos prazos previstos, a cobertura da população exigida para os serviços de 3G, o que a Comissão reconheceu na sua decisão.

57      A recorrente alega ainda que o acordo é necessário e indispensável para lhe permitir, nas duas áreas de itinerância que distingue, ser um operador competitivo, capaz de oferecer uma cobertura e serviços de qualidade no mercado das telecomunicações móveis de 3G. O acordo, ao permitir à O2 completar a sua capacidade de cobertura da população, favorece a sua taxa de penetração e, consequentemente, a concorrência.

58      A O2 também sustenta que a itinerância não terá efeitos negativos do ponto de vista da produção, da inovação, da variedade e da qualidade dos serviços, o que a Comissão também admitiu.

59      No que se refere aos efeitos nos preços, a recorrente alega que a circunstância de que os seus preços grossistas dependerão, numa determinada medida, dos exigidos pela T‑Mobile não constitui uma restrição da concorrência, pois é a situação em que se encontra qualquer empresa que recorre a fornecedores para alguns dos seus produtos ou serviços. Além disso, o risco de coordenação ou de colusão em matéria de preços considerado na decisão é puramente especulativo e não se baseia em nenhuma prova ou análise.

60      A Comissão sustenta que a argumentação da recorrente relativa à apreciação da situação da concorrência se o acordo não existisse equivale a aplicar uma regra da razoabilidade às disposições do artigo 81.°, n.° 1, CE, e isto contrariamente à jurisprudência. A recorrida afirma que, tratando‑se de um acordo de cooperação horizontal e em conformidade com as suas orientações, apreciou em primeiro lugar o impacto do acordo na concorrência, à luz do artigo 81.°, n.° 1, CE, procurando as restrições reais ou potenciais da concorrência que existiriam no caso de não haver acordo e depois efectuou, para efeitos da apreciação a título do artigo 81.°, n.° 3, CE, o balanço entre os seus efeitos pró‑concorrenciais e anticoncorrenciais.

61      A Comissão alega que a itinerância, tal como é prevista no acordo, afecta a concorrência entre os operadores sobre as redes, o que terá um impacto particular na concorrência nos mercados de telefonia móvel. Afirma que, no caso em apreço, o acordo, celebrado entre dois concorrentes, é susceptível de influenciar os seus comportamentos no que se refere aos principais parâmetros da concorrência.

62      A recorrida sustenta que, apesar de a O2 e a T‑Mobile poderem ambas perfeitamente estabelecer as suas próprias redes e oferecer serviços de 3G, o acordo tem por fim permitir à recorrente retardar parcialmente, ou mesmo limitar, a instalação da sua rede e, assim, reduzir os custos das suas infra‑estruturas. A dependência da rede da O2 relativamente à da T‑Mobile resultante do acordo afecta necessariamente, por um lado, a concorrência nas áreas em que a rede da O2 está instalada e, por outro, a planificação da futura implantação dessa rede. A esse respeito, a itinerância, contrariamente a outras formas de cooperação, como a partilha de sítios ou de redes de acesso via rádio, mina completamente a concorrência nos mercados nacionais das comunicações móveis.

63      Assim, a itinerância restringe a concorrência do ponto de vista da cobertura, dado que a O2 depende da T‑Mobile nas áreas tanto urbanas como rurais. A recorrente depende igualmente da T‑Mobile para a qualidade e a rapidez da transmissão de dados, mesmo que o acordo ainda mantenha uma certa margem de concorrência. Por último, o preço facturado pela O2 é estabelecido em função do preço por grosso pago à T‑Mobile. A esse respeito, a Comissão alega que a recorrente, ao considerar que essa pressão sobre os seus preços incide apenas sobre 10% das telecomunicações de 3G, minimiza a importância dos serviços de transmissão de dados por pacotes que constitui a característica essencial dos serviços de telecomunicações móveis de 3G.

