Language of document : ECLI:EU:C:2024:97

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

30 de janeiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais para efeitos de luta contra as infrações penais — Diretiva (UE) 2016/680 — Artigo 4.o, n.o 1, alíneas c) e e) — Minimização dos dados — Limitação da conservação — Artigo 5.o — Prazos adequados para o apagamento ou para a avaliação periódica da necessidade da conservação — Artigo 10.o — Tratamento de dados biométricos e genéticos — Caráter estritamente necessário — Artigo 16.o, n.os 2 e 3 — Direito ao apagamento — Limitação do tratamento — Artigo 52.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Pessoa singular condenada por uma sentença transitada em julgado e posteriormente reabilitada — Prazo de conservação dos dados até à morte — Inexistência de direito ao apagamento ou à limitação do tratamento — Proporcionalidade»

No processo C‑118/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária), por Decisão de 10 de janeiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de fevereiro de 2022, no processo

NG,

contra

Direktor na Glavna direktsia «Natsionalna politsia» pri Ministerstvo na vatreshnite raboti – Sofia,

sendo interveniente:

Varhovna administrativna prokuratura,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, K. Jürimäe, N. Piçarra e O. Spineanu‑Matei, presidentes de secção, M. Ilešič, J.‑C. Bonichot, L. S. Rossi, I. Jarukaitis, A. Kumin, N. Jääskinen, N. Wahl e D. Gratsias (relator), juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: R. Stefanova‑Kamisheva, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de fevereiro de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de NG, por P. Kuyumdzhiev, advokat,

–        em representação do Governo Búlgaro, por M. Georgieva, T. Mitova e E. Petranova, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Checo, por O. Serdula, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação da Irlanda, por M. Browne, A. Joyce e M. Tierney, na qualidade de agentes, assistidos por D. Fennelly, BL,

–        em representação do Governo Espanhol, por A. Ballesteros Panizo e J. Rodríguez de la Rúa Puig, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Neerlandês, por A. Hanje, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, D. Łukowiak e J. Sawicka, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Bouchagiar, C. Georgieva, H. Kranenborg e F. Wilman, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de junho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o da Diretiva (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas autoridades competentes para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais, e à livre circulação desses dados, e que revoga a Decisão‑Quadro 2008/977/JAI do Conselho (JO 2016, L 119, p. 89), lido em conjugação com o artigo 13.o, n.o 2, alínea b), e n.o 3, desta diretiva.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe NG ao Direktor na Glavna direktsia «Natsionalna politsia» pri Ministerstvo na vatreshnite raboti – Sofia (Diretor da Direção‑Geral «Polícia Nacional» do Ministério da Administração Interna, Bulgária) (a seguir «DGPN») a respeito do indeferimento, por este último, do pedido de NG para o apagar do registo nacional em que as autoridades policiais búlgaras inscrevem as pessoas acusadas de terem cometido uma infração penal dolosa abrangida pela ação pública (a seguir «registo policial»), pedido esse que se baseia na reabilitação de que beneficiou após ter sido objeto de uma condenação penal transitada em julgado.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 11, 14, 26, 27, 37, 47 e 104 da Diretiva 2016/680 enunciam:

«(11)      Por conseguinte, [os domínios da cooperação judiciária em matéria penal e da cooperação policial] deverão ser objeto de uma diretiva que estabeleça regras específicas relativas à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas autoridades competentes para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais, incluindo a salvaguarda e a prevenção de ameaças à segurança pública, no respeito da natureza específica dessas atividades. […]

[…]

(14)      Uma vez que a presente diretiva não deverá aplicar‑se ao tratamento de dados pessoais efetuado no exercício de atividades não sujeitas ao direito da União, não deverão ser consideradas atividades abrangidas pela presente diretiva as atividades relacionadas com a segurança nacional […].

[…]

(26)      […] É especialmente necessário garantir que os dados pessoais recolhidos não sejam excessivos nem conservados durante mais tempo do que o necessário para os efeitos para os quais são tratados. Os dados pessoais apenas deverão ser tratados se a finalidade do tratamento não puder ser atingida de forma razoável por outros meios. A fim de assegurar que os dados são conservados apenas durante o período considerado necessário, o responsável pelo tratamento deverá fixar prazos para o seu apagamento ou revisão periódica. […]

(27)      Para efeitos de prevenção, investigação ou repressão de infrações penais, é necessário que as autoridades competentes tratem os dados pessoais, recolhidos no contexto da prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais específicas para além desse contexto, a fim de obter uma melhor compreensão das atividades criminais e de estabelecer ligações entre as diferentes infrações penais detetadas.

[…]

(37)      Os dados pessoais que sejam, pela sua natureza, especialmente sensíveis do ponto de vista dos direitos e liberdades fundamentais, merecem uma proteção especial, dado que o contexto do tratamento desses dados pode implicar riscos significativos para os direitos e liberdades fundamentais. […]

[…]

(47)      […] As pessoas singulares deverão ter direito a que o tratamento seja limitado […] quando os dados pessoais tiverem de ser conservados para efeitos de prova. Em particular, os dados pessoais não deverão ser apagados, mas apenas limitados se, num dado caso, existirem motivos razoáveis para crer que o seu apagamento poderá prejudicar interesses legítimos do titular. Nesse caso, os dados limitados só deverão ser tratados para a finalidade que impediu o seu apagamento. […]

[…]

(104)      A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos na [Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir “Carta”)], consagrados pelo TFUE, nomeadamente o direito ao respeito da vida privada e familiar, o direito à proteção dos dados pessoais e o direito à ação e a um tribunal imparcial. As restrições introduzidas em relação a estes direitos são conformes com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, uma vez que são necessárias para cumprir os objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou para satisfazer a necessidade de proteger os direitos e as liberdades de outrem.»

4        O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objeto e objetivos», dispõe, no seu n.o 1:

«A presente diretiva estabelece as regras relativas à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas autoridades competentes para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais, incluindo a salvaguarda e prevenção de ameaças à segurança pública.»

