Language of document : ECLI:EU:T:2007:81

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

8 de Março de 2007 (*)

«Concorrência – Decisão que ordena uma inspecção – Cooperação leal com os órgãos jurisdicionais nacionais – Cooperação leal com as autoridades nacionais responsáveis em matéria de concorrência – Artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 – Fundamentação – Proporcionalidade – Fundamento novo – Inadmissibilidade»

No processo T‑340/04,

France Télécom SA, com sede em Paris (França), representada por C. Clarenc e J. Ruiz Calzado, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por M. É. Gippini Fournier e O. Beynet, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto a anulação da decisão C(2004) 1929 da Comissão, de 18 de Maio de 2004, no processo COMP/C 1/38.916, que ordena à France Télécom SA e a todas as empresas por esta directa ou indirectamente controladas, incluindo a Wanadoo SA e todas as empresas directa ou indirectamente controladas pela Wanadoo SA, que se submetam a uma inspecção por força do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência previstas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: H. Legal, presidente, I. Wiszniewska‑Białecka e E. Moavero Milanesi, juízes,

secretário: K. Pocheć, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 8 de Junho de 2006,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 11.° (intitulado «Cooperação entre a Comissão e as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência»), n.os 1 e 6, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência previstas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1), prevê:

«A Comissão e as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência aplicam as regras comunitárias de concorrência em estreita cooperação.

[…]

O início por parte da Comissão da tramitação conducente à aprovação de uma decisão nos termos do capítulo III priva as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência da competência para aplicarem os artigos 81.° [CE] e 82.° [CE]. Se a autoridade de um Estado‑Membro responsável em matéria de concorrência já estiver a instruir um processo, a Comissão só dará início a um processo após ter consultado essa autoridade nacional responsável em matéria de concorrência.»

2        Nos termos do artigo 13.° (intitulado «Suspensão ou arquivamento do processo») do Regulamento n.° 1/2003:

«1.      Caso as autoridades responsáveis em matéria de concorrência de dois ou mais Estados‑Membros tenham recebido uma denúncia ou tenham oficiosamente dado início a um processo nos termos dos artigos 81.° [CE] ou 82.° [CE] contra o mesmo acordo, decisão de associação ou prática, a instrução do processo por parte de uma autoridade constitui, para as restantes autoridades, motivo suficiente para suspenderem a respectiva tramitação ou rejeitarem a denúncia. A Comissão pode igualmente rejeitar uma denúncia com o fundamento de que uma autoridade responsável em matéria de concorrência de um Estado‑Membro está já a instruir o processo.

2.      Se for apresentada a uma autoridade de um Estado‑Membro responsável em matéria de concorrência ou à Comissão uma denúncia contra um acordo, uma decisão de uma associação ou uma prática que já está a ser instruída por outra autoridade responsável em matéria de concorrência, tal denúncia pode ser rejeitada.»

3        Por força do artigo 20.° (intitulado «Poderes da Comissão em matéria de inspecção») do Regulamento n.° 1/2003:

«1.      No cumprimento das funções que lhe são atribuídas pelo presente regulamento, a Comissão pode efectuar todas as inspecções necessárias junto das empresas e associações de empresas.

2.      Os funcionários e outros acompanhantes mandatados pela Comissão para efectuar uma inspecção podem:

a)      Aceder a todas as instalações, terrenos e meios de transporte das empresas e associações de empresas;

b)      Inspeccionar os livros e outros registos relativos à empresa, independentemente do seu suporte;

c)      Tirar ou obter sob qualquer forma cópias ou extractos dos documentos controlados;

d)      Apor selos em quaisquer instalações, livros ou registos relativos à empresa por período e na medida necessária à inspecção;

e)      Solicitar a qualquer representante ou membro do pessoal da empresa ou da associação de empresas explicações sobre factos ou documentos relacionados com o objecto e a finalidade da inspecção e registar as suas respostas.

3.      Os funcionários e outros acompanhantes mandatados pela Comissão para efectuar uma inspecção exercem os seus poderes mediante a apresentação de mandado escrito que indique o objecto e a finalidade da inspecção, bem como a sanção prevista no artigo 23.° no caso de os livros ou outros registos relativos à empresa que tenham sido exigidos serem apresentados de forma incompleta ou de as respostas aos pedidos feitos em aplicação do n.° 2 do presente artigo serem inexactas ou deturpadas. A Comissão deve avisar em tempo útil antes da inspecção a autoridade responsável em matéria de concorrência do Estado‑Membro em cujo território se deve efectuar a inspecção.

4.      As empresas e as associações de empresas são obrigadas a sujeitar‑se às inspecções que a Comissão tenha ordenado mediante decisão. A decisão deve indicar o objecto e a finalidade da inspecção, fixar a data em que esta tem início e indicar as sanções previstas nos artigos 23.° e 24.°, bem como a possibilidade de impugnação da decisão perante o Tribunal de Justiça. A Comissão toma essas decisões após consultar a autoridade responsável em matéria de concorrência do Estado‑Membro em cujo território se deve efectuar a inspecção.

5.      Os funcionários da autoridade responsável em matéria de concorrência do Estado‑Membro em cujo território se deve efectuar a inspecção, ou os agentes mandatados por essa autoridade, devem, a pedido desta ou da Comissão, prestar assistência activa aos funcionários e outros acompanhantes mandatados pela Comissão. Dispõem, para o efeito, dos poderes definidos no n.° 2.

6.      Quando os funcionários e outros acompanhantes mandatados pela Comissão verificarem que uma empresa se opõe a uma inspecção ordenada nos termos do presente artigo, o Estado‑Membro em causa deve prestar‑lhes a assistência necessária, solicitando, se for caso disso, a intervenção da força pública ou de uma autoridade equivalente, para lhes dar a possibilidade de executar a sua missão de inspecção.

7.      Se, para a assistência prevista no n.° 6, for necessária a autorização de uma autoridade judicial de acordo com as regras nacionais, essa autorização deve ser solicitada. Essa autorização pode igualmente ser solicitada como medida cautelar.

8.      Sempre que for solicitada a autorização prevista no n.° 7, a autoridade judicial nacional controla a autenticidade da decisão da Comissão, bem como o carácter não arbitrário e não excessivo das medidas coercivas relativamente ao objecto da inspecção. Ao proceder à fiscalização da proporcionalidade das medidas coercivas, a autoridade judicial nacional pode pedir à Comissão, directamente ou através da autoridade do Estado‑Membro responsável em matéria de concorrência, informações circunstanciadas, em especial quanto aos motivos que tem a Comissão para suspeitar de violação dos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE], bem como quanto à gravidade da infracção suspeita e à natureza do envolvimento da empresa em causa. No entanto, a autoridade judicial nacional não pode pôr em causa a necessidade da inspecção, nem exigir que lhe sejam apresentadas informações que constem do processo da Comissão. A fiscalização da legalidade da decisão da Comissão encontra‑se reservada exclusivamente ao Tribunal de Justiça.»

 Factos na origem do litígio

4        Numa decisão de 16 de Julho de 2003 relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° [CE] (processo COMP/38.233 – Wanadoo Interactive) (a seguir «decisão de 16 de Julho de 2003»), a Comissão concluiu que, entre Março de 2001 e Outubro de 2002, a Wanadoo Interactive, à data filial a 99,9% da Wanadoo SA, ela própria filial da recorrente, que detinha entre 70 e 72,2% do seu capital durante o período em causa nesta decisão, tinha abusado da sua posição dominante no mercado dos serviços de acesso à Internet de alta velocidade para clientes residenciais ao praticar, pelos seus serviços eXtense e Wanadoo ADSL, preços predatórios e aplicou à Wanadoo Interactive uma coima 10,35 milhões de euros.

5        Nos artigos 2.° e 3.° desta decisão a Comissão ordenou igualmente à Wanadoo Interactive que:

–        se abstivesse, no âmbito dos seus serviços eXtense e Wanadoo ADSL, de qualquer comportamento que pudesse ter um objecto ou um efeito idêntico ou semelhante ao que constitui a infracção;

–        transmitisse à Comissão, no termo de cada exercício, e até ao exercício de 2006 inclusive, a conta de exploração dos seus diferentes serviços ADSL (Asymmetric Digital Subscriber Line, tecnologia de transmissão assimétrica de banda larga), evidenciando os rendimentos contabilísticos, os custos de exploração e os custos de aquisição dos clientes.

6        Em 11 de Dezembro de 2003, na sequência de um parecer favorável da autoridade de regulamentação das telecomunicações francesa (a seguir «ART»), o ministro da Economia, das Finanças e da Indústria francês homologou uma baixa das tarifas do mercado grossista da France Télécom SA praticadas para o acesso e o serviço de encaminhamento IP/ADSL, também designados «opção 5». Diversos fornecedores de acesso à Internet, entre os quais a Wanadoo, decidiram repercutir esta baixa das tarifas do mercado grossista nas suas ofertas a retalho.

7        Em 12 de Dezembro de 2003, a Wanadoo anunciou uma primeira baixa das suas tarifas retalhistas, aplicável tanto aos antigos como aos novos assinantes, para as suas tarifas fixas de alta velocidade (ofertas «eXtense 512k» illimitada, «eXtense 512k Fidélité» ilimitada, «eXtense 1024k» ilimitada e «eXtense 1024k Fidélité» ilimitada), a partir de 6 de Janeiro de 2004. A tarifa da oferta «eXtense 128k» ilimitada não foi alterada.

8        Em 9 de Janeiro de 2004, a Comissão enviou uma carta à Wanadoo, recordando‑lhe os termos do artigo 2.° da decisão de 16 de Julho de 2003 e pedindo‑lhe que lhe indicasse se, após a adopção dessa decisão, tinha introduzido, ou pretendia introduzir, baixas dos seu preços retalhistas para os serviços abrangidos pela referida decisão. A Comissão precisava que em caso de resposta afirmativa enviaria à Wanadoo um pedido de informações formal sobre os pormenores destas baixas de preços. Além disso, a Comissão pedia informações sobre a data do fim do exercício social da Wanadoo e do momento em que lhe seriam transmitidas as informações exigidas pelo artigo 3.° da decisão de 16 de Julho de 2003. A Comissão reiterou o seu pedido numa mensagem de correio electrónico de 26 de Janeiro de 2004.

9        Em 12 de Janeiro de 2004, a AOL France SNC e a AOL Europe Services SARL (a seguir, consideradas conjuntamente, «AOL») apresentaram ao Conseil de la concurrence français (conselho da concorrência francês, a seguir «Conseil de la concurrence») uma denúncia de prática de preços predatórios pela Wanadoo quanto às quatro novas ofertas anunciadas por esta última em 12 de Dezembro de 2003, com base nos artigos 82.° CE e L 420 2 do código comercial francês. Esta denúncia era acompanhada de um pedido de medidas cautelares destinado a obter designadamente a suspensão da comercialização destas ofertas, apresentado nos termos do artigo L 464‑1 do código comercial francês.

10      Pela decisão n.° 263012, de 19 de Janeiro de 2004, o Conseil d’État francês (a seguir «Conseil d’État»), ao qual tinha sido apresentado pela sociedade T‑Online France um pedido de suspensão da decisão do ministro da Economia, das Finanças e da Indústria francês que homologou a baixa das tarifas da opção 5, indeferiu este pedido, indicando designadamente que a ART, «em apoio do seu parecer favorável à oferta tarifária da France Télécom, após uma análise detalhada, [tinha] constatado a inexistência de efeitos anticoncorrenciais susceptíveis de constituírem um obstáculo à mesma».

11      Em 29 de Janeiro de 2004, a Wanadoo anunciou a introdução, a partir de 3 de Fevereiro de 2004, de uma oferta «eXtense 128k Fidélité» ilimitada e de quatro ofertas de preço fixo (ou ainda «à la carte»), a saber «eXtense 128k/20h», «eXtense 128k/20h Fidélité», «eXtense 512k/5Go» e «eXtense 512k/5Go Fidélité».

12      Por carta de 30 de Janeiro de 2004, a Wanadoo respondeu à carta da Comissão de 9 de Janeiro de 2004, informando‑a do lançamento de novas ofertas de assinatura ADSL em Janeiro, com tarifas mais atractivas, e do lançamento futuro de novas ofertas em Fevereiro.

13      Em 24 de Fevereiro de 2004, a AOL complementou a denúncia apresentada ao Conseil de la concurrence, acrescentando as ofertas lançadas pela Wanadoo em 3 de Fevereiro de 2004 e juntando‑lhe também um pedido de medidas cautelares destinado a obter designadamente a suspensão da comercialização daquelas.

14      Por outro lado, a Comissão teve reuniões com concorrentes da Wanadoo, que lhe chamaram a atenção para o facto de, segundo estes, o novo preço atractivo fixado pela Wanadoo para um acesso com 128 kbit/s originar um corte de tarifas no mercado retalhista.

15      No início de Março de 2004, o Conseil de la concurrence informou a Comissão da denúncia apresentada pela AOL.

16      Em 15 de Março de 2004, em conformidade com o artigo 3.° da decisão de 16 de Julho de 2003, a Wanadoo transmitiu à Comissão as suas contas de exploração relativas ao exercício social de 2003.

17      Em 22 de Março de 2004, durante uma reunião entre os serviços da Direcção‑Geral (DG)] «Concorrência» da Comissão e o relator responsável pelo processo no Conseil de la concurrence (a seguir «relator»), resultou de uma análise sumária, baseada no método de cálculo utilizado pela Comissão na sua decisão de 16 de Julho de 2003 e no modelo económico provisório elaborado pela Wanadoo, corrigido, quando necessário, pelas estimativas do relator, que algumas das novas tarifas da Wanadoo eram predatórias, designadamente atendendo à presença de um plano que revelava a intenção de eliminar os concorrentes. Atendendo a estes elementos, o relator propôs ao Conseil de la concurrence a adopção de medidas cautelares destinadas a ordenar à Wanadoo que suprimisse as ofertas em questão.

