Language of document : ECLI:EU:C:2024:82

Edição provisória

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

LAILA MEDINA

apresentadas em 25 de janeiro de 2024(1)

Processo C753/22

QY

contra

Bundesrepublik Deutschland (República Federal da Alemanha)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Espaço Europeu de Liberdade, Segurança e Justiça — Política comum em matéria de asilo — Decisão de concessão do estatuto de refugiado adotada por um Estado‑Membro — Risco de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes nesse Estado‑Membro — Consequências para o novo pedido de proteção internacional apresentado noutro Estado‑Membro — Análise deste novo pedido por esse outro Estado‑Membro — Determinação do eventual efeito vinculativo extraterritorial da decisão de concessão do estatuto de refugiado — Reconhecimento mútuo — Partilha de informações»






I.      Introdução

1.        O Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal, Alemanha) apresentou um pedido de decisão prejudicial no âmbito de um litígio que opõe QY, uma nacional síria a quem foi concedido o estatuto de refugiado na Grécia, ao Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço Federal para a Migração e os Refugiados, Alemanha; a seguir «Bundesamt»), acerca da decisão deste último de indeferir o pedido, apresentado por QY, de reconhecimento daquele estatuto.

2.        No caso em apreço, a Alemanha, o Estado‑Membro ao qual foi apresentado o pedido de concessão do estatuto de refugiado (a seguir «segundo Estado‑Membro»), não pode reenviar QY para a Grécia, o Estado‑Membro que lhe concedeu pela primeira vez esse estatuto (a seguir «primeiro Estado‑Membro»), uma vez que isso exporia QY a um risco sério de ser sujeita a um trato desumano ou degradante, na aceção do artigo 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), devido às condições de vida dos refugiados nesse Estado‑Membro (2).

3.        Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se o direito primário da União e as disposições pertinentes de três atos de direito derivado adotados no domínio do direito dos refugiados da União, a saber, o Regulamento Dublim III (3), a Diretiva Procedimentos (4)      e a Diretiva Qualificação (5), devem ser interpretados no sentido de que o segundo Estado‑Membro é obrigado a reconhecer o estatuto de refugiado concedido pelo primeiro Estado‑Membro, sem um exame mais aprofundado das condições materiais necessárias para beneficiar do estatuto de refugiado.

4.        O presente processo levanta a questão de saber se pode existir um reconhecimento mútuo entre os Estados‑Membros das decisões que concedem o estatuto de refugiado e, em caso afirmativo, se esse reconhecimento se mantém quando o princípio do reconhecimento mútuo já não pode ser aplicado. Várias questões semelhantes são atualmente objeto de três outros processos pendentes no Tribunal de Justiça (6).

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União Europeia

5.        O artigo 78.°, n.os 1 e 2, TFUE dispõe:

«1. A União desenvolve uma política comum em matéria de asilo, de proteção subsidiária e de proteção temporária, destinada a conceder um estatuto adequado a qualquer nacional de um país terceiro que necessite de proteção internacional e a garantir a observância do princípio da não repulsão. Esta política deve estar em conformidade com a Convenção de Genebra, de 28 de julho de 1951 [(7)] [a seguir “Convenção de Genebra”] [...].

2. Para efeitos do n.° 1, o Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, adotam as medidas relativas a um sistema europeu comum de asilo [a seguir “SECA”] que inclua:

a) Um estatuto uniforme de asilo para os nacionais de países terceiros, válido em toda a União;

[…]».

1.      Regulamento Dublim III

6.        O artigo 3.°, n.os 1 e 2, do Regulamento Dublim III estabelece:

«1. Os Estados‑Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado‑Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado‑Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável.

2. Caso o Estado‑Membro responsável não possa ser designado com base nos critérios enunciados no presente regulamento, é responsável pela análise do pedido de proteção internacional o primeiro Estado‑Membro em que o pedido tenha sido apresentado.

Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado‑Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado‑Membro, que impliquem o risco de trato desumano ou degradante na aceção do artigo 4.° da [Carta], o Estado‑Membro que procede à determinação do Estado‑Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado‑Membro seja designado responsável.

Caso não possa efetuar‑se uma transferência ao abrigo do presente número para um Estado‑Membro designado com base nos critérios estabelecidos no Capítulo III ou para o primeiro Estado‑Membro onde foi apresentado o pedido, o Estado‑Membro que procede à determinação do Estado‑Membro responsável passa a ser o Estado‑Membro responsável.»

7.        O artigo 34.° do mesmo regulamento estabelece regras relativas à partilha de informações.

2.      Diretiva Procedimentos

8.        O artigo 33.° da Diretiva Procedimentos, sob a epígrafe «Inadmissibilidade dos pedidos», prevê, no n.° 1 e no n.° 2, alínea a):

«1. Além dos casos em que um pedido não é apreciado em conformidade com o [Regulamento Dublim III], os Estados‑Membros não são obrigados a analisar se o requerente preenche as condições para beneficiar de proteção internacional, em conformidade com a [Diretiva Qualificação], quando o pedido for considerado não admissível nos termos do presente artigo.

2. Os Estados‑Membros podem considerar não admissível um pedido de proteção internacional apenas quando:

a) Outro Estado‑Membro tiver concedido proteção internacional[.]»

3.      Diretiva Qualificação

9.        O artigo 4.°, n.os 1, 2 e 3, da Diretiva Qualificação trata da apreciação dos factos e das circunstâncias relativos aos pedidos de proteção internacional.

10.      Os artigos 11.°, 12.°, 13.° e 14.° da referida diretiva são igualmente pertinentes para o presente processo.

B.      Direito alemão

11.      O § 60, n.° 1, primeiro período, da Gesetz über den Aufenthalt, die Erwerbstätigkeit und die Integration von Ausländern im Bundesgebiet (Lei relativa à Residência, à Atividade Profissional e à Integração de Cidadãos Estrangeiros no Território Federal), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «AufenthG»), dispõe que, nos termos da Convenção de Genebra, «um cidadão estrangeiro não pode ser deportado para um Estado em que a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçadas em razão da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, da sua pertença a um grupo social ou das suas opiniões políticas».

12.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, nos termos do § 60, n.° 1, segundo período, da AufenthG, quando tenha sido concedido o estatuto de refugiado a uma pessoa fora do território federal, relativamente a um determinado Estado, a concessão desse estatuto exclui, a deportação dessa pessoa para esse Estado pelas autoridades alemãs. Ao adotar esta norma, o legislador alemão atribuiu efeito vinculativo ao reconhecimento desse estatuto, que se restringe à recusa de expulsão da pessoa em causa, mas não criou nenhum novo direito relativamente ao reconhecimento do estatuto de refugiado.

III. Litígio no processo principal, questão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

13.      QY, de nacionalidade síria, obteve o estatuto de refugiado na Grécia em 2018. Em data não revelada pelo órgão jurisdicional de reenvio, QY apresentou um pedido de proteção internacional na Alemanha.

14.      Um tribunal administrativo alemão considerou no seu acórdão que, devido às condições de acolhimento dos refugiados na Grécia, QY corria um risco sério de sofrer tratos desumanos ou degradantes na aceção do artigo 4.° da Carta, pelo que não podia ser reenviada para esse Estado‑Membro.

15.      Por decisão de 1 de outubro de 2019, o Bundesamt concedeu a QY proteção subsidiária e indeferiu o seu pedido de estatuto de refugiado.

16.      O Verwaltungsgericht (Tribunal Administrativo, Alemanha) negou provimento ao recurso interposto por QY com o fundamento de que o seu pedido não se podia basear unicamente no facto de lhe ter sido concedido o estatuto de refugiado na Grécia. O Verwaltungsgericht considerou que o pedido não tinha fundamento porque a recorrente não corria o risco de ser perseguida na Síria.

17.      QY interpôs, então, recurso para o Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal), o órgão jurisdicional de reenvio. A recorrente alega que o Bundesamt está vinculado pelo estatuto de refugiado anteriormente concedido pela Grécia.

18.      O órgão jurisdicional de reenvio observa que nenhuma disposição do direito alemão confere a QY o direito ao reconhecimento do estatuto de refugiado concedido por outro Estado‑Membro. Este órgão jurisdicional salienta igualmente que o pedido de QY não pode ser declarado inadmissível pelas autoridades alemãs, uma vez que, embora lhe tenha sido concedido o estatuto de refugiado na Grécia, QY corre o risco de sofrer tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.° da Carta, se regressar a esse Estado‑Membro. O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que é necessário determinar as consequências jurídicas da indisponibilidade desta opção, devido aos riscos de violar o referido artigo 4.°

19.      O órgão jurisdicional de reenvio considera necessário determinar se o direito da União se opõe a que o Bundesamt proceda a uma nova análise, sem estar limitado por uma decisão anterior de outro Estado‑Membro que concedeu o estatuto de refugiado, e se essa decisão tem um efeito extraterritorial obrigatório. Este órgão jurisdicional considera que o direito primário e derivado da União não estabelece que o reconhecimento do estatuto de refugiado num Estado‑Membro se opõe a que a autoridade competente de um segundo Estado‑Membro analise o mérito de um pedido de proteção internacional. Em suma, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, no direito da União, não existe nenhuma disposição expressa que consagre o princípio do reconhecimento mútuo das decisões de concessão desse estatuto.

20.      Dito isto, este órgão jurisdicional salienta que o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre a possibilidade de deduzir efeitos vinculativos do segundo período do n.° 1 do artigo 3.° do Regulamento Dublim III, segundo o qual o conteúdo do pedido de proteção internacional deve ser analisado por um único Estado‑Membro. O órgão jurisdicional de reenvio sugere ainda que o artigo 4.°, n.° 1, segundo período, e o artigo 13.° da Diretiva Qualificação poderiam ser interpretados da mesma forma. Além disso, a faculdade, que o artigo 33.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva Procedimentos confere ao segundo Estado‑Membro, de declarar um pedido inadmissível com base no facto de o primeiro Estado‑Membro já ter concedido o estatuto de refugiado pode ser entendida como uma expressão do princípio de que o mérito de um pedido de asilo deve ser analisado apenas uma vez.

21.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta igualmente que o presente processo é diferente do processo C‑352/22, Generalstaatsanwaltschaft Hamm (Pedido de extradição de um refugiado para a Turquia), atualmente pendente no Tribunal de Justiça e que diz respeito a um pedido de extradição proveniente de um país terceiro do qual essa pessoa fugiu. No caso vertente, o Bundesamt concedeu a QY proteção subsidiária, pelo que a recorrente não pode ser deportada.

22.      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio coloca a questão de saber como deve ser entendido o n.° 42 do despacho proferido no processo Hamed e Omar (8). Por um lado, a referência a um «novo» procedimento de asilo poderia ser favorável a uma nova análise. Por outro lado, a referência aos «direitos inerentes ao estatuto de refugiado» pode implicar o reconhecimento do estatuto já concedido por outro Estado‑Membro.

