Language of document : ECLI:EU:T:2014:813

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

25 de setembro de 2014 (*)

«Marca comunitária — Processo de declaração de nulidade — Marca tridimensional comunitária — Forma de dois copos embalados — Motivo absoluto de recusa — Falta de caráter distintivo — Falta de caráter distintivo adquirido pela utilização — Artigo 7.°, n.° 1, alínea b), e n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 207/2009»

No processo T‑474/12,

Giorgio Giorgis, residente em Milão (Itália), representado por I. Prado e A. Tornato, advogados,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por I. Harrington, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do IHMI, interveniente no Tribunal Geral,

Comigel SAS, com sede em Saint‑Julien‑lès‑Metz (França), representada por S. Guerlain, J. Armengaud e C. Mateu, advogados,

que tem por objeto um recurso da decisão da Primeira Câmara de Recurso do IHMI de 26 de julho de 2012 (processo R 1301/2011‑1), relativa a um processo de declaração de nulidade entre Comigel SAS e Giorgio Giorgis,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção),

composto por: M. van der Woude, presidente, I. Wiszniewska‑Białecka (relatora) e I. Ulloa Rubio, juízes,

secretário: E. Coulon,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 31 de outubro de 2012,

vista a resposta do IHMI apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de fevereiro de 2013,

vistas as observações da interveniente apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de fevereiro de 2013,

vista a réplica apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de maio de 2013,

visto não ter havido pedido de marcação de audiência apresentado pelas partes no prazo de um mês a contar da notificação do encerramento da fase escrita e tendo, por isso, decidido, com base no relatório do juiz‑relator e em aplicação do artigo 135.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar sem fase oral do processo,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 11 de novembro de 2009, o recorrente, Giorgio Giorgis, obteve junto do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1), o registo sob o número 8132681 da marca tridimensional comunitária reproduzida a seguir:

Image not found

2        Os produtos para os quais essa marca foi registada pertencem à classe 30 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição: «Gelo, gelados de gelo, sorvetes mistos, sorvetes de gelo, gelados, gelados de beber, produtos à base de gelado, sobremesas geladas, semifrios, sobremesas, iogurte gelado, produtos de pastelaria».

3        Em 19 de janeiro de 2010, a interveniente, Comigel SAS, apresentou um pedido de declaração de nulidade da marca contestada com fundamento no artigo 52.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 207/2009, lido em conjugação com o artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e d), do mesmo regulamento.

4        Por decisão de 21 de abril de 2011, a Divisão de Anulação do IHMI julgou procedente o pedido de declaração de nulidade e declarou a nulidade da marca contestada para todos os produtos em causa, com base no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, lido em conjugação com o artigo 52.°, n.° 1, alínea a), do mesmo regulamento. Indeferiu ainda o argumento do recorrente segundo o qual a marca contestada tinha adquirido caráter distintivo pela utilização, nos termos do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009.

5        Em 16 de junho de 2011, o recorrente interpôs recurso da decisão da Divisão de Anulação para o IHMI.

6        Por decisão de 26 de julho de 2012 (a seguir «decisão recorrida»), a Primeira Câmara de Recurso do IHMI negou provimento ao recurso. A referida Câmara confirmou as conclusões da Divisão de Anulação segundo as quais, por um lado, a marca contestada era desprovida de caráter distintivo na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009 e, por outro, o recorrente não tinha demonstrado que a marca contestada adquirira caráter distintivo pela utilização, na aceção do artigo 7.°, n.° 3, e do artigo 52.°, n.° 2, do mesmo regulamento.

 Pedidos das partes

7        O recorrente conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar o IHMI nas despesas.

8        O IHMI e a interveniente concluem pedindo ao Tribunal que se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

9        O recorrente invoca dois fundamentos de recurso, relativos, respetivamente, à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009 e à violação do artigo 7.°, n.° 3, do mesmo regulamento.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009

10      O recorrente acusa a Câmara de Recurso de ter procedido a uma apreciação errada do caráter distintivo da marca contestada e de, assim, ter violado o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009.