64      A Comissão sustenta que baseou a sua apreciação nas informações fornecidas pelas partes do acordo, designadamente, no que diz respeito à tarifação da itinerância, à utilização da rede da T‑Mobile pela O2 e à competitividade da O2. Alega que a decisão é conforme, por um lado, à sua posição geral sobre o carácter restritivo da itinerância, posição essa partilhada por várias autoridades reguladoras nacionais e, por outro, à posição adoptada numa decisão anterior relativa ao mercado britânico.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

65      O litígio coloca a questão principal de saber se a Comissão, na sua apreciação do acordo notificado à luz das disposições do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE, teve fundamento legal para a sua apreciação segundo a qual o acordo restringe a concorrência e se para o fazer realizou a análise que essas disposições exigem, conforme interpretadas pela jurisprudência. Com efeito, segundo a recorrente, a Comissão partiu de uma posição de princípio segundo a qual a itinerância nacional restringe, por si própria, a concorrência e não apreciou a situação no caso de não existir acordo, enquanto que, para a recorrida, a crítica da recorrente equivale a que lhe seja pedido que aplique uma regra da razoabilidade às disposições do artigo 81.°, n.° 1, CE, e isto contrariamente ao estabelecido pela jurisprudência.

66      Para apreciar a compatibilidade de um acordo com o mercado comum à luz da proibição estabelecida no artigo 81.°, n.° 1, CE, há que apreciar o contexto económico e jurídico em que se situa o acordo (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 1971, Béguelin Import, 22/71, Colect., p. 355, n.° 13), o seu objecto, os seus efeitos e a afectação das trocas intracomunitárias pelo acordo, tendo em conta, em especial, o contexto económico em que operam as empresas, os produtos ou serviços abrangidos por esse acordo e a estrutura e as condições reais de funcionamento do mercado em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 1995, Oude Littikhuis e o., C‑399/93, Colect., p. I‑4515, n.° 10).

67      Este método de análise é de aplicação geral e não está reservado a uma categoria de acordos (v., no que diz respeito a diferentes tipos de acordos, acórdãos do Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 1966, Société minière et technique, 56/65, Colect. 1965‑1968, p. 381, em especial pp. 386 e 387, e de 15 de Dezembro de 1994, DLG, C‑250/92, Colect., p. I‑5641, n.° 31; e acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Outubro de 1994, John Deere/Comissão, T‑35/92, Colect., p. II‑957, n.os 51 e 52, e de 15 de Setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T‑374/94, T‑375/94, T‑384/94 e T‑388/94, Colect., p. II‑3141, n.os 136 e 137).

68      Além disso, num caso como o presente em que se admite que o acordo não tem um objecto anticoncorrencial, há que apreciar os efeitos do acordo e, para que o mesmo possa ser objecto da proibição, exigir que estejam reunidos os factores que determinam que o jogo da concorrência foi, de facto, impedido, restringido ou falseado de forma significativa. O jogo da concorrência de que se trata deve ser entendido no quadro real em que se produziria se não existisse o acordo controvertido, podendo a alteração da concorrência ser posta em dúvida, designadamente se o acordo se revelar precisamente necessário à penetração de uma empresa numa zona em que não operava (acórdão Société minière et technique, já referido, pp. 388 e 389).

69      Esse método de análise, tratando‑se em especial de tomar em consideração a situação da concorrência que existiria no caso de não haver acordo, não equivale a ponderar efeitos pró e anticoncorrenciais do acordo e a aplicar desta forma uma «regra de razão», que o juiz comunitário não admitiu ter lugar no âmbito do artigo 81.°, n.° 1, CE (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Montecatini/Comissão, C‑235/92 P, Colect., p. I‑4539, n.° 133; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância M6 e o./Comissão, já referido, n.os 72 a 77, e de 23 de Outubro de 2002, Van den Bergh Foods/Comissão, T‑65/98, Colect., p. II‑4653, n.os 106 e 107).

70      A esse respeito, adiantar, tal como a recorrente, que a Comissão efectuou uma análise parcial ao não ter examinado a situação concorrencial no caso de não existir acordo não implica que se tenha de realizar, na fase do artigo 81.°, n.° 1, CE, a ponderação dos efeitos positivos e negativos do acordo do ponto de vista da concorrência. Contrariamente à interpretação feita pela recorrida dos argumentos da recorrente, esta invoca unicamente o método de análise exigido pela jurisprudência assente.

71      Com efeito, a apreciação exigida à luz do artigo 81.°, n.° 1, CE consiste essencialmente em ter em consideração o impacto do acordo na concorrência real e potencial (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 1991, Delimitis, C‑234/89, Colect., p. I‑935, n.° 21) e a situação da concorrência se não existisse acordo (acórdão Société minière et technique, já referido, pp. 388 e 389), estando os dois aspectos intrinsecamente correlacionados.