5        O artigo 2.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê, nos seus n.os 1 e 3:

«1.      A presente diretiva aplica‑se ao tratamento de dados pessoais pelas autoridades competentes para os efeitos estabelecidos no artigo 1.o, n.o 1.

[…]

3.      A presente diretiva não se aplica ao tratamento de dados pessoais:

a)      Efetuado no exercício de atividades não sujeitas à aplicação do direito da União;

[…]»

6        Nos termos do artigo 3.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Definições»:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

2.      “Tratamento”, uma operação ou um conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais ou sobre conjuntos de dados pessoais […], tais como […] a conservação […];

[…]»

7        O artigo 4.o da Diretiva 2016/680, sob a epígrafe «Princípios relativos ao tratamento de dados pessoais», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros preveem que os dados pessoais sejam:

[…]

c)      Adequados, pertinentes e limitados ao mínimo necessário relativamente às finalidades para as quais são tratados;

[…]

e)      Conservados de forma a permitir a identificação dos titulares dos dados apenas durante o período necessário para as finalidades para as quais são tratados;

[…]»

8        O artigo 5.o desta diretiva, sob a epígrafe «Prazos para a conservação e avaliação», tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros preveem prazos adequados para o apagamento dos dados pessoais ou para a avaliação periódica da necessidade de os conservar. Devem ser previstas regras processuais que garantam o cumprimento desses prazos.»

9        O artigo 10.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Tratamento de categorias especiais de dados pessoais», tem a seguinte redação:

«O tratamento de dados […] genéticos [e] dados biométricos destinados a identificar uma pessoa singular de forma inequívoca […] só é autorizado se for estritamente necessário, se estiver sujeito a garantias adequadas dos direitos e liberdades do titular dos dados […]»

10      O artigo 13.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Informações a facultar ou a fornecer ao titular dos dados», dispõe, no seu n.o 2, que, para além das informações a que se refere o seu n.o 1, os Estados‑Membros preveem, por lei, que o responsável pelo tratamento forneça ao titular dos dados, em determinados casos, as seguintes informações adicionais, a fim de lhe permitir exercer os seus direitos. Entre essas informações adicionais figura, nomeadamente, na alínea b) do referido n.o 2, o prazo de conservação dos dados pessoais ou, se tal não for possível, os critérios usados para definir esse período. Por outro lado, o artigo 13.o, n.o 3, da Diretiva 2016/680 indica os motivos pelos quais os Estados‑Membros podem adotar medidas legislativas que prevejam o adiamento, a limitação ou a não prestação aos titulares dos dados das informações a que se refere o n.o 2.

11      O artigo 14.o da Diretiva 2016/680, sob a epígrafe «Direito de acesso do titular dos dados aos seus dados pessoais», dispõe:

«Sem prejuízo do artigo 15.o, os Estados‑Membros preveem que o titular dos dados tenha o direito de obter do responsável pelo tratamento a confirmação de que os dados pessoais que lhe dizem respeito estão ou não a ser objeto de tratamento e, em caso afirmativo, acesso aos seus dados pessoais e às seguintes informações:

[…]

d)      Sempre que possível, o prazo previsto de conservação dos dados pessoais ou, se tal não for possível, os critérios usados para fixar esse prazo;

[…]»

12      O artigo 16.o desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de retificação ou apagamento dos dados pessoais e limitação do tratamento», dispõe, nos seus n.os 2 e 3:

«2.      Os Estados‑Membros exigem que o responsável pelo tratamento apague os dados pessoais sem demora injustificada e preveem que o titular dos dados tenha o direito de obter sem demora injustificada do responsável pelo tratamento o apagamento dos dados pessoais que lhe digam respeito caso o tratamento infrinja as disposições adotadas nos termos dos artigos 4.o, 8.o ou 10.o, ou caso os dados pessoais tenham de ser apagados a fim de cumprir uma obrigação legal a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito.

3.      Em vez de proceder ao apagamento, o responsável pelo tratamento limita o tratamento caso:

a)      O titular dos dados conteste a exatidão dos dados pessoais e a sua exatidão ou inexatidão não possa ser apurada; ou

b)      Os dados pessoais tenham de ser conservados para efeitos de prova.

[…]»

13      Nos termos do artigo 20.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Proteção de dados desde a conceção e por defeito», os Estados‑Membros preveem que o responsável pelo tratamento aplique as medidas técnicas e organizativas adequadas a fim de satisfazer os requisitos da mesma diretiva e de proteger os direitos dos titulares dos dados e, nomeadamente, que assegurem, por defeito, que apenas são tratados os dados pessoais necessários para cada finalidade específica do tratamento.

14      O artigo 29.o da Diretiva 2016/680, sob a epígrafe «Segurança do tratamento», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros preveem que o responsável pelo tratamento e o subcontratante, tendo em conta as técnicas mais avançadas, os custos da sua aplicação e a natureza, o âmbito, o contexto e as finalidades do tratamento dos dados, bem como os riscos de probabilidade e gravidade variáveis que este tratamento representa para os direitos e liberdades das pessoas singulares, apliquem medidas técnicas e organizativas adequadas a fim de assegurar um nível de segurança adequado ao risco, em especial no que respeita ao tratamento das categorias especiais de dados pessoais a que se refere o artigo 10.o»

 Direito búlgaro

 Código Penal

15      O artigo 82.o, n.o 1, do Nakazatelen kodeks (Código Penal, DV n.o 26, de 2 de abril de 1968), na versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõe:

«A pena aplicada não é executada quando tiverem decorrido:

1.      vinte anos, se a pena for a prisão perpétua não comutável ou a prisão perpétua;

2.      quinze anos, se a pena aplicável for uma prisão superior a dez anos;

3.      dez anos, se a pena for uma prisão de três a dez anos;

4.      cinco anos, se a pena for inferior a três anos de prisão, e

5.      dois anos, para todos os outros casos.»

16      O artigo 85.o, n.o 1, deste código prevê:

«A reabilitação apaga a condenação e revoga, para o futuro, os efeitos que as leis atribuem à própria condenação, salvo lei ou decreto em contrário.»

