Language of document : ECLI:EU:T:2013:170

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

12 de abril de 2013 (*)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Direitos de autor relativos à execução pública das obras musicais na internet, por satélite e por retransmissão por cabo — Decisão que declara uma infração ao artigo 81.° CE — Repartição do mercado geográfico — Acordos bilaterais entre sociedades de gestão coletiva nacionais — Prática concertada que exclui a possibilidade de conceder licenças multiterritoriais e multirrepertórios — Prova — Presunção de inocência»

No processo T‑401/08,

Säveltäjäin Tekijänoikeustoimisto Teosto ry, com sede em Helsinki (Finlândia), representada por H. Pokela, advogado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por E. Paasivirta, F. Castillo de la Torre e P. Aalto, e em seguida por Paasivirta e Castillo de la Torre, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação da decisão C (2008) 3435 final da Comissão, de 16 de julho de 2008, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do acordo EEE (Processo COMP/C2/38.698 — CISAC),

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto por: H. Kanninen (relator), presidente, S. Soldevila Fragoso e M. van der Woude, juízes,

secretário: C. Kristensen, administradora,

vistos os autos e no seguimento das audiências de 4 de outubro de 2011 e de 29 de junho de 2012,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio e decisão impugnada

1        A Decisão C (2008) 3435 final da Comissão, de 16 de julho de 2008, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do acordo EEE (Processo COMP/C2/38.698 — CISAC) (a seguir «decisão impugnada»), trata das condições de gestão dos direitos de execução pública das obras musicais bem como da concessão das respetivas licenças no que diz respeito apenas aos meios de exploração por internet, satélite e retransmissão por cabo e é dirigida a 24 sociedades de gestão coletiva estabelecidas no Espaço Económico Europeu (EEE) que são membros da Confédération internationale des sociétés d’auteurs et compositeurs (CISAC) (a seguir «SGC»), entre as quais figura a recorrente Säveltäjäin Tekijänoikeustoimisto Teosto ry.

2        As SGC gerem os direitos que detêm os autores (das letras e os compositores) sobre as obras musicais que criaram. Estes direitos incluem geralmente o direito exclusivo de autorizar ou de proibir a exploração das obras protegidas. É nomeadamente o caso no que respeita aos direitos de execução pública. Uma SGC adquire esses direitos, seja por cessão direta dos titulares dos direitos originais, ou por transmissão por parte de outra SGC que gere as mesmas categorias de direitos noutro país e concede, em nome dos seus membros, licenças de exploração aos utilizadores comerciais, tais como as empresas de radiodifusão ou os organizadores de espetáculos (a seguir «utilizadores»).

3        A gestão dos direitos de autor implica para cada SGC assegurar‑se de que cada titular dos direitos receba a remuneração que lhe é devida pelas explorações das suas obras, qualquer que seja o território no qual estas explorações tenham lugar, e de vigiar por que nenhuma exploração não autorizada de obras protegidas ocorra.

4        Neste contexto, a CISAC elaborou um contrato‑tipo, não vinculativo, cuja versão inicial remonta a 1936, que foi modificado várias vezes e deve ser completado pelas SGC contratantes, nomeadamente no que diz respeito à definição do território de exercício (a seguir «contrato‑tipo»). Com base no contrato‑tipo, as SGC concluíram acordos de representação recíproca, através dos quais se conferem mutuamente o direito de conceder licenças (a seguir «ARR»). Os ARR cobrem não apenas o exercício dos direitos para as aplicações tradicionais ditas «off‑line» (sem estar em linha) (concertos, rádio, discotecas, etc.), mas também a exploração por internet, satélite, ou por retransmissão por cabo.

I —  Procedimento administrativo

5        Em 2000, a RTL Group SA, um grupo de radiodifusão sonora e televisiva, apresentou à Comissão das Comunidades Europeias uma queixa contra uma SGC membro da CISAC para denunciar a recusa desta em lhe conceder, para as suas atividades de radiodifusão musical, uma licença à escala comunitária. Em 2003, a Music Choice Europe Ltd, que fornece serviços de radiodifusão e de televisão na internet, apresentou uma segunda queixa contra a CISAC recorrente a qual visava o contrato‑tipo. Estas queixas levaram a Comissão a abrir um processo de aplicação das regras da concorrência.

6        Em 8 de abril de 2005, a recorrente transmitiu à Comissão uma carta em resposta ao seu pedido de informação datado de 14 de março de 2005, incluindo excertos dos seus ARR.

7        Em 31 de janeiro de 2006, a Comissão dirigiu uma comunicação de acusações à CISAC e às SGC (a seguir «comunicação de acusações»), à qual a recorrente respondeu em 10 de abril de 2006.

8        A CISAC e a maioria das SGC, entre as quais a recorrente, foram ouvidas pela Comissão na audiência que teve lugar nos dias 14, 15 e 16 de junho de 2006.

9        Em 18 de setembro de 2006, a Comissão enviou à recorrente um novo pedido de informações, ao qual esta última respondeu por carta de 3 de outubro de 2006.

10      Em março de 2007, a recorrente e 17 outras SGC assim como a CISAC propuseram à Comissão compromissos nos termos do artigo 9.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003 L 1, p. 1), que foram objeto de publicação no Jornal Oficial da União Europeia, em conformidade com o artigo 27.°, n.° 4, desse mesmo regulamento (JO 2007 C 128, p. 12).

11      No considerando 72 da decisão impugnada, a Comissão afirmou que, atendendo às observações recebidas, os compromissos referidos no n.° 10 supra não dariam uma resposta adequada aos problemas de concorrência suscitados na comunicação de acusações.

II —  Cláusulas do contrato‑tipo visadas

12      A decisão impugnada visa, nomeadamente, as cláusulas previstas pelo menos durante um certo período, pelo contrato‑tipo relativas, por um lado, à adesão dos titulares dos direitos nas SGC (a seguir «cláusula de adesão») e, por outro, ao caráter exclusivo dos mandatos que as SGC se concedem mutuamente nos ARR assim como ao seu âmbito territorial.

13      Em relação à cláusula de adesão, o artigo 11.°, n.° 2, do contrato‑tipo previa, até 3 de junho de 2004, que as SGC apenas sob certas condições podiam aceitar como membro um autor já filiado noutra SGC ou com nacionalidade de um dos países nos quais outra SGC exercia a sua atividade (considerandos 18 a 21 e 27 da decisão impugnada). Não pode ser excluído que um certo número de ARR ainda contenha uma cláusula deste tipo (considerandos 35, 125 e 260 da decisão impugnada).

14      Relativamente ao caráter exclusivo dos mandatos e do seu âmbito territorial, em primeiro lugar, o artigo 1.°, n.os 1 e 2, do contrato‑tipo previa, até maio de 1996, que uma das SGC conferiria reciprocamente à outra o direito exclusivo de, nos territórios onde esta última operava, conceder as licenças necessárias para toda a execução pública (a seguir «cláusula de exclusividade»). Em segundo lugar, o artigo 6.° do contrato‑tipo convida, no seu n.° 1, as SGC a definir os seus respetivos territórios de exercício, sem dar detalhes a este respeito. O n.° 2 deste mesmo artigo estipula que cada SGC deve abster‑se, nos territórios da outra, de qualquer interferência no exercício, por esta última, do mandato que lhe tenha sido conferido (a seguir «cláusula de não interferência») (considerandos 22 a 25 da decisão impugnada).

15      Segundo a decisão impugnada, as SGC aplicaram o artigo 6.°, n.° 1, do contrato‑tipo de forma a nele introduzir limitações territoriais, de modo a que a cobertura geográfica das licenças concedidas por uma determinada sociedade se encontre, salvo algumas pequenas exceções, limitada ao território do país do EEE no qual esta está estabelecida (a seguir «limitações territoriais nacionais») (considerando 38 da decisão impugnada).

16      Os elementos fornecidos pelas SGC no âmbito do procedimento administrativo não permitiram à Comissão concluir com certeza, por um lado, que 17 destas tinham efetiva e completamente suprimido a cláusula de exclusividade dos seus ARR e, por outro, que o conjunto das SGC tinham efetiva e totalmente suprimido a cláusula de não interferência dos referidos acordos (considerandos 37 e 40 da decisão impugnada).

III —  Mercados em causa

17      A gestão coletiva dos direitos de autor visada pelo contrato‑tipo englobava os três mercados dos produtos seguintes: em primeiro lugar, o fornecimento de serviços de gestão de direitos de autor aos titulares dos direitos, em segundo lugar, o fornecimento de serviços de gestão de direitos de autor às outras SGC e, em terceiro lugar, a concessão de licenças que cubram os direitos de execução pública aos utilizadores para a exploração na internet, por satélite e por retransmissão por cabo (considerando 49 da decisão impugnada).

18      Do ponto de vista geográfico, o primeiro mercado é de âmbito nacional, mas, na falta de restrições de filiação, pode ser mais amplo (considerandos 58 e 59 da decisão impugnada).

19      O segundo mercado apresenta, por sua vez, um aspeto nacional que abrange também elementos transfronteiriços. Uma vez que as atividades de transmissão por internet não estão limitadas a um único país do EEE, as empresas destes setores requerem licenças multiterritoriais que as SGC poderiam conceder se não existissem as restrições previstas nos ARR. Da mesma forma, para a transmissão por satélite e a retransmissão por cabo, qualquer SGC estabelecida na zona de pegada do satélite poderia conceder licenças que cobrissem a totalidade dessa zona (considerandos 60 a 62 da decisão impugnada).

20      Por fim, embora historicamente o terceiro mercado tenha sido definido como tendo um âmbito nacional devido à necessidade de uma supervisão local, não seria forçosamente o mesmo para as explorações por internet, por satélite e por retransmissão por cabo, uma vez que é possível a supervisão à distância nesses domínios (considerandos 63 e 64 da decisão impugnada).

IV —  Aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, e do artigo 53.°, n.° 1, do Acordo EEE

A —  Cláusulas de adesão, de exclusividade e de não interferência

21      Em primeiro lugar, a cláusula de adesão constitui, para efeitos do presente processo, uma infração ao artigo 81.°, n.° 1, CE e ao artigo 53.°, n.° 1, do Acordo EEE (considerandos 123 a 137 da decisão impugnada).

22      Em segundo lugar, no seguimento da análise da cláusula de exclusividade e da cláusula de não interferência, verificou‑se que a cláusula de exclusividade tinha por efeito fechar o mercado nacional das SGC que beneficiam da exclusividade, na medida em que nenhuma SGC poderia ter concedido licenças no território nacional de outra SGC. Segundo a Comissão, está excluída a própria possibilidade de que uma SGC conceda diretamente a um utilizador uma licença que cobre somente o seu próprio repertório para execuções que tenham lugar no território nacional de outra SGC (a seguir «licença direta»).

23      No que respeita à cláusula de não interferência, a Comissão relembra que, na comunicação de acusações, tinha considerado, em substância, considerado que a referida reforçava a cláusula de exclusividade. No seguimento das observações de certas SGC, segundo as quais a cláusula de não interferência não impediria a concessão de licenças diretas, e tendo em conta que certos ARR tinham sido modificados para suprimir a referida cláusula, a Comissão decidiu não intervir sobre esta disposição do contrato‑tipo (considerandos 138 a 152 da decisão impugnada).

B —  Prática concertada relativa às limitações territoriais nacionais

24      Segundo a Comissão, as limitações territoriais nacionais constituem o resultado de uma prática concertada que restringe a concorrência (considerandos 154 e 155 da decisão impugnada).

25      Com efeito, as limitações territoriais nacionais não podem ser explicadas simplesmente por um comportamento autónomo com origem nas forças do mercado. Assim, as SGC substituíram os riscos da concorrência por uma cooperação entre elas a fim de assegurar, em certa medida, que as referidas limitações fossem não só aceites a título de reciprocidade pelas outras SGC, mas também aplicadas em todos os ARR (considerandos 156 e 157 da decisão impugnada).

26      A razão desta certeza está na dependência mútua existente entre as SGC, em particular no setor das aplicações «off‑line», que necessitam de redes de supervisão local. Para a concessão de licenças e a cobrança de direitos no estrangeiro, cada SGC é assim dependente das outras e, exposta deste modo a medidas de retorsão na hipótese de, no domínio dos direitos «on‑line» (em linha), não desejar manter a segmentação histórica do mercado (considerando 157 da decisão impugnada).

27      Segundo a Comissão, a existência de uma prática concertada resulta de um certo número de elementos.

28      Em primeiro lugar, a Comissão sublinha que as SGC discutiram sobre a uniformização dos seus contratos modelo no contexto das atividades da CISAC (considerando 158 da decisão impugnada).