18      Em 2 de Abril de 2004, os funcionários da DG «Concorrência» tiveram uma reunião com a AOL.

19      No mesmo período, a Comissão manteve diversos contactos telefónicos com o relator e, em 21 de Abril de 2004, teve uma segunda reunião com este.

20      Em 11 de Maio de 2004, o Conseil de la concurrence adoptou a sua decisão n.° 04‑D‑17 relativa à denúncia e ao pedido de medidas cautelares apresentados pela AOL, nos termos da qual indeferiu o referido pedido e reenviou a denúncia para a instrução (a seguir «decisão do Conseil de la concurrence»).

21      Em 18 de Maio de 2004, a Comissão adoptou a decisão C (2004) 1929, no processo COMP/C‑1/38.916, que ordena à recorrente e a todas as empresas por esta directa ou indirectamente controladas, incluindo a Wanadoo e todas as empresas directa ou indirectamente controladas pela Wanadoo, que se submetam a uma inspecção por força do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 (a seguir «decisão recorrida»).

22      Esta decisão enuncia nos seus primeiro e terceiro a décimo terceiro considerandos:

«A Comissão […] recebeu informações que indicam que a Wanadoo pratica tarifas de acesso à Internet por ADSL destinadas ao grande público em França das quais algumas não cobrem os custos variáveis e outras são inferiores aos custos completos. Segundo as informações disponíveis, estas tarifas inserem‑se num plano que revela a intenção de eliminar os concorrentes. Além disso, as informações recebidas indicam que a margem económica reduzida entre as tarifas retalhistas em causa e as ofertas grossistas e [a opção 5] da France Télécom origina um corte de tarifas em detrimento [d]os operadores concorrentes que pretendam propor o acesso à Internet de alta velocidade aos clientes residenciais com base na opção 5 da France Télécom.

[…]

A Wanadoo anunciou uma primeira baixa das suas tarifas de acesso à internet por ADSL destinadas ao grande público aplicáveis a partir de 5 de Janeiro de 2004. Esta baixa traduziu‑se pela introdução das ofertas «eXtense» ilimitadas, a saber, duas ofertas de 128 kbit/s, a primeira com uma duração de contrato de 24 meses por 24,90 EUR/mês e a segunda com uma duração de contrato de 12 meses por 29,90 EUR/mês; duas ofertas de 512 kbit/s, a primeira com uma duração de contrato de 24 meses por 29,90 EUR/mês e a segunda com uma duração de contrato de 12 meses por 34,90 EUR; duas ofertas de 1024 kbit/s, a primeira com uma duração de contrato de 24 meses por 39,90 EUR/mês e a segunda com uma duração de contrato de 12 meses por 44,90 EUR).

Em 28 de Janeiro de 2004, a Wanadoo introduziu ainda quatro ofertas designadas «à la carte» (a saber, duas ofertas de 128 kbit/s limitadas a 20 h/mês, a primeira com uma duração de contrato de 24 meses por 14,90 EUR/mês, e a segunda com uma duração de contrato de 12 meses por 19,90 EUR e duas ofertas de 512 kbit/s limitada a 5 Gigaoctets/mês, a primeira com uma duração de contrato de 24 meses por 24,90 EUR/mês e a segunda com uma duração de contrato de 12 meses por 29,90 EUR). A presente inspecção incide especificamente sobre estas dez novas ofertas.

Segundo as informações de que a Comissão dispõe, uma análise com base em dados provisórios revela que pelo menos três das ofertas acima referidas (as duas ofertas ‘à la carte’ de 128 kbit/s e a oferta ‘à la carte’ de 512 kbit/s/24 meses) não cobrem os seus custos variáveis. Pelo menos duas outras ofertas de 512 kbit/s (a oferta ‘à la carte’ de 12 meses e a oferta ilimitada de 24 meses) não cobrem os seus custos completos.

A Comissão recebeu igualmente informações que indicavam que as ofertas em causa se inserem numa estratégia de contenção e de afastamento dos concorrentes.

Acresce que, segundo as informações de que a Comissão dispõe, apesar da baixa das tarifas da opção 5 efectuada em Janeiro de 2004, a margem económica entre as novas tarifas retalhistas praticadas pela Wanadoo e a opção 5 é insuficiente e impede os operadores concorrentes que baseiam a sua oferta na opção 5 de concorrer com a Wanadoo em condições equitativas.

Na sua decisão […] de 16 de Julho de 2003, a Comissão concluiu que a Wanadoo ocupava uma posição dominante no mercado francês de acesso à Internet de alta velocidade para os clientes residenciais. As informações de que a Comissão dispõe indicam que esta conclusão permanece válida até à presente data.

As ofertas inferiores aos custos praticadas pela Wanadoo e a margem reduzida entre estas ofertas e as tarifas da opção 5 restringiram provavelmente a entrada no mercado dos concorrentes – franceses ou estabelecidos noutros Estados‑Membros – e colocaram em situação de risco os concorrentes já presentes. Segundo as informações disponíveis, a maioria dos concorrentes da Wanadoo tiveram que alinhar as suas ofertas pelas novas ofertas da Wanadoo e todo o mercado do ADSL em França regista actualmente uma margem negativa.

O tipo de práticas como as anteriormente descritas equivale a impor preços de venda não equitativos. Caso a sua existência fosse demonstrada, estas práticas constituiriam um abuso de posição dominante e, portanto, uma infracção ao artigo 82.° [CE].

A fim de poder apreciar todos os factos pertinentes relativos às presumidas práticas e o contexto do presumido abuso, a Comissão deve proceder a inspecções por força do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003.

Segundo as informações de que a Comissão dispõe, é muito provável que todas as informações relativas às práticas anteriormente referidas, em particular os elementos de informação que permitam estabelecer o grau de cobertura dos custos e os referentes à estratégia de contenção e de afastamento dos concorrentes, apenas tenham sido comunicadas a alguns membros do pessoal da France Télécom e/ou da Wanadoo. A documentação existente a respeito das presumidas práticas é muito provavelmente limitada ao mínimo indispensável e encontra‑se em lugares e sob formas que favorecem a sua dissimulação, a sua retenção ou a sua destruição em caso de inspecção.

A fim de garantir a eficácia da presente inspecção, é, portanto, essencial realizá‑la sem a sua comunicação prévia às empresas destinatárias da presente [d]ecisão. Por conseguinte, importa adoptar uma [d]ecisão por força do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003, que obrigue as empresas a sujeitar‑se a uma inspecção».

23      O artigo 1.° da decisão recorrida dispõe:

«A France Télécom […] e a Wanadoo […]:

são obrigadas a sujeitar‑se a uma inspecção relativa a uma presumida imposição de preços de venda não equitativos no âmbito do acesso à Internet de alta velocidade para clientes residenciais, contrária ao artigo 82.° [CE], com o intuito de conter e afastar os concorrentes. A inspecção pode ser realizada em todas as instalações das empresas […]

A France Télécom […] e a Wanadoo […] devem permitir aos funcionários e a outros acompanhantes mandatados pela Comissão para efectuar uma inspecção, e aos funcionários da autoridade responsável do Estado‑Membro em causa bem como aos agentes mandatados por essa autoridade que os assistem o acesso a todas as suas instalações, terrenos e meios de transporte durante as horas normais de expediente. Estas empresas devem apresentar os livros ou outros registos relativos à empresa independentemente do seu suporte, que sejam exigidos por estes funcionários e outros acompanhantes, e devem permitir aos mesmos inspeccionar no local estes livros e outros registos relativos à empresa, bem como tirar ou obter sob qualquer forma cópias ou extractos dos mesmos. As referidas empresas devem fornecer imediatamente, no local, quaisquer explicações orais solicitadas pelos mencionados funcionários e outros acompanhantes sobre factos ou documentos relacionados com o objecto e a finalidade da inspecção e devem permitir a qualquer representante ou membro do pessoal fornecer tais explicações. Devem permitir [aos referidos] funcionários e outros acompanhantes o registo destas explicações, independentemente da forma por que seja realizado».

24      Por último, a decisão recorrida precisa, nos seus artigos 2.° e 3.°, respectivamente, a data do início da inspecção e o facto de a recorrente e a Wanadoo serem destinatárias desta. In fine, enuncia as circunstâncias em que a Comissão pode aplicar a qualquer empresa sua destinatária coimas e sanções pecuniárias compulsórias, em conformidade com os artigos 23.° e 24.° do Regulamento n.° 1/2003, e indica que, quando uma empresa destinatária se opõe à inspecção ordenada, o Estado‑Membro em causa deve prestar a assistência necessária aos funcionários e outros acompanhantes mandatados pela Comissão, para lhes dar a possibilidade de executarem a sua missão de inspecção, em conformidade com o artigo 20.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003. Além disso, a decisão menciona a possibilidade de ser interposto recurso judicial dela e contém, em anexo, determinados extractos do Regulamento n.° 1/2003.

25      Com base nesta decisão, a Comissão solicitou a assistência das autoridades francesas nos termos do artigo 20.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1/2003. O ministro da Economia, das Finanças e da Indústria francês, através de um pedido de inquérito de 25 de Maio de 2004, ordenou ao director da direcção nacional dos inquéritos em matéria de concorrência, de consumo e de repressão das fraudes que tomasse todas as medidas necessárias à realização da inspecção determinada pela Comissão na decisão recorrida. Para este efeito, este último pediu ao juge des libertés et de la détention au tribunal de grande instance de Paris (juiz das medidas de coacção no tribunal de grande instance de Paris; a seguir «juge des libertés») que lhe concedesse autorização para realizar ou ordenar a realização de uma inspecção à recorrente e à Wanadoo e para prestar assistência à Comissão. A este pedido foi junta a decisão recorrida.

26      Por despacho de 28 de Maio de 2004, o juge des libertés concedeu a solicitada autorização, permitindo designadamente que os investigadores franceses designados exercessem os poderes que lhe são atribuídos pelos artigos L 450‑4 e L 470‑6 do código comercial francês.

27      A inspecção teve início em 2 de Junho de 2004 nas instalações da recorrente e desenrolou‑se em 2 e 3 de Junho de 2004. A recorrente colaborou na inspecção, embora exprimindo reservas quanto ao fundamento desta. A Wanadoo foi objecto de investigações de 2 a 4 de Junho de 2004.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

28      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 11 de Agosto de 2004, a recorrente interpôs o presente recurso.

29      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, colocou, por escrito, uma questão à recorrente, que lhe respondeu no prazo fixado.

30      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal na audiência de 8 de Junho de 2006.

31      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas.

32      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

33      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca quatro fundamentos, relativos respectivamente à violação do dever de fundamentação, à violação da obrigação de cooperação leal com as instituições nacionais, à violação do princípio da proporcionalidade e à violação, previamente à adopção da decisão recorrida, do Regulamento n.° 1/2003, da Comunicação da Comissão sobre a cooperação no âmbito da rede de autoridades de concorrência (JO 2004, C 101, p. 43, a seguir «comunicação») e do princípio da boa administração da justiça, tendo este último fundamento sido invocado pela primeira vez na réplica.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

34      A recorrente alega que a Comissão violou por quatro vezes o dever de fundamentação que lhe incumbia por força do artigo 253.° CE, do Regulamento n.° 1/2003 e da jurisprudência. Em primeiro lugar, a decisão recorrida não lhe permitiu compreender por que razão era visada pela inspecção, em segundo lugar, a decisão recorrida não foi fundamentada em relação a alguns elementos do contexto, em terceiro lugar, a decisão recorrida não tinha fundamento nas dúvidas nela expressas quanto às tarifas da opção 5 e, em quarto lugar, a decisão recorrida não permitiu ao juge des libertés exercer a fiscalização que lhe competia.

 Quanto à primeira censura, relativa à impossibilidade da recorrente de compreender por que razão era destinatária da decisão recorrida e visada pela inspecção

–       Argumentos das partes

35      Em geral, a recorrente alega que resulta do artigo 235.° CE, do Regulamento n.° 1/2003 e da jurisprudência que o alcance do dever de fundamentação depende da natureza do acto em causa e do contexto em que tenha sido adoptado. Por conseguinte, a Comissão deve descrever clara e precisamente o objecto e a finalidade de uma inspecção que decide ordenar e as presunções que entende verificar. Ora, no caso em apreço, a decisão recorrida enferma de um vício de fundamentação que não permitiu à recorrente apreciar o objecto exacto, a extensão e o carácter justificado da inspecção ordenada. Por este facto, foi‑lhe impossível compreender o alcance do seu dever de colaboração e os direitos de defesa não foram preservados. Com efeito, não lhe pôde conhecer claramente as presunções da Comissão nem o alcance do envolvimento que lhe foi imputado no presumido abuso de posição dominante.

36      A decisão recorrida imputa à Wanadoo as práticas alegadas visadas pela inspecção, em conformidade com a análise constante da decisão de 16 de Julho de 2003, na qual a Comissão reconheceu a autonomia da Wanadoo em relação à recorrente na sua política de fixação de preços no mercado francês de serviços de acesso à Internet de alta velocidade aos clientes residenciais. Por conseguinte, a decisão recorrida tinha por objecto a prova de práticas imputadas a uma filial autónoma da recorrente, que opera num mercado em que esta última não está presente. Nestas circunstâncias, a Comissão, a fim de cumprir o seu dever de fundamentação, devia ter exposto as razões pelas quais a recorrente era pessoalmente visada por uma inspecção com o objectivo de verificar as presunções de infracção referidas no artigo 1.° da decisão recorrida.