11      Nos termos do artigo 52.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 207/2009, a nulidade da marca comunitária é declarada, na sequência de pedido apresentado ao IHMI, sempre que tenha sido registada contrariamente ao disposto no artigo 7.° do mesmo regulamento. A este respeito, o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009 prevê que é recusado o registo às marcas desprovidas de caráter distintivo.

12      Resulta de jurisprudência constante que o caráter distintivo de uma marca, na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, significa que essa marca permite identificar os produtos para o qual o registo foi pedido como proveniente de uma empresa determinada e, portanto, distinguir esses produtos ou serviços dos de outras empresas (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de outubro de 2011, Freixenet/IHMI, C‑344/10 P e C‑345/10 P, Colet., p. I‑10205, n.° 42 e jurisprudência aí referida).

13      O caráter distintivo de uma marca deve ser apreciado, por um lado, relativamente aos produtos ou aos serviços para os quais o registo foi pedido e, por outro, em relação à perceção que dele tem o público relevante, que é constituído pelo consumidor médio desses produtos ou serviços, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de abril de 2004, Henkel/IHMI, C‑456/01 P e C‑457/01 P, Colet., p. I‑5089, n.° 35 e jurisprudência aí referida).

14      No caso em apreço, a Câmara de Recurso considerou que os produtos em causa consistiam em produtos alimentares que, regra geral, já se encontravam embalados quando chegavam à loja e que, no que respeita à comercialização de produtos pré‑embalados, o nível de atenção do consumidor sobre a sua aparência não era particularmente elevado.

15      O recorrente acusa a Câmara de Recurso de ter procedido a uma apreciação errada do nível de atenção do público relevante. Alega que o consumidor médio de gelados manifesta um nível de atenção elevado, dado que a sua escolha é feita com base em diferentes fatores, tais como o sabor do gelado, a forma de o consumir, os diferentes tipos de gelados e a eventual presença de certos ingredientes.

16      A este respeito, basta salientar que os produtos visados pela marca contestada são produtos alimentares de consumo corrente que se dirigem a todos os consumidores. Há, portanto, que apreciar o caráter distintivo da marca contestada tendo em consideração a presumível expectativa de um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado [v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 15 de março de 2006, Develey/IHMI (Forma de uma garrafa de plástico), T‑129/04, Colet., p. II‑811, n.° 46 e jurisprudência aí referida, e de 12 de dezembro de 2013, Sweet Tec/IHMI (Forma oval), T‑156/12, não publicado na Coletânea, n.° 14].

17      Contrariamente ao que sustenta o recorrente, o facto de o consumidor médio escolher um gelado em função dos seus gostos e preferências não é suscetível de lhe conferir um nível de atenção elevado. Com efeito, os gelados são produtos de consumo corrente, geralmente vendidos em supermercados, pouco caros e cuja compra não é precedida de um longo período de reflexão, relativamente aos quais não se deve considerar que o consumidor manifestará um nível de atenção elevado no momento da compra. Além disso, o facto de o consumidor escolher os produtos em função dos seus gostos é uma evidência no tocante aos produtos alimentares de grande consumo relativamente aos quais, segundo a jurisprudência acima referida no n.° 16, o nível de atenção do consumidor não é considerado elevado.

18      Por conseguinte, a Câmara de Recurso teve razão em considerar que o público relevante era constituído pelo consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado em toda a União Europeia, que não manifesta um grau de atenção particularmente elevado.

19      Segundo jurisprudência constante, os critérios de apreciação do caráter distintivo das marcas tridimensionais constituídas pela aparência do próprio produto não são diferentes dos aplicáveis às outras categorias de marcas. No entanto, no âmbito da aplicação desses critérios, a perceção do público relevante não é necessariamente a mesma no caso de uma marca tridimensional, constituída pela aparência do próprio produto, e no caso de uma marca nominativa ou figurativa, que consiste num sinal independente do aspeto dos produtos que designa. Com efeito, os consumidores médios não têm por hábito presumir a origem dos produtos baseando‑se na sua forma ou no seu acondicionamento, na falta de qualquer elemento gráfico ou textual, e, por isso, pode tornar‑se mais difícil demonstrar o caráter distintivo quando se trata de uma marca tridimensional do que quando se trata de uma marca nominativa ou figurativa (v. acórdão Freixenet/IHMI, referido no n.° 12, supra, n.os  45, 46 e jurisprudência aí referida).