29      Em segundo lugar, o acordo de Santiago (Chile), notificado por várias SGC à Comissão a fim de obter uma isenção ao abrigo do artigo 81.°, n.° 3, CE demonstra que a questão do âmbito territorial dos mandatos visados pelo ARR, em particular aqueles que cubram as novas formas de exploração, tinha sido objeto de discussões multilaterais entre as SGC. Este acordo, através do qual as SGC se comprometeram a conceder licenças mundiais, mas somente aos utilizadores estabelecidos no seu território nacional, não foi renovado aquando da sua expiração, no final de 2004, na sequência da comunicação de acusações que a Comissão tinha dirigido às SGC no âmbito do processo destinado a obter a isenção acima referida (a seguir «comunicação de acusações Santiago»), o que levou novamente às limitações territoriais nacionais. Na decisão impugnada, a Comissão considera que o abandono do acordo de Santiago comprova o facto de que as SGC coordenavam efetivamente os seus comportamentos no que respeita ao alcance das licenças para a exploração através da internet (considerandos 158 e 169 da decisão impugnada).

30      Em terceiro lugar, o paralelismo de comportamentos relativo às limitações territoriais nacionais deve ser apreciado à luz da situação anterior, na qual os ARR continham a cláusula de exclusividade. Ora, o facto de que nenhuma alteração de comportamento relativa às referidas limitações tenha acontecido após a supressão da cláusula de exclusividade constitui um indício de prática concertada. A este respeito, contudo, a decisão impugnada reconhece que tal não é o caso quando existam outras razões suscetíveis de demonstrar que a segmentação do mercado é o resultado de um comportamento individual (considerando 170 da decisão impugnada).

31      Em relação à existência de tais razões no presente caso, a Comissão observa, em primeiro lugar, embora admitindo que o direito de autor e o alcance da sua proteção são definidos pelas legislações nacionais, que esta circunstância não implica que as licenças relativas a um determinado país devam ser concedidas pela SGC nacional. A este respeito, a sua tese apoia‑se no acordo de Santiago (considerandos 159 e 160 da decisão impugnada).

32      Em segundo lugar, a Comissão nega que o quadro legislativo na matéria, nomeadamente a Diretiva 93/83/CEE do Conselho, de 27 de setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo (JO L 248, p. 15), justifica o comportamento das SGC no que respeita à transmissão por satélite. Com efeito, a referida diretiva limita‑se a determinar qual a legislação aplicável à exploração por satélite de obras protegidas, isto é, a do país do EEE no qual os sinais portadores de programas são introduzidos numa cadeia ininterrupta de comunicação que conduz ao satélite e deste para a Terra.

33      Contudo, a Diretiva 93/83 não determina que apenas a SGC estabelecida nesse país do EEE pode conceder as licenças necessárias para essa forma de exploração dos direitos de autor. Por outro lado, uma vez que esta diretiva prevê que se deve considerar que o ato de comunicação ocorre exclusivamente no referido país, os utilizadores necessitam apenas de uma licença para este último. Consequentemente, a Diretiva 93/83 tornou obsoleto o acordo de Sidney (Austrália), pelo qual, em 1987, as SGC tinham inserido no contrato‑tipo uma norma segundo a qual a SGC estabelecida no país do qual os sinais portadores dos programas subiam para o satélite estavam autorizados a conceder licenças relativas à pegada total do satélite, se necessário após ter consultado ou após ter obtido o consentimento das outras SGC em causa (considerandos 163 a 165 da decisão impugnada).

34      Em terceiro lugar, a Comissão observa que as SGC apresentam diferenças importantes no plano da eficiência, dos custos administrativos e dos seus repertórios. Deste modo, poderia ser interessante para uma delas mandatar uma SGC com resultados particularmente positivos para conceder licenças que cubram um território maior do que aquele no qual esta última está estabelecida, ou mandatar mais do que uma SGC em certas regiões com o intuito de aumentar a difusão do seu repertório e, da mesma forma, a remuneração dos seus autores (considerandos 167 e 168 da decisão impugnada).

35      Em quarto lugar, a Comissão sublinha que, uma vez que a decisão impugnada apenas diz respeito à exploração legal de obras protegidas por um direito de autor (considerando 11 da decisão impugnada), a necessidade de uma supervisão local não explica as limitações territoriais nacionais. Com efeito, para a exploração por internet, por satélite e por retransmissão por cabo, existem soluções técnicas que permitem supervisionar o detentor de uma licença mesmo que esta seja utilizada fora do território nacional da SGC ou que o detentor esteja estabelecido fora desse território. As SGC já instituíram práticas de concessão de licença, como demonstra designadamente a concessão das licenças diretas, que registam o estado da sua capacidade para supervisionar as utilizações e os utilizadores fora do seu território nacional. Por outro lado, o sistema atual não se baseia no princípio de proximidade com o adquirente da licença na medida em que a limitação territorial do mandato significa que cada SGC concede licenças para a exploração de direitos no seu território de atividade qualquer que seja a residência do detentor (considerandos 171 a 174 da decisão impugnada).

36      Nos considerandos 186 a 199, a Comissão faculta mais detalhes sobre cada uma das formas de exploração visadas pela decisão impugnada. Em especial, em relação à internet, a Comissão refere‑se ao acordo Simulcast, que beneficiou de uma isenção com base na Decisão 2003/300/CE da Comissão, de 8 de outubro de 2002, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/C2/38.014 — IFPI «Simulcast») (JO 2003 L 107, p. 58). Este acordo permite às empresas de radiodifusão, cujos sinais são emitidos no EEE, dirigirem‑se a quaisquer SGC partes nesse acordo para obter uma licença multiterritorial e multirrepertório que autorize a difusão em simulcast (transmissão simultânea pelas estações de rádio e pelos canais de televisão, através da internet, de gravações sonoras incluídas nos seus sinais sonoros ou televisuais). O mesmo acontece com outro acordo, o acordo Webcasting (considerando 191 da decisão impugnada).

37      Além disso, a Comissão refere‑se ao modelo de cooperação «nórdico e báltico» (a seguir «modelo CNB»), que permite a um utilizador obter uma única licença multiterritorial para as explorações «on‑line» que cubram os direitos de reprodução mecânica e de direitos de execução pública, válida para a Dinamarca, a Estónia, a Letónia, a Lituânia, a Finlândia, a Suécia, a Islândia e a Noruega (considerando 179 da decisão impugnada).

38      Por outro lado, a Comissão refere que em janeiro de 2006, as SGC alemãs e do Reino Unido, a Gesellschaft für musikalische Aufführungs‑ und mechanische Vervielfältigungsrechte (GEMA) e a Performing Right Society Ltd (PRS) criaram a empresa comum Celas que funciona como balcão único à escala pan‑europeia para a concessão de licenças de direitos «on‑line» e móveis referente ao repertório anglo‑americano de um determinado editor (considerando 193 da decisão impugnada).

39      A Comissão afirma que a existência desses acordos demonstra que a presença no local não é necessária (considerando 190 da decisão impugnada). A este respeito, a Comissão observa que, se o controlo efetuado sem a presença no local detetasse violações que carecem de procedimento legal ou se fosse necessário efetuar verificações das contas no local, seria possível que a SGC que tivesse emitido uma licença que cobrisse um território diferente do do seu Estado‑Membro de estabelecimento confiasse essas tarefas a outra pessoa, como a SGC local, que está presente no local e que tem os necessários conhecimentos do sistema jurídico do país em causa (considerandos 177 e 178 da decisão impugnada).

40      Após ter fornecido esses elementos com o objetivo de demonstrar que as limitações territoriais nacionais contidas nos ARR só podiam ser explicados pela presença de uma prática concertada, a Comissão admite que, em circunstâncias particulares, a decisão de não atribuir o direito de conceder as licenças fora do território no qual está estabelecida uma SGC pode resultar do facto de a outra SGC não dispor de capacidades técnicas que lhe permitam assegurar uma supervisão e um controlo eficazes ou do facto de o sistema jurídico de um país do EEE apresentar características tais que a sociedade nacional seja privilegiada no momento da escolha do mandatário, em razão, por exemplo, do seu eventual estatuto particular nas ações judiciais perante os tribunais nacionais. Uma limitação territorial que resulte da apreciação desses fatores não constitui normalmente uma prática concertada restritiva da concorrência. Em contrapartida, a prática sistemática das limitações territoriais nacionais em todos os ARR não pode ser explicada por esses fatores (considerandos 182 e 183 da decisão impugnada).

41      Tendo assim concluído que o comportamento das SGC constituía uma prática concertada, a Comissão examinou a questão de saber se esta prática restringia a concorrência. Considerou que tal era o caso uma vez que esta prática garantia a cada SGC ser a única a poder conceder aos utilizadores licenças multirrepertórios relativas ao seu país de estabelecimento no EEE (considerandos 207 a 209 da decisão impugnada).

42      O resultado seria que cada SGC pode faturar custos administrativos pela gestão dos direitos e a concessão das licenças sem ter de sofrer pressão concorrencial de outras sociedades sobre esses custos. Esta ausência de concorrência poderia ter repercussões negativas mesmo em relação aos autores cujos rendimentos podem variar consoante a sociedade que gere os seus direitos (considerandos 134 e 210 da decisão impugnada).

43      Em resposta ao argumento, invocado por certas SGC nas suas respostas à comunicação de acusações, segundo o qual a concorrência entre SGC provocaria um nivelamento por baixo dos direitos recebidos pelos titulares respetivos, a Comissão afirmou, referindo‑se à Decisão 2003/300, que o artigo 81.°, n.° 3, CE permitia desenvolver um mecanismo de tarifas capaz de limitar aos custos administrativos a concorrência sobre os preços das licenças, sem ter impacto sobre a remuneração dos titulares dos direitos. De qualquer modo, a SGC mandante poderia simplesmente definir um nível de receitas para o seu repertório em relação às outras SGC que concedem licenças no estrangeiro. Deste modo, receberia um preço por grosso garantido para o seu repertório permitindo ao mesmo tempo que as SGC que concedam licenças sobre esse repertório concorressem entre si relativamente à margem que elas acrescentam a esse preço por grosso (considerando 217 a 219 da decisão impugnada).

44      A este respeito, a Comissão destaca o facto de certas modificações do sistema de tarifas incentivarem as SGC a concorrer entre si. Com efeito, uma tendência recente do mercado confirma que poderia ser judicioso para os titulares dos direitos, e por conseguinte, também para as SGC, ceder os seus direitos a várias SGC concorrentes. Um grupo de editores anunciou assim a sua intenção de designar várias SGC que teriam o poder de conceder aos utilizadores licenças pan‑europeias para a exploração dos direitos mecânicos anglo‑americanos sobre o seu repertório para uma utilização «on‑line» (considerando 220 da decisão impugnada).

45      Por outro lado, a decisão impugnada refere também a Decisão C (2006) 4350 da Comissão, de 4 de outubro de 2006, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/C2/38.681 — Extensão do Acordo de Cannes) (JO 2007, L 296, p. 27), relativa às licenças sobre os direitos mecânicos que impôs compromissos vinculativos que previam um mecanismo que permite conceder licenças multiterritoriais ao garantir que os rendimentos dos titulares dos direitos não se desgastem, graças à fixação de uma taxa uniforme acordada por todas as SGC, permitindo uma certa concorrência através da introdução da possibilidade, para as SGC, de propor uma redução máxima às empresas de gravação, limitada às despesas administrativas (considerando 82 da decisão impugnada).

V —  Dispositivo

46      Com base, nomeadamente, nestas considerações, e após ter declarado que o comércio entre os Estados‑Membros era afetado pelos acordos bilaterais em causa e que as condições para a aplicação do artigo 81.°, n.° 3, CE e do artigo 53.°, n.° 3, do Acordo EEE, não estavam reunidas, a Comissão, sem aplicar uma coima, decidiu o seguinte na decisão impugnada:

«Artigo 1.°

As [24] empresas seguintes violaram os artigos 81.° [CE] e 53.° do Acordo EEE ao utilizar, nos seus acordos de representação recíproca, as restrições de adesão previstas no artigo 11.°[, n.° 2,] do contrato‑tipo […] ou ao aplicar de facto estas restrições de adesão:

[…]

TEOSTO

[…]

Artigo 2.°

As [17] empresas seguintes violaram os artigos 81.° [CE] e 53.° do Acordo EEE ao conferir, nos seus contratos de representação recíproca, direitos exclusivos como previstos no artigo 1.°[, n.os 1 e 2,] do contrato‑tipo […]:

[…]

TEOSTO

[…]

Artigo 3.°

As [24] empresas seguintes violaram os artigos 81.° [CE] e 53.° do acordo EEE ao coordenar as delimitações territoriais de maneira a restringir o âmbito de uma licença ao território nacional de cada [SGC]:

[…]

TEOSTO

[…]

Artigo 4.°

1.      As empresas visadas nos artigos 1.° e 2.° colocam imediatamente fim, se ainda não o fizeram, às infrações visadas nos referidos artigos e informam a Comissão de todas as medidas que tomaram a este respeito.

2.      As empresas visadas no artigo 3.° põem fim, no prazo de 120 dias a contar da data de notificação da presente decisão, à infração visada no referido artigo e informam a Comissão dentro do mesmo prazo de todas as medidas que tomaram a este respeito.