17      O artigo 88.o‑A do referido código tem a seguinte redação:

«Quando tenha decorrido um prazo igual ao previsto no artigo 82.o, n.o 1, desde que a pena foi cumprida e a pessoa condenada não tenha cometido uma nova infração penal dolosa abrangida pela ação pública punida com pena de prisão, a condenação e as suas consequências são apagadas sem prejuízo de qualquer disposição prevista noutra lei ou noutro decreto.»

 Lei relativa ao Ministério da Administração Interna

18      O artigo 26.o da Zakon za Ministerstvoto na vatreshnite raboti (Lei relativa ao Ministério da Administração Interna, DV n.o 53, de 27 de junho de 2014), na versão aplicável ao litígio do processo principal (a seguir «Lei relativa ao Ministério da Administração Interna»), dispõe:

«(1)      Quando tratam dados pessoais relacionados com as atividades de proteção da segurança nacional, de combate à criminalidade, de manutenção da ordem pública e de condução de processos penais, as autoridades do Ministério da Administração Interna:

[…]

3.      podem tratar todas as categorias necessárias de dados pessoais;

[…]

(2)      Os prazos para a conservação dos dados referidos no n.o 1 ou para a avaliação periódica da necessidade do seu armazenamento são fixados pelo Ministro da Administração Interna. Esses dados são igualmente apagados por força de um ato judicial ou de uma decisão da Comissão de Proteção dos Dados Pessoais.»

19      Nos termos do artigo 27.o da Lei relativa ao Ministério da Administração Interna:

«Os dados provenientes da inscrição das pessoas no registo policial efetuada com base no artigo 68.o apenas são utilizados para efeitos da proteção da segurança nacional, do combate à criminalidade e da manutenção da ordem pública.»

20      O artigo 68.o desta lei tem a seguinte redação:

«(1)      As autoridades policiais inscrevem no registo policial as pessoas constituídas arguidas pela prática de uma infração dolosa objeto da ação pública. As autoridades responsáveis pelo inquérito estão obrigadas a tomar as medidas necessárias para efeitos da inscrição no registo pelas autoridades policiais.

(2)      A inscrição no registo policial constitui um tipo de tratamento de dados pessoais das pessoas referidas no n.o 1, que é efetuado nos termos da presente lei.

(3)      Para efeitos de inscrição no registo policial, as autoridades policiais devem:

1.      recolher os dados pessoais das pessoas referidas no artigo 18.o da Lei relativa aos Documentos de Identificação Búlgaros;

2.      recolher as impressões digitais das pessoas e respetiva fotografia;

3.      proceder à recolha de amostras para efeitos da elaboração de um perfil ADN das pessoas.

[…]

(6)      A inscrição no registo policial é suprimida com base numa ordem escrita do responsável pelo tratamento dos dados pessoais ou dos funcionários por ele mandatados, oficiosamente ou mediante pedido escrito e fundamentado da pessoa inscrita, quando:

1.      o registo tiver sido efetuado em violação da lei;

2.      o processo penal for arquivado, exceto nos casos previstos no artigo 24.o, n.o 3, do [Nakazatelno‑protsesualen kodeks (Código de Processo Penal)];

3.      o processo penal tiver resultado numa absolvição;

4.      a pessoa tiver sido declarada penalmente inocente e lhe tiver sido aplicada uma sanção administrativa;

5.      a pessoa morrer, caso em que o pedido pode ser apresentado pelos seus herdeiros.

[…]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

21      NG foi objeto de inscrição no registo policial, em conformidade com o artigo 68.o da Lei relativa ao Ministério da Administração Interna, no âmbito de um processo de inquérito por falso testemunho, infração penal prevista no artigo 290.o, n.o 1, do Código Penal. Na sequência desse inquérito, foi deduzida acusação contra NG e, por Sentença de 28 de junho de 2016, confirmada em sede de recurso por Sentença de 2 de dezembro de 2016, este foi declarado culpado dessa infração e condenado a uma pena suspensa de um ano. Após ter cumprido esta pena, NG beneficiou, em aplicação das disposições conjugadas do artigo 82.o, n.o 1, e do artigo 88.o‑A do Código Penal, de uma reabilitação ocorrida em 14 de março de 2020.

22      Em 15 de julho de 2020, com base nessa reabilitação, NG apresentou um pedido de apagamento da sua inscrição no registo policial à administração territorial competente do Ministério da Administração Interna.

23      Por Decisão de 2 de setembro de 2020, o DGPN indeferiu esse pedido, considerando que uma condenação penal transitada em julgado, incluindo em caso de reabilitação, não faz parte dos motivos de apagamento da inscrição no registo policial, enumerados exaustivamente no artigo 68.o, n.o 6, da Lei relativa ao Ministério da Administração Interna.

24      Por Decisão de 2 de fevereiro de 2021, o Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo da cidade de Sófia, Bulgária) negou provimento ao recurso interposto por NG contra essa decisão do DGPN por motivos, em substância, análogos aos acolhidos por este último.

25      NG recorreu desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio, o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária). O principal fundamento do recurso é relativo à violação do princípio, decorrente dos artigos 5.o, 13.o e 14.o da Diretiva 2016/680, segundo o qual o tratamento de dados pessoais resultante da respetiva conservação não pode ter uma duração ilimitada. Ora, segundo NG, em substância, é esse o caso de facto quando, na falta de um motivo de apagamento da inscrição no registo policial aplicável à hipótese de uma reabilitação, a pessoa em causa nunca possa obter o apagamento dos dados pessoais recolhidos relacionados com a infração penal pela qual foi definitivamente condenada, após ter cumprido a sua pena e ter beneficiado dessa reabilitação.

26      A este respeito, em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a inscrição no registo policial é um tratamento de dados pessoais efetuado para os efeitos enunciados no artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2016/680, e está, portanto, abrangido pelo âmbito de aplicação desta.