72      A análise do jogo da concorrência no caso de não haver acordo revela‑se particularmente necessária nos mercados em via de liberalização ou nos mercados emergentes, como o mercado das comunicações móveis de 3G aqui em causa, em que a efectividade da concorrência pode ser problemática devido, por exemplo, à presença de um operador dominante, ao carácter concentrado da estrutura do mercado ou à existência de obstáculos importantes para nele se entrar – circunstâncias mencionadas, no presente caso, na decisão.

73      Para ter em conta as duas partes que, na realidade, o presente fundamento contém, há que apreciar, assim, em primeiro lugar, se a Comissão procedeu efectivamente à análise da situação da concorrência caso o acordo não existisse e, em segundo lugar, se as conclusões que retirou da sua apreciação do impacto do acordo na concorrência têm fundamento suficiente.

 Quanto à apreciação da situação da concorrência se o acordo não existisse

74      Não se pode criticar a decisão por não ter procedido, para analisar os efeitos do acordo, a uma comparação entre a estrutura concorrencial induzida pelo acordo e a que prevaleceria se este não existisse. Em compensação, no que respeita aos termos da comparação efectuada, há que observar que toda a apreciação dos efeitos do acordo assenta na ideia de que, existindo ou não existindo acordo, os dois operadores, a O2 e a T‑Mobile, estariam presentes e em situação de concorrência no mercado em causa. A hipótese de, não existindo acordo, a O2 poder estar total ou parcialmente ausente do mercado da telefonia móvel de 3G na Alemanha nunca foi considerada.

75      Com efeito, resulta implícita mas necessariamente da decisão que a Comissão considerou, por um lado, que a O2 estaria de qualquer forma presente no mercado, o que resulta, por exemplo, do considerando 97 da decisão, das projecções feitas respeitantes ao mercado das infra‑estruturas de sítios de 3G a partir dos dados relativos ao das infra‑estruturas de 2G, e, por outro, que não haveria restrição da concorrência nesse mercado ao passo que, precisamente, o acordo controvertido, devido à itinerância nacional que prevê, implicaria essa restrição, o que a decisão indica, em particular, no considerando 107.

76      Na audiência, a Comissão confirmou que esse foi, de facto, o seu procedimento no presente caso. A recorrida indicou a esse respeito que nenhum dos elementos fornecidos pelas partes lhe permitia pensar que a celebração do acordo era uma condição indispensável à entrada da O2 no mercado de 3G, quando esta já estava presente no mercado de 2G, que a recorrente lhe tinha mostrado a sua intenção de penetrar no mercado de 3G e que, por outro lado, a Comissão tinha verificado que os titulares de licenças presentes no mercado de 2G permaneciam no mercado.

77      Partindo do postulado segundo o qual a O2 estava presente no mercado das comunicações móveis, a Comissão não considerou, por conseguinte, necessário aprofundar a questão de saber se, não existindo acordo, a O2 estaria presente no mercado de 3G. Não se pode deixar de observar que essa suposição não é acompanhada, na decisão, de nenhuma análise nem justificação aptas a demonstrar a sua exactidão, o que, de resto, só restou à recorrida confirmar na audiência. Sem essa apreciação objectiva da situação da concorrência no caso de não existir acordo, a Comissão não podia apreciar validamente em que medida o acordo era necessário para a O2 penetrar no mercado das comunicações móveis de 3G. A instituição não cumpriu, por conseguinte, a sua obrigação de efectuar uma análise objectiva do impacto do acordo na situação concorrencial.

78      Não se pode considerar esta lacuna desprovida de consequências. Com efeito, resulta das considerações formuladas na decisão no âmbito da análise do acordo à luz das condições estabelecidas no artigo 81.°, n.° 3, CE, relativo à possibilidade de se conceder uma isenção, que, do próprio ponto de vista da Comissão, seria pouco provável que, sem o acordo, a O2 pudesse assegurar autonomamente desde o início uma melhor cobertura, qualidade e débitos de transmissão de serviços de 3G, instalar uma rede e lançar serviços de 3G rapidamente, penetrar nos mercados grossista e retalhista em causa e ser assim um concorrente eficaz (considerandos 122, 123, 124, 126 e 135). Foi devido a estas circunstâncias que a Comissão considerou que o acordo podia beneficiar de uma isenção.