Em particular, as empresas visadas no artigo 3.° deverão rever de forma bilateral com as outras empresas visadas neste artigo o âmbito territorial dos seus mandatos no que diz respeito à retransmissão por satélite e por cabo e à utilização na internet em cada um dos seus acordos de representação recíproca, e fornecer à Comissão cópias dos acordos reapreciados.

3.      Os destinatários da presente decisão abstêm‑se futuramente de praticar qualquer ato ou comportamento descrito nos artigos 1.°, 2.° e 3.°, assim como de praticar qualquer ato ou comportamento que tenha um objeto ou um efeito idêntico ou semelhante.

[…]»

 Tramitação processual e pedidos das partes

47      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de setembro de 2008, a recorrente interpôs recurso destinado a obter a anulação da decisão impugnada.

48      Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal Geral no mesmo dia, a recorrente apresentou um pedido de medidas provisórias destinado a obter a suspensão da execução das disposições conjugadas dos artigos 31.° e 4.°, n.os 2 e 3, da decisão impugnada. Por despacho de 14 de novembro de 2008, Säveltäjäin Tekijänoikeustoimisto Teosto/Comissão (T‑401/08 R, não publicado na Coletânea), o presidente do Tribunal Geral indeferiu o pedido e reservou para final a decisão quanto às despesas.

49      Visto o relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Sexta Secção), decidiu iniciar a fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, convidou as partes a responder a várias perguntas. As partes responderam a esses pedidos.

50      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas formuladas pelo Tribunal Geral na audiência de 4 de outubro de 2011.

51      Por impedimento do juiz‑relator, o presidente do Tribunal Geral nomeou outro juiz‑relator e designou, nos termos do artigo 32.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, outro juiz para completar a Sexta Secção.

52      Por despacho de 11 de janeiro de 2012, o Tribunal Geral (Sexta Secção), na sua nova composição, reabriu a fase oral do processo e as partes foram informadas de que seriam ouvidas em nova audiência.

53      Foram novamente ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas formuladas pelo Tribunal Geral na audiência de 29 de junho de 2012.

54      Por conseguinte, o presidente da Sexta Secção decidiu encerrar a fase oral do processo.

55      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        anular a decisão impugnada;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

56      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        negar provimento ao recurso;

¾        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

57      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca, em substância, três fundamentos relativos:

¾        à aplicação errada do artigo 81.°, n.° 1, CE;

¾        à aplicação errada do artigo 81.°, n.° 3, CE;

¾        ao facto de a Comissão ter decidido ultra vires ao obrigar as SGC a alterar um comportamento que não era contrario ao artigo 81.° CE.

I —  Quanto ao primeiro fundamento, relativo à aplicação errada do artigo 81.°, n.° 1, CE

58      O primeiro fundamento é composto por três partes relativas à inexistência de infração ao artigo 81.°, n.° 1, CE no que diz respeito, em primeiro lugar, à cláusula de adesão, em segundo lugar, à cláusula de exclusividade e, em terceiro lugar, às limitações territoriais.

A —  Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa à cláusula de adesão

59      Em primeiro lugar, a recorrente sustenta que a cláusula de adesão apenas figura em cinco dos seus 23 ARR. Na réplica, expõe que a cláusula de adesão foi suprimida de todos os seus ARR. A recorrente observa também que a referida cláusula nunca foi aplicada na prática. A Comissão não demonstrou que a recorrente aplicava efetivamente a cláusula de adesão nem indicou com precisão o que era imputado à recorrente, não respeitando assim o dever de fundamentação.

60      Em segundo lugar, a recorrente alega que a cláusula de adesão não teve por objeto nem por efeito restringir a concorrência. Com efeito, os titulares dos direitos dirigiam‑se naturalmente à SGC estabelecida no seu país, e isto por razões essencialmente linguísticas e culturais, bem como pelo conhecimento que ela detinha do mercado local. Isto aplica‑se ainda mais tratando‑se do repertório finlandês, que se destina essencialmente a uma utilização local.

61      Antes de mais, há que considerar que a cláusula de adesão tem um objeto anticoncorrencial, como salientou a Comissão nos considerandos 127 e 130 da decisão impugnada. Com efeito, esta cláusula visa permitir às SGC repartirem entre si os autores segundo a sua nacionalidade ou, pelo menos, tornar mais difícil a possibilidade para um autor de aderir a uma SGC diferente da estabelecida no país do qual é nacional. Através desta cláusula, as SGC partilham entre si e compartimentam o mercado interno. Ora, segundo a jurisprudência, os acordos deste género figuram entre os exemplos de acordos expressamente declarados incompatíveis com o mercado comum no artigo 81.°, n.° 1, alínea c), CE e devem ser qualificados como restrições manifestas à concorrência. Infrações deste tipo, na medida em que obrigam as partes a respeitar mercados distintos, frequentemente delimitados pelas fronteiras nacionais, provocam o isolamento desses mercados, contrariando assim o objetivo principal dos tratados de integração do mercado interno (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 18 de julho de 2005, Scandinavian Airlines System/Commission, T‑241/01, Colet., p. II‑2917, n.° 85, e de 27 de julho de 2005, Brasserie nationale e o./Comissão, T‑49/02 a T‑51/02, Colet., p. II‑3033, n.os 173 e 174).

62      A este propósito, no que respeita à delimitação entre os acordos que têm um objeto anticoncorrencial e as que têm um efeito anticoncorrencial, há que recordar que o objeto e o efeito anticoncorrenciais não são requisitos cumulativos, mas alternativos, para apreciar se uma prática é abrangida pela proibição enunciada no artigo 81.°, n.° 1, CE. O caráter alternativo deste requisito, indicado pela conjunção «ou», conduz à necessidade de considerar, em primeiro lugar, o próprio objeto do acordo, tendo em conta o contexto económico no qual deve ser aplicado. Porém, se a análise do teor do acordo não revelar um grau suficiente de nocividade em relação à concorrência, há então que examinar os seus efeitos e, para que sobre ela recaia uma proibição, exigir a reunião dos elementos que determinam que a concorrência foi de facto impedida, restringida ou falseada de forma significativa (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, Colet., p. I‑4529, n.° 28 e jurisprudência referida).

63      Além disso, há que sublinhar que, para apreciar se um acordo é proibido pelo artigo 81.°, n.° 1, CE, a tomada em conta dos seus efeitos concretos é supérflua quando se verifique que tem por objeto impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum. A distinção entre «infrações por objeto» e «infrações por efeito» tem a ver com o facto de determinadas formas de conluio entre empresas poderem ser consideradas, pela sua própria natureza, prejudiciais ao funcionamento correto e normal da concorrência (v. acórdão T‑Mobile Netherlands e o., já referido, n.° 29 e jurisprudência referida).

64      Por outro lado, a prova da intenção de restringir a concorrência não constitui um elemento necessário para determinar se um acordo tem por objeto tal restrição (v. acórdão do Tribunal Geral de 9 de julho de 2009, Peugeot e Peugeot Nederland/Comissão, T‑450/05, Colet., p. II‑2533, n.° 55 e jurisprudência referida; v. também, neste sentido, acórdão T‑Mobile Netherlands e o., já referido, n.° 27).

65      De igual modo, o facto de uma cláusula de um acordo entre empresas, que tem por objeto restringir a concorrência, não ter sido aplicada pelos contratantes não basta para a subtrair à proibição do artigo 81.°, n.° 1, CE (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, C‑89/85, C‑104/85, C‑114/85, C‑116/85, C‑117/85 e C‑125/85 a C‑129/85, Colet., p. I‑1307, n.° 175, e acórdão do Tribunal Geral de 19 de maio de 1999, Accinauto/Comissão, T‑176/95, Colet., p. II‑1635, n.° 110).

66      Daqui decorre que a Comissão não estava obrigada a demonstrar que a recorrente aplicava efetivamente a cláusula de adesão.

67      Relativamente ao argumento da recorrente segundo o qual esta eliminou a cláusula de adesão de todos os seus ARR, há que referir que esta última não alegou e ainda menos demonstrou que a cláusula de adesão tinha sido suprimida de todos os seus ARR antes da adoção da decisão impugnada. Portanto, a Comissão pôde validamente declarar uma infração ao artigo 81.°, n.° 1, CE, uma vez que a cláusula de adesão ainda aparecia sempre em certos ARR da recorrente quando da adoção da decisão impugnada.

68      Tendo em conta, nomeadamente, os elementos acima referidos nos n.os 61, 66 e 67, há que concluir que a Comissão respeitou o dever de fundamentação em relação à cláusula de adesão.

69      À luz do que precede, há que julgar improcedente a primeira parte do primeiro fundamento.

B —  Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa à cláusula de exclusividade

70      A recorrente expõe que apenas alguns ARR contêm ainda a cláusula de exclusividade, mas que esta cláusula não é aplicada na prática. Por outro lado, a recorrente expõe que a cláusula de exclusividade não tem por objeto nem por efeito restringir a concorrência, visto que a situação é idêntica na falta dessa cláusula, o que a própria Comissão confirma ao reconhecer que a cláusula de exclusividade produz os mesmos efeitos das limitações territoriais nacionais.

71      Há que recordar que a cláusula de exclusividade prevê que a SGC A confere à SGC B o direito exclusivo, no território B, de conceder licenças sobre o repertório A, e vice‑versa. Por força desta cláusula, nenhuma SGC diferente da SGC B pode conceder, no território B, uma licença sobre o repertório A.

72      Por outro lado, esta cláusula exclui também a concessão de licenças diretas, uma vez que essa exclusão foi considerada anticoncorrencial nos acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de julho de 1989, Tournier (395/87, Colet., p. 2521, n.° 20), e Lucazeau e o. (110/88, 241/88 e 242/88, Colet., p. 2811, n.° 14).

73      É certo que, segundo a jurisprudência, em regra geral, o artigo 81.°, n.° 1, CE não se opõe à conclusão de qualquer contrato que contenha uma cláusula que preveja uma forma de exclusividade (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 9 de julho de 1969, Völk, 5/69, Colet.,1969‑1970, p. 95; de 6 de maio de 1971, Cadillon, 1/71, Recueil, p. 351, n.° 9, Colet., p. 115, e do Tribunal Geral de 8 de junho de 1995, Schöller/Comissão, T‑9/93, Colet., p. II‑1611, n.° 161). No entanto, no presente processo, há que considerar que a cláusula de exclusividade, tal como estava prevista no contrato‑tipo e repercutida nos ARR, tem um objeto anticoncorrencial na medida em que se destina a conceder a uma única SGC, num território determinado, o direito exclusivo de conceder licenças relativas a um dado repertório, criando assim um monopólio em proveito de cada uma das SGC, para a concessão de licenças relativas às explorações de obras musicais que têm lugar no território em que a mesma está estabelecida.

74      Nestas condições, com base na jurisprudência recordada nos n.os 61 a 64 supra, uma vez que é o próprio objeto da cláusula de exclusividade que é anticoncorrencial, não é necessário examinar os seus efeitos e ver, nomeadamente, se esses efeitos coincidem com os das limitações territoriais nacionais.

75      À luz do que precede, há que julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento.

C —  Quanto à terceira parte do primeiro fundamento, relativa às limitações territoriais

1.     Observações preliminares

76      Para efeitos do exame da terceira parte do primeiro fundamento, há que recordar, a título preliminar, certos aspetos do contexto do presente processo. Antes de mais, a decisão impugnada apenas visa as explorações de direitos de autor por internet, por satélite e por retransmissão por cabo, e não as explorações tradicionais, ditas «off‑line», ao passo que o contrato‑tipo e os ARR abrangem todas as formas de exploração.

77      No que diz respeito às formas de exploração dos direitos de autor visados pela decisão impugnada, as SGC e a recorrente não estabeleceram ex nihilo um novo sistema de gestão, distinto daquele previsto para as formas de exploração tradicionais. Contudo, admite‑se que, à medida das evoluções tecnológicas, foram efetuadas adaptações ao contrato‑tipo, criado em 1936, para as explorações tradicionais, nomeadamente pela via dos acordos de Sidney e de Santiago.

78      A Comissão não critica a existência, em si, do contrato‑tipo nem põe em causa a necessidade de uma cooperação entre as SGC, desde que esta não infrinja as regras de concorrência.

79      Por sua vez, as limitações territoriais nacionais contidas nos ARR não foram objeto de contestação por parte da Comissão antes de as novas tecnologias se desenvolverem e constituíam, portanto, o contexto da gestão coletiva no qual as SGC se encontravam quando as novas tecnologias se desenvolveram progressivamente. A decisão impugnada não precisa o momento em que as limitações passaram a ser contrárias às regras do direito da concorrência.

80      Além disso, mesmo em relação às explorações que utilizam as novas tecnologias, a Comissão não contesta as limitações territoriais nacionais enquanto tais, mas somente o facto de elas aparecerem em todos os ARR, o que resulta inevitavelmente de uma concertação.

81      É, nomeadamente, à luz destes elementos que a terceira parte do primeiro fundamento da recorrente, relativa à inexistência de infração ao artigo 81.°, n.° 1, CE, no que respeita às limitações territoriais nacionais, deve ser apreciada.