20      Nestas condições, só não é desprovida de caráter distintivo, na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, uma marca que diverge, de forma significativa, da norma ou dos hábitos do setor e que, por essa razão, é suscetível de cumprir a sua função essencial de identificação da origem (v. acórdão Freixenet/IHMI, referido no n.° 12, supra, n.° 47 e jurisprudência aí referida).

21      No que respeita, em especial, às marcas tridimensionais constituídas pela embalagem dos produtos que são acondicionados na loja por razões relacionadas com a própria natureza do produto, o Tribunal de Justiça considerou que as mesmas devem permitir ao consumidor médio dos referidos produtos, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, distinguir, sem proceder a uma análise ou a uma comparação e sem manifestar uma particular atenção, o produto em causa dos produtos das outras empresas (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de janeiro de 2006, Deutsche SiSi‑Werke/IHMI, C‑173/04 P, Colet., p. I‑551, n.° 29).

22      A fim de apreciar se uma marca é ou não desprovida de caráter distintivo, deve tomar‑se em consideração a impressão de conjunto que produz. Todavia, isso não pode implicar que não se tenha de proceder, numa primeira fase, a um exame de cada um dos diferentes elementos constitutivos dessa marca. Com efeito, pode ser útil, no decurso da apreciação global, examinar cada um dos elementos constitutivos da marca em causa (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de outubro de 2007, Develey/IHMI, C‑238/06 P, Colet., p. I‑9375, n.° 82 e jurisprudência aí referida).

23      A título preliminar, há que salientar que, no caso em apreço, os produtos em causa são sobremesas, gelados, sorvetes e iogurtes, e que a marca contestada é constituída pela forma de dois recipientes transparentes de vidro com o formato de copo e pela forma de um envelope de cartão com aberturas na parte superior e nos lados e ajustado aos contornos dos recipientes. A marca contestada é constituída pela forma tridimensional da embalagem dos produtos em causa.

24      Em primeiro lugar, o recorrente acusa a Câmara de Recurso de ter identificado de forma errada a norma e os hábitos do setor em causa. Alega que, para efeitos da sua apreciação do caráter distintivo da marca contestada, a Câmara de Recurso deveria ter tomado em consideração a norma e os hábitos de acondicionamento no setor dos produtos da classe 30. Ora, a Câmara de Recurso tinha limitado a norma e os hábitos que devem ser tomados em consideração para a sua análise aos do setor das embalagens que veiculam «uma imagem de produtos de qualidade e de fabrico artesanal».

25      Há que salientar que este argumento assenta numa leitura errada da decisão recorrida.

26      Com efeito, na decisão recorrida, a Câmara de Recurso sublinhou que, quando, como no caso em apreço, a marca contestada era composta pela forma tridimensional da embalagem dos produtos em causa, a norma e os hábitos pertinentes podiam ser os aplicáveis no setor da embalagem dos produtos que são do mesmo tipo e se destinam aos mesmos consumidores que os produtos em causa.

27      Em seguida, a Câmara de Recurso procedeu ao exame separado dos dois elementos que compõem a marca contestada, a saber, os recipientes de vidro e o envelope de cartão. No âmbito da apreciação do caráter distintivo dos recipientes de vidro, indicou que este tipo de recipientes era utilizado no mercado para vender sobremesas, gelados, sorvetes e iogurtes, e que eram utilizados para transmitir aos consumidores a mensagem de que os produtos em causa eram de alta qualidade e de fabrico artesanal, o que o recorrente não contesta. Considerou que a forma dos recipientes da marca contestada não se afastava sensivelmente da forma das taças existentes no mercado para a comercialização de sobremesas, gelados, sorvetes e iogurtes, o que era confirmado pelos elementos de prova fornecidos pela interveniente, que mostram recipientes que apenas se diferenciavam ligeiramente dos da marca contestada. Daí a Câmara de Recurso deduziu que este elemento da marca contestada não era distintivo para os produtos em causa.

28      A Câmara de Recurso rejeitou, em seguida, os exemplos apresentados pelo recorrente que faziam referência a outros tipos de recipientes utilizados no mercado no âmbito da comercialização desses produtos, tendo salientado que «a sua forma não [tinha] a mesma finalidade de dar aos consumidores uma imagem de produtos de qualidade e de fabrico artesanal».