37      A decisão recorrida não permitiu à recorrente saber se a Comissão a presumia pessoalmente implicada na execução das práticas mencionadas na decisão recorrida e se, por conseguinte, era suspeitada de ter pessoalmente violado o artigo 82.° CE, o que constitui uma violação do requisito estabelecido pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 2002, Roquette Frères (C‑94/00, Colect., p. I‑9011), segundo o qual a Comissão deve fornecer explicações quanto à maneira pela qual a empresa destinatária das medidas coercivas se presume implicada na infracção.

38      O facto de a recorrente ter adquirido em 2004 a totalidade do capital da Wanadoo não justifica a análise da Comissão na decisão recorrida. A recorrente afirma que os preços referidos nesta decisão são preços de ofertas lançadas em Janeiro de 2004, quando detinha apenas 70% do capital da Wanadoo, tendo a aquisição da totalidade do capital desta última sido realizada após a adopção da decisão recorrida. Além disso, a presunção de que uma filial está sob a influência determinante da sua sociedade‑mãe é ilidida quando esta filial determina de forma autónoma a sua política. No caso em apreço, a autonomia da Wanadoo foi demonstrada na decisão de 16 de Julho de 2003. A Comissão não podia alterar esta conclusão apenas com base no fundamento implícito de um aumento da parte da recorrente no capital da Wanadoo posteriormente à fixação dos preços referidos na decisão recorrida.

39      Além disso, a posição da Comissão é contraditória. Com efeito, a atitude da Comissão, até à adopção da decisão recorrida, e o artigo 1.° desta decisão confirmam que as ofertas e os preços praticados pela Wanadoo eram considerados decorrentes da política desta empresa e não de uma política de grupo.

40      Antes de mais, a Comissão responde enunciando as exigências que lhe são impostas pela jurisprudência em matéria de fundamentação das decisões de inspecção. O artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003 define os elementos essenciais que devem constar da fundamentação de uma decisão que ordena uma inspecção, impondo à Comissão que indique o objecto e a finalidade desta. Por outro lado, a jurisprudência precisou, quanto ao artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos [81.º CE] e [82.º CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 2), cuja formulação é, no essencial, retomada pelo artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003, que a Comissão não é obrigada a comunicar ao destinatário de uma decisão de inspecção todas as informações de que dispõe a propósito de infracções presumidas nem a proceder a uma qualificação jurídica rigorosa destas infracções, mas que deve indicar claramente as presunções que pretenda averiguar. A decisão recorrida respeitou estas prescrições.

41      Quanto à primeira censura formulada pela recorrente, em primeiro lugar, a Comissão assinala que a recorrente é a sociedade‑mãe do grupo Wanadoo, do qual detinha 95,94% do capital antes da adopção da decisão recorrida. O facto de a recorrente ser uma pessoa jurídica diferente da Wanadoo não significa que seja uma empresa distinta na acepção do direito comunitário da concorrência. A partir do momento em que uma empresa detém a totalidade do capital de uma outra empresa, existe uma presunção segundo a qual a primeira exerce um controlo sobre a segunda e, por consequência, uma presunção do seu envolvimento em caso de infracção cometida pela segunda. A Comissão não tinha que explicar estes elementos da sua decisão, uma vez que o dever de fundamentação não exige que todos os elementos de facto e de direito pertinentes sejam especificados. Por outro lado, as referências da recorrente à decisão de 16 de Julho de 2003 não são pertinentes, dado que, depois desta data, a recorrente aumentou a sua parte no capital da Wanadoo.

42      Além disso, ainda que o aumento da participação da recorrente no capital da Wanadoo não fosse ainda efectivo à data do lançamento das novas ofertas em Janeiro de 2004, os mercados esperavam uma reintegração da Wanadoo no grupo France Télécom. A Comissão podia legitimamente supor que o processo de integração da Wanadoo estava, pelo menos, em fase de preparação quando as novas ofertas foram lançadas e que, nesta fase, a recorrente tinha interesse em controlar mais atentamente as decisões da sua filial em matéria de tarifação. Por outro lado, era provável que, após uma decisão que declarava ilegal a política de preços de uma filial, a sua sociedade‑mãe se envolvesse mais estreitamente na fixação dos preços desta.

43      Em segundo lugar, para efectuar uma inspecção, a Comissão não tinha de ter a certeza do envolvimento directo na infracção objecto de suspeita da empresa inspeccionada nem de estar em condições de indicar o papel preciso de cada empresa inspeccionada na referida infracção. Dado que a recorrente é a sociedade‑mãe da Wanadoo e que as infracções objecto de suspeita desta são claramente explicitadas, é evidente a razão pela qual a recorrente está em causa. Por conseguinte, seria lógico pensar que alguns dos elementos procurados se poderiam encontrar igualmente nas instalações da recorrente.

44      Quanto às infracções constatadas na decisão de 16 de Julho de 2003, o facto de nenhum elemento ter revelado que a Wanadoo agiu sob as instruções da sua sociedade‑mãe não é pertinente, uma vez que esta constatação não pode valer para situações futuras.

45      Em terceiro lugar, a decisão recorrida indica claramente de que forma se presume que a recorrente está envolvida na infracção objecto de suspeita. As práticas tarifárias descritas, caso estivessem provadas, equivaleriam a impor preços de venda não equitativos na acepção do artigo 82.° CE, que poderiam, na hipótese de se tratar de um grupo de empresas como o do caso em apreço, ser qualificados quer como preços predatórios quer como corte de tarifas. Não é exigida uma qualificação jurídica exacta das presumidas infracções ou a indicação do período em que estas infracções foram cometidas. Por outro lado, a questão da imputação da infracção cometida por uma filial à sua sociedade‑mãe é desprovida de pertinência no caso em apreço.

46      Em último lugar, e em qualquer caso, a Comissão pode ordenar uma inspecção quando possa legitimamente supor que elementos pertinentes para a sua investigação se encontram nas instalações de uma empresa, mesmo que depois se demonstre que a empresa em causa não está directamente envolvida na infracção objecto de suspeita.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

47      A título liminar, importa recordar os princípios que regem o dever de fundamentação que incumbe à Comissão quando adopta uma decisão que ordena uma inspecção, nos termos do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003.

48      O dever de fundamentar uma decisão individual, que resulta do artigo 253.° CE, tem por finalidade permitir ao juiz comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão e fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se a decisão está bem fundamentada ou se, eventualmente, enferma de um vício que permita contestar a sua validade, precisando‑se que o alcance deste dever depende da natureza do acto em causa e do contexto em que tenha sido adoptado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1984, Instituut Electronenmicroscopie, 185/83, Recueil, p. 3623, n.° 38, e do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Junho de 2005, Corsica Ferries France/Comissão, T‑349/03, Colect., p. II‑2197, n.os 62 e 63).

49      Quanto às decisões da Comissão que ordenam uma inspecção, o artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003 define os elementos essenciais que devem constar desta decisão, impondo à Comissão que a fundamente indicando o objecto e a finalidade da inspecção, a data em que esta tem início, as sanções previstas nos artigos 23.° e 24.° do referido regulamento, bem como a possibilidade de impugnação da decisão perante o órgão jurisdicional comunitário competente.

50      A fundamentação das decisões que ordenam uma inspecção tem assim por objecto revelar o carácter justificado da intervenção pretendida no interior das empresas em causa e também colocá‑las em condições de tomarem consciência do alcance do respectivo dever de colaboração, preservando ao mesmo tempo os respectivos direitos de defesa (v., a propósito do Regulamento n.° 17, acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 1989, Hoechst/Comissão, 46/87 e 227/88, Colect., p. I‑2859, n.° 29, e Roquette Frères, n.° 37 supra, n.° 47).

51      Com efeito, a exigência de que a Comissão indique o objecto e a finalidade da inspecção constitui uma garantia fundamental dos direitos de defesa das empresas em causa e, consequentemente, o alcance do dever de fundamentação não pode ser restringido em função de considerações relativas à eficácia da investigação. A este respeito, embora a Comissão não seja obrigada a comunicar ao destinatário desta decisão todas as informações de que dispõe a propósito das presumidas infracções, a delimitar precisamente o mercado em causa, a proceder a uma qualificação jurídica exacta destas infracções, nem a indicar o período durante o qual essas infracções teriam sido cometidas, deve, pelo contrário, indicar, com tanta precisão quanto possível, as presunções que pretenda submeter à instrução, designadamente o objectivo prosseguido e os elementos sobre os quais a inspecção deve incidir (v., a propósito do Regulamento n.° 17, acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 1989, Dow Benelux/Comissão, 85/87, Colect., p. I‑3137, n.° 10; Hoechst/Comissão, n.° 50 supra, n.° 41, e Roquette Frères, n.° 37 supra, n.° 48).

52      Para este fim, a Comissão deve também revelar, na decisão que ordena a inspecção, uma descrição das características essenciais da infracção objecto de suspeita, mediante a indicação do mercado presumido em causa e da natureza das restrições da concorrência objecto de suspeita, de explicações sobre a forma como a empresa visada pela inspecção está supostamente implicada nessa infracção, da matéria investigada e dos elementos sobre os quais a instrução deve incidir, bem como a indicação dos poderes conferidos aos agentes comunitários (v., a propósito do Regulamento n.° 17, acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 1980, National Panasonic/Comissão, 136/79, Recueil, p. 2033, n.° 26, e Roquette Frères, n.° 37 supra, n.os 81, 83 e 99).

53      Para provar o carácter justificado da inspecção, a Comissão é obrigada a revelar de forma circunstanciada na decisão que ordena uma inspecção que dispõe de elementos e de indícios materiais sérios que a levam a suspeitar de uma tal infracção por parte da empresa em causa na inspecção (v., a propósito do Regulamento n.° 17, acórdão Roquette Frères, n.° 37 supra, n.os 55, 61 e 99).

54      No caso em apreço, embora a decisão recorrida esteja redigida em termos gerais, contém, no entanto, os elementos essenciais exigidos pelo artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003, e pela jurisprudência.

55      Por conseguinte, resulta dos termos essenciais da decisão recorrida, reproduzidos nos n.os 22 a 24 supra, que esta indica o objecto e a finalidade da inspecção, revelando as características essenciais da infracção objecto de suspeita, designando o mercado presumido em causa – o acesso à Internet de alta velocidade para os clientes residenciais em França –, a natureza das restrições da concorrência objecto de suspeita – práticas tarifárias que seriam contrárias ao artigo 82.  CE –, indicando a importância das tarifas da opção 5 da recorrente na determinação da existência destas infracções –, explicações sobre a forma como a recorrente está supostamente implicada na infracção e o papel que possa ter sido desempenhado pela recorrente – a recorrente podia estar informada ou podia estar na posse de determinados elementos que permitiriam identificar a infracção objecto de suspeita –, a matéria investigada e os elementos sobre os quais a instrução devia incidir – informações relativas a estas práticas, em particular os elementos que permitem estabelecer o grau de cobertura de custos da Wanadoo e que se relacionavam com a estratégia de contenção e de afastamento dos concorrentes, que podiam apenas ter sido comunicadas a alguns membros do pessoal da recorrente ou da Wanadoo, que podiam ser investigadas tanto nas instalações, nos livros da Wanadoo e outros registos relativos a esta como nos relativos à recorrente e, sendo caso disso, oralmente –, os poderes conferidos aos inspectores comunitários, a data em que se inicia a inspecção – 2 de Junho de 2004 –, as sanções previstas nos artigos 23.° e 24.° do Regulamento n.° 1/2003, bem como a possibilidade de impugnação da decisão de inspecção no Tribunal de Primeira Instância. Além disso, à data era notório em França que a recorrente era a sociedade‑mãe da Wanadoo.

56      Quanto ao carácter justificado da inspecção, a decisão recorrida revela de forma circunstanciada que a Comissão dispunha no seu processo de indícios sérios que lhe permitiam suspeitar de infracções às regras da concorrência pela Wanadoo, filial da recorrente, e que estava em condições de suspeitar que determinados elementos, designadamente os que se relacionam com a estratégia de contenção e de afastamento dos concorrentes, podiam ter sido comunicados a alguns membros do pessoal da recorrente.

57      Por conseguinte, a decisão recorrida está suficientemente fundamentada à luz das exigências do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003 e da jurisprudência. Por outro lado, atendendo ao contexto em que foi adoptada, os elementos mencionados pela recorrente no âmbito da presente censura não podem infirmar esta conclusão.

58      Em primeiro lugar, é certo que a decisão recorrida dispõe especificamente que a inspecção deve incidir sobre as dez ofertas da Wanadoo nela mencionadas. Nesta medida, como resulta do n.° 55 supra, a razão da designação da recorrente como destinatária da decisão recorrida e a razão da sua implicação pessoal na inspecção ordenada são igualmente expostas, ou seja, no essencial, o facto de a Comissão suspeitar que determinados se podiam encontrar nas instalações daquela ou que a recorrente podia estar informada sobre a estratégia da sua filial. Atendendo ao contexto em que a decisão recorrida foi adoptada, que a própria recorrente reconhece como sendo um elemento pertinente para determinar a extensão do dever de fundamentação que impendia sobre a Comissão, esta precisão era suficiente para cumprir o dever de fundamentação em relação à indicação do objecto e da finalidade da inspecção em causa.