2.     Quanto à prova da prática concertada relativa às limitações territoriais

82      A recorrente sustenta que a Comissão não demonstrou que as limitações territoriais eram o resultado de uma coordenação. Com efeito, a recorrente contesta que o contrato‑tipo, em particular o seu artigo 6.°, pode ser considerado uma prova da pretensa coordenação. Na réplica, a recorrente acrescenta que os acordos de Santiago e de Sidney, bem como a referência feita ao sistema anterior baseado na exclusividade também não podem servir de base à existência de uma prática concertada.

83      A Comissão retorquiu que, para declarar a existência da prática concertada em causa, não se baseou somente no comportamento paralelo das SGC, mas também noutros elementos, ou seja:

a)      nas discussões sobre o alcance dos mandatos contidos nos ARR que as SGC utilizaram no contexto das atividades geridas pela CISAC;

b)      no acordo de Santiago;

c)      no acordo de Sidney;

d)      na ligação histórica entre a cláusula de exclusividade e as limitações territoriais nacionais.

84      Além disso, a Comissão considera que as explicações da recorrente, apresentadas na réplica e que visam contestar o valor probatório de certos contratos entre as SGC enunciadas na decisão impugnada, constituem um fundamento novo, inadmissível por força do artigo 48.° do Regulamento de Processo.

85      Os elementos referidos no n.° 82 supra, no primeiro, segundo e quarto travessões, são mencionados explicitamente no considerando 158 da decisão impugnada enquanto considerações que fundamentam a prática concertada. Perante o Tribunal Geral, a Comissão fez também referência ao acordo de Sidney para demonstrar que tinha havido discussão multilateral entre as SGC relativamente ao alcance territorial dos mandatos.

86      Segundo a Comissão, os elementos acima mencionados no n.° 82 constituem «documentos» no sentido do acórdão do Tribunal Geral, de 20 de abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, dito «PVC II» (T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colet., p. II‑931, n.° 727), que lhe permitem não examinar a questão de saber se o paralelismo dos comportamentos das SGC se pode explicar por razões diferentes da existência de uma concertação.

87      Resulta do artigo 2.° do Regulamento n.° 1/2003, bem como de jurisprudência assente que, no domínio do direito da concorrência, em caso de litígio sobre a existência de uma infração, compete à Comissão apresentar a prova das infrações por ela declaradas e apresentar os elementos probatórios adequados a demonstrar suficientemente a existência dos factos constitutivos de uma infração (acórdãos do Tribunal de Justiça, de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, Colet., p. I‑8417, n.° 58, e de 8 de julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, Colet., p. I‑4125, n.° 86; acórdão do Tribunal Geral, de 25 de outubro de 2011, Aragonesas Industrias y Energía/Comissão, T‑348/08, Colet., p. II‑7583, n.° 90).

88      Nesse contexto, a existência de dúvidas no espírito do juiz deve aproveitar à empresa destinatária da decisão que declara uma infração. O juiz não pode, pois, concluir que a Comissão fez prova bastante da existência da infração em causa se subsistir ainda no seu espírito uma dúvida sobre essa questão, nomeadamente no quadro de um recurso que visa a anulação de uma decisão que aplica uma coima (acórdãos do Tribunal Geral, de 27 de setembro de 2006, Dresdner Bank e o./Comissão T‑44/02 OP, T‑54/02 OP, T‑56/02 OP, T‑60/02 OP e T‑61/02 OP, Colet., p. II‑3567, n.° 60, e de 5 de outubro de 2011, Romana Tabacchi/Comissão, T‑11/06, Colet., p. II‑2491, n.° 129).

89      Com efeito, é necessário ter em conta a presunção de inocência, tal como resulta, nomeadamente do artigo 6.°, n.° 2, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, que faz parte dos direitos fundamentais que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, constituem os princípios gerais do direito da União. Atenta a natureza das infrações em causa, bem como a natureza e o grau de severidade das sanções que se podem ligar a estas, a presunção de inocência aplica‑se, designadamente, aos processos relativos a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas suscetíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (v. acórdão Romana Tabacchi/Comissão, já referido, n.° 129; v. também, nesse sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça, de 8 de julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, Colet., p. I‑4287, n.os 149 e 150, e Montecatini/Comissão, C‑235/92 P, Colet., p. I‑4539, n.os 175 e 176).

90      Esta jurisprudência, desenvolvida no âmbito de processos nos quais a Comissão aplicou uma coima, é também aplicável, no caso, como o dos autos, em que a decisão que declara uma infração acaba afinal por não aplicar uma coima. Por outro lado, no presente caso, a comunicação de acusações ponderava acompanhar de uma coima a declaração da infração.

91      Além disso, há que ter em conta o prejuízo não insignificante para a reputação que representa, para uma pessoa singular ou coletiva, a constatação de que está envolvida numa infração às regras da concorrência (v. nesse sentido, acórdão do Tribunal da EFTA, de 18 de abril de 2012, Posten Norge/ESA, E‑15/10, ainda não publicado no EFTA Court Report, n.° 90).

92      Por outro lado, há que relembrar que, embora na decisão impugnada, a Comissão não tenha aplicado uma coima, não deixa de ser verdade que a declaração da existência de uma prática concertada e a ordem de colocar fim à mesma, contidas na decisão impugnada, expõem a recorrente a pesadas consequências, como a possibilidade de lhe ser imposta uma coima ao abrigo do artigo 24.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003.

93      Assim, é necessário que a Comissão apresente provas precisas e concordantes para demonstrar a existência da infração (acórdão Dresdner Bank e o./Comissão, já referido, n.° 62) e para fundamentar a convicção firme de que as infrações alegadas constituem restrições da concorrência na aceção do artigo 81.°, n.° 1 (acórdãos do Tribunal Geral, de 21 de janeiro de 1999, Riviera Auto Service e o./Comissão, T‑185/96, T‑189/96 e T‑190/96, Colet., p. II‑93, n.° 47, e Romana Tabacchi/Comissão, já referido, n.° 129).

94      No entanto, há que sublinhar que cada uma das provas apresentadas pela Comissão não tem de corresponder necessariamente a estes critérios em relação a cada elemento da infração. Basta que o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, preencha este requisito (v. acórdão Dresdner Bank e o./Comissão, já referido, n.° 63, e Romana Tabacchi/Comissão, já referido, n.° 130).

95      Com efeito, dado que a proibição de participar em práticas e acordos anticoncorrenciais e as sanções em que os infratores podem incorrer são do conhecimento geral, é normal que as atividades que essas práticas e acordos comportam decorram clandestinamente, que as reuniões se realizem secretamente, e que a respetiva documentação seja reduzida ao mínimo. Mesmo que a Comissão descubra documentos que comprovem de maneira explícita a existência de contactos ilegais entre os operadores, como as atas de reuniões, esses documentos são normalmente fragmentados e dispersos, pelo que, muitas vezes, é necessário reconstituir por dedução determinados pormenores. Na maior parte dos casos, a existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial deve ser inferida de um determinado número de coincidências e de indícios que, considerados no seu todo, podem constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das regras de concorrência (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de julho de 2010, Knauf Gips/Comissão, C‑407/08 P, Colet., p. I‑6371, n.os 48, 49 e jurisprudência referida).

96      Ora, no acórdão PVC II, já referido, invocado pela Comissão, o Tribunal Geral conseguiu chegar a uma solução que pondera estes princípios. Com efeito, nessa ocasião, o Tribunal Geral afirmou que, segundo a jurisprudência, quando o raciocínio da Comissão se baseava na suposição de que os factos provados na sua decisão não poderiam explicar‑se de outro modo a não ser através de uma concertação entre as empresas, basta que as recorrentes provem a existência de circunstâncias que clarifiquem de modo diferente os factos provados pela Comissão e que permitam, assim, substituir por outra a explicação dos factos por que optou a Comissão. Contudo, o Tribunal Geral precisou que esta jurisprudência não era aplicável quando a prova da concertação entre as empresas não resultasse da simples verificação de um paralelismo de comportamentos no mercado, mas de documentos dos quais se conclui que as práticas eram o resultado de uma concertação. Nestas condições, incumbe às recorrentes, não apenas apresentar uma pretensa explicação alternativa dos factos declarados pela Comissão, mas também contestar a existência desses factos provados por documentos apresentados pela Comissão (acórdão PVC II, já referido, n.os 725 a 728; v. também, nesse sentido, acórdãos de Tribunal de Justiça, de 28 de março de 1984, Compagnie royale asturienne des mines e Rheinzink/Comissão, 29/83 e 30/83, Recueil, p. 1679, n.° 16, e Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, já referido, n.os 71 e 126).

97      Antes de apreciar a existência de explicações do comportamento paralelo, que sejam diferentes da concertação, há que analisar a questão de saber se a Comissão comprovou, como esta sustenta, a existência da infração relativa às limitações territoriais nacionais através de provas que ultrapassam a simples declaração de um comportamento paralelo, o que a recorrente contesta. Com efeito, o exame desta questão precede o do fundamento das explicações diferentes da concertação, uma vez que, se o Tribunal Geral chegasse à conclusão de que tais provas foram apresentadas na decisão impugnada, as referidas explicações, mesmo sendo plausíveis, não invalidariam a declaração dessa infração.

98      A este respeito, há que observar que as explicações da recorrente, adiantadas na réplica e relativas aos acordos de Santiago e de Sidney, bem como à referência ao sistema anterior baseado na exclusividade, vêm completar a acusação já invocada na petição, relativo à inexistência de força probatória do contrato‑tipo para demonstrar a existência de uma concertação no que respeita às limitações territoriais nacionais.

99      Há ainda que observar que a decisão impugnada não apresenta a mesma estrutura, em duas etapas, da que foi apresentada pela Comissão no Tribunal Geral, segundo a qual, por um lado, a prova da prática concertada foi feita através de documentos, na aceção do acórdão PVC II, já referido, e, por outro lado, atendendo a esses documentos e ao seu pretenso valor probatório, as outras explicações do comportamento paralelo não eram determinantes para efeitos da prova desta prática. Foi consequentemente apenas na sequência da apresentação da contestação que a recorrente pôde identificar com precisão os elementos nos quais a Comissão considera ter‑se baseado para demonstrar a existência de uma prática concertada.

100    Daqui decorre que, contrariamente ao que a Comissão sustenta, é admissível a recorrente adiantar, na réplica, explicações sobre os acordos de Santiago e de Sidney, bem como sobre a referência ao sistema anterior baseado na exclusividade.

101    Há, por isso, numa primeira fase, que determinar se a Comissão provou a existência da prática concertada através de elementos diferentes do paralelismo dos comportamentos das SGC e assimiláveis aos «documentos», na aceção da jurisprudência resultante do acórdão PVC II, já referido, invocado pela Comissão. A este respeito, importa recordar que, para determinar a origem do cartel em causa no referido acórdão, a Comissão baseou‑se na redação dos documentos de planificação, nas informações dadas por uma das recorrentes a propósito desses documentos, em resposta a um pedido de informações que lhe tinha sido dirigido, e na correlação estreita existente entre as práticas previstas descritas nesses documentos, por um lado, e as práticas verificadas no mercado, por outro (acórdão PVC II, já referido, n.° 582).

102    No caso presente, há que recordar que os elementos suscetíveis de provar a concertação entre as SGC são os referidos no n.° 82 supra, ou seja, as discussões sobre o alcance dos mandatos contidos nos ARR que as SGC utilizaram no contexto das atividades geridas pela CISAC, o acordo de Santiago, o acordo de Sidney e a ligação histórica entre a cláusula de exclusividade e as limitações territoriais nacionais.

103    A este respeito, há que observar que a falta de provas documentais, especificamente relativas às limitações territoriais nacionais é ainda mais evidente se se tiver em conta que a Comissão admite que certas SGC pretendiam abandonar as limitações territoriais nacionais. Ora, essas SGC tinham interesse em cooperar com a Comissão, fornecendo‑lhe provas documentais da existência de uma concertação. Com efeito, tendo em que a Comissão, na sua comunicação de acusações, manifestado a sua intenção de aplicar uma coima a todos os destinatários desta última, as SGC interessadas poderiam ter cooperado com a Comissão a fim de reduzir o risco de lhes ser aplicada uma coima ou, pelo menos, de limitar o seu montante. Por outro lado, as SGC poderiam ter fornecido à Comissão elementos que permitissem demonstrar que as outras SGC exerciam uma pressão para as obrigar a manter as limitações territoriais nacionais decididas de forma concertada, o que não fizeram.

104    Nessas circunstâncias, há que examinar o valor probatório dos elementos de prova apresentados pela Comissão.

a)     Quanto ao valor probatório dos elementos adiantados pela Comissão para provar a prática concertada sem se basear exclusivamente no paralelismo dos comportamentos das SGC

 Quanto às discussões relativas ao alcance dos mandatos contidos nos ARR que as SGC mantiveram no contexto das atividades geridas pela CISAC

105    No que diz respeito às discussões que as SGC mantiveram no âmbito das atividades geridas pela CISAC (n.° 82 supra, primeiro travessão), há que lembrar que a própria Comissão sublinhou que a decisão impugnada não proibia o sistema de representação recíproco entre as SGC nem qualquer forma de limitação territorial dos mandatos que estas se conferiam (considerandos 95 e 259 da decisão impugnada). A Comissão também não acusa as SGC de terem procedido a uma certa cooperação no âmbito das atividades geridas pela CISAC. O que a Comissão critica é o caráter coordenado da abordagem adotada pelo conjunto das SGC no que diz respeito às limitações territoriais.