29      Daí resulta que a Câmara de Recurso tomou em conta os hábitos no setor da embalagem dos produtos semelhantes aos produtos em causa e destinados aos mesmos consumidores que os produtos em causa, e concluiu que as embalagens sob a forma de recipientes em vidro faziam parte desses hábitos, nomeadamente quando se pretendia veicular uma imagem de qualidade. O facto de a Câmara de Recurso ter afastado, por não serem pertinentes, os elementos de prova apresentados pelo recorrente no que respeita a outras formas de recipientes utilizados para comercializar gelados não está em contradição com a sua conclusão de que recipientes de vidro também são utilizados nesse mercado.

30      Contrariamente ao que sustenta o recorrente, não resulta da decisão recorrida que a Câmara de Recurso tenha limitado a norma e os hábitos do setor que importa considerar apenas ao setor dos produtos de qualidade e de fabrico artesanal.

31      Em segundo lugar, o recorrente alega que a identificação errada da norma e dos hábitos do setor pela Câmara de Recurso se traduziu numa apreciação errada do caráter distintivo da marca contestada. Sustenta que, para apreciar o caráter distintivo da marca contestada, a Câmara de Recurso tomou em conta como elemento de comparação o conceito de «copos embalados em envelopes de cartão com aberturas», em vez de tomar em conta todos os tipos de embalagens utilizados no setor dos produtos em causa. Assim, a Câmara de Recurso tinha considerado, erradamente, que as formas de envelopes de cartão com aberturas eram comummente utilizadas no setor dos produtos em causa. O recorrente alega que o envelope de cartão da marca contestada apresenta características e formas diferentes das que figuravam nas provas fornecidas pela interveniente.

32      Na decisão recorrida, no âmbito da apreciação do caráter distintivo do segundo elemento que compõe a marca contestada, a saber, o envelope de cartão com aberturas na parte superior e nos lados, a Câmara de Recurso considerou que essas características estavam presentes na maior parte dos envelopes de cartão que figuravam nos elementos de prova fornecidos pela interveniente. Considerou que as formas de envelopes de cartão com aberturas na parte superior e nos lados eram correntes no setor dos produtos em causa, em particular para mostrar o produto ou qualquer informação pertinente sobre o produto. Tendo em conta a norma e os hábitos do setor dos produtos em causa (sobremesas, gelados, sorvetes e iogurtes), concluiu que a forma de envelope de cartão da marca controvertida era exclusivamente decorativa, não se afastava consideravelmente dos hábitos do setor e não dispunha de caráter distintivo.

33      Deve referir‑se que a Câmara de Recurso se baseou nos elementos de prova fornecidos pela interveniente, que demonstravam que, no setor dos produtos em causa, as embalagens compostas por um envelope de cartão com aberturas eram correntemente utilizadas, e pôde deduzir daí que a marca contestada não se afastava consideravelmente dos hábitos do setor em causa.

34      Como sustenta o recorrente, o facto de a forma de envelope de cartão da marca contestada divergir em certos elementos das formas presentes no mercado não é suscetível de pôr em causa esta apreciação da Câmara de Recurso. Com efeito, os diferentes envelopes de cartão utilizados no setor dos produtos em causa, que divergem pela localização das suas aberturas ou pelas suas formas, devem ser considerados simples variantes das formas de embalagens usadas nesse setor. As diferenças entre os envelopes de cartão existentes no mercado respondem, nomeadamente, a considerações práticas (como, por exemplo, adaptarem‑se à dimensão dos recipientes) ou puramente decorativas. Assim, a Câmara de Recurso teve razão em considerar que as características da forma do envelope de cartão da marca contestada não lhe permitiam afastar‑se consideravelmente dos hábitos do setor dos produtos em causa.

35      Em terceiro lugar, o recorrente alega que a Câmara de Recurso cometeu um erro na identificação da marca contestada, ao ter em conta que a mesma é composta por «dois copos embalados num envelope de cartão com aberturas», o que não corresponde à marca contestada tal como foi registada. Sustenta que a marca contestada deveria ter sido considerada no seu conjunto, com as suas características próprias. A Câmara de Recurso deveria ter analisado o caráter distintivo da combinação das formas especiais que constituem a marca contestada e não apenas o da soma dos seus elementos.