23.      Tendo em conta as considerações anteriores, o Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Caso um Estado‑Membro não possa fazer uso da faculdade conferida pelo artigo 33.°, n.° 2, alínea a), da [Diretiva Procedimentos], de considerar inadmissível um pedido de proteção internacional tendo em conta a concessão do estatuto de refugiado noutro Estado‑Membro, pelo facto de as condições de vida nesse Estado‑Membro exporem o requerente a um risco sério de tratos desumanos ou degradantes na aceção do artigo 4.° da Carta, devem o artigo 3.°, n.° 1, segundo período, do [Regulamento Dublim III], o artigo 4.°, n.° 1, segundo período, e o artigo 13.° da [Diretiva Qualificação], bem como o artigo 10.°, n.os 2 e 3, e o artigo 33.°, n.os 1 e 2, alínea a), da [Diretiva Procedimentos], ser interpretados no sentido de que o facto de o estatuto de refugiado já ter sido concedido impede o Estado‑Membro de analisar autonomamente o pedido de proteção internacional que lhe é apresentado, obrigando‑o a conceder o estatuto de refugiado ao requerente sem examinar as condições materiais dessa proteção?»

24.      Foram apresentadas observações escritas por QY e pelos Governos Belga, Checo, Alemão, Grego, Francês, Italiano, Luxemburguês, Neerlandês, Austríaco e a Irlanda, bem como pela Comissão Europeia. Estas partes, com exceção dos Governos Belga, Checo e Austríaco, também apresentaram alegações orais na audiência que teve lugar em 26 de setembro de 2023.

IV.    Apreciação

25.      A situação subjacente ao presente pedido de decisão prejudicial caracteriza‑se pelo facto de a pessoa em causa não poder ser reenviada para o primeiro Estado‑Membro, a Grécia. Por conseguinte, a questão submetida assenta na premissa de que o sistema de asilo do primeiro Estado‑Membro — e, em especial, as condições de acolhimento dos refugiados — já não pode garantir o nível de proteção dos direitos fundamentais exigido pelo direito da União e, em especial, pelo artigo 4.° da Carta (secção A).

26.      Neste contexto, a questão prejudicial submetida ao Tribunal de Justiça tem por objetivo verificar, em substância, se existe no direito da União um princípio de reconhecimento mútuo que imponha ao segundo Estado‑Membro o reconhecimento e a execução do estatuto de refugiado anteriormente concedido à pessoa em causa pelo primeiro Estado‑Membro. Na minha opinião, esta questão pode ser dividida em duas partes. Em primeiro lugar, é fundamental determinar se tal princípio de reconhecimento mútuo existe no domínio da política de asilo da União (Secção B). Em segundo lugar, se a resposta a esta questão for negativa, há que determinar igualmente de que forma devem ser realizados os procedimentos administrativos subsequentes relativos a novos pedidos no segundo Estado‑Membro (Secção C) (9).

A.      Observações preliminares sobre as circunstâncias excecionais que resultam da perda de confiança mútua

27.      O princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros assenta na premissa fundamental segundo a qual cada Estado‑Membro partilha com todos os outros Estados‑Membros, e reconhece que partilham consigo uma série de valores comuns nos quais a União se funda, como precisado no artigo 2.° TUE (10). Esta premissa implica e justifica a existência da confiança mútua entre os Estados‑Membros no reconhecimento desses valores e, portanto, no respeito pelo direito da União que os aplica, bem como no facto de que as ordens jurídicas nacionais dos Estados‑Membros estão em condições de fornecer uma proteção equivalente e efetiva dos direitos fundamentais reconhecidos pela Carta, nomeadamente nos seus artigos 1.° e 4.°, que consagram um dos valores fundamentais da União e dos seus Estados‑Membros (11). Por conseguinte, no âmbito do SECA, deve presumirse que o tratamento dado aos requerentes de proteção internacional em cada Estado‑Membro está em conformidade com as exigências da Carta, da Convenção de Genebra e da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (12).

28.      Não obstante esta presunção de conformidade, o Tribunal de Justiça decidiu igualmente que não se pode excluir que o SECA se depare, na prática, com grandes dificuldades de funcionamento num determinado Estado‑Membro, o que significa que existe um sério risco de os requerentes de asilo serem, em caso de transferência para esse Estado‑Membro, tratados de modo incompatível com os seus direitos fundamentais(13). Portanto, em circunstâncias excecionais (14), a aplicação do princípio da confiança mútua torna‑se incompatível com a obrigação de interpretar e aplicar o Regulamento Dublim III em conformidade com os direitos fundamentais (15).

29.      No caso em apreço, a premissa que dá origem à confiança mútua no SECA — segundo a qual cada um destes Estados deve considerar que todos os outros Estados‑Membros atuam em conformidade com os direitos fundamentais reconhecidos pelo direito da União — já não se aplica em relação a este primeiro Estado‑Membro. A questão submetida ao Tribunal de Justiça suscitou‑se no âmbito de «circunstâncias excecionais», na aceção da jurisprudência pertinente, e assenta na dupla premissa de que a referida presunção não pode ser aplicada, uma vez que, em primeiro lugar, houve uma quebra de confiança mútua, na medida em que a requerente correria um risco grave de sofrer um trato desumano ou degradante, na aceção do artigo 4.° da Carta, no Estado‑Membro que lhe concedeu o estatuto de refugiado. Consequentemente, em segundo lugar, o órgão de decisão alemão não pode indeferir o pedido por inadmissibilidade nos termos do artigo 33.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva Procedimentos.

1.      Quebra de confiança mútua e interpretação do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento Dublim III

a)      Artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento Dublim III e a regra principal

30.      O sistema introduzido pelo Regulamento Dublim III visa estabelecer os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida. Baseia‑se no princípio, enunciado no artigo 3.°, n.° 1, desse regulamento, de que apenas um Estado‑Membro é competente para analisar a necessidade de proteção internacional do requerente.

31.      Para atingir este objetivo, o capítulo III do Regulamento Dublim III estabelece uma hierarquia de critérios objetivos e equitativos tanto para os Estados‑Membros como para as pessoas em causa (16). Estes critérios, enunciados nos artigos 8.° a 15.° do referido regulamento, visam estabelecer um método claro e eficaz para permitir uma determinação rápida do Estado‑Membro responsável, por forma a garantir um acesso efetivo aos procedimentos de concessão de proteção internacional e a não comprometer o objetivo de celeridade no tratamento dos pedidos de proteção internacional. Em aplicação destes critérios, as autoridades gregas exerceram a sua competência para adotar a decisão que concedeu o estatuto de refugiado a QY.

b)      Artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento Dublim III

32.      No Acórdão N.S. e o., o Tribunal de Justiça reconheceu que o sistema de asilo pode deparar‑se, na prática, com grandes dificuldades de funcionamento num determinado Estado‑Membro, de modo que existe um sério risco de os requerentes de asilo serem, em caso de transferência para esse Estado‑Membro, tratados de modo incompatível com os seus direitos fundamentais (17). O Tribunal de Justiça abandonou a aplicação automática do Regulamento Dublim II (18), antecessor do Regulamento Dublim III, «para permitir que a União e os seus Estados‑Membros respeitem as suas obrigações relativas à proteção dos direitos fundamentais dos requerentes de asilo» (19). O Tribunal de Justiça reconheceu que os Estados‑Membros não podem transferir um requerente de asilo para o Estado‑Membro responsável, na aceção do Regulamento Dublim II, se tiverem conhecimento de falhas sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse Estado‑Membro que constituam razões sérias e verosímeis de que o requerente corre um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.° da Carta.

33.      O artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento Dublim III codifica o cenário previsto no Acórdão N.S. e o., designadamente o cenário das circunstâncias excecionais, introduzindo o duplo critério — as falhas sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse Estado‑Membro — que permite recusar a transferência de um requerente para o Estado‑Membro que proferiu a decisão (20).

34.      No caso em apreço, a questão prejudicial respeita a um cenário como este. Logo, a presunção de equivalência dos sistemas de asilo nacionais — na qual se baseiam as regras estabelecidas pelo Regulamento Dublim III — não se aplica. Isto significa que as autoridades alemãs não podem transferir a pessoa em causa para a Grécia, uma vez que consideram que existem falhas sistémicas nas condições de acolhimento dos refugiados neste Estado‑Membro. Quando este cenário é desencadeado por um risco real de trato desumano ou degradante na aceção do artigo 4.° da Carta, as autoridades nacionais do Estado‑Membro em que o requerente de asilo se encontra devem determinar qual é o Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido.

c)      EstadoMembro competente nos casos em que é aplicável o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento Dublim III

35.      Desde logo, importa ter presente que o artigo 3.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento Dublim III estabelece a seguinte regra de competência: o Estado‑Membro que procede à determinação deve continuar a analisar os critérios enunciados no capítulo III para determinar se outro Estado‑Membro pode ser designado responsável. Se esta análise não conduzir à designação de outro Estado‑Membro responsável, o terceiro parágrafo deste artigo prevê que «[c]aso não possa efetuar‑se uma transferência ao abrigo do presente número para um Estado‑Membro designado com base nos critérios estabelecidos no Capítulo III ou para o primeiro Estado‑Membro onde foi apresentado o pedido, o Estado‑Membro que procede à determinação do Estado‑Membro responsável passa a ser o Estado‑Membro responsável».

36.      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio não referiu se as autoridades alemãs efetuaram a análise exigida pelo artigo 3.°, n.° 2, segundo parágrafo e, em caso afirmativo, de que forma. É, no entanto, evidente que essas autoridades se consideram competentes com base no terceiro parágrafo desse artigo (21). Por conseguinte, para efeitos das presentes conclusões, presumir‑se‑á que a competência das autoridades alemãs se baseia nesse terceiro parágrafo.

2.      Inadmissibilidade nos termos do artigo 33.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva Procedimentos

37.      De acordo com o artigo 33.°, n.° 1, da Diretiva Procedimentos, os Estados‑Membros não são obrigados a analisar os pedidos de proteção internacional em conformidade com a Diretiva Qualificação se os pedidos forem inadmissíveis nos termos desse artigo. O artigo 33.°, n.° 2, desta diretiva enumera exaustivamente as situações em que os Estados‑Membros podem considerar não admissível um pedido de proteção internacional (22). Em especial, o artigo 33.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva Procedimentos dispõe que, quando outro Estado‑Membro tiver anteriormente concedido proteção internacional ao requerente, o seu pedido pode ser indeferido por ser inadmissível. Esta exceção à admissibilidade geral explica‑se pela importância do princípio da confiança mútua (23). O artigo 33.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva Procedimentos concretiza o princípio da confiança mútua no contexto do SECA (24).

