Language of document : ECLI:EU:C:2009:459

Processo C‑440/07 P

Comissão das Comunidades Europeias

contra

Schneider Electric SA

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Operações de concentração de empresas – Regulamento (CEE) n.° 4064/89 – Decisão da Comissão que declara uma operação incompatível com o mercado comum – Anulação – Responsabilidade extracontratual da Comunidade decorrente da ilegalidade constatada – Requisitos»

Sumário do acórdão

1.        Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Fundamentos – Fiscalização pelo Tribunal de Justiça da apreciação dos elementos de prova – Exclusão, salvo em caso de desvirtuação

(Artigo 225.° CE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 58.°)

2.        Concorrência – Concentrações – Procedimento administrativo – Comunicação de acusações – Conteúdo necessário – Limites – Respeito dos direitos de defesa

(Regulamento n.° 4064/89 do Conselho, artigo 18.°)

3.        Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Fundamentos – Fundamentação insuficiente ou contraditória – Admissibilidade – Alcance do dever de fundamentação

(Artigo 225.° CE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 58.°)

4.        Responsabilidade extracontratual – Requisitos – Violação suficientemente caracterizada do direito comunitário

(Artigo 288.°, segundo parágrafo, CE)

5.        Concorrência – Concentrações – Procedimento administrativo – Comunicação de acusações – Conteúdo necessário – Respeito dos direitos de defesa

(Regulamento n.° 4064/89 do Conselho, artigo 18.°, n.° 3)

6.        Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Fundamentos – Apreciação errada dos factos – Inadmissibilidade – Fiscalização pelo Tribunal de Justiça da apreciação dos elementos de prova – Exclusão, salvo em caso de desvirtuação – Fiscalização pelo Tribunal de Justiça da existência de um nexo de causalidade entre um prejuízo e um facto gerador – Inclusão

(Artigo 225.° CE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 58.°, primeiro parágrafo)

7.        Responsabilidade extracontratual – Requisitos – Ilicitude – Prejuízo – Nexo de causalidade

(Artigo 288.°, segundo parágrafo, CE)

1.        O apuramento da matéria de facto e a apreciação dos elementos de prova pelo Tribunal de Primeira Instância constituem questões de direito submetidas à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão daquele Tribunal, respectivamente, quando a inexactidão material das constatações do Tribunal de Primeira Instância resulte dos documentos juntos aos autos e em caso de desvirtuação dos elementos de prova.

(cf. n.° 104)

2.        A referência, numa comunicação de acusações, a uma acusação que consiste num problema de associação entre as posições das empresas, não pressupõe uma demonstração completa da razão de ser de tal acusação no termo de uma análise económica exaustiva. Tal demonstração, que, no domínio das concentrações, pode efectivamente apresentar importantes dificuldades, apenas deve ser efectuada na sequência do processo, tendo em conta, designadamente, as observações das empresas em causa, devidamente informadas da existência do problema de concorrência através da comunicação de acusações, para efeitos do exercício eficaz dos respectivos direitos de defesa. Na fase da comunicação de acusações, a Comissão apenas deve expor de forma suficientemente clara e precisa o problema de associação entre as posições das empresas susceptível de obstar a uma declaração de compatibilidade da operação de concentração.

(cf. n.os 130‑132)

3.        O dever de fundamentação não impõe ao Tribunal de Primeira Instância uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio. A fundamentação pode, portanto, ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões por que o Tribunal de Primeira Instância não acolheu os respectivos argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor dos elementos suficientes para exercer a sua fiscalização.

(cf. n.os 135, 175)

4.        A responsabilidade extracontratual da Comunidade depende de um conjunto de requisitos, entre os quais figura, quando está em causa a ilegalidade de um acto jurídico, a existência de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica destinada a conferir direitos aos particulares. Relativamente a este requisito, o critério decisivo para considerar que uma violação do direito comunitário é suficientemente caracterizada é o da violação manifesta e grave, por uma instituição comunitária, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. Quando essa instituição dispõe de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infracção ao direito comunitário pode ser suficiente para que se verifique uma violação suficientemente caracterizada. Sendo caso disso, o regime decorrente da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de responsabilidade extracontratual da Comunidade leva em conta a complexidade das situações a resolver.