59      Por um lado, está assente que a recorrente era, à data dos factos, a sociedade‑mãe da Wanadoo e que não podia desconhecer que a sua filial tinha sido condenada pela decisão de 16 de Julho de 2003 por violação do artigo 82.° CE. A Comissão tinha, portanto, razões para suspeitar que determinados elementos de prova podiam estar dissimulados nas instalações da recorrente.

60      Por outro lado, a decisão de 16 de Julho de 2003 mostra que já nesse processo a recorrente tinha sido objecto de pedidos de informação. Além disso, esta decisão fundamenta‑se, designadamente para efeitos da sua análise da estratégia de apropriação do mercado dos serviços de acesso à Internet de alta velocidade pela Wanadoo, em elementos de contexto que provam uma estratégia de contenção e de afastamento dos concorrentes bem como a posição dominante da Wanadoo, alguns dos quais provêm da recorrente e outros lhe foram fornecidos pela Wanadoo. A Comissão refere, além disso, nesta decisão, elementos que ilustram a política de conjunto do grupo France Télécom face à concorrência no mercado em causa e assinala justamente que a estratégia prosseguida por uma filial não é completamente dissociável dos objectivos da sociedade‑mãe.

61      Por conseguinte, tendo em conta, em particular, o papel já desempenhado por determinados documentos da recorrente e pela estratégia de grupo prosseguida pela recorrente para fins de prova de uma infracção por parte da sua filial, num momento em que a independência desta última na fixação dos seus preços de retalho não era discutida, não está demonstrada a falta de fundamentação da decisão recorrida quanto à designação da recorrente como destinatária da decisão recorrida e quanto ao seu envolvimento pessoal na inspecção efectuada no caso em apreço.

62      O nível exacto da participação da recorrente no capital da Wanadoo não é pertinente a este respeito, já que, no caso em apreço, este era, de qualquer modo, suficiente para concluir que, à data dos factos em causa, a recorrente era efectivamente a sociedade‑mãe da Wanadoo. A título meramente exaustivo, o Tribunal de Primeira Instância constata, além disso, que resulta da resposta da recorrente à questão escrita do Tribunal de Primeira Instância que, em 28 de Abril de 2004, ou seja, antes da adopção da decisão recorrida, a recorrente detinha, directa ou indirectamente, 95,25% do capital da sua filial Wanadoo.

63      Também não é pertinente a eventual impossibilidade de imputar à recorrente o comportamento anticoncorrencial da Wanadoo uma vez provado. Esta impossibilidade pode efectivamente resultar de uma análise da substância dum processo, mas não permite proibir uma inspecção às instalações da sociedade‑mãe, uma vez que esta inspecção tem precisamente por objecto determinar o papel exacto das empresas envolvidas na infracção em causa. Com efeito, a jurisprudência não exige que seja efectuada uma qualificação jurídica rigorosa das presumidas infracções na decisão que ordena uma inspecção (v., a propósito do Regulamento n.° 17, acórdão Dow Benelux/Comissão, n.° 51 supra, n.° 10. Além disso, já se concluiu que, no caso em apreço, a decisão recorrida estava suficientemente justificada pelo facto de a Comissão poder suspeitar com razão que determinados elementos de prova pertinentes se podiam encontrar nas instalações da recorrente. Por outro lado, não resulta da decisão recorrida que a autonomia do comportamento da Wanadoo no mercado visado pela inspecção, que foi reconhecida na decisão de 16 de Julho de 2003, tenha sido posta em causa pela Comissão.

64      Em segundo lugar, quanto ao argumento segundo o qual a alegada insuficiência de fundamentação não permitiu à recorrente apreciar se se devia considerar pessoalmente implicada na infracção, basta referir que, como se viu anteriormente, tanto o conteúdo da decisão recorrida como o contexto em que esta foi adoptada indicam claramente de que forma se presumiu que a recorrente estava implicada na infracção.

65      Resulta também da exposição precedente que a decisão recorrida não enferma de nenhuma contradição com a anterior posição da Comissão que requeresse uma fundamentação particular. Por conseguinte, a presente censura não pode ser acolhida.

 Quanto à segunda censura, relativa à falta de fundamentação da decisão recorrida em relação a determinados elementos de contexto

–       Argumentos das partes

66      A recorrente alega que a Comissão não fundamentou a sua decisão de proceder à inspecção em causa à luz da decisão de 16 de Julho de 2003, do processo no Conseil de la concurrence e da decisão do Conseil de la concurrence.

67      Por um lado, a necessidade e a proporcionalidade da inspecção, bem como a referência ao risco de dissimulação ou de destruição de elementos, deviam ter sido justificadas em relação à existência das injunções contidas na decisão de 16 de Julho de 2003.

68      Por outro lado, uma vez que considerava a inspecção necessária, não obstante o processo em curso no Conseil de la concurrence e o indeferimento por este do pedido de medidas cautelares apresentado pela AOL, a Comissão devia explicá‑lo e justificá‑lo, a fortiori no que respeita à inspecção ordenada à recorrente.

69      O incumprimento pela Comissão do seu dever de fundamentação é, além disso, demonstrado pelo facto de esta, entre os elementos de contexto apresentados na sua contestação, ter feito referência à decisão de 16 de Julho de 2003, ao facto de a decisão recorrida ser consequência desta, ao processo em curso no Conseil de la concurrence e à sua decisão de analisar o fundo da questão.

70      Em qualquer caso, as explicações fornecidas a posteriori na contestação não podem sanar a falta de fundamentação de que enferma a decisão recorrida. O dever de fundamentação impõe que a Comissão precise na decisão recorrida que a infracção presumida imputada nesta resulta das suas trocas de informações com a autoridade francesa da concorrência no âmbito da sua instrução da denúncia da AOL e que a decisão recorrida decorria da sua decisão prévia de analisar o fundo desta denúncia. O incumprimento verificado no caso em apreço seria tanto mais grave quanto, nos termos do n.° 34 da sua comunicação, a Comissão era obrigada a informar a recorrente da sua decisão de analisar o fundo da questão.

71      Antes de mais, a Comissão responde, a propósito da decisão de 16 de Julho de 2003 e das medidas de controlo impostas por esta, que a decisão recorrida menciona que recebeu informações que indicavam que as ofertas em causa se inseriam numa estratégia de contenção e de afastamento dos concorrentes. A obtenção destes elementos não podia realizar‑se através de um simples pedido de informações sobre os custos e os preços. Além disso, resulta da decisão recorrida que a Comissão suspeitava, com base em informações, da existência de uma nova infracção ao artigo 82.° CE, apesar da fiscalização instituída pela decisão de 16 de Julho de 2003, o que comportava riscos importantes de os elementos comunicados pela Wanadoo no âmbito deste controlo serem incompletos ou inexactos.

72      A seguir, a falta de referência à decisão do Conseil de la concurrence e ao processo instaurado neste conselho não pode constituir um verdadeiro vício de fundamentação, uma vez que a falta de menção destes elementos não era susceptível de prejudicar a recorrente. Numa decisão que ordena uma inspecção, a Comissão também não é obrigada a indicar as suas fontes. A título subsidiário, a Comissão acrescenta que o Conseil de la concurrence não indeferiu o pedido de medidas cautelares por razões relativas ao fundo da presumida infracção, mas por razões ligadas às condições de concessão das medidas cautelares. De qualquer modo, a recorrente não demonstra de que forma o facto de a Comissão não ter feito referência ao processo em curso no Conseil de la concurrence não lhe permitiu compreender a finalidade e o objecto da inspecção ordenada.

73      Por último, o argumento relativo à indicação de outros elementos de informação na contestação, que não foram pormenorizados na decisão recorrida, não é pertinente. Em particular, o facto de a recorrente não saber que a Comissão tinha decidido analisar o fundo da questão não era necessário para compreender a finalidade e o objecto da inspecção ou a extensão da matéria investigada. O n.° 34 da comunicação não obriga, além disso, a Comissão a informar a empresa em causa mediante decisão.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

74      Resulta da análise efectuada nos n.os 47 a 57 supra que a decisão recorrida cumpriu o dever geral de fundamentação imposto à Comissão pelo artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003 e pela jurisprudência. Por conseguinte, importa determinar, no caso em apreço, se, contudo, para cumprir este dever, a Comissão devia fundamentar também a decisão recorrida em relação aos elementos mencionados pela recorrente na presente censura.

75      A este respeito, em primeiro lugar, importa referir que não é contestado que os diferentes elementos de contexto invocados pela recorrente fossem do conhecimento desta quando a decisão recorrida lhe foi notificada e quando a inspecção foi efectuada. O facto de estes não terem sido mencionados na decisão recorrida não pode, portanto, ter como consequência a violação dos direitos de defesa da recorrente.

76      Em segundo lugar, quanto às injunções contidas na decisão de 16 de Julho de 2003, resulta da decisão recorrida que, não obstante estas injunções, a Comissão estava na posse de informações que lhe permitiam suspeitar de uma violação do artigo 82.° CE por parte da Wanadoo. Noutros termos, a Comissão dispunha, no seu processo, de elementos que indicavam que a Wanadoo não cumpria estas injunções. Além disso, a inspecção destinava‑se também a obter elementos reveladores de uma intenção de eliminar os concorrentes, em relação aos quais é difícil de imaginar, mesmo supondo que estivessem abrangidos pelas injunções em causa, que tivessem sido espontaneamente comunicados à Comissão, quer pela recorrente, quer pela Wanadoo no âmbito destas injunções. Por conseguinte, a existência das injunções contidas na decisão de 16 de Julho de 2003 não tinha qualquer influência sobre a oportunidade de proceder à inspecção ordenada pela decisão recorrida. Por conseguinte, a Comissão não era obrigada a fundamentar especificamente a decisão recorrida em relação às referidas injunções.

77      Em terceiro lugar, quanto à referência ao risco de dissimulação ou de destruição de elementos, esta não pode demonstrar um incumprimento pela Comissão do seu dever de fundamentação. Com efeito, não é contestado que, entre os elementos investigados, designadamente os susceptíveis de revelar uma estratégia de contenção e de afastamento dos concorrentes, constam elementos que são geralmente sujeitos a dissimulação ou que estão expostos a um risco de destruição em caso de investigação. Além disso, como se concluiu acima, era igualmente razoável que a Comissão considerasse que estes elementos não lhe seriam espontaneamente comunicados no âmbito das injunções contidas na decisão de 16 de Julho de 2003.

78      Em quarto lugar, quanto ao processo em curso no Conseil de la concurrence e ao seu indeferimento do pedido de medidas cautelares apresentado pela AOL, o direito comunitário não exige, em princípio, que a Comissão justifique uma decisão de proceder a uma inspecção em relação aos processos nacionais paralelos que possam eventualmente existir. Além disso, a decisão do Conseil de la concurrence apoia, na verdade, a medida de inquérito ordenada pela Comissão. Com efeito, nesta decisão, o Conseil de la concurrence, embora refira que «verifica‑se que nem o sector nem as empresas que o compõem sofreram prejuízos graves e imediatos na sequência das práticas tarifárias da Wanadoo», considera, porém, que «não se pode excluir que determinadas práticas tarifárias aplicadas pela Wanadoo estejam abrangidas pelo campo de aplicação [...] do artigo 82.° [CE] na medida em que afectem uma parte substancial do território nacional». O conselho justifica, assim, o indeferimento do pedido de medidas cautelares pela inexistência de prejuízos graves e imediatos para o sector ou para as empresas que o compõem e pela inexistência de prejuízo imediato para os consumidores, noutros termos, pela inexistência de urgência, e não pela falta de fundamento evidente da denúncia que lhe foi apresentada. Por outro lado, esta decisão não se pronuncia sobre a posição que foi ou não adoptada pela recorrente em relação à infracção de que a sua filial é suspeitada. Por conseguinte, a decisão do Conseil de la concurrence não permite concluir que a inspecção ordenada pela decisão recorrida não era pertinente e, portanto, a Comissão não era obrigada a fundamentar especificamente a decisão recorrida em relação ao processo em curso no Conseil de la concurrence ou à decisão do Conseil de la concurrence.

79      Em quinto lugar, o facto de estes elementos terem sido mencionados na contestação apresentada pela Comissão ao Tribunal também não é pertinente. O conteúdo de uma contestação destina‑se designadamente a esclarecer o Tribunal sobre o contexto factual e jurídico do caso que é apresentado para sua apreciação, no âmbito do qual se insere a decisão controvertida e que o Tribunal não conhece, contrariamente às partes no litígio. A falta de elementos de contexto, numa decisão que constitui objecto de um recurso de anulação, os quais são a seguir fornecidos ao Tribunal por uma parte no âmbito da apresentação das circunstâncias em que o litígio sobre o qual deve pronunciar‑se se desenvolveu, não pode, portanto, em si mesma, demonstrar o incumprimento do dever de fundamentação da decisão controvertida.

80      Em sexto lugar, resulta da decisão recorrida que a Comissão consultou a autoridade da concorrência competente antes de proceder à inspecção. Por outro lado, como já se concluiu, a Comissão não é obrigada a indicar, numa decisão que ordena uma inspecção, todos os elementos de que dispõe a propósito da presumida infracção. Por último, é certo que o ponto 34 da comunicação indica que «[s]e for reatribuído um processo no interior da rede [das autoridades responsáveis em matéria de concorrência], as empresas em causa […]serão informadas desse facto o mais rapidamente possível». No entanto, o ponto 5 da mesma comunicação enuncia expressamente que «cada membro da rede permanece livre de decidir se deve ou não instruir um processo» e os seus pontos 4 e 31 precisam respectivamente, que «[a]s consultas e os intercâmbios efectuados no âmbito da rede são questões que incumbem às instâncias de aplicação da lei» e que «A atribuição dos processos não confere, portanto, às empresas envolvidas […] [n]uma infracção, direitos individuais a que o seu processo seja instruído por uma determinada autoridade». Por conseguinte, a Comissão continuava a poder proceder à inspecção ordenada e, independentemente do conteúdo da contestação da Comissão, não está provado o incumprimento do dever de fundamentação alegado pela recorrente em relação ao ponto 34 da comunicação.