79      Essas considerações, que implicam uma incerteza na situação concorrencial e, em especial, na posição da O2 se o acordo não existisse, demonstram que a presença da O2 no mercado das comunicações de 3G não podia ser considerada um dado adquirido, como a Comissão postulou, e que teria sido necessária uma apreciação a esse respeito não só para a concessão de uma isenção mas, previamente, para a análise económica dos efeitos do acordo na situação concorrencial que determina a aplicabilidade do artigo 81.° CE.

 Quanto ao impacto do acordo na concorrência

80      A recorrente censura a Comissão por se ter limitado a uma posição de princípio que consistiu em considerar que a itinerância era enquanto tal restritiva da concorrência e de ter procedido por via de afirmações gerais, não demonstradas, para concluir que o acordo não era compatível com o mercado comum, em aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE.

81      Resulta da decisão que, no que se refere à apreciação dos efeitos da itinerância nacional na concorrência nos mercados por grosso, a Comissão indica que «[a] itinerância nacional entre operadores de rede […] restringe, por definição, a concorrência entre estes operadores em todos os mercados de redes afins, relativamente a parâmetros como a cobertura, a qualidade e o débito de transmissão» (considerando 107).

82      A Comissão afirma, de seguida, que a itinerância nacional «[l]imita a concorrência em termos de âmbito e ritmo da cobertura porque, em vez de transferirem a sua própria rede para obter um grau máximo de cobertura do território e de população no período de tempo mais curto, um operador de itinerância irá depender, para o seu tráfego de itinerância, do grau de cobertura alcançado pela rede do operador visitado». Acrescenta que «[a] itinerância nacional restringe também a concorrência em matéria de qualidade da rede e de débito de transmissão, porque o operador de itinerância será limitado pela qualidade da rede e pelo débito de transmissão disponíveis na rede visitada, que constituem uma função das escolhas técnica e comercial efectuadas pelo operador da rede visitada» e que «as taxas por grosso cobradas [pela O2] aos compradores das suas próprias redes por grosso e dos serviços de acesso serão limitadas pelas taxas por grosso que terá de pagar à T‑Mobile» (considerando 107).

83      A Comissão precisa que, «[c]onsiderando as limitações resultantes para a capacidade da O2 […] e da T‑Mobile competirem em matéria de cobertura, qualidade, débito de transmissão e preços por grosso, a itinerância nacional de 3G entre a O2 […] e a T‑Mobile exerce um impacto sobre a concorrência em todos os mercados de rede de 3G na Alemanha» (considerando 109) e que «[a] itinerância nacional ao nível grossista conduzirá a uma maior uniformidade das condições ao nível retalhista, visto que a cobertura de rede subjacente, a qualidade e as velocidades de transmissão tendem a ser semelhantes» (considerando 111).

84      A Comissão considera igualmente que a «aprovação prévia da outra parte [do acordo] no que respeita a qualquer tipo de revenda da capacidade de itinerância aos MVNO que ofereçam serviços de telefonia vocal a utilizadores finais» é uma «limitação do tipo de clientes» e «limita a produção e, consequentemente, constitui uma restrição da concorrência» (considerandos 115 e 116).

85      Resulta destas apreciações que, para a Comissão, a própria natureza de um acordo de itinerância, como o celebrado entre as partes, conduz a uma restrição da concorrência, devido à dependência em que a itinerância nacional coloca o operador que a pratica em relação ao operador visitado. A restrição manifesta‑se em relação a três aspectos: em primeiro lugar, do ponto de vista da cobertura da rede, porque a itinerância constitui um travão na instalação da rede do operador que utiliza a rede do seu parceiro, em segundo lugar, no que se refere à qualidade das redes e aos débitos de transmissão, porque o operador utilizador dependerá das opções técnicas e comerciais do operador visitado e, em terceiro lugar, no que diz respeito aos preços, pelo facto de as taxas por grosso do operador que pratica a itinerância serem fixadas em função dos preços por grosso pagos ao operador visitado, o que se passa no presente caso.

86      Ora, estas considerações gerais que poderiam ser formuladas em relação a qualquer acordo de itinerância nacional não assentam em nenhum elemento preciso que demonstre a sua exactidão no caso do acordo celebrado entre a O2 e a T‑Mobile.