(cf. n.os 160‑161)

5.        A comunicação de acusações é um documento essencial para pôr em prática o princípio do respeito dos direitos de defesa consagrado no artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas. A fim de garantir o exercício eficaz dos direitos de defesa, este documento circunscreve o objecto do procedimento administrativo desencadeado pela Comissão, impedindo assim esta última de fazer outras acusações na decisão que põe termo ao procedimento em causa. Para tanto, o artigo 18.°, n.° 3, do regulamento implica que, quando a Comissão constata, no decurso do processo de exame aprofundado, posteriormente à comunicação de acusações, que um problema de concorrência susceptível de levar a uma declaração de incompatibilidade não foi enunciado nessa comunicação ou o foi de forma insuficiente, deve renunciar a essa acusação na fase da decisão final ou dar às empresas em causa a oportunidade de formularem, antes da adopção de tal decisão, todas as observações substantivas e todas as propostas de medidas correctivas úteis.

(cf. n.os 162‑165)

6.        Quando o Tribunal de Primeira Instância tiver apurado ou apreciado os factos, o Tribunal de Justiça é competente, por força do artigo 225.° CE, para exercer uma fiscalização sobre a qualificação jurídica desses factos e as consequências jurídicas deles extraídas pelo Tribunal de Primeira Instância. Ora, em matéria de responsabilidade extracontratual da Comunidade, a questão da existência de um nexo de causalidade entre o facto gerador e o prejuízo, requisito dessa responsabilidade, constitui uma questão de direito que, consequentemente, está sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça. Nestas condições, um fundamento relativo ao facto de o Tribunal de Primeira Instância ter erradamente considerado existir um nexo de causalidade directo entre o comportamento da Comissão e o prejuízo alegadamente sofrido pela empresa recorrente no recurso para o Tribunal de Justiça é admissível, na medida em que visa precisamente obter uma fiscalização da qualificação jurídica dos factos efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância para dar como assente a existência de um nexo de causalidade directo, e na medida em que esta fiscalização pode ser realizada sem pôr em causa as constatações e as apreciações de facto efectuadas.

(cf. n.os 191‑193)

7.        Num contexto em que, após adquirir o controlo de uma sociedade, uma empresa, após ser notificada da decisão da Comissão que declara a referida operação de concentração incompatível com o mercado comum e posteriormente de uma decisão que impõe a separação das duas empresas, concluiu um contrato de cessão da referida sociedade, com efeitos diferidos no tempo, contrato esse que podia ser rescindido até uma data fixada pela empresa mediante o pagamento de uma indemnização de ruptura, e mais tarde decidiu não exercer essa faculdade de rescisão, quando as duas decisões da Comissão tinham sido anuladas na sequência de um erro cometido pela Comissão susceptível de desencadear a responsabilidade extracontratual da Comunidade, foi erradamente que o Tribunal de Primeira Instância, para declarar a existência de um direito a reparação do prejuízo sofrido pela empresa devido à redução do preço de cessão que teve de conceder ao cessionário como contrapartida pelo adiamento dessa cessão, considerou existir um nexo de causalidade directo entre o referido erro da Comissão e o prejuízo sofrido pela empresa.

Em tal situação, deve concluir‑se pela inexistência de nexo de causalidade directo entre a redução de preço controvertida e a ilegalidade de que padece a decisão que declara a operação de concentração incompatível com o mercado comum, uma vez que a causa directa do prejuízo alegado foi a decisão da empresa, que não se lhe impunha, de deixar a cessão da referida sociedade tornar‑se efectiva, quando a sequência jurídica lógica da anulação da decisão que declarou a operação de concentração incompatível com o mercado comum teria sido que a empresa participasse no reinício do processo de exame aprofundado até ao termo deste, momento em que teria sido adoptada uma decisão declarando a compatibilidade da operação de concentração, situação em que a empresa não teria sido obrigada a ceder a referida sociedade e, portanto, não teria sofrido a redução de preço alegada, ou teriam novamente sido adoptadas uma decisão de incompatibilidade e uma decisão de separação, hipótese em que a cessão teria sido a consequência legal da incompatibilidade declarada e portanto não estaria na origem de um prejuízo ressarcível.

(cf. n.os 200‑202, 204‑205, 221)