38.      No entanto, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a este princípio (25), as autoridades de um Estado‑Membro não podem aplicar o artigo 33.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva Procedimentos quando chegarem à conclusão, com base em elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados e por referência ao nível de proteção dos direitos fundamentais garantido pelo direito da União, de que existem, no Estado‑Membro em que o nacional de um país terceiro já beneficia de proteção internacional, falhas quer sistémicas ou generalizadas quer falhas que afetam determinados grupos de pessoas e que, tendo em conta essas falhas, há motivos sérios e comprovados para crer que esse nacional correrá um risco real de aí ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.°, da Carta (26).

39.      Uma vez que a questão prejudicial se baseia no facto de, no caso vertente, o órgão de decisão alemão não ter a possibilidade de adotar uma decisão de inadmissibilidade nos termos do artigo 33.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva Procedimentos, pode logicamente concluir‑se que o órgão jurisdicional nacional deu como provados os seguintes factos: existem falhas sistémicas ou generalizadas, ou que podem afetar determinados grupos de pessoas, e existem motivos substanciais para crer que os nacionais de países terceiros, como QY, correriam um risco real de serem sujeitos a tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.° da Carta.

40.      Neste contexto, coloca‑se a questão relativa à existência do reconhecimento mútuo das decisões no domínio da política de asilo e às consequências da perda de confiança mútua nesse reconhecimento, quando exista.

3.      Efeitos da perda de confiança mútua

41.      Como já referi, o princípio da confiança mútua baseia‑se na presunção de que cada Estado‑Membro deve considerar, salvo circunstâncias excecionais, que todos os outros Estados‑Membros atuam em conformidade com o direito da União e, em particular, com os direitos fundamentais reconhecidos pelo direito da União (27). Este princípio gera obrigações que recaem sobre os Estados‑Membros (28). A confiança mútua não deve ser confundida com a confiança cega (29). A perda do reconhecimento mútuo pode ocorrer no caso de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de asilo num dos Estados‑Membros (30). Daqui resulta que, quando esta presunção é ilidida e um Estado‑Membro perdeu a sua confiança no sistema de asilo de outro Estado‑Membro, colocam‑se inevitavelmente várias questões: quais são os efeitos desta perda de confiança nos direitos e obrigações dos Estados‑Membros? Em contrapartida, quais os direitos e obrigações que não são afetados? Além disso, uma perda de confiança por parte de um Estado‑Membro afeta as consequências das decisões tomadas por outro Estado‑Membro?

42.      Os efeitos desta perda de confiança são tudo menos claros. Pode argumentar‑se que, quando o segundo Estado‑Membro (a Alemanha) perde a confiança no sistema de asilo do primeiro Estado‑Membro (a Grécia) devido às falhas das condições de acolhimento dos refugiados, o segundo Estado apenas desconfia do tratamento dado aos refugiados pelo primeiro Estado, mas não dos seus procedimentos de tratamento dos pedidos de asilo. Assim, os efeitos dessa perda de confiança limitar‑se‑iam ao não regresso da pessoa em causa ao primeiro Estado‑Membro. No entanto, o segundo Estado‑Membro continuará a confiar que a decisão do primeiro Estado‑Membro de conceder o estatuto de refugiado está bem fundamentada. Inversamente, poder‑se‑ia sustentar que a perda de confiança gera uma desconfiança geral em relação ao sistema de asilo do primeiro Estado‑Membro no seu conjunto, incluindo a validade da decisão inicial emitida pelo primeiro Estado‑Membro.

43.      A este respeito, considero importante distinguir os procedimentos de asilo e, concretamente, as condições que regem os procedimentos para o tratamento dos pedidos de asilo no primeiro Estado‑Membro, por um lado, das condições de vida dos beneficiários de proteção internacional nesse Estado‑Membro, por outro (31). Em teoria, a perceção do segundo Estado‑Membro relativamente às falhas do primeiro Estado‑Membro (e, por conseguinte, a perda de confiança) pode ser constatada em relação ao procedimento de asilo e/ou às condições de vida. No presente processo, no seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio refere‑se claramente às «condições de vida» no primeiro Estado‑Membro. Logo, entendo que é possível considerar que a decisão em apreço foi validamente adotada relativamente à pessoa em causa, apesar da perda de confiança determinada pelos órgãos jurisdicionais do segundo Estado‑Membro relativamente às condições de vida no primeiro Estado‑Membro. À luz desta distinção, há que determinar se — e, em caso afirmativo, de que modo — o princípio do reconhecimento mútuo se aplica no domínio da política de asilo em que o segundo e terceiro parágrafos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento Dublim III são aplicáveis e o artigo 33.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva Procedimentos não pode ser aplicado porque a pessoa em causa correria um risco real de ser sujeita a tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.° da Carta.

B.      Reconhecimento mútuo no domínio da política de asilo

44.      A resposta à questão de saber se o princípio do reconhecimento mútuo se aplica no domínio da política de asilo e, em caso afirmativo, de que forma, inclui dois aspetos: em primeiro lugar, importa verificar se constitui um princípio geral que se aplica em circunstâncias normais. Só então se poderá determinar se o estatuto de refugiado concedido pelo primeiro Estado‑Membro e a proteção dele decorrente devem ser automaticamente reconhecidos pelo segundo Estado‑Membro quando se verifiquem circunstâncias excecionais.

45.      Na sua aplicação geral, o princípio do reconhecimento mútuo significa que uma decisão relativa ao estatuto de refugiado de um nacional de um país terceiro adotada num dos Estados‑Membros da União Europeia deve ser aceite sem quaisquer restrições noutro Estado‑Membro (32). O reconhecimento mútuo significa, portanto, que o segundo Estado‑Membro reconhece e executa uma decisão tomada pela autoridade competente do primeiro Estado‑Membro como se fosse a sua própria decisão (33). Para que o reconhecimento mútuo do estatuto de refugiado seja significativo, a proteção e os direitos concedidos ao refugiado no primeiro Estado‑Membro devem acompanhar essa pessoa no segundo Estado‑Membro (34).

46.      Para que esse reconhecimento mútuo exista no domínio do SECA, deve estar enraizado no direito primário ou secundário da União. Por conseguinte, analisarei as disposições do direito primário (i) e do direito derivado (ii) da União para determinar se esse princípio do reconhecimento mútuo das decisões existe no domínio da política de asilo.

1.      Existe um princípio orientador de reconhecimento mútuo decorrente do direito primário da União?

47.      De acordo com o artigo 78.°, n.° 1, primeiro período, TFUE, a União desenvolve uma política comum em matéria de asilo, de proteção subsidiária e de proteção temporária. Para o efeito, o Parlamento Europeu e o Conselho adotam, nos termos do artigo 78.°, n.° 2, alíneas a) e b), TFUE, medidas relativas a um SECA. Isto compreende, nomeadamente, um estatuto uniforme de asilo para os nacionais de países terceiros, válido em toda a União Europeia (35). No entanto, nenhuma das disposições constantes do título V, capítulo 2, TFUE estabelece uma obrigação ou um princípio de reconhecimento mútuo do estatuto de refugiado concedido por outro Estado‑Membro (36). Além disso, ao contrário das disposições do Tratado em matéria de livre circulação (37), que têm efeito direto (38), são autónomas e contêm direitos diretamente aplicáveis que tornam o princípio do reconhecimento mútuo plenamente eficaz e operacional, esse não parece ser o caso das disposições do Tratado relativas ao título V, capítulo 2, TFUE. De facto, não existe nenhuma disposição do Tratado que declare expressamente que o princípio do reconhecimento mútuo é plenamente eficaz e operacional no que diz respeito à política de asilo.

48.      Dito isto, subsiste a questão de saber se o princípio do reconhecimento mútuo pode ser deduzido destas disposições do Tratado (39). A este respeito, devo recordar que o artigo 78.°, n.° 1, TFUE atribui à União Europeia uma competência no domínio da política de asilo e define o seu objetivo, que é o de criar uma política comum de asilo que ofereça um «estatuto adequado» a qualquer nacional de um país terceiro «que necessite de proteção internacional». O artigo 78.°, n.° 2, alínea a), TFUE constitui uma base jurídica (40)      que permite ao legislador da União criar um «estatuto uniforme de asilo» que seja «válido em toda a União» (41). Isto significa, no meu entender, que os direitos associados a este estatuto uniforme não são plenamente efetivos nem operacionais sem a intervenção do legislador da União (42). Daqui resulta que uma disposição do Tratado que estabelece uma base jurídica e uma transferência de competências para as instituições da União não é suficiente para sustentar que contém direitos diretamente aplicáveis que tornam o princípio do reconhecimento mútuo plenamente eficaz e operacional (43).

49.      Por uma questão de exaustividade, devo acrescentar que o artigo 18.° da Carta prevê que «[é] garantido o direito de asilo, no quadro da Convenção de Genebra». Embora, de acordo com o artigo 78.°, n.° 1, TFEU, a política comum em matéria de asilo «dev[a] estar em conformidade com a Convenção de Genebra», o direito internacional proíbe, como princípio geral, o exercício de uma competência de execução extraterritorial, exceto se expressamente autorizado (44). Contudo, esta convenção não impõe a um Estado contratante que reconheça o estatuto de refugiado de um requerente de asilo anteriormente concedido por outro Estado contratante. Por conseguinte, não se pode deduzir nenhuma extraterritorialidade desta convenção. Na mesma ordem de ideias, a jurisprudência do TEDH não exige a extraterritorialidade e, pelo contrário, sublinha o caráter excecional deste princípio (45). O princípio do reconhecimento mútuo, que é exclusivo da ordem jurídica da União, não decorre da CEDH (46).

50.      Por último, nas suas observações, o Governo Italiano afirma, entre outras coisas, que o Protocolo (n.° 24) anexo ao Tratado FUE (47)      é pertinente para o presente processo. Não concordo com este entendimento, uma vez que o referido protocolo respeita aos nacionais dos Estados‑Membros da União, ao passo que o caso em apreço abrange apenas nacionais de países terceiros.

51.      Uma vez que não se pode deduzir nenhum princípio global de reconhecimento mútuo do direito primário da União, a questão que se coloca a seguir é a de saber se o direito derivado da União dá origem ao princípio do reconhecimento mútuo no SECA.