27      Em segundo lugar, indica que a reabilitação não faz parte dos motivos de apagamento da inscrição no registo policial, enumerados exaustivamente no artigo 68.o, n.o 6, da Lei relativa ao Ministério da Administração Interna, e que nenhum desses outros motivos é suscetível de se aplicar neste caso, pelo que é impossível, para a pessoa em causa, obter, nesse caso, o apagamento da sua inscrição nesse registo.

28      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o considerando 26 da Diretiva 2016/680 se refere a garantias para que os dados recolhidos não sejam excessivos, nem conservados por um período que exceda o necessário para os efeitos para os quais são tratados e enuncia que o responsável pelo tratamento deve fixar prazos para o seu apagamento ou revisão periódica. Além disso, deduz do considerando 34 desta diretiva que o tratamento para os efeitos enunciados no seu artigo 1.o, n.o 1, deverá abranger operações de limitação, de apagamento ou de destruição desses dados. Na sua opinião, estes princípios refletem‑se no artigo 5.o e no artigo 13.o, n.os 2 e 3, da referida diretiva.

29      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se os objetivos enunciados no número anterior se opõem a uma legislação nacional que conduz, para as autoridades competentes, a um «direito praticamente ilimitado» ao tratamento de dados para os efeitos enunciados no artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2016/680 e, para a pessoa em causa, à perda do seu direito à limitação do tratamento ou ao apagamento dos seus dados.

30      Nestas condições, o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Pode o artigo 5.o, em conjugação com o artigo 13.o, n.o 2, alínea b), e n.o 3, da [Diretiva 2016/680] ser interpretado no sentido de que permite a adoção de medidas legislativas nacionais que tenham por efeito reconhecer às autoridades nacionais competentes um direito praticamente ilimitado ao tratamento de dados pessoais para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais e/ou à [perda pela] pessoa em causa [do seu direito] à limitação do tratamento, apagamento ou destruição dos seus dados?»

 Quanto à questão prejudicial

31      Segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. Além disso, o Tribunal de Justiça pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência no enunciado da sua questão (Acórdão de 15 de julho de 2021, Ministrstvo za obrambo, C‑742/19, EU:C:2021:597, n.o 31 e jurisprudência referida).

32      No caso em apreço, a questão do órgão jurisdicional de reenvio tem origem no facto de, como resulta do pedido de decisão prejudicial e das indicações fornecidas pelo Governo Búlgaro na audiência no Tribunal de Justiça, nenhum dos motivos que justificam o apagamento dos dados pessoais que figuram no registo policial, taxativamente enumerados na Lei relativa ao Ministério da Administração Interna, ser aplicável à situação em causa no processo principal, na qual uma pessoa foi definitivamente condenada, e isto mesmo após a sua reabilitação, pelo que esses dados são conservados nesse registo e podem ser tratados pelas autoridades que a eles têm acesso sem nenhuma outra limitação temporal do que a ocorrência da morte da referida pessoa.

33      A este respeito, antes de mais, resulta da decisão de reenvio, nomeadamente das considerações resumidas no n.o 27 do presente acórdão, e dos termos da própria questão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio se interroga, em especial, sobre a compatibilidade da regulamentação nacional em causa no processo principal com o princípio da proporcionalidade. Ora, como salienta o considerando 104 da Diretiva 2016/680, as restrições introduzidas por esta diretiva ao direito à proteção dos dados pessoais, previsto no artigo 8.o da Carta, bem como aos direitos ao respeito da vida privada e familiar, à ação e a um tribunal imparcial, protegidos, respetivamente, pelos artigos 7.o e 47.o desta Carta, devem ser interpretadas em conformidade com os requisitos do seu artigo 52.o, n.o 1, que incluem o respeito deste princípio.

34      Em seguida, no enunciado da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio refere‑se, com razão, ao artigo 5.o da referida diretiva, relativo aos prazos adequados para o apagamento dos dados pessoais ou para a avaliação periódica da necessidade de conservar esses dados. Uma vez que o referido artigo 5.o está estreitamente relacionado tanto com o artigo 4.o, n.o 1, alíneas c) e e), da mesma diretiva, como com o artigo 16.o, n.os 2 e 3, desta, há que entender a questão prejudicial no sentido de que visa igualmente estas duas disposições.

35      Do mesmo modo, uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal prevê a conservação, nomeadamente, de dados biométricos e genéticos, que pertencem às categorias especiais de dados pessoais cujo tratamento é regulado especificamente no artigo 10.o da Diretiva 2016/680, há que considerar que a questão submetida visa também a interpretação desta disposição.

36      Por último, a pertinência de uma interpretação do artigo 13.o da Diretiva 2016/680 só resulta claramente do pedido de decisão prejudicial no que respeita ao seu n.o 2, alínea b). É certo que, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, o seu n.o 3 reflete igualmente os princípios enunciados, nomeadamente, no considerando 26 desta diretiva. Todavia, dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça não resulta que esteja igualmente em causa no processo principal uma medida legislativa destinada a adiar ou a limitar a prestação de informações ao titular dos dados, na aceção desse n.o 3.

37      Tendo em conta o que precede, há que considerar que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 1, alíneas c) e e), da Diretiva 2016/680, lido em conjugação com os artigos 5.o e 10.o, o artigo 13.o, n.o 2, alínea b), e o artigo 16.o, n.os 2 e 3, da mesma, e à luz dos artigos 7.o e 8.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a conservação, pelas autoridades policiais, para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais, de dados pessoais, nomeadamente de dados biométricos e genéticos, relativos a pessoas que tenham sido objeto de uma condenação penal transitada em julgado por uma infração penal dolosa abrangida pela ação pública, e isto até à morte da pessoa em causa, incluindo em caso de reabilitação desta, sem lhe reconhecer, por outro lado, o direito ao apagamento dos referidos dados ou, sendo caso disso, à limitação do seu tratamento.

