Language of document : ECLI:EU:C:2023:218

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

16 de março de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual — Proteção das variedades vegetais — Regulamento (CE) n.o 2100/94 — Exceção prevista no artigo 14.o, n.o 3 — Artigo 94.o, n.o 2 — Violações — Direito ao ressarcimento — Regulamento (CE) n.o 1768/95 — Artigo 18.o, n.o 2 — Reparação do dano — Quantia fixa mínima calculada com base no quádruplo do montante correspondente à taxa de licença — Competência da Comissão Europeia — Invalidade»

No processo C‑522/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Pfälzisches Oberlandesgericht Zweibrücken (Tribunal Regional Superior do Palatinado de Zweibrücken, Alemanha), por Decisão de 18 de agosto de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de agosto de 2021, no processo

MS

contra

SaatgutTreuhandverwaltungs GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, L. S. Rossi, J.‑C. Bonichot, S. Rodin e O. Spineanu‑Matei (relatora), juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: S. Beer, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 14 de julho de 2022,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação de MS, por N. Küster, Rechtsanwalt,

—        em representação da Saatgut‑Treuhandverwaltungs GmbH, por E. Trauernicht e K. von Gierke, Rechtsanwälte,

—        em representação da Comissão Europeia, por A. C. Becker, B. Eggers e G. Koleva, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 27 de outubro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a validade do artigo 18.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1768/95 da Comissão, de 24 de julho de 1995, que estabelece as regras de aplicação relativas à exceção agrícola prevista no n.o 3 do artigo 14.o do Regulamento (CE) n.o 2100/94 do Conselho relativo ao regime comunitário de proteção das variedades vegetais (JO 1995, L 173, p. 14), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2605/98 da Comissão, de 3 de dezembro de 1998 (JO 1998, L 328, p. 6) (a seguir «Regulamento n.o 1768/95»), à luz do artigo 94.o, n.o 2, primeiro período, do Regulamento (CE) n.o 2100/94 do Conselho, de 27 de julho de 1994, relativo ao regime comunitário de proteção das variedades vegetais (JO 1994, L 227, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe MS à Saatgut Treuhandverwaltungs GmbH (a seguir «STV») a respeito do cálculo do montante da indemnização pelo prejuízo sofrido por esta última, resultante do cultivo ilícito da variedade de cevada de inverno KWS Meridian por parte de MS.

 Quadro jurídico

 Regulamento n.o 2100/94

3        O artigo 11.o do Regulamento n.o 2100/94, sob a epígrafe «Direito comunitário de proteção das variedades vegetais», prevê, no seu n.o 1:

«Considera‑se titular do direito comunitário de proteção das variedades vegetais a pessoa que criou ou descobriu e desenvolveu a variedade ou o seu sucessível, ambos — essa pessoa e o seu sucessível — a seguir designados por “o titular”.»

4        O artigo 13.o deste regulamento, sob a epígrafe «Direitos do titular de um direito comunitário de proteção de uma variedade vegetal e atos ilícitos», dispõe, nos seus n.os 1 a 3:

«1.      Um direito comunitário de proteção de uma variedade vegetal tem por efeito habilitar o seu titular ou titulares, a seguir designados por “titular”, a praticar os atos previsto no n.o 2.

2.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 15.o e 16.o, carecem da autorização do titular os seguintes atos relativos aos constituintes varietais, ou ao material de colheita da variedade protegida, ambos a seguir conjuntamente designados por “material”:

a)      Produção ou reprodução (multiplicação);

[…]

O titular pode sujeitar a sua autorização a determinadas condições e restrições.

3.      O disposto no n.o 2 apenas é aplicável ao material de colheita se este tiver sido obtido por utilização indevida de constituintes varietais da variedade protegida e desde que o titular não tenha tido uma oportunidade razoável de exercer o seu direito em relação aos referidos constituintes varietais.»

5        O artigo 14.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Exceção ao direito comunitário de proteção das variedades vegetais», prevê:

«1.      Sem prejuízo do disposto no n.o 2 do artigo 13.o, e no intuito de proteger a produção agrícola, os agricultores podem utilizar, para fins de multiplicação nas suas próprias explorações, o produto da colheita que tenham obtido por plantação, nas suas explorações, de material de propagação de uma variedade que não seja um híbrido ou uma variedade artificial, que beneficie da proteção comunitária das variedades vegetais.