2.      O reconhecimento mútuo no SECA pode ser deduzido do direito derivado da União?

52.      Para responder à questão supra, seguindo o método habitual de interpretação previsto na jurisprudência do Tribunal de Justiça (48), aplicarei os critérios de interpretação literal, sistemática e objetiva em função da sua pertinência para a análise. Neste contexto, para que exista reconhecimento mútuo no SECA, é necessário concluir que o legislador da União tenha tido a intenção de impor aos Estados‑Membros este reconhecimento (49). No entanto, na minha opinião, essa intenção não tem de ser declarada expressamente na redação das disposições pertinentes do direito derivado da União, mas pode ser deduzida do contexto das disposições pertinentes e dos objetivos que essas disposições prosseguem. Em especial, pode ser esse o caso quando a eficácia de uma disposição do direito derivado da União depende da existência do princípio do reconhecimento mútuo entre os Estados‑Membros. Por conseguinte, embora não seja necessário que uma disposição do direito derivado da União contenha uma referência expressa ao «reconhecimento mútuo», deve existir uma intenção clara do legislador da União de impor esse princípio (50).

a)      Regulamento Dublim III

53.      Em primeiro lugar, algumas das partes no presente processo alegam que o Regulamento Dublim III não é aplicável, uma vez que o Estado‑Membro responsável (no caso vertente, a Grécia) já concedeu proteção internacional à pessoa em causa (51). Em segundo lugar, alegam que o litígio no processo principal coloca a questão de saber como tratar o pedido de proteção internacional apresentado na Alemanha e não o pedido anteriormente apresentado na Grécia.

54.      Relativamente à questão da aplicabilidade do Regulamento Dublim III, como já expliquei, o seu artigo 3.°, n.° 2, estabelece a competência das autoridades do segundo Estado‑Membro para analisar o pedido de asilo. Uma vez que esta disposição codifica especificamente o cenário tratado no Acórdão N.S. e o., a questão do reconhecimento da decisão de concessão do estatuto de refugiado quando um Estado‑Membro perdeu a confiança nas condições de estada no outro Estado‑Membro está abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento Dublim III (52). Por conseguinte, considero que a presente situação está abrangida pelo âmbito de aplicação material do referido regulamento.

55.      O Regulamento Dublim III estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros (53). No entanto, o princípio do reconhecimento mútuo não é referido no referido regulamento. Atualmente, os pedidos de asilo são analisados individualmente pelos Estados‑Membros. Embora o sistema de Dublim se baseie na ideia fundamental de equivalência dos sistemas de asilo dos Estados‑Membros, esta presunção não equivale ao reconhecimento mútuo das decisões de concessão do estatuto de refugiado.

56.      É importante sublinhar que os mecanismos previstos no Regulamento Dublim III proporcionam um elevado grau de «automatização» dos procedimentos no que diz respeito às decisões negativas, ou seja, as decisões que não concedem o estatuto de refugiado ou a proteção subsidiária (54). Esta «automatização» apoia o argumento de que o Regulamento Dublim III torna o princípio do reconhecimento mútuo plenamente efetivo e operacional, mas apenas no que diz respeito às decisões negativas (55). Caso o primeiro Estado‑Membro tenha adotado uma decisão negativa, o segundo Estado‑Membro não é responsável pela análise de um novo pedido de asilo que lhe tenha sido apresentado, mas deve reenviar a pessoa em causa para o primeiro Estado‑Membro, que, por sua vez, deve tomar as medidas necessárias para o seu regresso ao país de origem. Além disso, o sistema instituído pelo Regulamento Dublim III exige que os Estados‑Membros desenvolvam uma «intensa cooperação transnacional horizontal entre as administrações nacionais», a fim de acompanhar as eventuais intervenções de outras jurisdições (56).

57.      No entanto, como salienta a Irlanda, não existe nenhuma disposição jurídica no Regulamento Dublim III que preveja expressamente o princípio do reconhecimento mútuo no que diz respeito às decisões positivas adotadas por outros Estados‑Membros. Este regulamento não exige que os Estados‑Membros reconheçam e executem automaticamente as decisões positivas uns dos outros. Embora os juristas tenham apresentado argumentos convincentes de lege ferenda a favor da necessidade de adotar esse princípio (57), o legislador da União, apesar dos esforços da Comissão (58), não deu passos definitivos nesse sentido.

58.      Devo acrescentar que o conceito de um único Estado‑Membro responsável está no cerne do SECA (59). De acordo com este conceito, a condução do procedimento é circunscrita a um único Estado‑Membro, que passa a ser responsável pela análise do pedido de proteção internacional. Por conseguinte, em circunstâncias normais, as decisões positivas e negativas são tratadas apenas por um Estado‑Membro.

59.      Caso se verifiquem circunstâncias excecionais, importa referir que o Estado‑Membro designado responsável nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento Dublim III se compromete a conduzir todo o processo em conformidade com o Regulamento Dublim III, a Diretiva Procedimentos e a Diretiva Qualificação. Este Estado‑Membro é competente para proceder à análise do pedido, para conceder proteção internacional ou para indeferir o pedido ou, consoante o caso, para ordenar o regresso ou o afastamento do nacional de um país terceiro. Como alega o Governo Grego, o sistema de Dublim não permite a acumulação de regimes de proteção internacional para a mesma pessoa em diferentes Estados‑Membros. Todavia, quando o segundo Estado‑Membro não puder reenviar a pessoa em causa para o primeiro Estado‑Membro que lhe concedeu o estatuto de refugiado, as preocupações relativas à acumulação por uma pessoa de múltiplos regimes de proteção ficam desprovidas de objeto. Isso deve‑se ao facto de, tendo em conta as falhas das condições de acolhimento dos refugiados no primeiro Estado‑Membro, essa pessoa não poder exercer os direitos inerentes ao seu estatuto de refugiado de forma que os seus direitos fundamentais, tal como reconhecidos pelo direito da União, sejam suficientemente protegidos.

60.      Daqui resulta que, no caso de circunstâncias excecionais, o Regulamento Dublim III atribui competência ao segundo Estado‑Membro para tratar o pedido, mas deixa em aberto a questão relativa ao âmbito desta competência e ao procedimento aplicável. Em todo o caso, é evidente que, quando se verificam essas circunstâncias, o Regulamento Dublim III não estabelece a obrigação de dar efeito à decisão positiva de asilo do primeiro Estado‑Membro.

b)      Diretiva Procedimentos

61.      O princípio do reconhecimento mútuo tão‑pouco é mencionado nas disposições da Diretiva Procedimentos. A abordagem adotada nesta diretiva baseia‑se no conceito de um procedimento único e de regras mínimas comuns (60).

62.      No que respeita ao cenário das circunstâncias excecionais, o órgão jurisdicional de reenvio e as partes remeteram para o artigo 10.° da Diretiva Procedimentos. Esta disposição, lida à luz dos considerandos 16 e 43 da mesma diretiva, dispõe que é essencial que as decisões em matéria de proteção internacional sejam tomadas com base nos factos e analisadas quanto ao mérito, e que avaliem de forma objetiva e imparcial se o requerente preenche as condições materiais para obter proteção internacional. A Diretiva Procedimentos sublinha, portanto, a exigência de que os Estados‑Membros responsáveis analisem os pedidos individualmente. Por um lado, é possível alegar que já foi efetuada «uma apreciação individual» no primeiro Estado‑Membro. Por outro lado, poder‑se‑ia igualmente alegar que é necessária uma nova apreciação individual devido às falhas das condições de acolhimento dos refugiados no primeiro Estado‑Membro. Daqui decorre, no meu entender, que não se pode tirar nenhuma conclusão desta exigência, seja ela a favor ou contra o efeito vinculativo de uma decisão de concessão do estatuto de refugiado quando se demonstre a existência de um risco nos termos do artigo 4.° da Carta. Considero que o artigo 10.° da Diretiva Procedimentos só é pertinente se o Tribunal de Justiça, ao interpretar outras disposições do direito derivado da União, decidir que as autoridades alemãs devem avaliar ex nunc se a pessoa em causa preenche as condições materiais para poder beneficiar do estatuto de refugiado.

63.      Na falta de uma obrigação clara, imposta pela Diretiva Procedimentos, de reconhecer automaticamente uma decisão de concessão do estatuto de refugiado, continua a ser necessário determinar as consequências jurídicas da indisponibilidade da opção prevista no artigo 33.°, n.° 2, alínea a), desta diretiva, devido ao risco grave de a pessoa em causa ser sujeita a tratamentos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.° da Carta, no primeiro Estado‑Membro (61). Em circunstâncias normais, quando existe confiança entre os Estados‑Membros, esta disposição concretiza não só o princípio da confiança mútua no contexto do SECA mas também o princípio de um único Estado‑Membro responsável (62).

64.      No entanto, num cenário de circunstâncias excecionais, o Tribunal de Justiça, no Despacho Hamed e Omar, baseando‑se em jurisprudência anterior, declarou que um Estado‑Membro (nesse caso, a Alemanha) não pode invocar o artigo 33.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva Procedimentos para considerar inadmissível um pedido de asilo apresentado por uma pessoa a quem foi concedido o estatuto de refugiado por outro Estado‑Membro (nesse caso, a Bulgária) no qual o sistema de asilo sofre de falhas sistémicas semelhantes às que estão em causa no processo que deu origem ao Acórdão N. S. e o. Além disso, o Tribunal de Justiça observou, obiter dictum, que, embora o direito alemão preveja uma certa proteção para os requerentes de asilo no cenário do Acórdão N.S. e o., «não prevê o reconhecimento deste estatuto e a concessão dos direitos que lhe estão associados na Alemanha sem passar por um novo processo de asilo» (63). Esta passagem parece validar, ainda que implicitamente, a compatibilidade da abordagem adotada pelo legislador alemão com o direito da União. Se a Diretiva Procedimentos tivesse previsto o reconhecimento deste estatuto, o Tribunal de Justiça teria, em minha opinião, redigido esta passagem de forma completamente diferente, exigindo que as autoridades alemãs concedessem esse estatuto à pessoa em causa. Em vez disso, a referência a um «novo procedimento de asilo» leva a pensar que, quando existe o risco de a pessoa em causa ser sujeita a tratamentos desumanos ou degradantes na aceção do artigo 4.° da Carta, o segundo Estado‑Membro tem o direito de efetuar um segundo procedimento de asilo. Na prática, o segundo Estado‑Membro adquire uma dupla competência: para analisar o pedido apresentado pela pessoa em causa e para fazer valer os direitos dessa pessoa.

65.      Por conseguinte, concordo com a posição adotada por algumas das partes, no sentido de que o Estado‑Membro ao qual foi apresentado um novo pedido pode proceder a uma nova análise. Esta análise deve, no entanto, ser efetuada em conformidade com os objetivos subjacentes à Diretiva Procedimentos e à Carta. Dito isto, e tal como explicarei na minha análise adiante (v. secção C), uma nova análise não significa que a análise seja «reinicializada». Em termos mais coloquiais, o Estado‑Membro ao qual foi apresentado um novo pedido não «começa do zero», mas deve, ao tomar a sua decisão, ter em devida conta a decisão de outro Estado‑Membro que concedeu o estatuto de refugiado à pessoa em causa.

c)      Diretiva Qualificação

66.      A Diretiva Qualificação visa estabelecer um «estatuto de asilo uniforme» para os nacionais de países terceiros com base na Convenção de Genebra (64). Os considerandos 4, 23 e 24 da Diretiva Qualificação declaram que a Convenção de Genebra é a «pedra basilar do regime jurídico internacional relativo à proteção dos refugiados» e que as disposições desta diretiva foram adotadas para orientar as autoridades competentes dos Estados‑Membros na aplicação da referida convenção com base em conceitos e critérios comuns (65). Daqui decorre que as disposições da Diretiva Qualificação devem ser interpretadas em consonância com a Convenção de Genebra e com os outros tratados pertinentes referidos no n.° 1 do artigo 78.° TFUE.