81      Consequentemente, a segunda censura não pode ser acolhida.

 Quanto à terceira censura, relativa à impossibilidade para a recorrente de compreender as dúvidas expressas pela Comissão quanto às tarifas da opção 5

–       Argumentos das partes

82      A recorrente alega que a decisão recorrida viola o dever de fundamentação e os direitos de defesa ao referir nos seus fundamentos a opção 5 e ao imputar‑lhe um efeito de corte de tarifas sem referir no seu dispositivo a opção 5 ou a baixa dos preços desta opção. Portanto, não se pode considerar que a inspecção tenha sido ordenada para verificar uma presunção de infracção por parte da recorrente e a Comissão não enunciou clara e regularmente as suspeitas respeitantes às novas tarifa da sua opção 5.

83      Em particular, quanto à suspeita de corte de tarifas, esta está em contradição tanto com os termos do artigo 1.° da decisão recorrida como com os do quarto considerando desta. A Comissão suspeitou e verificou a existência de uma prática tarifária, as tarifas da opção 5 da recorrente, que não é considerada suspeita pelo artigo 1.° da decisão recorrida e que é excluída do campo da verificação pelo quarto considerando desta.

84      Acresce que existe uma diferença fundamental entre, por um lado, o facto de se terem em conta as tarifas da opção 5 como elemento de análise para verificar, à luz do custo destas tarifas, a inexistência de predação no preço das ofertas retalhistas da Wanadoo e, por outro, o facto de se referirem estas tarifas como sendo, em si mesmas, suspeitas, o que é feito na decisão recorrida.

85      Além disso, resulta da decisão de 16 de Julho de 2003 que a recorrente não pode ser considerada suspeita de corte de tarifas em razão do preço do mercado grossista da sua opção 5 comparado com os preços retalhistas praticados pela Wanadoo, uma vez que estes preços são de empresas distintas e autónomas e que actuam em mercados diferentes. Também não é possível suspeitar da legalidade das tarifas da opção 5 e, simultaneamente, considerá‑las como base legal para suspeitar da prática de preços predatórios pela Wanadoo. Além disso, a licitude da opção 5 não pode ser subordinada ao nível dos preços retalhistas praticados pelos fornecedores do acesso à internet, incluindo os da Wanadoo. Nesta medida, a decisão não contém qualquer explicação sobre este ponto essencial, revelando, assim, incumprimento do dever de fundamentação.

86      Por último, a Comissão deixa entender que as tarifas da opção 5 são excessivamente elevadas, embora, ao mesmo tempo, expresse uma dúvida sobre a baixa das mesmas ocorrida em Janeiro de 2004.

87      Por outro lado, as dúvidas expressas pela Comissão na decisão recorrida quanto à baixa das tarifas da opção 5 não estão suficientemente fundamentadas. A Comissão teve conhecimento, antes de adoptar a decisão recorrida, de que a recorrente não era livre de modificar as tarifas da opção 5 e de que esta baixa tarifária tinha sido aprovada pelas autoridades francesas competentes.

88      As dúvidas expressas na decisão recorrida sobre as tarifas da opção 5 deviam, portanto, ter sido especificamente explicadas e justificadas. A recorrente refere, em particular, que as três autoridades francesas consultadas no decurso do processo de aprovação das novas tarifas tinham excluído em relação a estas um efeito de corte de tarifas. As tarifas da opção 5 tinham igualmente sido denunciadas pela AOL por produzirem um efeito de corte de tarifas, mas o Conseil de la concurrence não considerou esta censura como probatória prima facie.

89      Antes de mais, a Comissão responde que a decisão recorrida não visa isoladamente as tarifas da opção 5, mas as novas tarifas de acesso à Internet por ADSL destinadas ao grande público em França, e portanto, as tarifas retalhistas fixadas pela Wanadoo e/ou pela France Télécom. Se a relação destes preços com as tarifas da opção 5 constitui um elemento indispensável da análise, a predação ou o efeito de corte de tarifas não podem ser excluídos pelo simples facto de as tarifas da opção 5 terem sido aprovadas por uma autoridade pública. Por conseguinte, os argumentos da recorrente devem ser recusados. Em particular, o facto de a ART ter aprovado as baixas tarifárias da opção 5 não exclui que a France Télécom, como grupo, tenha podido violar o artigo 82.° CE mediante um efeito de corte de tarifas, dado que o preço de venda a retalho não está regulamentado.

90      A recorrente confunde as práticas anticoncorrenciais, alvo das suspeitas da Comissão, que são claramente enunciadas no artigo 1.° da decisão recorrida e que definem o campo de aplicação da decisão recorrida, com as tarifas e outros elementos de facto que a Comissão entende verificar na inspecção. No interior da categoria jurídica de preços não equitativos, a decisão recorrida indica que a Comissão entendeu verificar, em primeiro lugar, a existência de uma eventual predação e, em segundo lugar, a existência de um corte de tarifas, para cuja verificação as tarifas do mercado grossista são um elemento indispensável de análise. As suspeitas da Comissão não dizem, portanto, respeito às tarifas da opção 5 enquanto tais, mas à redução da margem económica entre a opção 5 e as tarifas retalhistas operada através de uma baixa das tarifas retalhistas. Por conseguinte, não existe contradição entre os considerandos da decisão recorrida e o seu artigo 1.°

91      Além disso, no âmbito de uma decisão de inspecção não cumpre demonstrar a existência de uma infracção mas apenas de suspeitas de infracção. Ora, a recorrente não demonstrou nem que a Comissão não podia razoavelmente suspeitar da existência de uma infracção, nem de que forma a menção das sucessivas aprovações das tarifas da opção 5 a nível nacional teria sido necessária para que a decisão recorrida fosse suficientemente fundamentada.

92      A seguir, a referência à decisão de 16 de Julho de 2003 não era pertinente. A Comissão podia legitimamente considerar que, durante o processo de integração da Wanadoo pela recorrente e, portanto, durante o período de aprovação das ofertas em causa, a Wanadoo pudesse ter perdido a capacidade de fixar as suas tarifas retalhistas de maneira autónoma em relação à recorrente.

93      Por último, dado que as exigências de fundamentação da decisão recorrida estão preenchidas, a Comissão não é obrigada a expor de forma exaustiva todos os elementos de que tem conhecimento, designadamente a existência de aprovações nacionais das tarifas da opção 5. Além disso, a recorrente teve conhecimento destes elementos e o facto de não serem mencionados não podia afectar os direitos de defesa.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

94      A recorrente censura, no essencial, a Comissão por, na decisão recorrida, ter considerado suspeitas as tarifas da opção 5 sem, contudo, exprimir claramente as suspeitas que alimentava a seu respeito, nem justificar a sua posição em relação à sua decisão de 16 de Julho de 2003 e às diversas decisões nacionais.

95      Ora, como resulta dos termos essenciais da decisão recorrida reproduzidos no n.os 22 e 23 supra, esta enuncia a propósito da opção 5, que a margem económica reduzida entre as tarifas retalhistas da Wanadoo e as tarifas da opção 5 da recorrente origina um corte de tarifas em detrimento dos concorrentes da Wanadoo que baseiem a sua oferta na opção 5, e isso não obstante a baixa das tarifas da opção 5 efectuada em Janeiro de 2004. Acrescenta que esta margem reduzida restringiu a entrada no mercado dos concorrentes da Wanadoo e colocou em situação de risco os concorrentes já presentes. Por outro lado, a decisão recorrida indica que a Wanadoo praticava ofertas inferiores aos seus custos. Conclui que estas práticas de preços equivaliam a impor preços de venda não equitativos.

96      Por conseguinte, deve concluir‑se que a decisão recorrida está claramente fundamentada e que não formula qualquer suspeita de violação do artigo 82.° CE contra a recorrente em relação às tarifas da sua opção 5. Além disso, as tarifas da opção 5 da recorrente são correctamente mencionadas nos fundamentos da decisão recorrida sem, contudo, constarem dos elementos sobre os quais incide a inspecção nos termos do seu artigo 1.° Com efeito, a decisão recorrida limita‑se a referir estes elementos enquanto ponto de referência destinado a determinar, por um lado, o carácter eventualmente predatório dos preços retalhistas da Wanadoo, devendo as tarifas da opção 5 ser tidas em conta para cálculo dos custos suportados pela Wanadoo, e, por outro, a existência de um eventual corte de tarifas que resulta do preço retalhista demasiado baixo da Wanadoo. Como já se referiu, a jurisprudência admite, além disso, que, na fase da inspecção, única fase em causa no caso em apreço, a Comissão não está obrigada a proceder a uma qualificação jurídica rigorosa das infracções objecto de suspeita (v., a propósito do Regulamento n.° 17, acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 1989, Dow Chemical Ibérica e o./Comissão, 97/87 a 99/87, Colect., p.  3165, n.° 45).

97      O facto de a Comissão poder, eventualmente, numa fase posterior do processo, não estar em condições de provar a existência de um corte de tarifas não é pertinente. Por um lado, esta questão diz respeito a uma análise do fundo que é efectuada com base em elementos recolhidos durante a inspecção em causa e, portanto, não deve ser examinada no âmbito da fiscalização do respeito, pela Comissão, do dever de fundamentação que se lhe impõe. Por outro lado, a Comissão, em qualquer caso, na sua análise à substância dos elementos recolhidos, não está vinculada pela qualificação jurídica que possa ter efectuado de determinadas infracções numa decisão que ordena uma inspecção, sendo a sua única obrigação a este respeito a demonstração da possibilidade de as infracções objecto de suspeita terem existido, atendendo aos elementos indicados na decisão que ordena a inspecção, para justificar o recurso à inspecção. Ora, resulta da análise efectuada designadamente nos n.os 55 a 63 supra que é o que se verifica no caso em apreço.

98      Os argumentos da recorrente segundo os quais a Comissão violou o seu dever de fundamentação ao impedi‑la de compreender a razão pela qual a Comissão exprimiu dúvidas quanto à legalidade das tarifas da opção 5 não são, portanto, justificados uma vez que não existem elementos na decisão recorrida que permitam concluir que a Comissão exprimiu nela essas dúvidas.

99      Atendendo às considerações precedentes, a terceira censura deve ser julgada improcedente.

 Quanto à quarta censura, relativa à impossibilidade de o juge des libertés exercer a fiscalização que lhe incumbia antes de autorizar a inspecção

–       Argumentos das partes

100    A recorrente alega que o juiz nacional competente deve exercer a fiscalização da proporcionalidade da decisão recorrida à luz do princípio da protecção contra as intervenções arbitrárias ou desproporcionadas da autoridade pública na esfera privada de uma pessoa colectiva, princípio geral do direito comunitário. Por força deste princípio, compete à instância nacional competente examinar se as medidas coercivas previstas são arbitrárias ou excessivas em relação ao objecto da verificação e se existem indícios suficientemente sérios que permitam suspeitar que a empresa em causa cometeu uma infracção às regras da concorrência. O juiz nacional deve dispor de todos os elementos necessários que lhe permitam exercer esta fiscalização. Tal não ocorre no caso em apreço.

101    Por um lado, os elementos fornecidos são insuficientes e não referem suspeitas muito precisas nem a existência objectiva de indícios contra a recorrente. Por outro lado, a decisão recorrida não menciona os artigos 2.° e 3.° da decisão de 16 de Julho de 2003, o processo no Conseil de la concurrence, o facto de a baixa tarifária da opção 5 ter recebido uma parecer favorável da ART, ter sido homologada e depois confirmada pelo Conseil d’État. Ora, trata‑se de elementos pertinentes e essenciais para permitir ao juge des libertés exercer a sua fiscalização, que, se lhe tivessem sido indicados, poderiam tê‑lo levado a considerar a inspecção ordenada arbitrária e desproporcionada ou, em qualquer caso, a pedir explicações à Comissão, em conformidade com o artigo 20.°, n.° 8, do Regulamento n.° 1/2003.

102    O facto de a decisão do juge des libertés não ter sido aplicada não tem incidência no caso em apreço, dado que o dever de fundamentação e de cooperação leal da Comissão com o juiz nacional é um dever objectivo, que impende sobre a Comissão no momento da adopção da decisão de inspecção. A Comissão não se podia eximir a posteriori a uma falta de fundamentação e de cooperação leal com o juiz nacional com base em que a sua autorização não teve aplicação prática. Além disso, a autorização oposta à recorrente foi um factor decisivo do seu comportamento no âmbito da inspecção.

103    Por outro lado, o facto de a recorrente não ter impugnado a legalidade do despacho do juge des libertés nos órgãos jurisdicionais franceses não pode afectar o alcance da sua argumentação no caso em apreço. A falta de fundamentação censurada à Comissão privou, na verdade, a recorrente de poder impugnar utilmente a legalidade da autorização do juge des libertés.Com efeito, não se pode censurar a este último ter efectuado um apreciação irregular com base em informações de que não dispunha. Além disso, a recorrente afirma ter interposto um recurso do despacho do juge des libertés, que retirou posteriormente.