38      A título preliminar, importa salientar que a questão submetida tem por objeto um tratamento de dados pessoais que responde a finalidades abrangidas, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2016/680, pelo âmbito de aplicação desta diretiva. Todavia, resulta do artigo 27.o da Lei relativa ao Ministério da Administração Interna, citado na decisão de reenvio, que os dados conservados no registo policial também podem ser objeto de tratamentos no âmbito da proteção da segurança nacional, aos quais, nos termos do artigo 2.o, n.o 3, alínea a), desta diretiva, lido à luz do seu considerando 14, esta não se aplica. Por conseguinte, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio assegurar‑se de que a conservação dos dados do recorrente no processo principal não é suscetível de responder a finalidades abrangidas pela proteção da segurança nacional, uma vez que este artigo 2.o, n.o 3, alínea a), visa uma exceção à aplicação do direito da União que deve ser objeto de interpretação estrita [v., por analogia, Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização), C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 62 e jurisprudência referida].

39      Em primeiro lugar, importa recordar que os direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais, garantidos nos artigos 7.o e 8.o da Carta, não são prerrogativas absolutas, mas devem ser tomados em consideração de acordo com a sua função na sociedade e ser objeto de ponderação juntamente com outros direitos fundamentais. Qualquer restrição ao exercício destes direitos fundamentais deve, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial dos referidos direitos fundamentais e o princípio da proporcionalidade. Por força deste último princípio, só podem ser introduzidas restrições se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros. Tais restrições devem ocorrer na estrita medida do necessário e a regulamentação que contenha as restrições em causa deve prever regras claras e precisas que regulem o alcance e a aplicação dessas restrições [v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização), C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 105 e jurisprudência referida].

40      Como sublinha, em substância, o considerando 26 da Diretiva 2016/680, estes requisitos não estão preenchidos quando o objetivo de interesse geral visado possa ser razoavelmente alcançado de forma igualmente eficaz por outros meios menos atentatórios dos direitos fundamentais dos titulares dos dados [v., por analogia, Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização), C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 110 e jurisprudência referida].

41      Em segundo lugar, antes de mais, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), da referida diretiva, os Estados‑Membros devem prever que os dados pessoais sejam adequados, pertinentes e limitados ao mínimo necessário relativamente às finalidades para as quais são tratados. Esta disposição exige, assim, o respeito, pelos Estados‑Membros, do princípio da «minimização dos dados», o qual dá expressão ao princípio da proporcionalidade [v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização), C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 98 e jurisprudência referida].

42      Daqui resulta que, nomeadamente, a recolha de dados pessoais no âmbito de um processo penal e a sua conservação pelas autoridades policiais, para efeitos enunciados no artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva, devem respeitar, como qualquer tratamento abrangido pelo seu âmbito de aplicação, esses requisitos. Tal conservação constitui, aliás, uma ingerência nos direitos fundamentais ao respeito da vida privada e à proteção dos dados pessoais, independentemente da questão de saber se as informações conservadas apresentam ou não um caráter sensível, se os interessados sofreram ou não eventuais inconvenientes em razão dessa ingerência, ou ainda se os dados conservados serão ou não utilizados posteriormente (v., por analogia, Acórdão de 5 de abril de 2022, Commissioner of An Garda Síochána e o., C‑140/20, EU:C:2022:258, n.o 44 e jurisprudência referida).

43      Além disso, no que respeita, mais precisamente, ao caráter proporcionado do prazo de conservação dos referidos dados, os Estados‑Membros devem, por força do artigo 4.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2016/680, prever que esses dados serão conservados de forma a permitir a identificação dos titulares dos dados apenas durante o período necessário para as finalidades para as quais são tratados.

44      Neste contexto, o artigo 5.o desta diretiva impõe aos Estados‑Membros que prevejam a fixação de prazos adequados para o apagamento dos dados pessoais ou para a avaliação periódica da necessidade de os conservar, bem como regras processuais que garantam o cumprimento desses prazos.

45      Como enuncia o considerando 26 da Diretiva 2016/680, esta disposição visa garantir que os dados pessoais não sejam conservados, em conformidade com os requisitos do artigo 4.o, n.o 1, alínea e), desta diretiva, durante mais tempo do que o necessário. É certo que deixa aos Estados‑Membros a incumbência de fixar prazos adequados para o período de conservação e de decidir se esses prazos dizem respeito ao apagamento dos referidos dados ou à avaliação periódica da necessidade de os conservar, desde que o respeito desses prazos seja garantido por regras processuais adequadas. Todavia, o caráter «adequado» desses prazos exige, em todo o caso, que, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, alíneas c) e e), da referida diretiva, lido à luz do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, os referidos prazos permitam, se for caso disso, o apagamento dos dados em causa no caso de a sua conservação já não ser necessária para as finalidades que justificaram o tratamento.

46      É, em especial, com vista a permitir aos titulares dos dados verificar esse caráter «adequado» e, se for caso disso, solicitar esse apagamento que o artigo 13.o, n.o 2, alínea b), e o artigo 14.o, alínea d), da Diretiva 2016/680 preveem que, em princípio, esses titulares dos dados possam ser informados, sempre que possível, do prazo de conservação dos seus dados pessoais ou, se tal não for possível, dos critérios usados para definir esse período.

47      Em seguida, o artigo 10.o da Diretiva 2016/680 constitui uma disposição específica que rege o tratamento de categorias especiais de dados pessoais, nomeadamente os dados biométricos e genéticos. Esta disposição visa assegurar uma maior proteção do titular dos dados, na medida em que, devido à sua particular sensibilidade e ao contexto do seu tratamento, os dados em causa são suscetíveis de implicar, como resulta do considerando 37 da referida diretiva, riscos significativos para os direitos e as liberdades fundamentais, como o direito ao respeito pela vida privada e o direito à proteção dos dados pessoais, garantidos pelos artigos 7.o e 8.o da Carta [Acórdão de 26 de janeiro de 2023, Ministerstvo na vatreshnite raboti (Registo de dados biométricos e genéticos pela polícia), C‑205/21, EU:C:2023:49, n.o 116 e jurisprudência referida].