36      Desde logo, há que rejeitar o argumento do recorrente segundo o qual a Câmara de Recurso identificou mal a marca contestada. Com efeito, a descrição da marca contestada constante da decisão recorrida, a saber, «dois recipientes transparentes de vidro em forma de copo dentro de um envelope exterior de cartão com aberturas na parte superior e nos lados» corresponde à imagem dessa marca tal como figura no pedido de registo e tal como é acima representada no n.° 1. O facto de o recorrente ter a sua própria descrição da marca contestada (a saber, «dois copos colocados lado a lado numa caixa de cartão totalmente aberta ao nível do topo dos copos e parcialmente aberta ao nível da face dos copos, com uma forma especial que respeita e reproduz a forma dos copos, formando uma silhueta particular em forma de frasco a meio destes dois copos»), que não figura no pedido de registo nem no certificado de registo, não é suficiente para se considerar que a Câmara de Recurso cometeu um erro.

37      Seguidamente, quanto ao argumento do recorrente segundo o qual a Câmara de Recurso não apreciou a marca contestada no seu conjunto, há que observar que, na decisão recorrida, depois de ter constatado que os dois elementos que constituem a referida marca não se afastavam consideravelmente dos utilizados no setor dos produtos em causa e eram desprovidos de caráter distintivo, a Câmara de Recurso procedeu a uma análise da impressão global produzida pela forma da embalagem registada sob a marca contestada. Considerou que as características específicas da marca contestada não eram suficientes para fazer dela um modelo inabitual no mercado das sobremesas, dos gelados, dos sorvetes e dos iogurtes, que pudesse ser claramente percebido como diferente das formas disponíveis. Concluiu que os exemplos fornecidos pela interveniente mostravam determinadas formas de embalagem que eram muito semelhantes à forma da marca contestada. A Câmara de Recurso considerou que a utilização de dois recipientes mantidos por uma embalagem de cartão era uma das formas mais comuns de apresentar os produtos aos consumidores. Daqui conclui que, no seu conjunto, a marca contestada se assemelhava bastante às formas mais prováveis apresentadas pelos produtos em causa e que, por conseguinte, devia ser considerada desprovida de caráter distintivo.

38      Daqui resulta que o recorrente não pode sustentar que a Câmara de Recurso não procedeu a uma apreciação global do caráter distintivo da marca contestada, e que não teve em conta as suas características, tendo‑se limitado a constatar a inexistência de caráter distintivo do somatório de cada um dos seus elementos.

39      Além disso, o recorrente sustenta que a Câmara de Recurso considerou, erradamente, na decisão recorrida que a marca contestada correspondia a uma forma de embalagem que é largamente utilizada no mercado para a comercialização dos produtos em causa, quando resultava dos exemplos por ele fornecidos que a embalagem mais comummente utilizada nesse setor é completamente diferente da embalagem da marca contestada.

40      A este respeito, basta referir que o facto de existirem, no mercado dos produtos em causa, outros tipos de embalagem não contradiz a constatação da Câmara de Recurso segundo a qual existem igualmente formas de embalagem muito semelhantes à da marca contestada que não são inabituais. Em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.° 20, para se verificar a falta de caráter distintivo de uma marca, basta que esta não divirja de modo significativo da norma ou dos hábitos do setor, e não é necessário demonstrar que essa marca consiste na forma de embalagem mais corrente no mercado.

41      Em quarto lugar, o recorrente alega que a Câmara de Recurso apreciou de modo demasiado restritivo o caráter distintivo da marca contestada.

42      Por um lado, sustenta que a jurisprudência aplicada pela Câmara de Recurso segundo a qual, para dispor de caráter distintivo na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, uma marca tridimensional deve divergir de forma significativa da norma ou dos hábitos do setor, não é aplicável quando, como acontece no caso vertente, o consumidor médio manifesta um elevado nível de atenção e a marca contestada não é constituída pela forma dos produtos, mas pela sua embalagem.