106    Portanto, o simples facto de as SGC se terem encontrado no âmbito das atividades geridas pela CISAC e de existirem formas de cooperação entre elas, não constituiu, enquanto tal, um indício de uma concertação proibida. Com efeito, quando o contexto no qual têm lugar as reuniões entre as empresas acusadas de terem violado o direito da concorrência demonstra que essas reuniões eram necessárias para tratar, de forma colegial, questões não respeitantes a violações do referido direito, a Comissão não pode presumir que estas reuniões tivessem tido por objeto a concertação sobre práticas anticoncorrenciais (v., nesse sentido, acórdão Dresdner Bank e o./Comissão, já referido, n.os 105 e 145). A este respeito, há que observar que a Comissão não apresentou qualquer prova do facto de as reuniões organizadas pela CISAC e nas quais a recorrente participou terem como objeto a restrição da concorrência relativa às limitações territoriais nacionais.

107    Por último, mais particularmente em relação às discussões relativas ao contrato‑tipo, há que concluir que este não prevê explicitamente limitações territoriais nacionais, mas limita‑se a convidar as SGC a definir o âmbito territorial dos mandatos que estas se atribuem nos ARR.

 Quanto ao acordo de Santiago

108    No que respeita ao acordo de Santiago (n.° 82 supra, segundo travessão), há que recordar que este previa que, no que diz respeito às explorações de direitos de autor por internet, cada SGC que nele era parte podia conceder licenças referentes ao conjunto dos territórios e ao conjunto dos repertórios (primeira parte), mas apenas aos utilizadores que tenham a sua residência económica no país do EEE em que a SGC que concede a licença estiver estabelecida (segunda parte). Sob a vigência do sistema previsto pelo Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, primeiro regulamento de aplicação dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204), este acordo foi notificado à Comissão por certas SGC a fim de obterem uma isenção baseada no artigo 81.°, n.° 3, CE. A Comissão contestou a cláusula que impedia cada SGC de conceder licenças a utilizadores não estabelecidos no mesmo país em que aquela estivesse estabelecida e enviou a comunicação de acusações Santiago. Nessas circunstâncias, nenhuma das SGC renovou o acordo de Santiago para o período posterior à sua data de expiração, acordada desde o início para o fim de 2004. Assim, uma vez que este acordo tinha expirado, as limitações territoriais nacionais contidas nos ARR, que tinham continuado em vigor para as utilizações diferentes daquelas que se processem por internet, mesmo durante o período abrangido pelo referido acordo, voltaram a ser aplicáveis entre todas as SGC, também para as explorações de direitos de autor através da internet, uma vez que tinha expirado a cláusula derrogatória, acrescentada aos ARR em consequência do acordo de Santiago no que dizia respeito à exploração por internet.

109    A tese da Comissão, segundo a qual este regresso às limitações territoriais nacionais por parte de todas as SGC constitui efetivamente a prova de uma concertação, não pode ser seguida. Com efeito, sem a prova de que as SGC se concertaram para esse efeito, este regresso às limitações territoriais nacionais não demonstra a existência de uma concertação sobre as limitações territoriais nacionais, mas pode ser considerado como o simples resultado automático da não renovação do acordo de Santiago que tinha perdido o seu interesse porque a sua segunda parte não tinha sido aceite pela Comissão. O facto de as SGC terem regressado ao seu statu quo ante não prova, por si só, que estas se tenham concertado para esse efeito.

110    Há que salientar que o regresso ao statu quo ante pode explicar‑se pelo simples facto de que as SGC não podiam suspender todas as formas de cooperação entre elas a propósito das formas de exploração dos direitos de autor relativas às novas tecnologias, na expectativa de encontrar, de forma bilateral ou mesmo multilateral, mas em conformidade com o direito da concorrência, soluções diferentes da prevista no acordo de Santiago.

111    Por outro lado, há que observar que, na decisão impugnada, a Comissão não defendeu que a infração visada no artigo 3.° tinha tido início após a expiração do acordo de Santiago, mas, sem precisar a data do seu início, parece considerar que esta era anterior ao referido acordo.

112    A este respeito, ou o acordo de Santiago é posterior ao momento, não especificado na decisão impugnada, em que a infração relativa às limitações territoriais nacionais supostamente teve o seu início, o que impede a sua utilização enquanto prova da concertação inicial, em relação à qual antes constitui uma interrupção, ou este acordo é anterior ao início da infração relativa às limitações territoriais nacionais, mas, nessa hipótese, tal acordo não prova a referida infração, uma vez que o mesmo não diz respeito à mesma restrição de concorrência. Com efeito, a cláusula de residência contida no acordo de Santiago conduzia a uma situação diferente da que decorre das limitações territoriais nacionais. No primeiro caso, uma SGC pode conceder licenças multirrepertórios que não tenham limitação territorial, mas apenas aos utilizadores estabelecidos no mesmo território em que a SGC está estabelecida, ao passo que, no outro caso, esta SGC pode conceder licenças a quaisquer utilizadores, desde que as explorações de direitos de autor em causa tenham lugar no mesmo território no qual a SGC esteja estabelecida.

113    Resulta do que precede que nem a existência do acordo de Santiago nem as circunstâncias nas quais este terminou, podem fornecer elementos de prova de uma concertação relativa às limitações territoriais nacionais.

 Quando ao acordo de Sidney

114    Através do acordo de Sidney (n.° 82 supra, terceiro travessão), as SGC inseriram em 1987 no contrato‑tipo uma estipulação por força da qual a SGC estabelecida no país do qual os sinais portadores de programas sobem para o satélite está autorizada a conceder licenças multirrepertórios relativas à cobertura completa do satélite após ter consultado, sendo caso disso, as outras SGC em causa ou ter obtido o consentimento para tal.

115    A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que na decisão impugnada, a Comissão mencionou o acordo de Sidney com o objetivo de demonstrar que este não constituía uma resposta apropriada às acusações por esta formuladas quanto à prática concertada relativa às limitações territoriais nacionais [considerando 165 e ponto 7.6.1.2., alínea b), da decisão impugnada]. No considerando 158 da decisão impugnada, que diz especificamente respeito aos elementos em que assenta a prática concertada, a Comissão não indicou explicitamente este acordo. Seguidamente, a Comissão observou que, uma vez que resulta da aplicação do artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 93/83 que o ato de comunicação de obras musicais por satélite apenas ocorre no país no qual o primeiro sinal é introduzido numa cadeia ininterrupta de comunicação que conduz ao satélite e deste para a Terra, os utilizadores dessas obras necessitam apenas, para estarem ativos na zona completa de pegada do satélite, de uma única licença relativa ao país em causa. Por conseguinte, como foi admitido pela própria Comissão, o acordo de Sidney tornou‑se obsoleto no que diz respeito ao âmbito multiterritorial das licenças relativas às explorações por satélite (considerandos 162, 163 e 165 da decisão impugnada). Por fim, a Comissão assinalou que o acordo de Sidney não estava sujeito à apreciação no âmbito da decisão impugnada e que esta se reservava o direito de a examinar no contexto das regras de concorrência (nota de rodapé n.° 131 da decisão impugnada).

116    Por um lado, importa observar que, uma vez que o acordo de Sidney permitia conceder licenças multirrepertório relativas ao conjunto dos territórios servidos pelo mesmo satélite, esse acordo não produziu efeitos comparáveis aos das limitações territoriais nacionais, que, precisamente que cada SGC só possa conceder licenças multirrepertório num único território.

117    Por outro lado, o facto de o acordo de Sidney se ter tornado obsoleto desde a data limite prevista para a transposição da Diretiva 93/83, ou seja, 1 de janeiro de 1995 (v. artigo 14.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da referida diretiva), significa que a eventual infração às regras de concorrência nele contida, já não era aplicada no início do procedimento administrativo que levou à adoção da decisão impugnada. Assim, a ligação entre a infração visada no artigo 3.° da referida decisão e a que resulta eventualmente do acordo de Sidney não é evidente, inclusive por simples razões cronológicas.

118    Resulta do que precede que, ainda que o acordo de Sidney decorresse de uma concertação proibida, não constituiria um documento, na aceção do acórdão PVC II, já referido, que permitisse provar a existência de uma concertação quanto às limitações territoriais nacionais.

 Quanto à alegada ligação histórica entre a cláusula de exclusividade e as limitações territoriais nacionais

119    No que respeita à alegada ligação histórica entre a cláusula de exclusividade e as limitações territoriais nacionais (n.° 82 supra, quarto travessão), a Comissão, na resposta escrita a uma das perguntas feitas pelo Tribunal Geral a título de medidas de organização do processo, sublinhou que, uma vez que o âmbito do mandato tinha uma incidência determinante sobre a questão de saber se um território estaria entregue a uma única SGC mandatária, a cláusula de exclusividade e as limitações territoriais nacionais estavam intrinsecamente ligadas. Segundo a Comissão, visto que o contrato‑tipo recomendava mandatos exclusivos, o território confiado a uma SGC não podia abranger um território para a cobertura do qual outra SGC já havia sido mandatada. Assim, a inclusão sistemática das limitações territoriais nacionais em todos os ARR seria a contrapartida necessária da aplicação da exclusividade preconizada pelo contrato‑tipo. Daqui resulta, segundo a Comissão, que as limitações territoriais nacionais tinham como origem e como ponto de partida as discussões no seio da CISAC.

120    A este respeito, há que salientar que a Comissão não afirmou, na decisão impugnada, que as limitações territoriais nacionais faziam parte da mesma infração que a relativa à inclusão da cláusula de exclusividade nos ARR. Para a Comissão, a exclusividade resulta do facto de conferir, nos ARR, direitos exclusivos, conforme previsto no artigo 1.°, n.os 1 e 2, do contrato‑tipo, ao passo que as limitações territoriais nacionais foram coordenadas por uma prática concertada. O que a Comissão observou no considerando 158 da decisão impugnada foi que a supressão da exclusividade explícita não causou uma mudança importante no comportamento das SGC. Tal como a própria Comissão indica no já referido considerando, a questão que se coloca é a de saber se, após a supressão da cláusula de exclusividade, existiam outras razões para além da concertação para explicar as limitações territoriais nacionais.

121    Por conseguinte, mesmo que exista uma ligação entre a cláusula de exclusividade e as limitações territoriais nacionais, há que examinar, no caso em apreço, o comportamento das SGC após a supressão desta cláusula, o que leva a proceder à apreciação das explicações plausíveis da manutenção das limitações territoriais nacionais, diferentes da concertação (v. n.os 132 a 179 infra).

122    Por fim, na medida em que a Comissão alega no Tribunal Geral que as limitações territoriais nacionais são apenas a continuação da exclusividade, depois de esta última ter sido eliminada dos ARR, há que salientar que, com efeito, segundo a jurisprudência, o artigo 81.° CE é aplicável se um comportamento paralelo se prolongar após a cessação de um antigo acordo sem que um novo tenha sido celebrado, uma vez que, em caso de acordos que deixaram de estar em vigor, basta, para que o referido artigo 81.° seja aplicável, que continuem a produzir efeitos para além da sua cessação formal (acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de julho de 1985, Binon, 243/83, Recueil, p. 2015, n.° 17; v. também, nesse sentido, acórdão do Tribunal Geral de 11 de dezembro de 2003, Ventouris/Comissão, T‑59/99, Colet., p. II‑5257, n.° 182).

123    Todavia, no caso presente, há que relembrar que o artigo 2.° da decisão impugnada condena a simples presença, enquanto tal, da cláusula de exclusividade nos ARR, e não o facto de várias SGC se terem coordenado para que tal cláusula figure em todos os seus ARR. Em contrapartida, no que diz respeito às limitações territoriais nacionais, a Comissão, na decisão impugnada, reconhece que estas não são enquanto tais, restritivas da concorrência mas considera que existe, no entanto, uma infração com o fundamento de que as SGC se concertaram para que as mesmas limitações aparecessem em todos os seus ARR. A natureza respetiva dessas duas infrações, tais como estão expostas na decisão impugnada, é, por isso, diferente.

124    Por outro lado, o abandono da cláusula de exclusividade tornou possíveis certas evoluções do mercado, designadamente a concessão das primeiras licenças diretas, necessárias para poder equacionar a possibilidade de serem superadas as limitações territoriais nacionais.