67.      Os capítulos I, III, IV, V e VI da Diretiva Qualificação definem os critérios comuns de identificação das pessoas que têm «efetivamente necessidade de proteção internacional» (66)      e às quais deve ser concedido um dos dois estatutos. O Tribunal de Justiça já declarou que, por força do artigo 13.° da Diretiva Qualificação, os Estados‑Membros não dispõem de qualquer poder discricionário e devem conceder o estatuto de refugiado a um nacional de um país terceiro ou a um apátrida que preencha as condições materiais para ser considerado refugiado, nos termos dos capítulos II e III da referida diretiva (67).

68.      De seguida, no capítulo VII, a Diretiva Qualificação define o conteúdo da proteção internacional, o que cria, no meu entender, uma ligação entre a pessoa em causa e o Estado‑Membro que concede essa proteção. Esta ligação é ilustrada pelas disposições desse capítulo, que estabelecem os requisitos, em primeiro lugar, para proporcionar aos beneficiários de proteção internacional o acesso a informações, autorizações de residência, documentos de viagem, emprego, educação, procedimentos de reconhecimento das qualificações, programas de integração, segurança social e cuidados de saúde e, em segundo lugar, para assegurar a unidade familiar (68).

69.      No entanto, importa salientar que nenhuma das referidas disposições dos capítulos I a VII da Diretiva Qualificação tem uma incidência concreta sobre os efeitos extraterritoriais das decisões positivas de concessão do estatuto de refugiado. Em particular, o artigo 13.° da referida diretiva, para o qual o órgão jurisdicional de reenvio remete na sua decisão de reenvio, não constitui fundamento para considerar que existe uma obrigação de reconhecimento mútuo nos termos dessa diretiva.

70.      Nas suas observações, o Governo Grego alega que a obrigação de o Estado‑Membro emitir um documento de viagem a um refugiado para que este possa viajar livremente para fora do seu território, nos termos do artigo 25.° da Diretiva Qualificação, concretiza o princípio do reconhecimento mútuo (69). No entanto, esta disposição apenas impõe ao primeiro Estado‑Membro a obrigação de entregar esses documentos, enquanto o segundo Estado‑Membro se limita a reconhecer que esses documentos de viagem são válidos. Este reconhecimento tem um alcance limitado e não tem nenhuma relação com a questão de saber se o princípio do reconhecimento mútuo se aplica às decisões positivas de concessão do estatuto de refugiado. Por outras palavras, esta disposição constitui uma ilustração do reconhecimento mútuo dos documentos de viagem que não tem nenhuma relação com a questão do reconhecimento mútuo das decisões positivas de concessão do estatuto de refugiado.

71.      Na audiência, as partes referiram‑se igualmente à autorização de residência de longa duração emitida pelo primeiro Estado‑Membro (70), para argumentar que existe um reconhecimento mútuo no domínio da política de asilo. A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que qualquer nacional de um país terceiro que se encontre no território de um Estado‑Membro sem preencher as condições de entrada, permanência ou residência no mesmo se encontra, por esse simples facto, em situação irregular (71). Por conseguinte, o artigo 24.° da Diretiva Qualificação não pode ser interpretado no sentido de exigir que todos os Estados‑Membros concedam uma autorização de residência a uma pessoa a quem outro Estado‑Membro concedeu proteção internacional (72). Daí resulta, a meu ver, que não se pode extrair nenhum argumento do sistema de autorizações de residência para efeitos do presente processo.

72.      Além disso, os artigos 11.°, 12.° e 14.° da Diretiva Qualificação contêm regras específicas sobre a cessação, a exclusão e a revogação do estatuto de refugiado. Na minha opinião, estes artigos não conferem a um Estado‑Membro o poder de revogar ou pôr termo ao estatuto de refugiado concedido por outro Estado‑Membro. Esta competência cabe exclusivamente ao Estado‑Membro que concedeu o estatuto de refugiado. O facto de o segundo Estado‑Membro ter perdido a confiança nas condições de vida no primeiro Estado‑Membro não confere às autoridades deste segundo Estado‑Membro o direito de pôr em causa os poderes do primeiro Estado‑Membro e de privar o nacional de um país terceiro do seu estatuto de refugiado no primeiro Estado‑Membro. O único direito que essas autoridades adquirem, quando a aplicação do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento Dublim III é acionada, é o de poder determinar o Estado‑Membro competente e, se necessário, proceder a uma nova análise sobre a questão de saber se estão preenchidos os critérios estabelecidos na Diretiva Qualificação para a concessão desse estatuto.

73.      Esta apreciação é coerente com o objetivo do artigo 14.° da Diretiva Qualificação, que permite ao Estado‑Membro revogar ou recusar a renovação do estatuto de refugiado de um nacional de um país terceiro. A este respeito, os n.os 1 e 2 do referido artigo confirmam a ideia de que a manutenção do estatuto de refugiado está estreitamente ligada, em especial, às circunstâncias existentes no país de origem da pessoa em causa. Além disso, o sistema está concebido de forma que permita que o segundo Estado‑Membro reexamine o mérito do pedido, uma vez que pode exercer os poderes que lhe são conferidos por esta disposição, se o considerar necessário. Por conseguinte, pode deduzir‑se desta disposição que o legislador da União pretendeu atribuir ao segundo Estado‑Membro poderes para reexaminar o mérito material do pedido. Por último, decorre do artigo 14.°, n.° 4, da Diretiva Qualificação que o estatuto de refugiado concedido está estreitamente ligado ao Estado‑Membro «em que [o refugiado] se encontra», o que confirma a existência da ligação acima referida (73).

74.      Por conseguinte, no meu entender, não se pode deduzir da Diretiva Qualificação que as decisões positivas de asilo tomadas noutros Estados‑Membros têm efeito vinculativo noutros Estados‑Membros, seja em circunstâncias normais ou excecionais.

3.      Conclusão provisória

75.      O SECA está a ser construído gradualmente e, de acordo com o TFUE, só o legislador da União pode decidir, quando necessário, atribuir um efeito transfronteiriço vinculativo às decisões que concedem o estatuto de refugiado. Nada no Regulamento Dublim III, na Diretiva Procedimentos ou na Diretiva Qualificação sugere que os Estados‑Membros sejam obrigados a conceder a uma pessoa o estatuto de refugiado apenas pelo facto de outro Estado‑Membro já lhe ter concedido esse estatuto.

76.      No caso em apreço, o órgão de decisão de um segundo Estado‑Membro (a Alemanha), que está impedido de aplicar o artigo 33.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva Procedimentos, uma vez que essa aplicação implicaria um risco grave de violação da proibição contida no artigo 4.° da Carta, não está vinculado por uma decisão anterior de concessão do estatuto de refugiado adotada pelo primeiro Estado‑Membro (neste caso, a Grécia). O órgão de decisão do segundo Estado‑Membro deve proceder a uma apreciação do mérito do novo pedido, de acordo com as disposições da Diretiva Qualificação e da Diretiva Procedimentos.

77.      Embora a decisão de concessão do estatuto de refugiado, tomada pelo primeiro Estado‑Membro, não tenha um efeito vinculativo para o órgão de decisão do segundo Estado‑Membro, é importante determinar se este último tem a obrigação de ter em devida conta essa decisão quando procede a uma nova análise do pedido de asilo em causa.

C.      Os procedimentos administrativos subsequentes no cenário de «circunstâncias excecionais»

78.      Em primeiro lugar, devo salientar que, quando um Estado‑Membro tem de proceder à análise do mérito de um pedido de proteção internacional devido ao facto de o requerente correr o risco de ser sujeito a tratamentos desumanos ou degradantes no primeiro Estado‑Membro, deve ser aplicada a Diretiva 2013/33/UE (74), que estabelece as modalidades de tratamento dos requerentes de proteção internacional durante o tratamento dos seus pedidos.

79.      Além disso, ao analisar um pedido de proteção internacional, o segundo Estado‑Membro deve respeitar não só os princípios e garantias previstos tanto na Diretiva Procedimentos como na Diretiva Qualificação para determinar se a pessoa em causa carece dessa proteção mas também as exigências decorrentes do princípio da boa administração, que impõem obrigações específicas tendo em conta o facto de a pessoa ter de se submeter a dois procedimentos administrativos subsequentes devido às circunstâncias excecionais. Por outras palavras, a aplicação do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento Dublim III transfere a obrigação para o segundo Estado‑Membro, que está vinculado por esses requisitos.

1.      Apreciação de um pedido de proteção internacional

80.      Primeiro, ao analisar o pedido de proteção internacional, o segundo Estado‑Membro deve ter em conta os princípios e as garantias estabelecidos no capítulo II da Diretiva Procedimentos, incluindo o artigo 10.°, n.os 2 e 3, desta diretiva, que o órgão jurisdicional de reenvio invocou. Nos termos do artigo 10.°, n.° 2, o órgão de decisão deve determinar, em primeiro lugar, se o requerente preenche as condições para ser considerado refugiado e, em caso negativo, se é elegível para proteção subsidiária. Nos termos do artigo 10.°, n.° 3, da Diretiva Procedimentos, os Estados‑Membros devem assegurar que as decisões sobre os pedidos de proteção internacional sejam proferidas após apreciação adequada, em conformidade com os requisitos das alíneas a) a d) dessa disposição.

81.      Segundo, o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva Qualificação exige que o Estado‑Membro avalie os «elementos pertinentes do pedido», o que inclui os elementos que foram previamente tidos em conta pelo primeiro Estado‑Membro, juntamente com o facto de as autoridades de outro Estado‑Membro terem concedido o estatuto de refugiado a essa pessoa. Importa sublinhar a ampla redação desta disposição. Por conseguinte, todas as constatações de facto e todas as fontes de informação podem ser consideradas «elementos» na aceção do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da Diretiva Qualificação, incluindo as que levaram o primeiro Estado‑Membro a adotar a sua decisão positiva. Deve igualmente ser tido em conta o facto de o pedido apresentado pela pessoa em causa já ter sido analisado e de ter sido proferida uma decisão positiva de concessão do estatuto de refugiado.

82.      A este respeito, as autoridades do segundo Estado‑Membro não podem simplesmente ignorar o facto de as autoridades do primeiro Estado‑Membro terem anteriormente concedido o estatuto de refugiado à pessoa em causa. Pelo contrário, se a perda de confiança se deveu a um trato desumano e não a falhas do procedimento de asilo enquanto tal, a existência de tal decisão deve ser tida em devida conta. A existência de uma decisão positiva de concessão do estatuto de refugiado pode, portanto, constituir um dos elementos de prova dos factos invocados em apoio do pedido de proteção internacional apresentado pela pessoa em causa (75).