104    Antes de mais, a Comissão responde que a presente censura é inoperante. Caso o despacho do juge des libertés tivesse afectado os direitos da recorrente, era perante o juiz nacional competente que a recorrente devia tê‑lo impugnado. O facto de deste ter sido interposto um recurso pela recorrente não é pertinente. Acresce que, mesmo que o juiz nacional se tivesse considerado suficientemente esclarecido para poder exercer a sua fiscalização, esse facto não pode ter incidência sobre a legalidade da decisão recorrida, cuja fiscalização incumbe exclusivamente ao juiz comunitário.

105    O facto de o despacho do juiz nacional poder ter sido um factor decisivo da cooperação da recorrente também não é conclusivo, na medida em que as inspecções decididas pela Comissão são obrigatórias, independentemente de qualquer despacho nacional, e a recusa de se submeter a estas está sujeita à aplicação de coimas substanciais, em conformidade com artigo 23.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1/2003.

106    A Comissão acrescenta que este despacho não foi aplicado e que, consequentemente, a argumentação da recorrente quanto à presente vertente do fundamento é desprovida de pertinência a partir do momento em que a recorrente aceitou submeter‑se à decisão de inspecção e que a inspecção se realizou nos termos do direito comunitário.

107    Em qualquer caso, o papel do juiz nacional num caso como o vertente não é autorizar a inspecção, ordenada por força do artigo 20.° do Regulamento n.° 1/2003, mas apenas autorizar a autoridade nacional a aplicar meios coercivos no caso de a empresa destinatária recusar submeter‑se à inspecção.

108    A Comissão alega a título subsidiário que a decisão recorrida está, em qualquer caso, suficientemente fundamentada para permitir ao juge des libertés exercer a sua fiscalização da proporcionalidade.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

109    A título preliminar, importa referir que, embora a petição de recurso seja por vezes formulada de forma infeliz, dela resulta, contudo, que a recorrente não põe em causa a legalidade do despacho do juge des libertés nem sustenta que este não dispunha dos elementos necessários para apreciar a legalidade da decisão recorrida, mas censura, no essencial, à Comissão ter fundamentado insuficientemente a decisão recorrida, o que fez com que o juge des libertés não tenha podido exercer a fiscalização que lhe incumbia por força do artigo 20.°, n.° 8, do Regulamento n.° 1/2003.

110    Ora, embora seja verdade que, nos termos do artigo 20.°, n.° 8, do Regulamento n.° 1/2003, compete à autoridade judicial nacional chamada a pronunciar‑se no âmbito do artigo 20.°, n.° 7, do mesmo regulamento, fiscalizar a autenticidade da decisão da Comissão que ordena uma inspecção, bem como o carácter não arbitrário e não excessivo das medidas coercivas previstas para executar a inspecção à luz do objecto desta e que a Comissão, para este fim, é obrigada a fornecer‑lhe determinadas informações, resulta igualmente do artigo 20.°, n.° 8, do Regulamento n.° 1/2003 e da jurisprudência (v., a propósito do Regulamento n.° 17, acórdão Roquette Frères, n.° 37 supra) que estes elementos podem constar noutros documentos que não a decisão que ordena a inspecção ou podem‑lhe ser transmitidos pela Comissão por outro meio que não esta decisão.

111    Por conseguinte, a quarta censura formulada pela recorrente é inoperante na medida em que o objectivo prosseguido pelo dever de fundamentação imposto à Comissão não é assegurar que o juiz nacional cuja autorização é solicitada no âmbito do artigo 20.°, n.° 7, do Regulamento n.° 1/2003, seja informado, mas colocar a empresa destinatária da inspecção em condições de apreender o alcance do seu dever de colaboração, salvaguardando, contudo, os seus direitos de defesa.

112    Atendendo às considerações precedentes, importa concluir que o alegado incumprimento pela Comissão do seu dever de fundamentação não está provado e que, portanto, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do dever de cooperação leal com as instituições nacionais

 Argumentos das partes

113    A recorrente alega que a Comissão violou duplamente a sua obrigação de cooperar lealmente com as instituições francesas e que estas violações devem ter como consequência a anulação da decisão recorrida.

114    Em primeiro lugar, a Comissão violou a sua obrigação de cooperação leal com o juge des libertés chamado a autorizar a inspecção ordenada à France Télécom, obrigação que encontra o seu fundamento no artigo 10.° CE como interpretado pelo Tribunal de Justiça e que deve disciplinar e é necessário à execução do Regulamento n.° 1/2003. A exigência imposta pelo Tribunal de Justiça, segundo a qual a Comissão deve fornecer ao juiz nacional as indicações que lhe permitam exercer a fiscalização que lhe incumbe, constitui uma obrigação essencial não apenas em relação às exigências de fundamentação, mas também quanto à exigência de cooperação leal com o juiz competente. O facto de a Comissão não ter feito referência às disposições dos artigos 2.º e 3.º da sua decisão de 16 de Julho de 2003, ao processo em curso no Conseil de la concurrence e à decisão do Conseil d’État de 19 de Janeiro de 2004 constitui uma violação grave da sua obrigação de cooperação leal com o juge des libertés.

115    Em segundo lugar, segundo a recorrente, a Comissão violou a sua obrigação de cooperação leal com o Conseil de la concurrence, enunciada no artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 e disciplinada pelo artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003, pelo artigo 13.°, n.° 1, bem como pelo décimo oitavo considerando deste mesmo regulamento, ao adoptar a decisão recorrida quando o caso tinha sido apresentado ao Conseil de la concurrence que tinha indeferido o pedido de medidas cautelares submetido. No caso em apreço, a Comissão não consultou o Conseil de la concurrence. Acresce que resulta das disposições do Regulamento n.° 1/2003, recordadas acima, que, se uma autoridade nacional responsável em matéria de concorrência já estiver a instruir um processo, a Comissão só pode iniciar o processo após ter consultado essa autoridade. Por último, é a autoridade da concorrência mais bem posicionada para agir que deve tratar a denúncia e, à luz das três condições cumulativas enumeradas no oitavo considerando do Regulamento n.° 1/2003, o Conseil de la concurrence está mais bem posicionado que a Comissão para examinar as presunções de infracção.

116    Antes de mais, a Comissão riposta que, na medida em que este fundamento se refere à pretensa falta de cooperação com o juge des libertés, o mesmo retoma na verdade, sob uma outra forma, o argumento relativo à alegada falta de fundamentação, a que já respondeu. Na medida em que se refere à pretensa falta de cooperação com o Conseil de la concurrence este fundamento expressa uma compreensão incorrecta do Regulamento n.° 1/2003. No sistema do Tratado CE e do Regulamento n.° 1/2003, as competências de aplicação são paralelas e o Regulamento n.° 1/2003 não comporta nenhum critério de repartição de casos ou de competências. As autoridades nacionais mantêm‑se competentes para aplicar os artigos 81.° CE e 82.° CE desde que a Comissão não tenha iniciado o processo na acepção do artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003, e a competência da Comissão para intervir a todo o tempo contra qualquer violação dos artigos 81.° CE e 82.° CE é preservada.

117    Além disso, alguns elementos apontam a favor de um tratamento do caso pela Comissão.

118    Por último, a decisão da Comissão de proceder a uma inspecção e de tratar o fundo da questão foi objecto de uma estreita concertação com as autoridades francesas, de acordo com o espírito do artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

119    Em primeiro lugar, em relação à obrigação de cooperar lealmente com as autoridades judiciárias nacionais, o Tribunal de Primeira Instância assinala que as regras da execução da obrigação de cooperação leal que decorre do artigo 10.° CE e à qual a Comissão está sujeita no âmbito das suas relações com os Estados‑Membros (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Fevereiro de 1983, Luxemburgo/Parlamento, 230/81, Recueil p. 255, n.° 37, e despacho do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1990, Zwartveld e o., C‑2/88 IMM, Colect., p. 3365, n.° 17), quanto às relações que se estabelecem no âmbito das inspecções efectuadas pela Comissão com o fim de detectar infracções aos artigos 81.° CE e 82.° CE, foram precisadas pelo artigo 20.° do Regulamento n.° 1/2003, que enuncia as regas segundo as quais a Comissão, as autoridades nacionais responsáveis em matéria de concorrência e as autoridades judiciais nacionais devem cooperar quando a Comissão decide proceder a uma inspecção no âmbito deste regulamento.

120    Assim, o artigo 20.° do Regulamento n.° 1/2003 autoriza a Comissão a proceder a inspecções, efectuadas mediante a apresentação de mandado escrito, em conformidade com o n.° 3 deste artigo, ou com base numa decisão que obrigue as empresas a submeterem‑se a elas, em conformidade com o n.° 4 do mesmo artigo. Se a Comissão proceder a uma inspecção ao abrigo do artigo 20.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003, é obrigada, segundo esta disposição, a avisar, em tempo útil antes da inspecção, a autoridade responsável em matéria de concorrência do Estado‑Membro em cujo território se deve efectuar a inspecção. Se a Comissão proceder a uma inspecção por força do n.° 4, esta disposição impõe‑lhe o dever de consultar a autoridade responsável em matéria de concorrência do Estado‑Membro em cujo território se deve efectuar a inspecção, antes de adoptar a decisão que ordena a inspecção.

121    Segundo o artigo 20.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003, a assistência das autoridades nacionais é necessária para a execução da inspecção quando a empresa visada por essa inspecção se lhe opõe e, quando esta assistência requer a autorização de uma autoridade judicial, essa autorização deve ser solicitada em conformidade com o n.° 7. Por força do n.° 8, a autoridade judicial nacional é então responsável pela fiscalização da autenticidade da decisão da Comissão que ordena a inspecção, bem como do carácter não arbitrário e não excessivo das medidas coercivas previstas para executar a inspecção relativamente ao objecto desta, encontrando‑se, porém, a fiscalização da legalidade da decisão da Comissão reservada exclusivamente aos órgãos jurisdicionais comunitários.

122    Daqui resulta que o artigo 20.°, do Regulamento n.° 1/2003 estabelece uma distinção clara entre, por um lado, as decisões adoptadas pela Comissão com base no n.° 4 deste artigo e, por outro, o pedido de assistência apresentado ao órgão jurisdicional nacional nos termos do n.° 7 deste mesmo artigo.

123    Enquanto o juiz comunitário é o único competente para fiscalizar a legalidade de uma decisão adoptada pela Comissão nos termos do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003, como resulta designadamente do n.° 8 in fine deste artigo, é apenas ao juiz nacional ao qual é pedida autorização para se recorrer a medidas coercivas, nos termos do artigo 20.°, n.° 7, do Regulamento n.° 1/2003, eventualmente assistido pelo Tribunal de Justiça no âmbito de um reenvio prejudicial, e com ressalva de eventuais vias de recurso nacionais, que compete determinar se as informações transmitidas pela Comissão no âmbito deste pedido lhe permitem exercer a fiscalização que lhe é atribuída pelo artigo 20.°, n.° 8, do Regulamento n.° 1/2003 e, portanto, pronunciar‑se utilmente sobre o pedido que lhe foi apresentado [v., neste sentido, a propósito do Regulamento n.° 17, o acórdão Roquette Frères, n.° 37 supra, n.° 39, 67 e 68].

124    A autoridade judicial nacional a que se recorre no âmbito do artigo 20.°, n.° 7, do Regulamento n.° 1/2003, nos termos do n.° 8 deste artigo e da jurisprudência (v., a propósito do Regulamento n.° 17, o acórdão Roquette Frères, n.° 37 supra), tem a faculdade de pedir à Comissão precisões, em especial quanto aos motivos que ela tem para suspeitar de violação dos artigos 81.° CE e 82.° CE, quanto à gravidade da infracção suspeitada e à natureza do envolvimento da empresa em causa. A fiscalização do Tribunal que, por hipótese, pudesse conduzir à constatação de uma insuficiência de informações que tivessem sido transmitidas pela Comissão a esta autoridade implicaria uma reavaliação pelo Tribunal da apreciação já efectuada por esta autoridade, do carácter suficiente destas informações. Ora, esta fiscalização não pode ser admitida, uma vez que a apreciação efectuada pela autoridade judicial nacional está sujeita apenas aos controlos resultantes das vias de recurso internas contra as decisões desta autoridade.

125    Por conseguinte, os argumentos invocados pela recorrente em apoio do seu segundo fundamento devem ser julgados improcedentes na sua totalidade na medida em que, ao contestarem o conteúdo da decisão recorrida em relação à obrigação de cooperação leal que é imposta à Comissão, implicam um questionamento, por parte do Tribunal, da apreciação que foi efectuada pelo juge des libertés, no âmbito do artigo 20.°, n.° 8, do Regulamento n.° 1/2003, do carácter suficiente das informações que lhe foram apresentadas pela Comissão para obter a autorização pedida nos termos do artigo 20.°, n.° 7, do Regulamento n.° 1/2003. Com efeito, o Tribunal não é competente para controlar o modo como o juiz nacional, que julga no âmbito desta disposição, realiza a missão que lhe é conferida pelo n.° 8 do artigo 20.°

126     Além disso, há que recordar que a legalidade de um acto deve ser apreciada em função dos elementos de direito e de facto existentes à data em que este acto foi adoptado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, Recueil, p. 321, n.° 7, e do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Julho de 2004, Valenzuela Marzo/Comissão, T‑384/02, ColectFP, pp. I‑A‑235 e II‑1035, n.° 98). Por conseguinte, a utilização que tenha sido feita de uma decisão que ordene uma inspecção, ou a apreciação dos elementos nela contidos que tenha sido efectuada por uma autoridade judicial nacional, no âmbito de um pedido apresentado pela Comissão, ao abrigo do artigo 20.°, n.° 7, do Regulamento n.° 1/2003, não tem incidência sobre a legalidade da decisão que ordena a inspecção.