125    Com efeito, uma SGC que esteja interessada na possibilidade de, num território diferente daquele no qual está estabelecida, serem concedidas licenças respeitantes ao seu repertório por SGC diferentes da SGC local, perguntar‑se‑á, em primeiro lugar, se está em condições de ela própria conceder licenças diretas no referido território. De igual modo, uma SGC que quisesse receber de outras SGC mandatos que fossem extensivos para além do território no qual está estabelecida, deveria dispor de uma estrutura que lhe permitisse conceder licenças diretas noutros países. Enquanto a cláusula de exclusividade estava em vigor, tais licenças teriam violado o mandato exclusivo conferido à SGC local. Isso já não acontece uma vez que a cláusula de exclusividade desaparece, e isso mesmo no caso de as limitações territoriais nacionais perdurarem. Portanto, não se pode considerar que se trata de prosseguir, por outros meios, a mesma restrição.

126    Como a Comissão admitiu na sua resposta escrita a uma das perguntas do Tribunal Geral, é certo que o mercado das licenças diretas se encontrava ainda num estado embrionário quando foi adotada a decisão impugnada. A difusão das licenças diretas necessitava, nomeadamente, que um pedido a seu respeito se desenvolvesse, por parte dos grandes utilizadores, que, em vez de se dirigirem às SGC de todos os países em que estão ativos, preferem adquirir as licenças diretas, válidas no mundo inteiro, sobre os repertórios que lhes interessam.

127    Assim, o facto de estas evoluções não terem produzido logo e de não terem afetado imediatamente as limitações territoriais nacionais não permite concluir que estas últimas constituíam a manutenção, por intermédio de uma prática concertada, do acordo relativo à cláusula de exclusividade.

128    Há ainda que ter em conta a circunstância de as estruturas para a gestão coletiva dos direitos de autor para as formas de exploração visadas pela decisão impugnada terem a sua origem nas utilizadas para as formas de exploração tradicionais, em relação às quais as limitações territoriais nacionais não são consideradas pela Comissão como constituindo uma infração às regras de concorrência.

129    Ora, o aparecimento de novas tecnologias de informação que permitem uma exploração das obras «on‑line» não significa que essas estruturas se tenham repentinamente tornado obsoletas ou que os operadores económicos em causa tenham de manifestar uma vontade concorrencial imediata. Assim, mesmo o facto de, após a supressão da cláusula de exclusividade, as SGC não terem introduzido rapidamente uma alteração nas limitações territoriais nacionais poderia demonstrar que estas se explicam por razões diferentes da continuação, sob outra forma, da exclusividade.

130    Resulta do que precede que o facto de a Comissão ter provado a existência de um acordo quanto à cláusula de exclusividade não implica que esta prova tenha sido apresentada também no que diz respeito às limitações territoriais nacionais.

 Conclusões quanto aos elementos de prova invocados pela Comissão

131    Resulta da análise que precede que os elementos apresentados pela Comissão não provam suficientemente a existência de uma prática concertada entre as SGC para fixar as limitações territoriais nacionais.

132    Por conseguinte, há que examinar de seguida se a Comissão forneceu elementos suficientes para retirar plausibilidade às explicações do paralelismo dos comportamentos das SGC, adiantadas pela recorrente, diferentes da existência de uma concertação.

b)     Quanto à plausibilidade das explicações do comportamento paralelo das SGC diferentes da existência de uma concertação

 Observações preliminares

133    A recorrente salienta que um simples paralelismo de comportamento não pode constituir o indício de uma concertação quando esse comportamento pode ser explicado por outras razões, o que neste processo seria o caso, uma vez que, em seu entender, as limitações territoriais são conformes à lógica do mercado e constituem a única alternativa racional quando da conclusão dos seus ARR.

134    Com efeito, em primeiro lugar, as limitações territoriais nacionais têm a sua explicação na necessidade de assegurar uma ligação de proximidade em relação aos utilizadores e um seguimento eficaz das utilizações em causa, tendo em conta, nomeadamente, as dificuldades ligadas a um controlo à distância destas utilizações. Em segundo lugar, o sistema atual uma vez que repousa nas limitações territoriais nacionais, é vantajoso para os utilizadores, porque lhes permite obter uma licença completa junto de uma única SGC. Em terceiro lugar, a recorrente indica que é racional recorrer, no quadro das explorações visadas pela Comissão na decisão impugnada, ao sistema instituído no âmbito das explorações «off‑line», o qual já demonstrou toda a sua eficácia.

135    Há que relembrar, antes de mais, que, nos acórdãos Tournier e Lucazeau e o., já referidos, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se sobre questões prejudiciais submetidas por órgãos jurisdicionais franceses relativas à compatibilidade com as regras de concorrência da situação na qual, tratando‑se das formas tradicionais («off‑line») de explorações dos direitos de autor, a SGC B se negava a conceder uma licença sobre o repertório B no território A, obrigando assim os utilizadores estabelecidos no país A a dirigir‑se à SGC A que propunha tarifas mais elevadas.

136    O Tribunal de Justiça declarou que os ARR podiam ser considerados um acordo restritivo da concorrência se instituíssem uma exclusividade, no sentido de que as SGC se comprometeriam a não conceder licenças diretas aos utilizadores estabelecidos no estrangeiro. Todavia, observou que cláusulas com tal objetivo, que outrora figuravam nos ARR, tinham sido suprimidas a pedido da Comissão. Em seguida, o Tribunal de Justiça analisou se o facto de a supressão dessas cláusulas não ter tido por efeito modificar o comportamento das SGC permitia considerar que estas tinham conservado a sua exclusividade através de uma prática concertada. A este respeito, o Tribunal de Justiça observou que um simples paralelismo de comportamento podia, em certas circunstâncias, constituir um indício sério de uma prática concertada quando conduzisse a condições de concorrência que não correspondessem a condições normais. Todavia, sublinhou que uma concertação dessa natureza não podia ser presumida quando o paralelismo de comportamento se podia explicar por razões diferentes da existência de uma concertação e que tal poderia ser o caso se as SGC fossem obrigadas, para conceder licenças diretas, a organizar o seu próprio sistema de gestão e de controlo noutro território. A questão de saber se uma concertação proibida pelas regras da concorrência tinha efetivamente tido lugar foi deixada à apreciação dos juízes nacionais na origem dos pedidos prejudiciais (acórdãos Tournier, já referido, n.os 20 a 25, e Lucazeau e o., já referido, n.os 14 a 19).

137    No presente caso, trata‑se de analisar se a Comissão podia considerar que a presença de limitações territoriais nacionais em todas as ARR não correspondia às condições normais do mercado. A este propósito, deve recordar‑se que, segundo a jurisprudência, é à parte ou à autoridade que alega uma violação das regras da concorrência que incumbe provar essa violação, e cabe à empresa ou à associação de empresas que invoca o benefício de um meio de defesa contra a declaração de uma infração fazer prova de que se encontram reunidas as condições de aplicação desse meio de defesa, pelo que a referida autoridade deverá, pois, recorrer a outros elementos de prova. Assim, mesmo que o ónus legal da prova caiba, segundo estes princípios, quer à Comissão quer à empresa ou à associação em causa, os elementos de facto invocados por uma parte podem ser de natureza a obrigar a outra parte a fornecer uma explicação ou uma justificação, sob pena de se poder concluir que o ónus da prova foi respeitado (v. acórdão Knauf Gips/Comissão, já referido, n.° 80 e jurisprudência referida).

138    Em seguida, há que relembrar que a Comissão não defende que o facto de limitar, nos ARR, o âmbito geográfico dos mandatos recíprocos aos territórios nacionais não possa resultar das condições normais do mercado. É somente a constatação de que todos os ARR continham uma tal limitação que, segundo a Comissão, só se pode explicar através de uma prática concertada. A este respeito, há que, por outro lado, observar que a decisão impugnada não possui dados nem análises económicas que constituam incitações financeiras que poderiam ter levado as SGC a abandonar as limitações territoriais nacionais, para as formas de exploração dos direitos de autor visadas por esta decisão, quando não é contestado que estas limitações eram racionais para as formas de exploração tradicionais.

 Quanto à necessidade de uma presença local para garantir a eficácia da luta contra as utilizações não autorizadas das obras musicais

139    Entre as diferentes explicações do comportamento paralelo das SGC, diferentes da existência de uma concertação, adiantadas pela recorrente, há que examinar, antes de mais, a explicação segundo a qual as limitações territoriais nacionais permitem combater de forma eficaz as utilizações não autorizadas.

140    A recorrente alega que a SGC local é a que melhor pode gerir os direitos dos titulares dos direitos no território no qual está estabelecida, em razão da sua proximidade com os utilizadores, que lhe permite seguir de forma eficaz a utilização das obras. A recorrente insiste, a este respeito, nas dificuldades ligadas a um controlo à distância das utilizações e contesta a perceção, no seu entender irrealista, da gestão e do acompanhamento à distância adiantados pela Comissão na decisão impugnada.

141    Há que verificar se os elementos nos quais a Comissão se apoiou na decisão impugnada permitem considerar que esta explicação não é plausível.

142    A este respeito, há que observar que, no considerando 11 da decisão impugnada, a Comissão sublinhou que a sua análise apenas dizia respeito à exploração legal de obras protegidas por um direito de autor. No considerando 47 da decisão impugnada, a Comissão também afirmou que esta só dizia respeito às utilizações autorizadas das obras e que os atos de pirataria ou a utilização sem licença de exploração não estavam, por isso, abrangidos pelo seu âmbito de aplicação. Segundo este último considerando, as considerações e os elementos de apreciação formulados na decisão impugnada só são válidos nos limites das relações usuais e normais entre as SGC e os utilizadores.

143    Contudo, no considerando 46 da decisão impugnada, a Comissão reconheceu que as SGC supervisionavam a utilização dos direitos de autor, verificavam as contas dos utilizadores e faziam respeitar esses direitos em caso de infração dos mesmos. Por outro lado, no considerando 11 da referida decisão, a Comissão defendeu que, como já tinha sido explicado designadamente no ponto 7.6.1.4 da mesma decisão, esta não impedia as SGC de supervisionar o mercado a fim de nele detetar qualquer uso não autorizado das obras protegidas ou de tomar medidas repressivas contra esse tipo de comportamento.

144    Tendo em consideração estas afirmações ambíguas da Comissão, há que observar que, se, através dessas afirmações, esta instituição se tivesse limitado a tomar em conta apenas as utilizações autorizadas, a decisão deveria ser anulada por esta razão, na medida em que esta não explica as razões pelas quais seria possível separar a atividade de controlo das utilizações autorizadas e a atividade de averiguação e de acompanhamento das utilizações não autorizadas. É certo que, ao longo do processo no Tribunal Geral a Comissão alegou que a luta contra a pirataria é uma tarefa que cabe substancialmente à International Federation of the Phonographic Industry (IFPI), a organização internacional que representa as editoras de discos, que atua a partir do seu escritório em Londres (Reino Unido). Todavia, se, através desta afirmação, de resto não fundamentada, a Comissão pretende defender que as SGC não estão de nenhuma forma implicadas nos controlos que permitem descobrir as utilizações não autorizadas, há que observar que tal tese não resulta da decisão impugnada. Ora, o Tribunal Geral não pode tomar em conta uma circunstância invocada pela primeira vez pela Comissão no decurso da instância, uma vez que a falta de fundamentação da decisão impugnada sobre esse ponto não pode ser considerada sanada no decurso do processo perante o juiz da União (v., nesse sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, Colet., p. I‑8947, n.° 149 e jurisprudência referida).

145    No entanto, não obstante as afirmações da Comissão supra visadas, resulta da decisão impugnada que esta de qualquer modo abordou, a questão de saber se o comportamento paralelo das SGC quanto às limitações territoriais nacionais era a consequência da vontade das SGC de lutar eficazmente contra as utilizações não autorizadas. Assim, a própria Comissão parece admitir que esta explicação não pode ser afastada pela simples afirmação de que a decisão impugnada só teria a ver com a exploração legal dos direitos de autor. Portanto, há que analisar se as passagens da decisão impugnada referentes a esta questão são suficientes para retirar plausibilidade à tese da recorrente, resumida no n.° 139 supra.

146    Em primeiro lugar, a Comissão sublinha que o sistema por ela condenado na decisão impugnada não se baseou no princípio da proximidade entre a SGC que concede uma licença e o utilizador adquirente desta, mas no princípio segundo o qual a licença é concedida pela SGC estabelecida no país no qual tem lugar a exploração, qualquer que seja o país de residência do adquirente da licença (considerandos 171 a 173 da decisão impugnada).

147    A este respeito, é verdade que, no âmbito do sistema que a Comissão condena, é possível que a SGC B, que concedeu uma licença a um utilizador estabelecido no país A para execuções que têm lugar no país B, deve efetuar diligências administrativas ou judiciais contra este utilizador no país A, ou seja, à distância.

148    Não deixa de ser verdade que, neste sistema, quando a SGC B concede uma licença a um utilizador estabelecido no país A, mas que está ativo no país B, em caso de descoberta de uma violação da licença concedida, pode apoiar‑se, se necessário, na SGC A. Com efeito, esta última não veria a SGC B como uma concorrente uma vez que a SGC A não poderia, ela própria, conceder licenças relativas às explorações que têm lugar no país B. Além disso, uma vez que a SGC A, para as explorações que têm lugar no país B, confiou o seu repertório à SGC B, esta tem um interesse em que as violações das licenças concedidas pela SGC B sejam eficazmente perseguidas.