2.      Requisitos decorrentes do princípio da boa administração

83.      Quando o princípio da confiança mútua não pode ser invocado devido a circunstâncias extraordinárias e o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento Dublim III seja aplicável, este regulamento, a Diretiva Procedimentos e a Diretiva Qualificação não preveem nenhuma regra específica sobre a cooperação entre as autoridades do primeiro e do segundo Estados‑Membros  nomeadamente sobre a partilha de informações entre essas autoridades , nem sobre os prazos que o segundo Estado‑Membro deve respeitar. Uma vez que, no caso em apreço, a perda de confiança respeita às condições de vida no primeiro Estado‑Membro e não ao próprio procedimento de asilo, certas disposições do referido regulamento e das referidas diretivas podem ser aplicadas por analogia em circunstâncias excecionais. No entanto, quando o direito da União não prevê regras pormenorizadas sobre o procedimento caso existam circunstâncias excecionais, os Estados‑Membros continuam a ser competentes, em conformidade com o princípio da autonomia processual, para determinar esses requisitos, desde que essas regras não sejam menos favoráveis do que as que regem situações nacionais semelhantes (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) (76).

84.      Todavia, ao aplicarem o direito da União (a saber, o Regulamento Dublim III e as Diretivas Procedimentos e Qualificação), as autoridades nacionais estão vinculadas ao princípio da boa administração enquanto princípio geral do direito da União, que inclui, nomeadamente, um dever de diligência e de cuidado por parte das autoridades nacionais (77).

a)      Cooperação e partilha de informações entre os EstadosMembros

85.      O artigo 34.° do Regulamento Dublim III prevê mecanismos de partilha de informações entre os Estados‑Membros. O intercâmbio de informações entre Estados‑Membros constitui, com base nesta disposição, uma mera opção, uma vez que a partilha de informações tem lugar quando os «Estados‑Membros [...] o solicit[am]» (78). Porém, quando é desencadeada a aplicação do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento Dublim III e, em especial, quando a confiança entre dois Estados‑Membros é quebrada, este regulamento não estabelece regras específicas no que diz respeito à partilha de informações. É importante sublinhar que, quando a perda de confiança diz respeito às condições de permanência no primeiro Estado‑Membro (79), a obrigação de cooperação entre os Estados‑Membros no tocante aos procedimentos do pedido de asilo não deve ser afetada.

86.      A este respeito, uma vez que o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva Qualificação exige que o Estado‑Membro avalie os «elementos pertinentes do pedido», se a pessoa em causa invocar a decisão tomada pelo primeiro Estado‑Membro que lhe concedeu o estatuto de refugiado, o segundo Estado‑Membro deve determinar as circunstâncias que permitiram ao primeiro Estado‑Membro tomar essa decisão. A fim de respeitar esta exigência e tendo em conta, à luz do princípio da boa administração, o facto de já ter sido concedido o estatuto de refugiado à pessoa em causa por outro Estado‑Membro, as autoridades competentes do segundo Estado‑Membro devem examinar se o artigo 34.° do Regulamento Dublim III deve ser aplicado. Nos termos do artigo 34.°, n.° 3, do mesmo, essas autoridades podem dirigir às autoridades competentes do primeiro Estado‑Membro um pedido de informações e, em especial, uma explicação sobre as circunstâncias que deram origem a esse estatuto, caso em que as autoridades do primeiro Estado‑Membro são obrigadas a responder.

b)      O prazo razoável

87.      Tendo em conta o objetivo de celeridade no tratamento de um pedido (80)      e o princípio da boa administração enquanto princípio geral do direito da União, na apreciação dos pedidos de asilo o procedimento relativo ao segundo pedido deve ser realizado num prazo razoável. O considerando 19 da Diretiva Procedimentos reafirma claramente este princípio de oportunidade nos procedimentos de asilo da União e dá aos Estados‑Membros a «flexibilidade [...] de dar prioridade à apreciação de certos pedidos em detrimento de outros», a fim de «abreviar, em certos casos, a duração global do procedimento».

88.      Portanto, se for desencadeada a aplicação do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento Dublim III, deve ser tida em conta a duração cumulativa dos dois procedimentos. Os requerentes a quem foi anteriormente concedido o estatuto de refugiado noutro Estado‑Membro mas que não podem beneficiar desse estatuto no primeiro Estado‑Membro devido ao risco de sofrerem tratamentos desumanos ou degradantes na aceção do artigo 4.° da Carta pedem ao segundo Estado‑Membro uma proteção internacional em «circunstâncias excecionais» resultantes de uma perda de confiança entre os Estados‑Membros. Deve considerar‑se que os casos abrangidos por estas «circunstâncias excecionais» estão compreendidos nos «certos casos» a que é dada prioridade nos termos do considerando 19 da Diretiva Procedimentos.

89.      É importante notar que o artigo 31.°, n.° 7, alínea a), desta diretiva, que permite aos Estados‑Membros «conceder prioridade à apreciação de um pedido [...] [q]uando o pedido seja suscetível de estar bem fundamentado», apoia ainda mais a prioridade do pedido de asilo no segundo Estado‑Membro na sequência destas «circunstâncias excecionais» específicas e nos casos em que o primeiro Estado‑Membro já determinou que a pessoa em causa pode beneficiar do estatuto de refugiado.

90.      Por conseguinte, se se verificar o cenário que desencadeia a aplicação do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento Dublim III, o princípio da boa administração impõe um ónus específico ao segundo Estado‑Membro, cujas autoridades devem agir rapidamente, uma vez que a pessoa em causa já foi submetida a um primeiro procedimento de pedido e, eventualmente, ao processo judicial que estabeleceu o risco nos termos do artigo 4.° da Carta. A este respeito, importa salientar que o artigo 31.°, n.° 3, da Diretiva Procedimentos exige que os Estados‑Membros assegurem a conclusão do procedimento de apreciação no prazo de seis meses a contar da apresentação do pedido (81). Este período de seis meses é, por conseguinte, o prazo máximo previsto para o tratamento de um pedido em circunstâncias normais. As circunstâncias excecionais em causa devem exigir uma maior celeridade e o pedido ao segundo Estado‑Membro deve ser tratado num prazo materialmente mais curto.

91.      O primeiro Estado‑Membro que concedeu o estatuto de refugiado à pessoa em causa deve igualmente assumir um encargo específico adicional a fim de ajudar o segundo Estado‑Membro a tratar o pedido apresentado pela pessoa em causa da forma mais rápida possível. De um modo geral, à partilha de informações nos termos do artigo 34.° do Regulamento Dublim III, é aplicável o prazo previsto no n.° 5 do mesmo, que estabelece que os Estados‑Membros requeridos para partilhar informações devem fazê‑lo no prazo de cinco semanas (82). Este prazo de cinco semanas é também o prazo máximo concedido para o tratamento de um pedido em circunstâncias normais. As «circunstâncias excecionais» resultantes da perda de confiança recíproca entre os Estados‑Membros devido a um risco de trato desumano ou degradante na aceção do artigo 4.° da Carta num dos Estados‑Membros devem ser tratadas com especial celeridade. O primeiro Estado‑Membro deve responder a todos os pedidos de informação apresentados pelo segundo Estado‑Membro num prazo acentuadamente mais curto do que o aplicável em circunstâncias normais (83).

3.      Conclusão provisória

92.      À luz das considerações anteriores, considero que a autoridade competente do segundo Estado‑Membro deve proceder a uma apreciação do mérito do novo pedido, em conformidade com as disposições da Diretiva Procedimentos e da Diretiva Qualificação, e determinar se a pessoa em causa preenche as condições materiais necessárias para beneficiar do estatuto de refugiado, assegurando simultaneamente o respeito do princípio da boa administração. Este princípio e o requisito de analisar todos os elementos pertinentes do pedido, na aceção do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva Qualificação, dão origem à obrigação de ter em conta o facto de o pedido de asilo apresentado pela pessoa em causa já ter sido analisado e de ter sido proferida uma decisão positiva de concessão do estatuto de refugiado pelas autoridades do primeiro Estado‑Membro. As autoridades competentes do segundo Estado‑Membro devem dar prioridade à análise do pedido e considerar a aplicação do artigo 34.° do Regulamento Dublim III, que prevê mecanismos de intercâmbio de informações entre os Estados‑Membros, no âmbito dos quais o primeiro Estado‑Membro deve responder a todos os pedidos de informação do segundo Estado‑Membro num prazo consideravelmente mais curto do que o aplicável em circunstâncias normais.

V.      Conclusão

93.      Tendo em conta as considerações anteriores, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão submetida pelo Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal, Alemanha) do seguinte modo:

Caso um Estado‑Membro não possa exercer a faculdade conferida pelo artigo 33.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, para considerar inadmissível um pedido de proteção internacional com vista à concessão do estatuto de refugiado noutro Estado‑Membro, porque as condições de vida nesse Estado‑Membro exporiam o requerente a um risco grave de trato desumano ou degradante na aceção do artigo 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

o artigo 78.°, n.os 1 e 2, TFUE,

o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento (UE) n.° 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida,

o artigo 4.°, n.° 1, e o artigo 13.° da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida, e

o artigo 10.°, n.os 2 e 3, e o artigo 33.°, n.° 1 e n.° 2, alínea a), da Diretiva 2013/32,

devem ser interpretados no sentido de que não exigem que um Estado‑Membro reconheça, sem uma análise de mérito, a proteção internacional que outro Estado‑Membro já concedeu ao requerente.

Ao procederem à apreciação do novo pedido apresentado devido à existência das circunstâncias excecionais previstas no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 604/2013, as autoridades competentes devem determinar, em conformidade com as disposições da Diretiva 2011/95 e da Diretiva 2013/32, se a pessoa em causa preenche as condições materiais necessárias para poder beneficiar do estatuto de refugiado, assegurando simultaneamente o respeito do princípio da boa administração e tendo especificamente em conta o facto de o pedido apresentado pela pessoa em causa já ter sido analisado pelas autoridades de outro Estado‑Membro, uma vez que esse facto constitui um elemento pertinente do pedido na aceção do artigo 4.°, n.° 1, Diretiva 2011/95. As autoridades competentes que procedem a essa apreciação devem dar prioridade à análise do pedido e considerar a aplicação do artigo 34.° do Regulamento n.° 604/2013, que prevê mecanismos de intercâmbio de informações entre os Estados‑Membros, devendo o primeiro Estado‑Membro responder a todos os pedidos de informação do segundo Estado‑Membro num prazo significativamente mais curto do que o aplicável em circunstâncias normais.