2.      O disposto no n.o 1 apenas se aplica às espécies agrícolas de:

[…]

b)      Cereais:

[…]

Hordeum vulgare L. — Cevada dística

[…]

3.      As condições para a aplicação da exceção prevista no n.o 1 e para salvaguardar os legítimos interesses do titular e do agricultor serão estabelecidas, antes da entrada em vigor do presente regulamento, nas regras de execução a que se refere o artigo 114.o, com base nos seguintes critérios:

—        não serão estabelecidas restrições quantitativas a nível da exploração agrícola, desde que se trate de necessidades da exploração,

—        o produto da colheita poderá ser processado para plantação, quer pelo próprio agricultor, quer por serviços que lhe sejam prestados, sem prejuízo das restrições que os Estados‑Membros possam estabelecer para a organização do processamento do referido produto da colheita, em particular para garantir que o produto resultante do processamento seja idêntico ao produto a processar,

—        os pequenos agricultores não serão obrigados a pagar qualquer remuneração ao titular; […]

[…]

—        os restantes agricultores devem pagar ao titular uma remuneração equitativa, que deve ser significativamente inferior ao preço da produção licenciada do material de propagação da mesma variedade na mesma área; o nível real dessa remuneração poderá variar ao longo do tempo, de acordo com o uso que for feito da exceção prevista no n.o 1 no caso da variedade em questão,

—        a verificação do cumprimento do presente artigo ou das disposições adotadas com base nele será da exclusiva responsabilidade dos titulares; na organização desse controlo, não podem ser assistidos por organismos oficiais,

—        sempre que os titulares o solicitem, os agricultores e os prestadores de serviços de processamento devem prestar‑lhes as informações pertinentes; os organismos oficiais envolvidos no controlo da produção agrícola podem igualmente prestar aos titulares informações pertinentes, desde que estas tenham sido obtidas no desempenho normal das suas funções, sem quaisquer encargos ou custos suplementares. […]»

6        O artigo 94.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Violações», tem a seguinte redação:

«1.      Todo aquele que:

a)      Praticar um dos atos previstos no n.o 2 do artigo 13.o sem para tal ter legitimidade, em relação a uma variedade para a qual tenha sido reconhecido um direito comunitário de proteção das variedades vegetais;

[…]

pode ser alvo de uma ação judicial por parte do titular, no sentido de pôr termo à infração ou de pagar uma indemnização adequada, ou ambos.

2.      Quem assim agir intencionalmente ou por negligência terá, além disso, de indemnizar o titular de quaisquer danos suplementares resultantes do ato praticado. Em caso de negligência simples, estas indemnizações poderão ser reduzidas em função do grau de gravidade da negligência mas nunca de modo a torná‑las inferiores aos benefícios que dela resultaram para a pessoa que praticou a violação.»

7        O artigo 114.o do Regulamento n.o 2100/94, sob a epígrafe «Outras regras de execução», dispõe, no seu n.o 1:

«Para efeitos da aplicação do presente regulamento, serão adotadas regras de execução pormenorizadas. […]»

 Regulamento n.o 1768/95

8        O Regulamento n.o 1768/95 foi adotado com base no artigo 114.o do Regulamento n.o 2100/94.

9        O artigo 5.o do Regulamento n.o 1768/95, sob a epígrafe «Nível da remuneração», dispõe:

«1.      O nível da remuneração equitativa a pagar ao titular nos termos do n.o 3, quarto travessão, do artigo 14.o do [Regulamento n.o 2100/94] pode ser objeto de contrato entre o titular e o agricultor em causa.

2.      Caso não exista um contrato ou, existindo, não seja aplicável, o nível da remuneração deve ser significativamente inferior ao montante cobrado pela produção autorizada de material de propagação da categoria mais baixa, certificada oficialmente, da mesma variedade e na mesma área.