149    Na decisão impugnada, a Comissão defendeu que, para o exercício das atividades de supervisão e de «execução» dos direitos de autor para os quais é necessária a presença local, a SGC que concedeu uma licença a um utilizador estabelecido noutro país podia dirigir‑se a prestadores locais, em particular à SGC local. No entanto, a Comissão não explicou como poderia funcionar tal cooperação, uma vez que as SGC verificaram que eram concorrentes. Em particular, na decisão impugnada, não analisou quais seriam os interesses financeiros e comerciais que incitariam a SGC local a cooperar com outra SGC concorrente no seu território.

150    Por um lado, há que sublinhar que a Comissão não deu explicações à questão de saber quem se ocuparia da supervisão geral do mercado, a fim de obrigar os utilizadores a pedirem licenças e não apenas do acompanhamento das licenças já concedidas, se as SGC não estivessem implicadas na execução dessa tarefa. Ora, se a SGC que efetua os controlos num território determinado não tivesse a garantia de recuperar, através do pagamento correspondente à emissão de uma licença, os custos relativos à supervisão que esta exerce, esta atividade não seria simplesmente viável. Esta segurança seria posta em perigo se várias SGC pudessem conceder, para o mesmo território, licenças relativas aos mesmos repertórios.

151    Por outro lado, a Comissão não conseguiu explicar de que forma as SGC que estivessem em concorrência para conceder as licenças referentes aos repertórios que se sobrepõem e cobrem os mesmos territórios, poderiam cooperar. Embora seja verdade que o conceito inerente às disposições do tratado relativas à concorrência é que qualquer operador económico deve determinar de forma autónoma a política que pretende seguir no mercado interno, também é verdade que a Comissão, na decisão impugnada, admite que uma cooperação entre as SGC é necessária para que cada SGC esteja em condições de propor licenças multirrepertórios (v., por exemplo, considerando 166 da decisão impugnada). Em particular, para poder conceder uma licença referente ao repertório mundial, uma SGC deve cooperar com todas as outras SGC. Ora, a decisão impugnada não faculta qualquer elemento que permita compreender de que forma se pode desenvolver, entre as SGC que se tornaram concorrentes, como a Comissão preconiza, a cooperação que esta considera ser necessária, nomeadamente, para certas atividades de supervisão e para o acompanhamento legal das infrações (considerandos 177 e 178 da decisão impugnada).

152    A Comissão defendeu no Tribunal Geral que a SGC local não podia abandonar o seu papel de supervisão, na medida em que tinha uma obrigação fiduciária perante os titulares dos direitos, ainda que se encontre em concorrência com outras SGC. A este respeito, há que sublinhar que a obrigação fiduciária em questão só vale na relação entre uma SGC e os titulares dos direitos que são membros desta. Portanto, não é certo que esta obrigação imponha à SGC local de prosseguir as suas atividades em benefício dos titulares dos direitos das suas homólogas, uma vez que deixou de ser a única SGC a poder conceder licenças no território em que está estabelecida. Por outro lado, está assente que a SGC A não teria qualquer obrigação perante a SGC B se a SGC B tivesse conferido a gestão do repertório B no território A à SGC C, não estabelecida no território A.

153    Quanto ao argumento, também invocado pela Comissão no Tribunal Geral, segundo o qual a SGC local teria interesse em manter a sua reputação de eficácia nos controlos à vista dos seus aderentes, para que estes não optem por se dirigir a outras SGC, não pode também ele, prosperar. Com efeito, se os utilizadores, cujas explorações não autorizadas de obras musicais foram detetadas pela SGC local, pudessem obter de outras SGC as licenças necessárias para explorar legalmente as referidas obras, a SGC local não poderia repercutir nos utilizadores, através da cobrança do preço destas licenças, as despesas de gestão que decorrem da sua atividade de supervisão do mercado. Esta circunstância comprometeria a reputação desta SGC junto dos seus aderentes, porque estes últimos veriam os seus direitos reduzidos devido às despesas de gestão, associadas à supervisão do mercado, não recuperadas através da concessão de licenças pela mesma SGC. Uma SGC não tem qualquer interesse em exercer atividades de supervisão que geram despesas de gestão que reduzem os direitos que esta está em condições de distribuir aos seus aderentes, se não tiver a certeza de recuperar o montante dessas despesas através da concessão de licenças, uma vez que descobriu utilizações não autorizadas, tanto mais que os autores são doravante livres de aderir à SGC que preferem.

154    Por fim, deve ser tomado em conta que, mesmo supondo que seja possível a cooperação entre a SGC local e a que concede a licença a um utilizador, esta cooperação implica a tomada em consideração de três SGC, ou seja, a SGC local C, a SGC mandante A, titular do repertório A, e a SGC mandatada B, que, ao abrigo do mandato que a SGC A lhe confere, pode conceder licenças referentes ao repertório A no território C. Ora, embora a intervenção da SGC C seja suscetível de causar custos, a Comissão não explicou qual seria o benefício que a SGC A obteria pelo facto de confiar a gestão do repertório A sobre o território C não à SGC C, mas à SGC B, quando isso causaria custos adicionais.

155    Em segundo lugar, a Comissão alega que para as formas de exploração dos direitos de autor visados pela decisão impugnada, existem soluções técnicas que permitem supervisionar o adquirente da licença à distância. A este respeito, afirma que as SGC já criaram concessões de licenças que demonstram que estas são capazes de supervisionar as utilizações e os utilizadores fora do território em que estão respetivamente estabelecidas (considerando 174 da decisão impugnada).

156    Ora, a Comissão não pode refutar a explicação do paralelismo dos comportamentos das SGC apresentada pela recorrente relativa à necessidade de lutar contra as utilizações ilícitas, apoiando‑se na simples afirmação de que existem soluções técnicas que permitem a supervisão à distância no que diz respeito às formas de exploração visadas pela decisão impugnada.

157    É verdade que, no considerando 189 da referida decisão, a Comissão acrescentou que na audiência, havia sido demonstrado, nomeadamente pela European Digital Media Association (Associação Europeia dos Média Digitais, a seguir «EDIMA»), associação que representa as sociedades ativas na disponibilização de conteúdos sonoros e audiovisuais «on‑line», que é possível, na prática, supervisionar à distância a disponibilização «on‑line» de música. Com efeito, cada obra musical possui uma identidade eletrónica e cada computador pessoal é identificado por um endereço IP. Com base nestas informações, a SGC pode, quando concede uma licença, velar por que o utilizador esteja em condições de saber precisamente qual a obra musical a ser utilizada, por qual computador e para que tipo de utilização. O utilizador que recebeu a licença pode assim enviar essas informações às SGC que as explorarão para repartir precisamente os rendimentos entre os titulares dos direitos.

158    No entanto, esta explicação limita‑se ao seguimento das licenças concedidas, mas não responde à questão de saber como, e por quem, são detetadas e perseguidas as utilizações não autorizadas. Esta explicação permite ainda menos compreender quais seriam as incitações económicas das SGC para controlar à distância um determinado mercado, quando os utilizadores ativos sem licença necessária nesse mercado poderiam requerê‑la a uma SGC diferente daquela que exerce a supervisão.

159    Na falta de precisões quanto à questão de saber se as soluções técnicas, referidas no considerando 189 da decisão impugnada, permitem lutar eficazmente contra as utilizações não autorizadas, há que examinar se os exemplos invocados pela Comissão, na decisão impugnada, contra os argumentos da recorrente, retiram plausibilidade à explicação dada por esta última segundo a qual as limitações territoriais nacionais servem para garantir a eficácia da luta contra as utilizações não autorizadas das obras musicais.

160    A este respeito, deve ser tomado em consideração o facto de que, quando a Comissão recorre a determinados exemplos para retirar plausibilidade à tese da recorrente, esta tem a obrigação de provar a pertinência desses exemplos. Além disso, a Comissão não pode acusar a recorrente de não ter fornecido mais precisões sobre a sua outra explicação, na medida em que é a Comissão que tem de provar a infração. Portanto, se a Comissão, na fase administrativa, considerar que a recorrente não apoiou suficientemente a sua explicação, esta deve prosseguir a instrução dos autos ou declarar que os interessados não estavam em condições de fornecer os dados necessários. Ora, no caso presente, não resulta da decisão impugnada que a análise insuficiente efetuada pela Comissão se deva ao facto de esta não ter podido obter da CISAC e das SGC os elementos que necessitava para apreciar se existiam explicações plausíveis para o comportamento paralelo das SGC.

—       Quanto ao modelo CNB

161    A Comissão referiu, em primeiro lugar, o modelo CNB (v. n.° 37 supra), relativamente ao qual afirmou, no considerando 179 da decisão impugnada, que este permitia conceder uma única licença abrangendo os direitos mecânicos e os direitos de execução, e isso para o conjunto dos países em que estão estabelecidas as SGC que participam neste modelo. A Comissão também indicou que as SGC «nórdicas e bálticas» alegaram que o modelo CNB tinha nomeadamente demonstrado que, em qualquer regime de concessão de licenças multiterritoriais, a existência de uma rede de sociedades nacionais que cooperam para impor o respeito dos direitos e dos interesses dos respetivos titulares era essencial, uma vez que a presença local é necessária para detetar os abusos e supervisionar a utilização dos direitos.

162    Em contrapartida, a Comissão defendeu no Tribunal Geral, na sua resposta escrita a um pergunta que lhe tinha sido dirigida a título de medidas de organização do processo que o modelo CNB, pelo menos no momento da adoção da decisão impugnada, não dizia respeito aos direitos de execução, mas apenas aos direitos mecânicos. Acrescentou também que isso não impediria que se baseasse nesse modelo para sustentar que a concessão de licenças, para os direitos de execução, referentes a vários territórios, não suscitava dificuldades, uma vez que os problemas ligados ao seguimento da utilização dos direitos mecânicos na internet eram os mesmos relativos aos direitos de execução. Ao longo do processo perante o Tribunal Geral, a Comissão alegou que o modelo CNB não implicou alteração dos ARR entre as SGC em causa e que a concessão das licenças multiterritoriais, no âmbito desse modelo, era, para os direitos de execução, uma espécie de «conjunto» de licenças monoterritoriais, na realidade concedidas por cada SGC para o seu respetivo território de estabelecimento e «reunidas» pela SGC à qual um utilizador se dirigia.

163    A este respeito, há que observar que as hesitações, ou mesmo as contradições, da Comissão quanto à definição do modelo CNB demonstram que esta não foi objeto de uma análise profunda na decisão impugnada.

164    De qualquer modo, por um lado, embora o modelo CNB só diga respeito a direitos mecânicos, a Comissão não explicou as razões pelas quais se devia considerar que as dificuldades suscitadas pela supervisão das utilizações dos direitos de execução eram, em substância, as mesmas que as suscitadas pela supervisão dos direitos mecânicos. Por outro lado, embora o modelo CNB diga também respeito aos direitos de execução, mas se limita a permitir a concessão a um conjunto de licenças monoterritoriais, a Comissão não explicou de que modo os problemas de supervisão, próprios dessas modalidades de concessão de licenças, eram equiparáveis aos das licenças multiterritoriais.

165    Devido à análise insuficiente deste modelo efetuada pela Comissão na decisão impugnada, o Tribunal Geral não pode dela retirar qualquer consequência quanto à procedência da afirmação da Comissão segundo a qual a necessidade de lutar contra as utilizações ilícitas das obras protegidas pelos direitos de autor não justificava a opção das SGC em manter nos ARR as limitações territoriais nacionais.

—       Quanto aos acordos Simulcast e Webcasting

166    No considerando 191 da decisão impugnada, a Comissão referiu‑se aos acordos Simulcast e Webcasting (v. n.° 36 supra), que demonstram que não é tecnicamente necessário que as SGC estejam fisicamente presentes num território determinado para que possam conceder licenças multirrepertórios e multiterritoriais que abrangem a exploração na internet e supervisionar corretamente a sua utilização.

167    Está assente que os acordos Simulcast e Webcasting não dizem respeito aos direitos de execução mas a outros tipos de direitos de propriedade intelectual, como os direitos ditos «afins». Ora, a decisão impugnada não contém explicações sobre as razões pelas quais as soluções dadas para estes últimos direitos seriam transponíveis para os direitos visados pela decisão impugnada. Não há na referida decisão qualquer comparação das características ou do valor económico das diferentes formas de direitos de propriedade intelectual em causa, nem quaisquer dados relativos à aplicação prática dos acordos Simulcast e Webcasting.

168    Nestas circunstâncias, não se pode defender que a remissão da Comissão para estes acordos permite refutar a explicação segundo a qual a manutenção das limitações territoriais nacionais nos ARR se deve à vontade de garantir a luta contra as utilizações não autorizadas.