87      É certo que a decisão contém em vários considerandos elementos descritivos do contexto do acordo. Descreve o seu contexto económico, jurídico e técnico (considerandos 6 a 22) e expõe a sistemática do acordo nas suas diferentes estipulações, relativas à partilha alargada de sítios, à partilha da RAN e à itinerância nacional (considerandos 23 a 43). Examina igualmente os mercados em causa, a saber, os mercados por grosso e a retalho, de produtos e de serviços, e os mercados geográficos (considerandos 44 a 72), e dá informações sobre a estrutura do mercado considerando em particular quais eram os concorrentes reais ou potenciais nos diferentes mercados (considerandos 73 a 77 e 96 a 99).

88      Contudo, estes elementos, fornecidos a título de apresentação do sector de actividade em que as empresas em causa operam, não esclarecem de forma alguma a apreciação realizada sobre o impacto do acordo.

89      Interrogada na audiência sobre a questão de saber, para além da apreciação geral do carácter restritivo da concorrência da itinerância nacional, que elementos concretos, específicos do acordo e constantes da decisão, servem no caso particular de base a essa apreciação, a Comissão, depois de ter sublinhado o carácter muito concentrado do mercado em causa, que tem quatro operadores, salientou dois aspectos que, no seu entender, não se encontram em todos os acordos de itinerância. Por um lado, a itinerância representa uma parte substancial do acordo. Cria uma situação em que a O2 não é obrigada a instalar uma rede na parte essencial do território alemão e tem um impacto particularmente negativo nas áreas urbanas centrais que são economicamente as mais viáveis. Por outro lado, o mecanismo de determinação dos preços por grosso, que contém uma parte fixa, faz com que as taxas praticadas pela O2 dependam das pagas à T‑Mobile. Ao limitar a margem de manobra da O2 para modular os seus preços no mercado, esse mecanismo restringe por isso a concorrência. Além disso, a recorrida indicou que a apreciação contida no considerando 107 da decisão está explicitada no seu conjunto.

90      Assim, há que apreciar, à luz dos dois elementos referidos pela recorrida, se a decisão impugnada demonstra as restrição da concorrência imputadas ao acordo.

91      Em primeiro lugar, no que se refere à importância da itinerância no acordo e dos seus alegados efeitos restritivos nas áreas urbanas principais, resulta da decisão, em especial dos considerandos 107 e 108, que a Comissão, para afirmar o carácter, por definição restritivo da concorrência da itinerância nacional e, no presente caso, do acordo, considerou que o seu impacto era mais negativo nas áreas em que a concorrência podia ser exercida em condições economicamente viáveis, designadamente, nas áreas urbanas principais, considerando assim que a itinerância nacional não se justificava nessas áreas.

92      Ora, resulta dos autos que, a fim de adaptar o quadro contratual à evolução do mercado, no que diz respeito, em especial, à itinerância nacional, as partes alteraram o acordo original, de 20 de Setembro de 2001 e notificado em 6 de Fevereiro de 2002, por três vezes, em 20 de Setembro de 2002, em 22 de Janeiro e em 21 de Maio de 2003. Assim, o acordo alterado distingue precisamente três tipos de áreas, a saber, as áreas urbanas, as áreas ditas de interesse comercial secundário e as áreas ditas de pequeno interesse comercial e prevê, nas primeiras, que a itinerância será aí praticada durante um período mais curto. Com efeito, resulta da sistemática do acordo, tal como apresentado na decisão, que os direitos de acesso à itinerância são definidos segundo as áreas de cobertura da população e que se estipula um calendário de supressão desses direitos.

93      A decisão, embora adoptada face ao acordo alterado, não contém, contudo, na apreciação do acordo à luz das disposições do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE, aqui em causa, uma apreciação concreta desses dados sobre a concorrência, quando estes adaptam, justamente, no espaço e no tempo, a itinerância nacional prevista no acordo. Verifica‑se em particular que a apreciação geral do carácter restritivo da itinerância não tem fundamento face ao parâmetro essencial que constitui a duração do acordo, isto é, tendo em conta o calendário de supressão da itinerância previsto para cada área.

94      Contudo, competia evidentemente à instituição, na análise da compatibilidade do acordo com o mercado comum, ter em conta esses elementos novos, resultantes das alterações introduzidas no acordo no decurso do procedimento administrativo e relativos, em particular, à itinerância nas áreas urbanas, e reconsiderar, sendo caso disso, certas apreciações.