127    Assim, no âmbito do presente fundamento, é unicamente à luz dos elementos exigidos pelo artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003, como interpretado pela jurisprudência, que se deve apreciar a procedência dos argumentos da recorrente que denunciam um incumprimento por parte da Comissão da sua obrigação de cooperação leal com as autoridades judiciárias nacionais. Ora, resulta da análise do primeiro fundamento que não foi provada nenhuma violação do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003 por parte da Comissão. Por conseguinte, a primeira vertente da argumentação desenvolvida pela recorrente em apoio do seu segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

128    Em segundo lugar, quanto à obrigação de cooperar lealmente com as autoridades nacionais responsáveis em matéria de concorrência, tal como resulta das diferentes disposições invocadas pela recorrente, deve, em primeiro lugar, referir‑se que o artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 não obstante enunciar uma regra geral segundo a qual a Comissão e as autoridades nacionais responsáveis em matéria de concorrência são obrigadas a colaborar estreitamente, não impõe à Comissão que não realize uma inspecção relativa a um processo do qual uma autoridade nacional responsável em matéria de concorrência conhece em paralelo.

129     Também não se pode deduzir desta disposição que, uma vez que uma autoridade nacional responsável em matéria de concorrência tenha iniciado um inquérito sobre factos particulares, a Comissão está imediatamente impedida de conhecer do assunto ou de se interessar por este de forma preliminar. Pelo contrário, decorre da exigência de colaboração enunciada por esta disposição que estas duas autoridades podem, pelo menos em fases preliminares como as inspecções, trabalhar de modo paralelo. Assim, resulta do artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003, invocado pela recorrente, que o princípio da colaboração implica que a Comissão e as autoridades nacionais responsáveis em matéria de concorrência podem, pelo menos nas fases preliminares dos processos que instruem, trabalhar de modo paralelo. Com efeito, esta disposição prevê, sob reserva de uma mera consulta da autoridade nacional em causa, que a Comissão mantém a possibilidade de iniciar a tramitação conducente à aprovação de uma decisão, mesmo que uma autoridade nacional já esteja a instruir o processo. Por conseguinte, a Comissão deve a fortiori poder proceder a uma inspecção como a ordenada no caso em apreço. Com efeito, uma decisão que ordena uma inspecção apenas constitui um acto preparatório no tratamento da questão de fundo, que não implica o início formal do processo na acepção do artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003, dado que esta decisão de inspecção não manifesta em si própria a vontade da Comissão de adoptar uma decisão sobre a questão de fundo (v., neste sentido, a propósito do Regulamento n.° 17, o acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 1973, Brasserie de Haecht, 48/72, Colect., p. 77, n.° 16). Além disso, o vigésimo quarto considerando do Regulamento n.° 1/2003 anuncia que a Comissão deve dispor de poderes para realizar as inspecções necessárias para detectar as infracções ao artigo 82.° CE, e o artigo 20.°, n.° 1, do referido regulamento dispõe expressamente que, no cumprimento das funções que lhe são atribuídas pelo presente regulamento, a Comissão pode efectuar todas as inspecções necessárias.

130    Em segundo lugar, resulta do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 e do décimo oitavo considerando deste mesmo regulamento, que anuncia este artigo, que da instrução do processo por parte de uma autoridade responsável em matéria de concorrência resulta a mera faculdade para uma outra autoridade em causa de suspender a respectiva tramitação ou rejeitar a denúncia. Por conseguinte, trata‑se apenas de um simples motivo que permite a outra autoridade suspender a respectiva tramitação ou rejeitar a denúncia que lhe foi apresentada. Desta disposição não decorre uma obrigação para a Comissão de não proceder a um inquérito pelo facto de uma outra autoridade já estar envolvida no tratamento do mesmo processo. Também não se pode considerar que estes textos estabelecem um critério de atribuição ou de repartição dos processos ou das competência entre a Comissão e a ou as autoridades nacionais eventualmente em causa no processo em questão. A não utilização da simples faculdade prevista por este artigo não pode, assim, de qualquer modo, ser constitutiva de um incumprimento pela Comissão da obrigação de cooperação leal que lhe é imposta no âmbito das suas relações com as autoridades responsáveis em matéria de concorrência dos Estados‑Membros.

131    Em terceiro lugar, quanto à afirmação da recorrente segundo a qual a Comissão não consultou o Conseil de la concurrence, o Tribunal constata, pelo contrário, que a decisão recorrida menciona, na sua introdução, que a autoridade competente do Estado‑Membro em causa foi ouvida, em conformidade com o artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003. Ora, tendo em conta a presunção de legalidade de que gozam os actos das instituições comunitárias (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1994, Comissão/BASF e o., C‑137/92 P, Colect., p. I‑2555, n.° 48), que implica que cabe a quem invoca a ilegalidade desse acto produzir a prova, e considerando que a recorrente não apresentou nenhum elemento que demonstrasse que a autoridade francesa responsável em matéria de concorrência não foi efectivamente consultada, este argumento não pode ser aceite.

132    Em quarto lugar, importa concluir que o oitavo considerando do Regulamento n.° 1/2003 não permite sustentar que o Conseil de la concurrence está, no caso em apreço, mais bem posicionado do que a Comissão para examinar as presunções em causa. Este considerando limita‑se, com efeito, a expor os princípios que devem reger a aplicação concorrente das legislações nacionais e da regulamentação comunitária relativas ao direito da concorrência, sem tratar a questão da identificação de uma autoridade da concorrência mais bem posicionada do que outra para examinar um processo. Por conseguinte, o referido considerando não é relevante para o caso em apreço.

133    Atendendo às considerações precedentes, a Comissão, ao adoptar a decisão recorrida, não violou nenhuma das disposições invocadas pela recorrente das quais resulte a sua obrigação de cooperação leal com as autoridades nacionais responsáveis em matéria de concorrência. Consequentemente, nenhum dos argumentos apresentados pela recorrente em apoio do seu segundo fundamento podem ser acolhidos e, portanto, este fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

 Argumentos das partes

134    A recorrente alega que, segundo a jurisprudência, por força do princípio da proporcionalidade, os actos das instituições comunitárias não devem ultrapassar os limites do adequado e do necessário para atingir a finalidade prosseguida, entendendo‑se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos penalizante.

135    De modo geral, a recorrente alega que a falta de fundamentação exposta no âmbito do primeiro fundamento impossibilita a fiscalização da proporcionalidade. Em qualquer caso, a inspecção em causa não é um meio adequado e razoável para permitir à Comissão verificar as suas presunções, o que deve conduzir à anulação da decisão recorrida.

136    Em primeiro lugar, na opinião da recorrente, a referida decisão é manifestamente desproporcionada em relação ao contexto do caso em apreço. Antes de mais, resulta da decisão recorrida que as dúvidas expressas pela Comissão a propósito da baixa das tarifas da opção 5 realizada em Janeiro de 2004 não justificava uma inspecção à recorrente para obter informações sobre esta baixa das tarifas. Além disso, a Comissão obteve numerosas informações da recorrente no âmbito do processo que conduziu à adopção da decisão de 16 de Julho de 2003 sem ter tido que inspeccionar as suas instalações. O artigo 3.° desta decisão permitiu‑lhe também verificar os preços da Wanadoo. Por conseguinte, a inspecção não foi uma medida absolutamente necessária para obter informações sobre as pretensas práticas de preços de venda não equitativos. Por último, o processo no Conseil de la concurrence e a decisão deste impunham à Comissão que não procedesse a uma inspecção e que recorresse a medidas menos penalizantes.

137    Em segundo lugar, segundo a recorrente, a inspecção é manifestamente desproporcionada, dada a falta de elementos que demonstrem a existência de um risco de dissimulação ou de destruição de provas. Além disso, a recorrente, no passado, cooperou lealmente com a Comissão. O documento apresentado pela Comissão que confirma a pertinência das suas suspeitas relativamente à dissimulação não é conclusivo. Acresce que as informações relativas ao preço constam de documentos que uma sociedade cotada e controlada não pode fazer desaparecer sem cometer irregularidades contabilísticas e societárias sérias.

138    Em terceiro lugar, o recurso a um processo de verificação através do pedido de assistência da força pública como medida cautelar é ainda mais desproporcionado pelo facto de o artigo 20.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003 apenas prever a assistência dos Estados‑Membros aos funcionários mandatados pela Comissão no caso de a empresa se opor à inspecção. Embora o n.° 7 deste artigo autorize que a assistência seja solicitada como medida cautelar, o Tribunal de Justiça precisou que esta apenas pode ser solicitada na medida em que existam razões para temer uma oposição à verificação e que a Comissão deve fornecer explicações sobre este aspecto ao órgão jurisdicional nacional chamado a decidir. Tal não ocorre no caso em apreço.

139    A Comissão alega que o presente fundamento não é procedente. Em primeiro lugar, dado que o Conseil de la concurrence recolheu informações com base em previsões, em parte consideradas por ele próprio pouco realistas, não se pode censurar à Comissão ter considerado que apenas podia ter a certeza de obter informações exactas recorrendo a uma inspecção. A decisão do Conseil de la concurrence também não afasta as suspeitas de infracção nem indica de que forma a inspecção era desproporcionada. Além disso, o Conseil de la concurrence, ao contrário da Comissão, não dispunha de elementos respeitantes a uma eventual intenção de eliminação de concorrentes ou de predação e é ilusório pretender que uma empresa os comunicaria voluntariamente.

140    Além disso, o facto de ter solicitado ou obtido informações através de um pedido de informações nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, durante um processo iniciado em 2001, não pode diminuir os poderes de inquérito da Comissão na acepção do artigo 20.°, do Regulamento n.° 1/2003.

141    Por último, dado que as suspeitas da Comissão não se referem às tarifas da opção 5 da recorrente, não há que justificar o carácter proporcionado da inspecção quanto a estas.

142    Em segundo lugar, a Comissão assinala que o décimo segundo considerando da decisão recorrida pormenoriza as razões pelas quais considerou que existiam riscos de destruição de elementos úteis.

143    Além disso, uma empresa pode cooperar quando se trate de responder a pedidos de informações, sem que isso exclua a sua intenção de dissimular elementos úteis para o inquérito da Comissão. Os riscos objectivos incorridos são, segundo a experiência da Comissão, consideráveis num caso como o vertente, como o demonstraram os elementos descobertos na inspecção. O facto de certos documentos relativos à contabilidade dificilmente poderem ser destruídos, não é pertinente, dado que este tipo de documentos não era o único investigado no caso em apreço.

144    Assim, resulta das circunstâncias e da natureza dos elementos investigados que a inspecção era o meio de investigação que oferecia mais probabilidades de obtenção de elementos que pudessem provar uma intenção de eliminação.

145    Em terceiro lugar, a pretensa inexistência de motivo suficiente para solicitar ao juge des libertés que decretasse a aplicação de medidas coercivas não tem pertinência na apreciação da legalidade da decisão recorrida.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

146    A título preliminar, importa julgar improcedente o argumento geral formulado pela recorrente segundo o qual a falta de fundamentação da decisão recorrida impossibilita a fiscalização da proporcionalidade da referida decisão. Com efeito, concluiu‑se acima que a Comissão não deixou de cumprir o seu dever de fundamentação. Quanto ao princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito comunitário, este exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do adequado e do necessário para atingir a finalidade prosseguida, entendendo‑se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos penalizante, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos pretendidos (acórdãos de 13 de Novembro de 1990, Fedesa e o., C‑331/88, Colect., p. I‑4023, n.° 13; e de 14 de Julho de 2005, Países‑Baixos/Comissão, C‑180/00, Colect., p. I‑6603, n.° 103).

147    No domínio em causa no caso em apreço, o respeito do princípio da proporcionalidade pressupõe que a inspecção prevista não crie inconvenientes desproporcionados e intoleráveis relativamente aos objectivos prosseguidos pela inspecção em causa (v., a propósito do Regulamento n.° 17, o acórdão Roquette Frères, n.° 37 supra, n.° 76). No entanto, a escolha por parte da Comissão entre a inspecção efectuada por simples mandato e a inspecção ordenada por decisão não depende de circunstâncias como a gravidade especial da situação, a extrema urgência ou a necessidade de descrição absoluta, mas sim da necessidade de uma instrução adequada relativamente às particularidades do caso concreto. Por conseguinte, quando uma decisão de inspecção se destina apenas a permitir à Comissão reunir os elementos necessários para apreciar a eventual existência de uma violação do Tratado, essa decisão não viola o princípio da proporcionalidade (v., a propósito do Regulamento n.° 17, os acórdãos National Panasonic/Comissão, n.° 52 supra, n.os 28 a 30, e Roquette Frères, n.° 37 supra, n.° 77).

148    É à Comissão que compete, em princípio, apreciar se uma informação é necessária para poder detectar uma infracção às regras da concorrência, e, mesmo que já disponha de indícios e até de elementos de prova relativos à existência de uma infracção, a Comissão pode, portanto, legitimamente considerar necessário ordenar diligências de instrução suplementares que lhe permitam delimitar melhor a infracção ou a sua duração (v., neste sentido, a propósito de Regulamento n.° 17, acórdãos do Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 1989, Orkem/Comissão, 374/87, Colect., p. I‑3283, n.° 15, e Roquette Frères, n.° 37 supra, n.° 78).