43      Este argumento não pode ser acolhido. Com efeito, basta recordar que a Câmara de Recurso teve razão ao considerar, como resulta do n.° 18, supra, que o público relevante não manifesta um grau de atenção particularmente elevado relativamente aos produtos em causa. Além disso, no caso em apreço, a forma da embalagem deve ser equiparada à forma dos produtos em causa.

44      Por outro lado, o recorrente acusa a Câmara de Recurso de ter aplicado um critério mais restritivo do que o exigido pela jurisprudência para apreciar o caráter distintivo da marca contestada. A Câmara de Recurso exigiu que a marca contestada se «diferencie substancialmente» das formas de base do produto em causa, ao passo que a jurisprudência exige apenas que a Câmara de Recurso aprecie se a marca contestada «diverge de forma significativa» da norma e dos hábitos do setor.

45      Assim, basta referir que a exigência de uma «diferença substancial» não corresponde, contrariamente ao que sustenta o recorrente, ao critério segundo o qual a Câmara de Recurso apreciou o caráter distintivo da marca contestada. Com efeito, na decisão recorrida, só após ter concluído pela inexistência de caráter distintivo da marca contestada é que a Câmara de Recurso, citando o acórdão do Tribunal Geral de 31 de maio de 2006, De Waele/IHMI (Forma de uma salsicha) (T‑15/05, Colet., p. II‑1511), utilizou a expressão «diferença substancial» para responder a um argumento do recorrente relativo à novidade e à originalidade da forma da marca contestada.

46      Além disso, o recorrente alega que, visto, no seu acórdão de 3 de dezembro de 2003, Nestlé Waters France/IHMI (Forma de uma garrafa) (T‑305/02, Colet., p. II‑5207), o Tribunal Geral ter reconhecido que uma marca tridimensional em forma da garrafa, cujo registo se pedia para bebidas não alcoólicas pertencentes à classe 32, era dotada de um mínimo de caráter distintivo na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, a mesma solução deveria ser aplicada no caso em apreço, uma vez que se trata de um setor muito semelhante, a saber, o dos produtos da classe 30. A este respeito, há que recordar que o caráter distintivo de uma marca deve ser apreciado relativamente aos produtos ou aos serviços para os quais o registo foi pedido e tendo em conta a perceção que deles tem o público relevante, e que a Câmara de Recurso deve examinar se essa marca diverge de forma significativa da norma ou dos hábitos do setor dos produtos em causa. Por conseguinte, a solução adotada pelo Tribunal Geral num acórdão relativo a uma marca diferente da marca contestada, cujo registo era pedido para produtos diferentes dos referidos no presente caso e pertencente a um setor diferente, não é pertinente para apreciar o caráter distintivo da marca contestada no caso em apreço.

47      Resulta do exposto que o recorrente não demonstrou que a Câmara de Recurso tenha cometido um erro ao considerar que a marca contestada era desprovida de caráter distintivo, na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009.

48      Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009

49      O recorrente sustenta que a Câmara de Recurso fez uma aplicação errada do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009 ao considerar que as provas que forneceu não eram suficientes para demonstrar que a marca contestada tinha adquirido caráter distintivo pela sua utilização.

50      Por força do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009, o motivo absoluto de recusa referido no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do mesmo regulamento não se opõe ao registo de uma marca se, para os produtos para os quais o registo foi pedido, a mesma tiver adquirido caráter distintivo pela sua utilização.

51      O artigo 52.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009 dispõe, nomeadamente, que, se a marca comunitária tiver sido registada contrariamente ao n.° 1, alínea b), do artigo 7.° deste regulamento, não pode, todavia, ser declarada nula se, pela utilização que dela foi feita, tiver adquirido, depois do registo, um caráter distintivo para os produtos ou serviços para que foi registada.

52      A este respeito, resulta da jurisprudência que a aquisição de caráter distintivo pela utilização da marca exige que pelo menos uma fração significativa do público relevante identifique, graças à marca, os produtos ou os serviços em causa como provenientes de determinada empresa [v. acórdão do Tribunal Geral de 15 de dezembro de 2005, BIC/IHMI (Forma de um isqueiro de pedra), T‑262/04, Colet., p. II‑5959, n.° 61 e jurisprudência aí referida].