95      Com efeito, a tomada em conta efectiva das alterações introduzidas no acordo relativas à itinerância nas áreas urbanas na apreciação da compatibilidade do acordo com o mercado comum era susceptível de conduzir a Comissão a chegar a conclusões diferentes daquelas a que chegou na decisão, em particular no que diz respeito à necessidade desses novos elementos para que a O2 aceda ao mercado de 3G nas áreas urbanas.

96      Ora, essa tomada em consideração das modalidades concretas segundo as quais a itinerância nacional está concebida no acordo alterado só aparece, na decisão impugnada, no âmbito da apreciação da possibilidade de se conceder uma isenção ao abrigo das disposições do artigo 81.°, n.° 3, CE e do artigo 53.°, n.° 3, do acordo EEE, o que não colmata as lacunas previamente verificadas. Com efeito, a análise da compatibilidade de um acordo com o mercado comum e depois, no caso de o acordo ter sido declarado incompatível, a análise da possibilidade de se lhe conceder uma isenção, assentam em procedimentos distintos, partindo‑se da premissa, no segundo, de que a demonstração da incompatibilidade do acordo foi devidamente efectuada no âmbito do primeiro.

97      As explicações fornecidas pela Comissão na audiência confirmam que a análise do acordo, no âmbito das disposições do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE, não teve em conta as alterações em questão. Com efeito, a recorrida indicou que não se lhe podia censurar o facto de não ter analisado se a itinerância nacional nas áreas urbanas era necessária para que a O2 pudesse entrar no mercado, pois o acordo inicialmente notificado não previa itinerância nacional nas áreas urbanas.

98      Há, por conseguinte, que concluir quanto a este primeiro aspecto que, por não ter adaptado a sua análise aos dados novos do ficheiro relativos à itinerância nas áreas urbanas, a Comissão também viciou a sua apreciação de uma falta de análise dos factos que lhe foram submetidos pelos autores da notificação.

99      Em segundo lugar, no que diz respeito ao segundo elemento restritivo da concorrência, que é, segundo a Comissão, próprio do acordo, a saber, o mecanismo de determinação dos preços, referido no n.° 89, supra, o efeito restritivo alegado não está demonstrado.

100    No que se refere, por um lado, às incidências dos preços por grosso pagos à T‑Mobile sobre os preços por grosso e a retalho praticados pela O2, a recorrente está, desse ponto de vista, numa situação análoga à de qualquer empresa face aos seus fornecedores. A O2 como, de resto, a T‑Mobile dependem ambas, a montante, dos preços que lhes são facturados pelos fornecedores de bens e de serviços aos quais recorrem e podem ser levadas a repercutir esses custos nos seus clientes. Além disso, a dependência tarifária alegada não é demonstrada. É mesmo desmentida pela indicação, constante da decisão, de que as partes do acordo têm princípios de tarifação diferentes (considerando 140). Para além disso, em resposta às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância, referidas no n.° 36, supra, relativas à estrutura dos preços praticados pela O2, a recorrente forneceu elementos donde resulta que, através de produtos e serviços com denominações diversas, de módulos de assinaturas variadas e de fórmulas de tarifação que conjugam variáveis múltiplas, pretende diferenciar‑se da T‑Mobile.

101    No que se refere, por outro lado, à existência de um direito fixo pago pela O2 à T‑Mobile, há que observar que a decisão não contém qualquer análise respeitante a essa obrigação de pagamento fixo. Além disso, a recorrida admitiu na audiência que esse ponto não tinha sido discutido durante o procedimento administrativo.

102    Resulta do que antecede que a apreciação geral contida no considerando 107 da decisão, segundo a qual a itinerância nacional restringe a concorrência porque permite ao operador que a pratica retardar a instalação da sua rede e porque o coloca numa situação de dependência técnica e económica em relação à rede do operador visitado, não se baseia em elementos concretos, específicos do acordo e constantes da decisão, revelando esta para além disso uma falta de apreciação das alterações introduzidas no acordo relativas à itinerância nas áreas urbanas.