149    Por outro lado, os artigos 18.° e 20.° do Regulamento n.° 1/2003, relativos respectivamente aos pedidos de informação e aos poderes da Comissão em matéria de inspecção, instituem dois processos autónomos, e o facto de se terem já efectuado diligências de instrução ao abrigo de um destes artigos não pode diminuir os poderes de investigação de que a Comissão dispõe ao abrigo do outro artigo (v., a propósito dos artigos 11.° e 14.° do Regulamento n.° 17, o acórdão Orkem/Comissão, n.° 148 supra, n.° 14).

150    No caso em apreço, em primeiro lugar, a decisão recorrida destina‑se a recolher informações relativas às práticas tarifárias aplicadas pela Wanadoo, a fim de apreciar a eventual existência de uma violação do Tratado CE e, nesta medida, submete a recorrente à inspecção ordenada, designadamente porque a Comissão suspeita que determinados elementos pertinentes para provar estas práticas se podiam encontrar nas instalações da recorrente. É certo que, nos termos da decisão recorrida a Comissão já possuía determinadas informações sobre estas práticas. No entanto, nos termos da jurisprudência, a Comissão podia tentar recolher informações suplementares para provar a existência da infracção objecto de suspeita. Além disso, os elementos pretendidos no caso em apreço incluíam também informações relativas a uma estratégia de contenção e de afastamento dos concorrentes que podiam ter sido comunicadas à recorrente sociedade‑mãe da empresa suspeita da infracção em causa, informações cuja obtenção pela Comissão por via distinta da inspecção é dificilmente concebível. Em segundo lugar, considerando que as informações pretendidas compreendiam elementos destinados a revelar uma eventual intenção de eliminar os concorrentes e a determinar se a recorrente podia ter estado ao corrente desta, era apropriado, para fins de uma instrução adequada do processo, que se ordenasse a inspecção por meio de decisão, para garantir a eficácia desta inspecção. Em terceiro lugar, a inspecção ordenada pela decisão recorrida foi limitada às instalações da empresa, enquanto o Regulamento n.° 1/2003 já permite, sob certas condições, a inspecção de outros locais, incluindo o domicílio de determinados membros do pessoal da empresa em causa. Atendendo a estes elementos, não é evidente que, no presente processo, a Comissão tenha agido de modo desproporcionado em relação à finalidade prosseguida, e, por esse facto, tenha violado o princípio da proporcionalidade, uma vez que o recurso à inspecção ordenada por meio de decisão foi adequado face às particularidades do caso concreto.

151    Os argumentos apresentados pela recorrente não invalidam esta conclusão.

152    Em primeiro lugar, a inspecção ordenada não é desproporcionada em relação ao seu contexto. Em primeiro lugar, a Comissão não exprimiu, na decisão recorrida, qualquer dúvida sobre a legalidade das tarifas da opção 5, e a decisão recorrida não foi adoptada para verificar a legalidade destas tarifas, pelo que a decisão recorrida não pode ser desproporcionada quanto a este aspecto.

153    Em segundo lugar, o facto de a Comissão ter obtido, durante o processo que conduziu à decisão de 16 de Julho de 2003, informações da recorrente através de meios diferentes da inspecção também não é pertinente, dado que, como resulta da análise acima efectuada, a escolha do recurso à inspecção não foi desproporcionada. Além disso, a Comissão não se pode considerar vinculada por um método de recolha de provas que adoptou em relação a uma dada empresa num processo anterior. Por outro lado, pelo menos alguns dos elementos pretendidos, como os relativos à estratégia de contenção e de afastamento dos concorrentes, potencialmente reveladores de uma intenção de cometer uma infracção e que se podiam encontrar nas instalações da recorrente, não teriam certamente sido comunicados de forma voluntária à Comissão.

154    Em terceiro lugar, as injunções contidas na decisão de 16 de Julho de 2003 também não permitiam recolher todas as informações pretendidas pela Comissão na inspecção.

155    Em quarto lugar, a decisão do Conseil de la concurrence indica que determinados elementos dos custos comunicados pela Wanadoo no âmbito da denúncia que lhe foi apresentada pareciam pouco fiáveis e não se pronuncia quanto ao papel eventualmente desempenhado pela recorrente na infracção de que a sua filial é suspeitada.

156    Por conseguinte, não se pode deduzir daí que a decisão de recorrer a uma inspecção foi desproporcionada. A este respeito, o Tribunal recorda também que, já no processo que conduziu à adopção da decisão de 16 de Julho de 2003, a estratégia de grupo da recorrente foi analisada e considerada um elemento de contexto pertinente para a prova da infracção cometida pela sua filial Wanadoo e que esta decisão se refere, no âmbito da sua análise, a diversos documentos provenientes da recorrente ou apresentados a esta. Por conseguinte, o argumento da recorrente segundo o qual o processo em curso no Conseil de la concurrence impunha à Comissão que não recorresse a uma inspecção também deve ser julgado improcedente.

157    Em segundo lugar, não é conclusivo o argumento relativo à falta de elementos que comprovem a existência de um risco de destruição ou de dissimulação de provas, designadamente pelo facto de a recorrente no passado ter cooperado lealmente com a Comissão. Por um lado, esse argumento não constitui a única razão que motivou a decisão da Comissão de proceder à inspecção, tendo a razão essencial sido a procura de elementos susceptíveis de revelar uma estratégia de contenção e de afastamento dos concorrentes, que podiam estar na posse tanto da recorrente como da sua filial e que, como já se assinalou, estão geralmente sujeitos a dissimulação ou expostos a um risco de destruição em caso de inquérito. Por outro lado, o facto de a recorrente ser uma sociedade cotada e sujeita a regras contabilísticas e financeiras estritas não é pertinente. Mesmo que se suponha que os elementos relativos ao preço dos diferentes serviços mencionados na decisão recorrida, incluindo os da recorrente, tenham sido investigados, não é menos verdade que, nos termos do artigo 1.° da decisão recorrida, também foram investigados elementos que fossem reveladores de uma intenção de eliminar os concorrentes. Ora, estes elementos não fazem parte dos elementos que devem ser conservados para fins contabilísticos e financeiros.

158    Em terceiro lugar, o facto de o recurso à força pública ter sido solicitado como medida cautelar também não tem influência na proporcionalidade da decisão recorrida, pelo menos, dado que, como já se mencionou no n.° 126 supra, a legalidade de uma decisão apenas pode ser apreciada em função dos elementos de direito e de facto que existiam à data em que o acto foi adoptado e é pacífico que a autorização para recorrer à força pública só foi solicitada posteriormente à adopção da decisão recorrida.

159    Das considerações precedentes resulta que a alegada violação do princípio da proporcionalidade não está provada e que, portanto, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à ilegalidade da decisão recorrida por decorrer de uma decisão prévia que viola o Regulamento n.° 1/2003, a comunicação e o princípio da boa administração da justiça

160    Atendendo a que este fundamento foi invocado pela primeira vez na réplica, importa, antes de mais, examinar a sua admissibilidade.

 Argumentos das partes

161    A recorrente alega que a Comissão, na sua contestação, revelou um elemento novo. Assim, quando dos contactos entre a Comissão e os funcionários do Conseil de la concurrence, a inspecção, segundo a Comissão, revelara‑se necessária. Estes contactos levaram a que se considerasse oportuno o tratamento do fundo da questão pela Comissão. Por conseguinte, a decisão recorrida resulta directamente deste intercâmbio com as autoridades francesas da concorrência. Caso este não tivesse ocorrido, a inspecção não teria, com efeito, sido ordenada.

162    Apesar de a recorrente ter tido conhecimento do processo no Conseil de la concurrence, esta desconhecia que a inspecção resultava da decisão da Comissão de tratar a questão de fundo. Esse facto constitui um elemento de direito e de facto que se revelou durante o processo, na acepção do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, e que é susceptível, nestes termos, de justificar a dedução de um novo fundamento no decurso da instância.

163    A Comissão responde que este fundamento é inadmissível, dado que nenhum elemento de direito ou de facto foi revelado à recorrente pela contestação. Antes de mais, dada, por um lado, a presença na inspecção de representantes da autoridade francesa da concorrência e, por outro, atendendo aos termos do artigo 20.°, n.° 4, e do artigo 11.° do Regulamento n.° 1/2003, não é credível que tenha sido no decurso da instância que a recorrente tomou conhecimento da existência de contactos entre as autoridades francesas da concorrência e a Comissão anteriormente à inspecção. Além disso, a organização de uma inspecção não significa que a Comissão tenha efectivamente a vontade de tratar a questão de fundo. De qualquer modo, a existência de um inquérito da Comissão quanto à questão de fundo não pode constituir um facto novo. Com efeito, no caso em apreço, a Comissão decidiu unicamente adoptar uma medida de inquérito. Por último, a interpretação da recorrente, segundo a qual a decisão recorrida resulta do intercâmbio entre a Comissão e as autoridades francesas da concorrência, sem o qual a inspecção não teria sido realizada, é contestável uma vez que a contestação não contém tal afirmação.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

164    Resulta das disposições conjugadas dos artigos 44.°, n.° 1, alínea c), e 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo que a petição deve indicar o objecto do litígio e conter uma exposição sumária dos fundamentos do pedido e que é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. Ora, o facto de uma recorrente ter tomado conhecimento de um dado facto no decurso do processo no Tribunal não significa que este dado constitua um elemento de facto surgido no decurso da instância. É ainda necessário que a recorrente não tenha podido conhecê‑lo anteriormente (acórdão do Tribunal de 6 de Julho de 2000, AICS/Parlamento, T‑139/99, Colect., p. II‑2849, n.os 59 e 62).

165    No caso em apreço, a recorrente alega, no essencial, que o elemento no qual a decisão recorrida teve origem foi uma decisão prévia da Comissão de tratar a questão de fundo e que a existência desta lhe foi revelada na contestação da Comissão. Esta pretensa decisão prévia constitui assim um elemento de facto e de direito novo, revelado no decurso do processo, que justifica a apresentação do presente fundamento pela primeira vez na fase da réplica, fundamento segundo o qual a decisão recorrida é ilegal por resultar de uma decisão prévia da Comissão que é, ela mesma, ilegal, dado ter sido adoptada em violação do Regulamento n.° 1/2003, da comunicação e do princípio da boa administração da justiça.

166    A este respeito, importa referir que, embora a Comissão indique expressamente na sua contestação que «a decisão da Comissão de proceder a uma inspecção e de tratar ela própria o fundo da causa foi, contrariamente ao que alega a recorrente […] objecto de uma estreita concertação com as autoridades francesas, de acordo com o espírito do artigo 11.°, n.° [1], do Regulamento n.° 1/2003», a Comissão afirma, por outro lado, também na sua contestação, que foi durante os contactos telefónicos e numa reunião realizada entre a Comissão e o relator do Conseil de la concurrence que se mostrou a necessidade de uma inspecção para recolher designadamente eventuais provas que permitissem demonstrar a predação, e que contactos entre os funcionários do Conseil de la concurrence e os da Comissão levaram a que se considerasse oportuno que o Conseil de la concurrence se pronunciasse sobre as medidas cautelares e que a Comissão tratasse a questão de fundo, tendo nomeadamente em conta a decisão de 16 de Julho de 2003. Ora, considerada no seu contexto, a afirmação da Comissão que a recorrente considera revelar um facto novo insere‑se antes nas considerações gerais relativas à oportunidade de proceder a uma inspecção e, ainda, logicamente, à oportunidade de investigar com base em elementos a recolher nessa inspecção. Assim, a decisão recorrida revela, em si própria, a decisão tomada pela Comissão de se pronunciar sobre a questão de fundo, constituindo justamente uma medida de inquérito como a inspecção em causa o ponto de partida deste «tratamento do fundo da questão».

167    Não obstante o termo «decisão» utilizado na contestação ser, sem dúvida, incorrecto, o mesmo não permite, contudo, por si só, considerar que se verifica realmente a revelação de um elemento de facto e de direito novo que a recorrente não podia conhecer anteriormente. Ora, a recorrente não apresenta nenhum outro elemento. Além disso, mesmo supondo que tenha efectivamente existido uma tal decisão da Comissão, a decisão recorrida era em qualquer caso a tradução desta, uma vez que uma medida de inquérito é por definição uma etapa preliminar, mas necessária, a uma análise do fundo. Portanto, não se pode considerar que a recorrente não estava em condições de ter conhecimento desta decisão anteriormente à contestação da Comissão, tanto mais que, atendendo aos termos do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003, ela não podia desconhecer a existência de contactos entre a Comissão e as autoridades francesas da concorrência ocorridos antes da adopção da decisão recorrida. Tal aplica‑se a fortiori ao momento da interposição do recurso, dado que a decisão recorrida indica expressamente que a Comissão ouviu a autoridade competente do Estado‑Membro em causa em conformidade com artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003 e que um anexo da petição demonstra que a recorrente, à data da inspecção, já tinha tido conhecimento do processo a decorrer no Conseil de la concurrence.

168    A alegada decisão invocada pela recorrente e que, segundo a mesma, foi revelada na contestação da Comissão confunde‑se, portanto, na realidade com a decisão recorrida. Consequentemente, nenhum elemento de direito e de facto novo lhe foi revelado pela contestação. De resto, a recorrente podia perfeitamente ter invocado na sua petição as violações invocadas no âmbito do presente fundamento.

169    Resulta destes elementos que o presente fundamento deve ser julgado inadmissível, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre o seu mérito e, atendendo às considerações precedentes, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

170    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A recorrente é condenada nas despesas.

Legal

Wiszniewska‑Białecka

Moavero Milanesi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de Março de 2007.

O secretário

 

       O presidente

E. Coulon

 

       H. Legal


* Língua do processo: francês.