53      No caso em apreço, a Câmara de Recurso afirmou que, visto a marca contestada ser uma marca tridimensional, o território relevante é o da União. Considerou que os elementos de prova apresentados pelo recorrente não eram suficientes para demonstrar que a marca contestada tinha adquirido caráter distintivo na aceção do artigo 7.°, n.° 3, e do artigo 52.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009. Com efeito, a Câmara de Recurso considerou, por um lado, que esses elementos de prova, vistos na sua totalidade, faziam referência unicamente a oito Estados‑Membros da União e que, como tal, não provavam a aquisição de caráter distintivo numa parte substancial da União. Considerou, por outro lado, que o recorrente não tinha provado que a marca contestada havia sido percebida como uma designação da origem dos produtos, devido ao facto de a forma da embalagem sempre ter sido utilizada em conjugação com o sinal LA GELATERIA DI PIAZZA NAVONA impresso nessa embalagem.

54      Em primeiro lugar, o recorrente limita‑se a alegar que a utilização da marca contestada em conjugação com o sinal LA GELATERIA DI PIAZZA NAVONA impresso na embalagem demonstra que o consumidor relevante apreende, além da representação gráfica, a forma tridimensional como uma indicação da origem dos produtos em causa. Basta constatar que esta simples alegação não é suscetível de pôr em causa a conclusão da Câmara de Recurso segundo a qual esses elementos de prova eram insuficientes para demonstrar a utilização da marca contestada enquanto marca e deve, por conseguinte, ser rejeitada.

55      Em todo o caso, deve referir‑se que, na verdade, de acordo com a jurisprudência, uma marca tridimensional pode adquirir caráter distintivo pela utilização, mesmo que seja usada juntamente com outra marca nominativa ou figurativa. É o que acontece quando a marca é constituída pela forma do produto ou da sua embalagem e estes se revestem sistematicamente de uma marca nominativa sob a qual são comercializados. Este caráter distintivo pode ser adquirido, designadamente, após um processo normal de familiarização do público em causa [v. acórdão do Tribunal Geral de 29 de janeiro de 2013, Germans Boada/IHMI (Forma de uma cortadora de cerâmica), T‑25/11, não publicado na Coletânea, n.° 83 e jurisprudência aí referida].

56      Contudo, a identificação do produto pelos meios interessados como proveniente de uma empresa determinada deve ser efetuada graças ao uso da marca enquanto marca. A expressão «uso da marca enquanto marca» deve, assim, ser entendida no sentido de que se refere ao uso da marca para efeitos da identificação do produto ou do serviço pelos meios interessados como sendo proveniente de uma empresa determinada. Assim, nem todas as utilizações da marca constituem necessariamente uso enquanto marca (acórdão Forma de uma cortadora de cerâmica, referido no n.° 55, supra, n.° 85).

57      Ora, nas circunstâncias do caso em apreço, apenas se o recorrente tivesse alicerçado concretamente a afirmação segundo a qual a forma da embalagem dos produtos em causa era particularmente memorizada pelos consumidores relevantes como indicação da sua origem comercial é que teria sido, eventualmente, possível ver nas provas apresentadas um primeiro indício neste sentido, a saber, que o aspeto particular da forma tridimensional da embalagem dos produtos em causa que compõe a marca contestada permitia diferenciá‑la das formas provenientes de outros fabricantes. Basta salientar que o recorrente não apresenta nenhum argumento nesse sentido.

58      Em segundo lugar, quanto ao argumento do recorrente segundo o qual a Câmara de Recurso não tinha tido em conta que os elementos de prova que fornecera cobriam uma parte substancial dos consumidores da União, deve ser julgado inoperante, na medida em que o recorrente não demonstrou que a Câmara de Recurso tinha cometido um erro ao considerar que esses elementos de prova não permitiam demonstrar que a marca contestada tinha sido usada enquanto marca.

59      Daqui resulta que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente e, por conseguinte, o recurso no seu todo.

 Quanto às despesas

60      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrente sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, em conformidade com os pedidos do IHMI e da interveniente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      Giorgio Giorgis é condenado nas despesas.

van der Woude

Wiszniewska‑Białecka

Ulloa Rubio

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de setembro de 2014.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.