48      Mais especificamente, este artigo 10.o enuncia o requisito de que o tratamento de dados sensíveis só será autorizado «se for estritamente necessário», que constitui uma condição reforçada da licitude do tratamento desses dados e implica, nomeadamente, um controlo particularmente estrito do respeito do princípio da «minimização dos dados», conforme decorre do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2016/680, do qual este requisito constitui uma aplicação específica aos referidos dados sensíveis [v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2023, Ministerstvo na vatreshnite raboti (Registo de dados biométricos e genéticos pela polícia), C‑205/21, EU:C:2023:49, n.os 117, 122 e 125].

49      Por último, o artigo 16.o, n.o 2, da Diretiva 2016/680 institui um direito ao apagamento dos dados pessoais caso o tratamento infrinja as disposições adotadas nos termos dos artigos 4.o, 8.o ou 10.o desta diretiva ou caso esses dados tenham de ser apagados a fim de cumprir uma obrigação legal a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito.

50      Decorre deste artigo 16.o, n.o 2, que este direito ao apagamento pode ser exercido, nomeadamente, quando a conservação dos dados pessoais em causa não reveste ou deixou de revestir um caráter necessário à luz das finalidades do seu tratamento, em violação das disposições de direito nacional que aplicam o artigo 4.o, n.o 1, alíneas c) e e), da referida diretiva, bem como, se for caso disso, o seu artigo 10.o, ou quando esse apagamento é exigido a fim de cumprir o prazo fixado, para este efeito, pelo direito nacional nos termos do artigo 5.o da mesma diretiva.

51      No entanto, em aplicação do artigo 16.o, n.o 3, da Diretiva 2016/680, o direito nacional deve prever que o responsável pelo tratamento limite o tratamento desses dados em vez de proceder ao seu apagamento caso, em conformidade com a alínea a) desta disposição, o titular dos dados conteste a exatidão dos dados pessoais e a sua exatidão ou inexatidão não possa ser apurada, ou caso, em conformidade com a sua alínea b), os dados pessoais tenham de ser conservados para efeitos de prova.

52      Resulta do que precede que as disposições da Diretiva 2016/680 examinadas nos números 41 a 51 do presente acórdão estabelecem um quadro geral que permite garantir, entre outros, que a conservação de dados pessoais e, mais particularmente, o seu prazo de conservação sejam limitados ao que se afigure necessário para as finalidades para as quais esses dados são conservados, deixando aos Estados‑Membros a tarefa de determinar a incumbência de determinar, no respeito desse quadro, as situações concretas em que a proteção dos direitos fundamentais do titular dos dados exige o apagamento desses dados e o momento em que este deve ocorrer. Em contrapartida, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 28 das suas conclusões, estas disposições não exigem que os Estados‑Membros definam limites temporais absolutos para a conservação dos dados pessoais, ultrapassados os quais estes devam ser automaticamente apagados.

53      No caso em apreço, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que os dados pessoais que figuram no registo policial nos termos do artigo 68.o da Lei relativa ao Ministério da Administração Interna são conservados unicamente para efeitos de investigação operacional e, mais especificamente, para serem comparados com outros dados recolhidos quando de inquéritos relativos a outras infrações.

54      A este respeito, em primeiro lugar, importa sublinhar que a conservação, num registo policial, de dados relativos a pessoas que tenham sido objeto de uma condenação penal transitada em julgado se pode revelar necessária para os fins indicados no número anterior, mesmo após essa condenação ter sido apagada do registo criminal e, consequentemente, os efeitos que a legislação nacional atribui a essa condenação terem sido revogados. Com efeito, estas pessoas podem estar implicadas no âmbito de infrações penais diferentes daquelas pelas quais foram condenadas ou podem, pelo contrário, ser ilibadas através da comparação dos dados conservados por essas autoridades com os dados recolhidos quando dos processos relativos a essas outras infrações.

55      Assim, essa conservação é suscetível de contribuir para o objetivo de interesse geral enunciado no considerando 27 da Diretiva 2016/680, segundo o qual, para efeitos de prevenção, investigação ou repressão de infrações penais, é necessário que as autoridades competentes tratem os dados pessoais, recolhidos no contexto da prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais específicas para além desse contexto, a fim de obter uma melhor compreensão das atividades criminais e de estabelecer ligações entre as diferentes infrações penais detetadas [v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2023, Ministerstvo na vatreshnite raboti (Registo de dados biométricos e genéticos pela polícia), C‑205/21, EU:C:2023:49, n.o 98].

56      Em segundo lugar, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que no registo policial em questão no processo principal são conservados os dados da pessoa em causa abrangidos pela legislação búlgara em matéria de documentos de identidade, as suas impressões digitais, a sua fotografia e uma recolha para efeitos de elaboração de perfis ADN, aos quais, como o Governo Búlgaro confirmou na audiência, acrescem os dados relativos às infrações penais cometidas pela pessoa em causa e às suas condenações a esse título. Ora, essas diferentes categorias de dados podem revelar‑se indispensáveis para verificar se a pessoa em causa está implicada em infrações penais diferentes daquelas pela qual foi definitivamente condenada. Por conseguinte, podem ser considerados, em princípio, adequados e pertinentes relativamente às finalidades para as quais são tratados, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2016/680.

57      Em terceiro lugar, a proporcionalidade desta conservação relativamente às suas finalidades deve ser apreciada tendo igualmente em conta medidas técnicas e organizativas adequadas previstas pelo direito nacional, que se destinam a assegurar a confidencialidade e a segurança dos dados conservados relativamente a tratamentos contrários aos requisitos da Diretiva 2016/680, em conformidade com os artigos 20.o e 29.o desta diretiva, e nomeadamente das medidas referidas no seu artigo 20.o, n.o 2, que asseguram que apenas são tratados os dados pessoais necessários para cada finalidade específica do tratamento.

58      Em quarto lugar, no que respeita ao prazo de conservação dos dados pessoais em causa no processo principal, resulta do pedido de decisão prejudicial que, no caso em apreço, só na hipótese de uma condenação transitada em julgado da pessoa em causa por uma infração penal dolosa abrangida pela ação pública é que a conservação dos referidos dados é mantida até à morte dessa pessoa, uma vez que a legislação nacional prevê o apagamento das inscrições das pessoas acusadas por essa infração penal nos outros casos.