1      Língua original: inglês.


2      V. Acórdão de 19 de março de 2019, Ibrahim e o. (C‑297/17, C‑318/17, C‑319/17 e C‑438/17, EU:C:2019:219, n.º 101), e Despacho de 13 de novembro de 2019, Hamed e Omar (C‑540/17 e C‑541/17, EU:C:2019:964, n.º 43).


3      Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31; a seguir «Regulamento Dublim III»).


4      Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60; a seguir «Diretiva Procedimentos»).


5      Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9; a seguir «Diretiva Qualificação»).


6      V. processos El Baheer (C‑288/23), Cassen (C‑551/23) e Conclusões do advogado‑geral J. Richard de la Tour no processo Generalstaatsanwaltschaft Hamm (Pedido de extradição de um refugiado para a Turquia) (C‑352/22, EU:C:2023:794) e, para uma descrição mais pormenorizada, nota 33 das referidas conclusões.


7      Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, n.º 2545, p. 150, que entrou em vigor em 22 de abril de 1954.


8      Despacho de 13 de novembro de 2019 (C540/17 e C‑541/17, EU:C:2019:964).


9      Esta última questão decorre da questão prejudicial e o Tribunal de Justiça convidou as partes na audiência a apresentarem as suas observações sobre este tema.


10      V., para o efeito, Parecer 2/13 (Adesão da União Europeia à CEDH), de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454, n.º 168).


11      Acórdão de 19 de março de 2019, Ibrahim e o. (C‑297/17, C‑318/17, C‑319/17 e C‑438/17, EU:C:2019:219, n.º 83).


12      Ibidem, n.º 85. Essa Convenção foi assinada em Roma, em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).


13      Acórdão de 21 de dezembro de 2011, N.S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865, n.º 81, a seguir «Acórdão N.S. e o.»).


14      A expressão «circunstâncias excecionais» é sublinhada no Parecer 2/13 (Adesão da União Europeia à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, (EU:C:2014:2454, ponto 191), e no Acórdão de 19 de março de 2019, Ibrahim e o. (C‑297/17, C‑318/17, C‑319/17 e C‑438/17, EU:C:2019:219, n.° 84), no qual o Tribunal de Justiça afirma que o princípio da confiança mútua impõe a cada um desses Estados‑Membros, designadamente no que respeita ao espaço de liberdade, segurança e justiça, que considere, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os restantes Estados‑Membros respeitam o direito da União e, muito particularmente, os direitos fundamentais reconhecidos por esse direito. O sublinhado é meu.


15      V., neste sentido, Acórdão de 19 de março de 2019, Jawo (C‑163/17, EU:C:2019:218, n.º 84 e jurisprudência referida).


16      V. considerando 5 do Regulamento Dublim III. 


17      V. Acórdão N.S. e o., n.º 81.


18      Regulamento (CE) n.º 343/2003 do Conselho, de 18 de fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro (JO 2003, L 50, p. 1).


19      Acórdão N.S. e o., n.º 94.


20      Devo acrescentar que, no seu Acórdão seminal de 16 de fevereiro de 2017, C.K. e outros, (C‑578/16 PPU, EU:C:2017:127), o Tribunal de Justiça matizou o requisito das falhas sistémicas, sustentando que uma transferência em si pode acarretar um risco real de tratos desumanos ou degradantes na aceção do artigo 4.° da Carta, nos casos em que a transferência de um requerente de asilo implique o risco real e comprovado de uma degradação significativa e irremediável do seu estado de saúde. Por conseguinte, esse risco pode existir, independentemente da qualidade do acolhimento e dos cuidados disponíveis no Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido.


21      Em todo o caso, se a competência das autoridades alemãs não se basear no artigo 3.°, n.º 2, terceiro parágrafo, do Regulamento Dublim III, essas autoridades podem, todavia, basear a sua competência no artigo 17.°, n.º 1, do mesmo regulamento. Não vejo nenhuma razão pela qual a «cláusula discricionária» estabelecida nesse preceito não pudesse ser aplicável no cenário do Acórdão N.S. e o. Pode ser esse o caso, por exemplo, quando tais autoridades não queiram seguir os critérios enunciados no capítulo III do referido regulamento, preferindo, em vez disso, exercer o seu poder discricionário para se tornarem o Estado‑Membro responsável pela análise do pedido de asilo em causa. Importa, porém, observar que esta disposição não é invocada nos autos do presente processo.


22      Acórdãos de 19 de março de 2019, Ibrahim e o. (C‑297/17, C‑318/17, C‑319/17 e C‑438/17, EU:C:2019:219, n.º 76), e de 22 de fevereiro de 2022, Commissaire général aux réfugiés et aux apatrides (Unidade familiar — Proteção já concedida) (C‑483/20, EU:C:2022:103, n.º 23).


23      V., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Commissaire général aux réfugiés et aux apatrides 2022, Commissaire général aux réfugiés et aux apatrides (Unidade familiar — Proteção já concedida) (C‑483/20, EU:C:2022:103, n.os 28 e 29).


24      V., neste sentido, Acórdão N.S. e o., n.os 78 a 80. V. também Acórdãos de 19 de março de 2019, Ibrahim e o., (C‑297/17, C‑318/17, C‑319/17 e C‑438/17, EU:C:2019:219, n.° 85) e de 22 de fevereiro de 2022, Commissaire général aux réfugiés et aux apatrides (Unidade familiar — Proteção já concedida) (C‑483/20, EU:C:2022:103, n.º 29).


25      V., neste sentido, Acórdão de 19 de março de 2019, Ibrahim e o. (C‑297/17, C‑318/17, C‑319/17 e C‑438/17, EU:C:2019:219, n.os 83 a 94), e despacho de 13 de novembro de 2019, Hamed e Omar (C‑540/17 e C‑541/17, EU:C:2019:964, n.os 34 a 36).


26      V., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Commissaire général aux réfugiés et aux apatrides (Unidade familiar — Proteção já concedida) (C‑483/20, EU:C:2022:103, n.º 31).


27      V. n.º 28, supra.


28      Para uma análise crítica da definição do conceito de confiança mútua, v. Xanthopoulou, E., «Mutual trust and rights in EU criminal and asylum law: Three phases of evolution and the uncharted territory beyond blind trust», Common Market Law Review, 2018, Vol. 55, n.º 2, 2018, pp. 489 a 509.


29      V. Lenaerts, K., «La vie après l’avis: Exploring the principle of mutual (yet not blind) trust», Common Market Law Review, 2017, vol. 54, n.º 3, pp. 805 a 840.


30      V., neste sentido, Acórdão N.S. e o., n.º 106.


31      V. Acórdão do TEDH de 21 de janeiro de 2011, M.S.S. c. Bélgica e Grécia (CE:ECHR:2011:0121JUD003069609), que compreende duas alegações separadas relativas à perceção das falhas dos procedimentos de asilo e das condições de detenção e de vida contrárias à CEDH.


32      Hoogenboom, A., «Origin and Meaning of Mutual Recognition as Foundational Principle in the European Integration Process», Europarättslig Tidskrift, Vol. 17, n.° 2, 2014, pp. 237 a 265, disponível em: https://ssrn.com/abstract=2477453).


33      No entanto, no domínio do mercado interno, o princípio do reconhecimento mútuo não é automático por natureza (v., por exemplo, Janssens, C.. «The principle of mutual recognition in EU law», OUP Oxford, 2013, Parte I, capítulos 2 e 4).


34      V. Mitsilegas, V., Mutual Recognition of Positive Asylum Decisions in the European Union, disponível em https://free‑group.eu/2015/05/12/mutual‑recognition‑of‑positive‑asylum‑decisions‑in‑the‑european‑union/.


35      V. artigo 78.°, n.º 2, alíneas a) e b), TFUE.


36      V., por analogia, artigo 67.°, n.os 3 e 4, TFUE, sobre o reconhecimento de certas decisões judiciais e extrajudiciais, que referem expressamente o reconhecimento mútuo, e artigo 82.°, n.º 1, TFUE, que dispõe que «[a] cooperação judiciária em matéria penal na União assenta no princípio do reconhecimento mútuo das sentenças». V. igualmente artigo 53.°, n.º 1, TFUE, que diz respeito ao reconhecimento mútuo dos diplomas e títulos. Pelo contrário, o artigo 78.º TFUE não contém nenhuma referência ao reconhecimento mútuo das decisões que concedem proteção internacional.


37      V., no que respeita à livre circulação de trabalhadores, artigo 45.° TFUE; à liberdade de estabelecimento, artigo 49.° TFUE; e à livre prestação de serviços, artigo 56.° TFUE. Relativamente às disposições do Tratado em matéria de livre circulação como base jurídica mais adequada para o princípio do reconhecimento mútuo, v. Janssens, C., citado na nota de rodapé 34 supra, p. 29.


38      V., por exemplo, Acórdãos de 4 de dezembro de 1974, Van Duyn (41/74, EU:C:1974:133), relativo à livre circulação de trabalhadores; de 21 de junho de 1974, Reyners (2/74, EU:C:1974:68), relativo à liberdade de estabelecimento, e de 3 de dezembro de 1974, van Binsbergen (33/74, EU:C:1974:131), relativo à livre prestação de serviços.


39      V. Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe no processo Commissaire général aux réfugiés et aux apatrides (Unidade familiar — Proteção já concedida) (C‑483/20, EU:C:2021:780, n.º 42), nas quais alega que o artigo 33.°, n.º 2, alínea a), da Diretiva Procedimentos «constitui uma forma de reconhecimento implícito da apreciação correta pelo primeiro Estado‑Membro da fundamentação do pedido de proteção internacional». O sublinhado é meu.


40      V., a título de exemplo, Acórdão de 14 de maio de 2019, M e o. (Revogação do estatuto de refugiado) (C‑391/16, C‑77/17 e C‑78/17, EU:C:2019:403, n.º 72).


41      Por outras palavras, embora se possa sustentar que o artigo 78.°, n.º 2, TFUE atribui ao legislador da União o poder de «aplicar» e não de criar um «estatuto uniforme», e que o estatuto uniforme é inerente ao princípio da confiança mútua, na minha opinião a redação e a estrutura do artigo 78.°, n.os 1 e 2, TFUE deixam claro que não foi essa a intenção dos autores do Tratado.


42      V., a título de analogia, Acórdão de 15 de janeiro de 2014, Association de médiation sociale (C‑176/12, EU:C:2014:2, n.º 45).


43      V. igualmente redação do artigo 3.°, n.º 2, TUE, que faz referência a «medidas adequadas», nomeadamente em matéria de asilo.


44      Kamminga, M. , «Extraterritoriality», in R. Wolfrum (E.), The Max Planck Encyclopedia of Public International Law, Oxford University Press, 2020, disponível em https://opil.ouplaw.com/display/10.1093/law:epil/9780199231690/law‑9780199231690‑e1040?print. V. também Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), Note on the Extraterritorial Effect of the Determination of Refugee Status under [Geneva] Convention and the 1967 Protocol Relating to the Status of Refugees, EC/SCP/9, 24 de agosto de 1978.