103    De resto, essa apreciação geral também não parece resultar das disposições do direito comunitário que regulam o sector das telecomunicações. Tal como resulta das respostas fornecidas pela recorrida às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância, referidas no n.° 36, supra, nenhuma das directivas relativas ao sector das telecomunicações trata dos acordos de itinerância nacional e da sua compatibilidade com o direito comunitário da concorrência se bem que esses acordos devam ser submetidos ao direito da concorrência, em particular às disposições do artigo 81.°, n.° 1, CE.

104    Além disso, como a recorrente alega, a apreciação geral realizada pela Comissão sobre a itinerância nacional não é confirmada face aos factos pertinentes relativos ao mercado tal como são descritos na própria decisão.

105    Com efeito, segundo a decisão, que procede por extrapolação dos dados então disponíveis relativos à situação do mercado das telecomunicações móveis de 2G, a T‑Mobile, originariamente associada ao operador histórico Deutsche Telekom, detém provavelmente uma quota de mercado da ordem dos 100% no mercado da itinerância nacional grossista para os serviços de telecomunicações de 3G aqui em causa. Além disso, a decisão precisa que as possibilidades de entrada nesse mercado, ao nível dos operadores de rede, são reduzidas devido ao número limitado das licenças, ao seu custo e aos investimentos significativos necessários para as infra‑estruturas de rede de 3G (considerandos 74 e 75).

106    Relativamente ao mercado a retalho dos serviços de 3G, a decisão indica que existem seis operadores licenciados, a saber, para além da T‑Mobile e da O2, a D2 Vodafone, a E‑Plus, a Mobil‑com e o Group 3G, sendo a O2 a última a ter entrado no mercado, e que são quatro os principais concorrentes nos mercados a retalho. Precisa que as respectivas quotas de mercado para as comunicações de 2G, constituindo os únicos dados disponíveis no momento da adopção da decisão, em termos de clientes dos prestadores eram de 41,7% da T‑Mobile, 38,3% da D2 Vodafone, 12,2% da E‑Plus e 7,8% da O2 Germany (considerandos 76 e 77).

107    Resulta desta apresentação que a T‑Mobile é um operador preponderante no mercado alemão das telecomunicações móveis, quer se trate dos mercados grossistas ou a retalho e que a O2, que é o último operador a ter entrado no mercado alemão, aparece na posição concorrencial mais fraca. Mesmo que a O2 não esteja desprovida de infra‑estruturas de rede, como a decisão indica (considerando 97), as suas quotas de mercado mais modestas e tendo sido a última a entrar no mercado situam‑na objectivamente numa situação menos favorável.

108    A dependência criticada pela Comissão resulta assim de uma desigualdade de facto que, precisamente, o acordo procura equilibrar colocando a O2 numa posição concorrencial mais favorável quando a sua situação real parece ser a menos competitiva face aos outros operadores, concorrentes reais ou potenciais, identificados pela decisão. A dependência da O2 em relação à rede da T‑Mobile é, além disso, concebida como provisória, visto que se destina a ser reduzida ao longo da duração do acordo, ao ritmo do calendário de supressão dos direitos de acesso à itinerância previsto pelas disposições alteradas do acordo notificado que foram submetidas à apreciação da Comissão no âmbito do procedimento administrativo. Quanto a esse aspecto, a decisão, que não contém nenhum elemento concreto, como acima observado, não demonstra os efeitos restritivos do acordo na instalação da rede da O2. A fortiori, a Comissão não demonstrou, como sustenta nos seus articulados, que o acordo tende a retardar ou mesmo a limitar a instalação da rede da recorrente. As peças de correspondência apresentadas no Tribunal pela recorrida, designadamente datadas de 4 de Março e de 9 de Abril de 2003, mostram pelo contrário que o acordo visa permitir‑lhe uma implantação rentável da sua rede de 3G em conformidade com as exigências impostas pela sua licença em termos de calendário e de cobertura.

109    No caso em apreço, não se pode pois excluir que um acordo de itinerância da natureza do celebrado entre a T‑Mobile e a O2, em vez de restringir a concorrência entre operadores de rede, seja, pelo contrário, susceptível de permitir, em determinadas condições, ao operador mais pequeno fazer concorrência aos actores preponderantes, como aqui, a T‑Mobile mas também a D2‑Vodafone no mercado a retalho, ou mesmo dominantes, como a T‑Mobile é no mercado grossista.

110    Ora, esse contexto particular, resultante das características específicas do mercado novo em causa, não foi tido em conta na apreciação da compatibilidade do acordo com o mercado comum no âmbito do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE.