59      A este respeito, impõe‑se, todavia, constatar que o conceito de «infração penal dolosa abrangida pela ação pública» reveste um caráter particularmente genérico e é suscetível de se aplicar a um grande número de infrações penais, independentemente da sua natureza e da sua gravidade [v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2023, Ministerstvo na vatreshnite raboti (Registo de dados biométricos e genéticos pela polícia), C‑205/21, EU:C:2023:49, n.o 129].

60      Ora, como, em substância, o advogado‑geral também salientou nos n.os 73 e 74 das suas conclusões, nem todas as pessoas definitivamente condenadas por uma infração penal abrangida por este conceito apresentam o mesmo grau de risco de estarem implicadas noutras infrações penais, que justifique um prazo uniforme de conservação dos dados que lhes dizem respeito. Assim, em certos casos, tendo em conta fatores como a natureza e a gravidade da infração cometida ou a inexistência de reincidência, o risco representado pela pessoa condenada não justificará necessariamente a manutenção, até à sua morte, dos dados que lhe digam respeito no registo policial previsto para esse efeito. Nesses casos, deixa de existir uma relação necessária entre os dados conservados e o objetivo prosseguido [v., por analogia, Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017, EU:C:2017:592, n.o 205]. Por conseguinte, a sua conservação não será conforme com o princípio da minimização dos dados, enunciado no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2016/680 e excederá o período necessário para as finalidades para as quais são tratados, contrariamente ao artigo 4.o, n.o 1, alínea e), desta diretiva.

61      Importa salientar, a este respeito, que é certo que, como sublinhou, em substância, o advogado‑geral no n.o 70 das suas conclusões, a reabilitação dessa pessoa, que implica o apagamento da sua condenação do seu registo criminal, como a que ocorreu no litígio no processo principal, não pode, por si só, privar de necessidade a conservação dos seus dados no registo policial, uma vez que esta última responde a finalidades diferentes das do registo dos seus antecedentes criminais no referido registo criminal. Todavia, quando, como no caso em apreço, por força das disposições aplicáveis do direito penal nacional, essa reabilitação está subordinada à não prática de uma nova infração penal dolosa abrangida pela ação pública durante um certo lapso de tempo após o cumprimento da pena, pode constituir o indício de um risco menos significativo representado pela pessoa em causa à luz dos objetivos de luta contra a criminalidade ou de manutenção da ordem pública e, portanto, um elemento suscetível de reduzir o período necessário dessa conservação.

62      Em quinto lugar, o princípio da proporcionalidade, enunciado no artigo 52.o, n.o 1, da Carta, implica, nomeadamente, uma ponderação da importância do objetivo prosseguido e da gravidade da limitação introduzida ao exercício dos direitos fundamentais em causa (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2022, Luxembourg Business Registers, C‑37/20 e C‑601/20, EU:C:2022:912, n.o 66).

63      No caso em apreço, como foi recordado no n.o 35 do presente acórdão, a conservação dos dados pessoais no registo policial em causa inclui dados biométricos e genéticos. Por conseguinte, há que sublinhar que, tendo em conta os riscos significativos que representa o tratamento desses dados sensíveis para os direitos e liberdades dos titulares dos dados, em especial no contexto das atribuições das autoridades competentes para os efeitos enunciados no artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2016/680, a importância particular do objetivo prosseguido deve ser apreciada em função de um conjunto de elementos pertinentes. Estão abrangidos por esses elementos de apreciação, nomeadamente, o facto de o tratamento servir um objetivo concreto relacionado com a prevenção de infrações penais ou de ameaças à segurança pública que apresentem um certo grau de gravidade, a repressão dessas infrações ou a proteção contra essas ameaças, bem como as circunstâncias específicas em que esse tratamento é efetuado [Acórdão de 26 de janeiro de 2023, Ministerstvo na vatreshnite raboti (Registo de dados biométricos e genéticos pela polícia), C‑205/21, EU:C:2023:49, n.o 127].

64      Neste contexto, o Tribunal de Justiça considerou que uma legislação nacional que prevê a recolha sistemática de dados biométricos e genéticos de qualquer pessoa constituída arguida por uma infração dolosa objeto de ação penal ex officio é, em princípio, contrária ao requisito da estrita necessidade, enunciado no artigo 10.o da Diretiva 2016/680 e recordado no n.o 48 do presente acórdão. Com efeito, tal legislação é suscetível de conduzir, indiferenciada e generalizadamente, à recolha dos dados biométricos e genéticos da maior parte das pessoas constituídas arguidas [v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2023, Ministerstvo na vatreshnite raboti (Registo de dados biométricos e genéticos pela polícia), C‑205/21, EU:C:2023:49, n.os 128 e 129].

65      Por seu lado, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que o caráter geral e indiferenciado do poder de conservação das impressões digitais, amostras biológicas e perfis ADN das pessoas suspeitas de terem cometido infrações mas não condenadas, conforme previsto pela regulamentação nacional em causa no processo nesse órgão jurisdicional, não traduzia um justo equilíbrio entre os interesses públicos e privados concorrentes em jogo e que, por conseguinte, a conservação desses dados constituía uma violação desproporcionada do direito dos recorrentes ao respeito da sua vida privada e não podia ser considerada necessária numa sociedade democrática, sendo, portanto, constitutiva de uma violação do artigo 8.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (TEDH, 4 de dezembro de 2008, S e Marper c. Reino Unido, CE:ECHR:2008:1204JUD003056204, §§ 125 e 126).

66      É certo que a conservação dos dados biométricos e genéticos de pessoas que já tenham sido objeto de uma condenação penal transitada em julgado, incluindo até à morte dessas pessoas, é suscetível de revestir um caráter estritamente necessário, na aceção do artigo 10.o da Diretiva 2016/680, nomeadamente para permitir verificar a sua eventual implicação noutras infrações penais e, assim, exercer a ação penal e condenar os autores dessas infrações. Com efeito, importa ter em conta a importância que reveste este tipo de dados para as investigações penais, incluindo muitos anos após os factos, em especial quando as referidas infrações constituem crimes graves (v., neste sentido, TEDH, 13 de fevereiro de 2020, Gaughran c. Reino Unido, CE:ECHR:2020:0213JUD004524515, § 93).