      Porém, existem exceções a este princípio. V., Milanović, M., From Compromise to Principle: Clarifying the Concept of State Jurisdiction in Human Rights Treaties, Human Rights Law Review, Vol. 8, n.º 3, 2008, pp. 411‑448, disponível em https://doi.org/10.1093/hrlr/ngn021.


45      V. Acórdão TEDH de 5 de março de 2020, M.N. e o. c. Bélgica (3599/18, ECLI:CE:ECHR:2020:0505DEC000359918, §§ 98 a 102), que dizia respeito à questão de saber se o pedido de visto humanitário de uma família síria na embaixada belga em Beirute (Líbano) desencadeava as obrigações do Estado requerido em matéria de direitos humanos. A Grande Secção do TEDH não só recordou que a competência jurisdicional de um Estado para efeitos do artigo 1.º é «essencialmente territorial», mas também sublinhou a sua abordagem segundo a qual qualquer exercício extraterritorial de competência é «regra geral, definido e limitado pelos direitos territoriais soberanos dos outros Estados interessados». V. também Gammeltoft‑Hansen, T., Tan, N. F., «Adjudicating old questions in refugee law: MN and Others v Belgium and the limits of extraterritorial refoulement», European Migration Law Blog, 2020. Disponível em https://eumigrationlawblog.eu/.


46      O TEDH considerou que é necessário verificar se o princípio do reconhecimento mútuo não é aplicado de forma automática e mecânica em detrimento dos direitos fundamentais (Acórdão do TEDH de 23 de maio de 2016, Avotiņš c. Letónia, n.º 17502/07, §§ 105, 1 a 27, § 116). Na sua declaração de voto concordante no Acórdão TEDH de 9 de julho de 2019, Romeo Castaño c. Bélgica (ECLI:CE:ECHR:2019:0709JUD000835117), o juiz Spano refere‑se aos «mecanismos de reconhecimento mútuo da União».


47      Versão consolidada do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia — Protocolo (n.º 24) relativo ao direito de asilo de nacionais dos Estados‑Membros da União Europeia (JO 2016, C 202, p. 204).


48      V., nomeadamente, Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257, n.º 44 e jurisprudência referida).


49      V. Conclusões do advogado‑geral J. Richard de la Tour no processo Generalstaatsanwaltschaft Hamm (Pedido de extradição de um refugiado para a Turquia) (C‑352/22, EU:C:2023:794, n.º 65).


50      Na audiência do presente processo, o Governo Italiano invocou o Acórdão de 1 de agosto de 2022, Bundesrepublik Deutschland (Filho de refugiados, nascido fora do Estado de acolhimento) (C‑720/20, EU:C:2022:603, n.º 42), no qual o Tribunal de Justiça declarou que a «redação clara» de uma disposição do Regulamento Dublim III «não se pode derrogar» para preservação do objetivo de evitar movimentos secundários durante o processo de asilo na União Europeia. Segundo este Governo, esta apreciação pode ser interpretada no sentido de que o «princípio geral» do reconhecimento mútuo não pode ser derrogado para prosseguir o objetivo de evitar os movimentos secundários. Todavia, devo salientar que o Governo Italiano não referiu a «redação clara» relativa ao reconhecimento mútuo do estatuto de refugiado em nenhuma disposição primária ou secundária do direito da União, mas mencionou o artigo 78.°, n.º 2, alínea a), TFUE, em especial a redação que permite a adoção pelo legislador da União de medidas de execução de um estatuto uniforme.


51      V. Acórdão de 1 de agosto de 2022, Bundesrepublik Deutschland (Filho de refugiados, nascido fora do Estado de acolhimento) (C‑720/20, EU:C:2022:603, n.º 33).


52      V. também Acórdãos de 26 de julho de 2017, A.S. (C‑490/16, EU:C:2017:585), e de 26 de julho de 2017, Jafari  (C‑646/16, EU:C:2017:586), nos quais o Tribunal de Justiça rejeitou os argumentos da advogada‑geral E. Sharpston a favor da não aplicação do Regulamento Dublim III nas circunstâncias excecionais da crise dos refugiados de 2015.


53      Artigo 1.° do Regulamento Dublim III.


54      V., por exemplo, artigo 18. º, n.º 1, do Regulamento Dublim III.


55      Mitsilegas, V., «Humanizing solidarity in European refugee law: The promise of mutual recognition», Maastricht Journal of European and Comparative Law, Vol. 24, n.° 5, 2017, pp. 721 a 739.


56      Vavoula, N., «Information Sharing in the Dublin System: Remedies for Asylum Seekers In‑Between Gaps in Judicial Protection and Interstate Trust», German Law Journal, vol. 22 (3), 2021, p. 381-415.


57      Mitsilegas, V., Humanizing solidarity in European refugee law: The promise of mutual recognition, citado na nota n.º 55, supra.


58      V., nomeadamente, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Um espaço de liberdade, de segurança e de justiça ao serviço dos cidadãos, (COM/2009/0262 final), p. 27 e 28.


59      V. considerando 7 do Regulamento Dublim III.


60      V., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, A (C‑404/17, EU:C:2018:588, n.º 30), bem como Conclusões do advogado‑geral G. Hogan no processo Addis (C‑517/17, EU:C:2020:225, n.º 74).


61      Ver n.os 38 a 40, supra.


62      V. n.º 58, supra.


63      Despacho de 13 de novembro de 2019, Hamed e Omar (C‑540/17 e C‑541/17, EU:C:2019:964, n.º 42). O sublinhado é meu.


64      V. considerandos 5, 6 e 9 da Diretiva Qualificação. Nos termos do seu artigo 1.°, a referida diretiva estabelece normas relativas, por um lado, à qualificação dos nacionais de países terceiros ou dos apátridas como beneficiários de proteção internacional, por outro, a um estatuto uniforme dos refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e, por último, ao conteúdo da proteção concedida.


65      Inspirando‑se nas conclusões da reunião do Conselho Europeu em Tampere, o considerando 3 da Diretiva Qualificação acrescenta que o legislador da União pretendeu assegurar que o sistema europeu de asilo, que esta diretiva ajuda a definir, se baseia na aplicação integral e global da Convenção de Genebra. Além disso, várias disposições da Diretiva Qualificação remetem para disposições dessa convenção [v. artigo 9.°, n.º 1, artigo 12.°, n.º 1, alínea a), artigo 14.°, n.º 6, e artigo 25.°, n.º 1, da Diretiva Qualificação] ou reproduzem o seu conteúdo [v., designadamente, artigo 2.°, alínea d), artigo 11.°, artigo 12.°, n.º 2, e artigo 21.°, n.º 2, da Diretiva Qualificação].


66      V. considerando 12 da Diretiva Qualificação.


67      V. Acórdão de 14 de maio de 2019, M e o. (Revogação do estatuto de refugiado), (C‑391/16, C‑77/17 e C‑78/17, EU:C:2019:403, n.º 89 e jurisprudência referida).


68      V. artigos 22.° a 30.° da Diretiva Qualificação.


69      V. também artigo 28.° da Convenção de Genebra, segundo o qual o estatuto de refugiado deve ser aceite por outro Estado contratante.


70      V. Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44), conforme alterada pela Diretiva 2011/51/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2011 (JO 2011, L 132, p. 1).


71      V., neste sentido, Acórdão de 24 de fevereiro de 2021, M e o. (Transferência para um Estado‑Membro) (C‑673/19, EU:C:2021:127, n.° 30 e jurisprudência referida).


72      Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que, no que diz respeito à Diretiva 2003/109, o segundo Estado‑Membro deve verificar se esse nacional de um país terceiro preenche as condições para obter uma autorização de residência ou a sua renovação. Esse pode ser o caso mesmo que o nacional possua uma autorização de residência válida noutro Estado‑Membro pelo facto de este lhe ter concedido o estatuto de refugiado [v., neste sentido, Acórdão de 29 de junho de 2023, Stadt Frankfurt am Main e Stadt Offenbach am Main (Renovação de uma autorização de residência no segundo Estado‑Membro) (C‑829/21 e C‑129/22, EU:C:2023:525)]. Esta diretiva exige, portanto, que o segundo Estado‑Membro reconheça a existência de uma autorização de residência concedida no primeiro Estado‑Membro, mas cabe a este último verificar se a pessoa em causa preenche as condições materiais para a concessão de uma autorização de residência. Por outras palavras, o segundo Estado‑Membro pode impor condições de residência, incluindo o cumprimento das condições de integração.


73      V. n.º 69, supra.


74      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 96).


75      Além disso, nos termos do artigo 4.°, n.º 3, alíneas a) a c), da Diretiva Qualificação, a apreciação do pedido de proteção internacional deve ser efetuada a título individual e ter em conta todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem à data da «nova» decisão, as declarações e a documentação que comprovam a perseguição ou ofensa grave, bem como a situação e as circunstâncias pessoais do requerente.


76      Acórdão de 15 de abril de 2021, État belge (Elementos posteriores à decisão de transferência) (C‑194/19, EU:C:2021:270, n.º 42 e jurisprudência referida). No entanto, esta questão não constitui o objeto do presente processo, pelo que não é discutida nas presentes conclusões.


77      V., por exemplo, Acórdão de 8 de maio de 2014, N. (C‑604/12, EU:C:2014:302, n.os 49 e 50), no qual o Tribunal de Justiça aplicou o princípio da boa administração a um procedimento de concessão de proteção subsidiária.


78      V. artigo 34.°, n.º 1, do Regulamento Dublim III.


79      V. n.º 44 sobre a distinção entre a perda de confiança relativamente às condições de vida e a perda de confiança relativamente aos procedimentos de asilo.


80      V. artigo 20.°, n.º 1, do Regulamento Dublim III, que apoia esta exigência. V. também ACNUR, Improving the quality of decisionmaking, Refugee Status Determination, 2016, p. 5, EC/67/SC/CRP.12.


81      O artigo 31.°, n.º 3, da Diretiva Procedimentos deixa claro que «[n]o caso de um pedido sujeito o procedimento estabelecido no [Regulamento Dublim III], o prazo de seis meses começa a contar do momento em que o Estado‑Membro responsável pela sua análise for determinado, nos termos desse regulamento, e o requerente se encontrar no território desse Estado‑Membro e tiver sido tomado a cargo pela autoridade competente». No caso em apreço, esta disposição exige que a Alemanha trate o pedido de QY no prazo de seis meses a contar da determinação de que a Alemanha é o Estado‑Membro responsável pelo tratamento do seu pedido.


82      Se o intercâmbio de informações não puder ser efetuado no prazo de cinco semanas, nessa altura o segundo Estado‑Membro pode tomar uma decisão independente sobre o pedido.


83      Importa referir o dever da cooperação de boa‑fé consagrado no artigo 4.°, n.º 3, TUE.