111    Em compensação, quando, no âmbito das disposições do artigo 81.°, n.° 3, CE e do artigo 53.°, n.° 3, do acordo EEE, a Comissão, considerando que o acordo era necessário e que, sem o mesmo, a O2 não estaria em condições de aceder eficazmente ao mercado, decidiu conceder uma isenção, teve em consideração esse contexto particular.

112    Assim, a decisão afirma que, graças ao acordo, a O2 estará numa melhor posição concorrencial na área sujeita à obrigação de cobertura de 50% da população até 31 de Dezembro de 2005 (considerando 123) e que, fora dessa área, é improvável que ela pudesse cumprir as obrigações resultantes da sua licença (considerando 126). A decisão indica igualmente que, sendo a O2 o «operador mais pequeno no mercado móvel alemão, com uma pequena quota do mercado de 2G (cerca de 8%), é improvável que adquira uma posição que lhe permita obter rapidamente uma rede de alta qualidade abrangendo uma área suficiente que permita à empresa competir com eficácia, desde o princípio, com outros operadores licenciados no mercado de redes e serviços de 3G, na Alemanha» (considerando 124).

113    Numa apreciação mais geral e conclusiva, a decisão acrescenta que «o facto de a itinerância da O2 […] depender da rede de 3G da T‑Mobile, mesmo nas principais áreas urbanas, durante um período de tempo limitado, é considerado equilibrado e indispensável, quando tal poderia não ser necessariamente o caso relativamente a operadores com posições de mercado mais sólidas» (considerando 133). Indica por fim que «[s]em acesso à itinerância nacional para serviços de 3G na rede T‑Mobile, a O2 […] seria um concorrente menos eficaz durante toda a fase de implantação, sendo improvável que entrasse nos mercados retalhista e grossista de 3G na qualidade de concorrente a nível nacional (ou, em qualquer dos casos, como concorrente com a capacidade de oferecer maior âmbito geográfico do que o previsto nessa altura)» (considerando 135).

114    Assim, resulta da apreciação realizada no âmbito do artigo 81.°, n.° 3, CE e do artigo 53.°, n.° 3, do acordo EEE, que, tendo em conta as características específicas do mercado novo em causa, a situação concorrencial da O2 no mercado de 3G não estaria provavelmente assegurada sem o acordo, ou poderia mesmo estar comprometida. Estas apreciações confirmam que os pressupostos da Comissão na apreciação que efectuou no âmbito do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE, não estão demonstrados.

115    O argumento invocado na audiência pela recorrida segundo o qual existe uma grande diferença entre o facto de não poder penetrar num mercado e o facto de nele penetrar com dificuldades não pode, de qualquer forma, infirmar as considerações antecedentes uma vez que, precisamente, a Comissão não analisou objectivamente na decisão a situação da concorrência se o acordo não existisse, no âmbito do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE.

116    Resulta do que antecede que a decisão, na parte que diz respeito à aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE, está viciada por falta de análise, por um lado, na medida em que não contém uma análise objectiva da situação da concorrência na falta de acordo, o que falseia a apreciação dos efeitos reais e potenciais do acordo sobre a concorrência e, por outro, na medida em que não demonstra in concreto, no contexto do mercado emergente em causa, que as disposições do acordo relativas à itinerância têm efeitos restritivos para a concorrência, limitando‑se, a esse respeito, a uma petição de princípio e a afirmações gerais.

117    Deve, assim, ser julgado procedente o pedido de anulação parcial do artigo 2.° e do artigo 3.°, alínea a), da Decisão 2004/207/CE da Comissão, de 16 de Julho de 2003, sem necessidade de se apreciar o segundo fundamento da petição.

 Quanto às despesas

118    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas despesas em conformidade com o pedido da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1)      O artigo 2.° e o artigo 3.°, alínea a), da Decisão 2004/207/CE da Comissão, de 16 de Julho de 2003, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/38.369 – T‑Mobile Deutschland/O2 Germany: acordo‑quadro relativo a partilha de infra‑estruturas), são anulados na medida em que implicam que as cláusulas referidas nesses artigos integram o âmbito de aplicação do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do acordo EEE.

2)      A Comissão é condenada nas despesas.

Legal

Mengozzi

Wiszniewska‑Białecka

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 2 de Maio de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      H. Legal


* Língua do processo: inglês.