—       Quanto ao acordo de Santiago

169    No considerando 192 da decisão impugnada, a Comissão apoiou‑se no acordo de Santiago (v. n.os 29, 31 e 107 a 112 supra), que em seu entender, demonstra a possibilidade de conceder licenças multiterritoriais.

170    Todavia, esta referência ao referido acordo não é pertinente na medida em que a Comissão se limita a tomar em consideração apenas a primeira parte deste, ou seja, a possibilidade de conceder licenças não limitadas territorialmente, sem ter em conta a sua segunda parte, ou seja, a limitação da possibilidade de conceder tais licenças aos utilizadores estabelecidos no mesmo território em que se encontra estabelecida a SGC que concede a licença. A Comissão, na decisão impugnada, não explica as razões pelas quais o sistema previsto pelo acordo de Santiago garantiria a eficácia da luta contra as utilizações ilícitas mesmo na falta da sua segunda parte.

171    Embora não caiba ao Tribunal Geral, no âmbito do presente recurso, pronunciar‑se sobre a procedência dos fundamentos em relação aos quais a Comissão, na comunicação de acusações Santiago, considerou que o acordo em questão era contrário ao artigo 81.° CE, precisamente porque este garantia a uma única SGC a possibilidade de conceder licenças aos utilizadores estabelecidos num território determinado, não se pode ignorar que o sistema previsto pelo acordo de Santiago, ao introduzir um sistema diferente daquele que resulta das limitações territoriais nacionais, mas com base numa forma de exclusividade garantida à SGC local, não permite tirar conclusões quanto à eficácia da luta contra as utilizações não autorizadas num contexto em que as SGC sejam concorrentes.

172    Por estas mesmas razões, a Comissão também não se pode basear na resposta da SGC checa, a Ochranný svaz Autorský pro práva k dílům hudebním (OSA), à comunicação de acusações, referida nos considerandos 180 e 181 da decisão impugnada. Com efeito, a OSA limitou‑se a explicar que tinha concedido licenças, em substância, baseadas no acordo de Santiago, ou seja, licenças multiterritoriais, mas apenas a favor dos utilizadores estabelecidos na República Checa.

—       Quanto à empresa comum Celas, à concessão de licenças diretas e à iniciativa de um editor

173    No considerando 193 da decisão impugnada (v. n.° 38 supra), a Comissão referiu‑se ao facto de que, em janeiro de 2006, as SGC alemã e do Reino Unido criaram uma empresa comum, a Celas, que operaria enquanto balcão único à escala pan‑europeia para a concessão de licenças de direitos «on‑line» e móveis referentes ao repertório anglo‑americano de uma editora. Segundo a decisão impugnada, a Celas concede licenças pan‑europeias aos utilizadores comerciais estabelecidos em qualquer país do EEE. Em consequência, este novo modelo ilustraria bem o facto de que as SGC têm a possibilidade técnica de propor uma licença multiterritorial e que os argumentos ligados às atividades dessas sociedades em matéria de verificação das contas, de supervisão e de controlo do respeito dos direitos, bem como à proximidade geográfica necessária entre o dador da licença e o que a adquire a licença não justificam o paralelismo de comportamento atualmente observado no que diz respeito às limitações territoriais.

174    Há que constatar que a Celas, como a própria Comissão reconhece, concede licenças relativas a direitos mecânicos e não a direitos de execução. Não tendo a Comissão explicado de que forma a supervisão da utilização da primeira categoria de direitos colocaria dificuldades comparáveis à ligadas à supervisão da utilização da segunda categoria, o exemplo de Celas não permite refutar os argumentos da recorrente. É verdade que, como resulta da resposta escrita da Comissão a uma das perguntas que o Tribunal Geral colocou, as licenças de Celas são completadas por licenças relativas aos respetivos direitos de execução, emitidas pela Performing Right Society e pela GEMA. No entanto, estas últimas licenças são apenas um tipo de licenças diretas na medida em que estas duas SGC só concedem licenças, embora válidas para vários territórios, limitadas ao repertório que lhes foi diretamente entregue pelos titulares dos direitos e não por intermédio dos ARR.

175    Nestas circunstâncias, coloca‑se a questão de saber se o fenómeno das licenças diretas permite tirar conclusões sobre a prova da prática concertada visada no artigo 3.° da decisão impugnada. Ora, há que salientar que a existência dessas licenças não põe em causa o paralelismo dos comportamentos das SGC, na medida em que as limitações territoriais nacionais previstas nos ARR não são afetadas pelo facto de a SGC mandante conceder ela própria licenças sobre o seu repertório, também válidas no território da SGC mandatada. Todavia, a concessão das licenças diretas não põe em concorrência duas SGC para conceder licenças aos mesmos utilizadores. Com efeito, como resulta da resposta escrita da Comissão a uma das perguntas feitas pelo Tribunal Geral, as SGC, pelo menos aquelas que dispõem da estrutura necessária, apenas concedem licenças diretas aos grandes utilizadores, uma vez que só é em relação a estes últimos que os custos resultantes da supervisão do uso das licenças são compensados pelo grande número de explorações efetuadas por esses utilizadores. Portanto, embora a SGC A conceda licenças diretas aos grandes utilizadores ativos no país B, a SGC B continua, no entanto, a ser a única a poder conceder licenças relativas, nomeadamente, ao repertório A, aos outros utilizadores ativos no país B.

176    Daqui decorre que o fenómeno das licenças diretas, das quais resulta a atividade de Celas e as das SGC que a criaram, e que concedem licenças complementares às de Celas, não suscita dificuldades de supervisão comparáveis às que foram salientadas pela recorrente. Por conseguinte, estes elementos invocados pela Comissão, na falta de explicações suplementares, não permitem infirmar a tese da recorrente.

177    O mesmo pode afirmar‑se em relação à iniciativa de um editor (v. n.° 44 supra), à qual a Comissão se referiu no considerando 220 da decisão impugnada. Apesar de o referido não resultar desta última, a Comissão admitiu nos seus articulados perante o Tribunal Geral que esta iniciativa apenas dizia respeito aos direitos mecânicos. Além disso, a Comissão nunca explicou, e ainda menos na decisão impugnada, de que forma as condições em que opera um grande editor, que dispõe de um repertório comercialmente atrativo a nível internacional, seriam comparáveis às condições em que operam as SGC.

—       Quanto ao documento intitulado de «Cross border collective management of online rights in Europe»

178    No considerando 194 da decisão impugnada, a Comissão observou que a inexistência de dificuldade técnica e económica que resulta do abandono das limitações territoriais nacionais era demonstrada pelo facto de que certas SGC tinham assinado um documento intitulado «Cross border collective management of online rights in Europe» (gestão coletiva transfronteiriça dos direitos «on‑line» na Europa), pronunciando‑se a favor de um sistema de concessão de licenças multirrepertórios e multiterritoriais.

179    A este respeito, há que sublinhar que as SGC que assinaram este documento interpuseram no entanto recursos da decisão impugnada, o que poderia reduzir a capacidade deste documento para provar que não existem dificuldades técnicas para a concessão de licenças multirrepertórios e multiterritoriais. De qualquer forma, o valor probatório deste documento é extremamente reduzido na medida em que não resulta dos autos que as SGC em causa tenham feito qualquer diligência com o objetivo de dar aplicação à proposta que aí é enunciada.

180    Resulta do que precede que os elementos invocados pela Comissão não são suficientes para retirar plausibilidade à explicação, diferente da existência de uma concertação, do comportamento paralelo das SGC, fornecida pela recorrente, baseada na necessidade de garantir a eficácia da luta contra as utilizações não autorizadas das obras musicais.

c)     Conclusões quanto à prova da prática concertada relativa às limitações territoriais nacionais

181    Com base no que precede, há que concluir que a Comissão não fez prova suficiente da existência de uma prática concertada relativa às limitações territoriais nacionais, uma vez que não demonstrou que a recorrente e as outras SGC se tinham concertado para esse fim nem forneceu elementos que retirem plausibilidade a uma das explicações do comportamento paralelo das SGC apresentadas pela recorrente. Nestas circunstâncias, não é necessário examinar as outras explicações apresentadas pela recorrente.

II —  Conclusões quanto ao desfecho do recurso

182    As primeira e segunda partes do primeiro fundamento, relativas à cláusula de adesão e à cláusula de exclusividade, respetivamente, uma vez que foram consideradas improcedentes, há que negar provimento ao recurso na parte relativa aos artigos 1.° e 2.° da decisão impugnada.

183    Além disso, uma vez que resulta do que precede que a terceira parte do primeiro fundamento da recorrente, relativa às limitações territoriais nacionais, é procedente, há que anular o artigo 3.° da decisão, na parte em que este respeita à recorrente. A este propósito, há que salientar que o pedido desta última no sentido da anulação do referido artigo é manifestamente inadmissível na medida em que este visa as outras SGC referidas nesse artigo. Com efeito, se um dos destinatários da decisão impugnada decide interpor um recurso de anulação, o juiz da União só é chamado a conhecer dos elementos dessa decisão que digam respeito a esse destinatário. Em contrapartida, aqueles que digam respeito a outros destinatários não constituem objeto do litígio que o referido juiz é chamado a resolver no caso concreto (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de setembro de 1999, Comissão/AssiDomän Kraft Producys e o., C 310/97 P, Colet., p. I‑5363, n.° 53, e acórdão do Tribunal Geral de 4 de julho de 2006, Hoek Loos/Comissão, T‑304/02, Colet., p. II‑1887, n.os 59 e 60).

184    Nestas circunstâncias, não é necessário examinar os outros fundamentos da recorrente.

185    Por conseguinte, o artigo 4.° da decisão impugnada deve igualmente ser anulado, na medida em que se refere ao seu artigo 3.°, na parte em que respeita à recorrente.

 Quanto às despesas

186    Nos termos do artigo 87.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pode repartir as despesas ou decidir que cada parte suporte as suas próprias despesas, se as partes forem vencidas num ou em vários pontos, respetivamente.

187    Tendo sido parcialmente dado provimento ao recurso, será feita justa apreciação das circunstâncias da causa decidindo que a Comissão suportará as suas próprias despesas e metade das despesas efetuadas pela recorrente e, portanto, que esta última suportará metade das suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

decide:

1)      O artigo 3.° da decisão C (2008) 3435 final da Comissão, de 16 de julho de 2008, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do acordo EEE (Processo COMP/C2/38.698 — CISAC), é anulado no que diz respeito à Säveltäjäin Tekijänoikeustoimisto Teosto ry.

2)      O artigo 4.° da decisão C (2008) 3435 final é anulado, na medida em que se refere ao seu artigo 3.°, na parte em que respeita à Säveltäjäin Tekijänoikeustoimisto Teosto.

3)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

4)      A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas e metade das despesas apresentadas pela Säveltäjäin Tekijänoikeustoimisto Teosto.

5)      A Säveltäjäin Tekijänoikeustoimisto Teosto é condenada a suportar metade das suas próprias despesas.

6)      A Säveltäjäin Tekijänoikeustoimisto Teosto e a Comissão são condenadas a suportar cada uma as suas próprias despesas relativas às medidas provisórias.

Kanninen

Soldevila Fragoso

van der Woude

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de abril de 2013.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio e decisão impugnada

I — Procedimento administrativo

II — Cláusulas do contrato‑tipo visadas

III — Mercados em causa

IV — Aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, e do artigo 53.°, n.° 1, do Acordo EEE

A — Cláusulas de adesão, de exclusividade e de não interferência

B — Prática concertada relativa às limitações territoriais nacionais

V — Dispositivo

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

I — Quanto ao primeiro fundamento, relativo à aplicação errada do artigo 81.°, n.° 1, CE

A — Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa à cláusula de adesão

B — Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa à cláusula de exclusividade

C — Quanto à terceira parte do primeiro fundamento, relativa às limitações territoriais

1. Observações preliminares

2. Quanto à prova da prática concertada relativa às limitações territoriais

a) Quanto ao valor probatório dos elementos adiantados pela Comissão para provar a prática concertada sem se basear exclusivamente no paralelismo dos comportamentos das SGC

Quanto às discussões relativas ao alcance dos mandatos contidos nos ARR que as SGC mantiveram no contexto das atividades geridas pela CISAC

Quanto ao acordo de Santiago

Quando ao acordo de Sidney

Quanto à alegada ligação histórica entre a cláusula de exclusividade e as limitações territoriais nacionais

Conclusões quanto aos elementos de prova invocados pela Comissão

b) Quanto à plausibilidade das explicações do comportamento paralelo das SGC diferentes da existência de uma concertação

Observações preliminares

Quanto à necessidade de uma presença local para garantir a eficácia da luta contra as utilizações não autorizadas das obras musicais

— Quanto ao modelo CNB

— Quanto aos acordos Simulcast e Webcasting

— Quanto ao acordo de Santiago

— Quanto à empresa comum Celas, à concessão de licenças diretas e à iniciativa de um editor

— Quanto ao documento intitulado de «Cross border collective management of online rights in Europe»

c) Conclusões quanto à prova da prática concertada relativa às limitações territoriais nacionais

II — Conclusões quanto ao desfecho do recurso

Quanto às despesas


* Língua do processo: finlandês.