67      No entanto, só se pode considerar que a conservação de dados biométricos e genéticos cumpre o requisito de que só deve ser autorizada «se for estritamente necessário», na aceção do artigo 10.o da Diretiva 2016/680, se tomar em consideração a natureza e a gravidade da infração que conduziu à condenação penal transitada em julgado, ou outras circunstâncias como o contexto específico em que essa infração foi cometida, a sua eventual relação com outros processos em curso ou ainda os antecedentes ou o perfil da pessoa condenada. Por conseguinte, na hipótese de uma legislação nacional prever, como a que está em causa no processo principal, que os dados biométricos e genéticos inscritos no registo policial são conservados até à data da morte dessas pessoas em caso de condenação penal transitada em julgado das mesmas, o âmbito de aplicação dessa conservação apresenta, como foi constatado nos n.os 59 e 60, supra, um caráter excessivamente alargado tendo em conta as finalidades para as quais esses dados são tratados.

68      Em sexto lugar, no que respeita, por um lado, à obrigação imposta aos Estados‑Membros de prever a fixação de prazos adequados, enunciada no artigo 5.o da Diretiva 2016/680, há que salientar que, pelas razões expostas nos n.os 59, 60 e 67 do presente acórdão e tendo em conta os requisitos do artigo 4.o, n.o 1, alíneas c) e e), bem como do artigo 10.o desta diretiva, um prazo só pode ser considerado «adequado», na aceção desse mesmo artigo 5.o, nomeadamente no que respeita à conservação dos dados biométricos e genéticos de qualquer pessoa definitivamente condenada por infrações penais dolosas abrangidas pela ação pública, se tomar em consideração as circunstâncias pertinentes suscetíveis de tornar necessário esse período de conservação, como as referidas no n.o 67 do presente acórdão.

69      Por conseguinte, mesmo que a referência, na legislação nacional, à morte do titular dos dados seja suscetível de constituir um «prazo» para o apagamento dos dados conservados, na aceção do referido artigo 5.o, esse prazo só pode ser considerado «adequado» em circunstâncias especiais que o justifiquem devidamente. Ora, não é manifestamente esse o caso quando é aplicável de maneira genérica e indiferenciada a qualquer pessoa definitivamente condenada.

70      É certo que, como foi salientado no n.o 45 do presente acórdão, o artigo 5.o da Diretiva 2016/680 deixa aos Estados‑Membros a incumbência de decidir se devem ser fixados prazos para o apagamento dos referidos dados ou para a avaliação periódica da necessidade de os conservar. Todavia, resulta igualmente desse mesmo número que o caráter «adequado» dos prazos para essa avaliação periódica exige que estes permitam, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, alíneas c) e e), desta diretiva, lido à luz do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, levar ao apagamento dos dados em causa, no caso de a sua conservação deixar de ser necessária. Ora, pelos motivos recordados no número anterior, tal requisito não está cumprido quando, como no caso em apreço, o único caso em que a legislação nacional prevê esse apagamento, no que respeita a uma pessoa definitivamente condenada por uma infração penal dolosa abrangida pela ação pública, é a ocorrência da sua morte.

71      No que concerne, por outro lado, às garantias previstas no artigo 16.o, n.os 2 e 3, desta diretiva, no que respeita às condições relativas aos direitos ao apagamento e à limitação do tratamento, resulta dos n.os 50 e 51 do presente acórdão que estas disposições se opõem igualmente a uma legislação nacional que não permite a uma pessoa definitivamente condenada por uma infração penal dolosa abrangida pela ação pública exercer esses direitos.

72      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 4.o, n.o 1, alíneas c) e e), da Diretiva 2016/680, lido em conjugação com os artigos 5.o e 10.o, o artigo 13.o, n.o 2, alínea b), e o artigo 16.o, n.os 2 e 3, da mesma, e à luz dos artigos 7.o e 8.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a conservação, pelas autoridades policiais, para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais, de dados pessoais, nomeadamente de dados biométricos e genéticos, relativos a pessoas que tenham sido objeto de uma condenação penal transitada em julgado por uma infração penal dolosa abrangida pela ação pública, e isto até à morte da pessoa em causa, incluindo em caso de reabilitação desta, sem impor ao responsável pelo tratamento a obrigação de avaliar periodicamente se essa conservação ainda é necessária, nem reconhecer à referida pessoa o direito ao apagamento desses dados, quando a sua conservação já não seja necessária para as finalidades para as quais são tratados, ou, sendo caso disso, à limitação do tratamento dos mesmos.

 Quanto às despesas

73      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O artigo 4.o, n.o 1, alíneas c) e e), da Diretiva (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas autoridades competentes para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais, e à livre circulação desses dados, e que revoga a DecisãoQuadro 2008/977/JAI do Conselho, lido em conjugação com os artigos 5.o e 10.o, o artigo 13.o, n.o 2, alínea b), e o artigo 16.o, n.os 2 e 3, da mesma, e à luz dos artigos 7.o e 8.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma legislação nacional que prevê a conservação, pelas autoridades policiais, para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais, de dados pessoais, nomeadamente de dados biométricos e genéticos, relativos a pessoas que tenham sido objeto de uma condenação penal transitada em julgado por uma infração penal dolosa abrangida pela ação pública, e isto até à morte da pessoa em causa, incluindo em caso de reabilitação desta, sem impor ao responsável pelo tratamento a obrigação de avaliar periodicamente se essa conservação ainda é necessária, nem reconhecer à referida pessoa o direito ao apagamento desses dados, quando a sua conservação já não seja necessária para as finalidades para as quais são tratados, ou, sendo caso disso, à limitação do tratamento dos mesmos.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.