[…]

4.      Se, no caso previsto no n.o 2, o nível da remuneração for objeto de acordos entre organizações de titulares e de agricultores, com ou sem a participação de organizações de processadores, estabelecidas na Comunidade ao nível comunitário, nacional ou regional, os níveis acordados devem ser utilizados como orientações para a determinação da remuneração a pagar na área e para as espécies em causa, desde que esses níveis e as condições tenham sido notificados por escrito à Comissão por representantes autorizados das respetivas organizações e, nessa base, tenham sido publicados […].

5.      Se, no caso previsto no n.o 2, não for aplicável um acordo, dos previstos no n.o 4, a remuneração a pagar deve ser igual a 50 % dos montantes cobrados pela produção autorizada de material de propagação, conforme referido no n.o 2.

Contudo, se um Estado‑Membro tiver notificado a Comissão, antes de 1 de janeiro de 1999, da iminente conclusão de um acordo, dos previstos no n.o 4, entre as organizações em causa estabelecidas a nível nacional ou regional, a remuneração a pagar na área e para as espécies em causa será de 40 % em vez dos 50 % acima indicados, mas apenas no que respeita à utilização da exceção agrícola antes da aplicação desse acordo e até 1 de abril de 1999.

[…]»

10      O artigo 17.o deste regulamento, sob a epígrafe «Violações», prevê:

«O titular pode invocar, nos termos do presente regulamento, os direitos conferidos pelo Instituto comunitário das variedades vegetais contra qualquer pessoa que infrinja qualquer das condições ou restrições decorrentes da exceção estabelecida pelo artigo 14.o do [Regulamento n.o 2100/94].»

11      O artigo 18.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Ações cíveis especiais», dispõe:

«1.      A pessoa a que se refere o artigo 17.o pode ser demandada em juízo pelo titular para que cumpra as suas obrigações decorrentes do n.o 3 do artigo 14.o do [Regulamento n.o 2100/94], nos termos do presente regulamento.

2.      Se a pessoa referida no n.o 1 se absteve, repetida e intencionalmente, de cumprir a sua obrigação decorrente do n.o 3, quarto travessão, do artigo 14.o do [Regulamento n.o 2100/94], relativamente a uma ou mais variedades do mesmo titular, a reparação de quaisquer danos suplementares causados a este último e previstos no n.o 2 do artigo 94.o do [Regulamento n.o 2100/94] deve cobrir, pelo menos, uma quantia fixa calculada com base no quádruplo do montante médio cobrado pela produção autorizada de uma quantidade correspondente de material de propagação da mesma variedade vegetal na mesma área, sem prejuízo da compensação de quaisquer danos mais elevados.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

12      A STV é uma associação de titulares de variedades vegetais protegidas, encarregada pelos seus membros de defender os seus direitos e, especialmente, de efetuar em seu próprio nome os pedidos de informação e de pagamento.

13      MS é um agricultor que, durante as quatro campanhas de comercialização de 2012/2013 a 2015/2016, cultivou a variedade de cevada de inverno KWS Meridian, protegida ao abrigo do Regulamento n.o 2100/94.

14      A STV intentou uma ação para obter, nomeadamente, informações sobre essa plantação. MS forneceu, pela primeira vez perante o órgão jurisdicional de primeira instância, os números relativos às operações de processamento da semente de cevada de inverno KWS Meridian para estas quatro campanhas, correspondentes, respetivamente, a 24,5, 26, 34 e 45,4 quintais de sementes.

15      MS pagou então, pelas campanhas de comercialização de 2013/2014 e 2015/2016, montantes correspondentes à taxa devida pela utilização sob licença de sementes da variedade de cevada de inverno KWS Meridian, que foi calculada do mesmo modo que a taxa para a campanha de comercialização de 2015/2016, sendo que esse montante correspondia à indemnização adequada na aceção do artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94.

16      Para as três campanhas de comercialização em questão, a STV pediu que fossem pagas indemnizações adicionais, no valor do quádruplo dessa taxa, a título da indemnização prevista no artigo 94.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94, lido em conjugação com o artigo 18.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1768/95 (a seguir «disposição controvertida»), deduzindo desse montante o correspondente à referida taxa paga por MS por essas três campanhas.

17      MS contestou o direito da STV a esse pagamento. A este respeito, alegou, em substância, que o prejuízo causado à STV tinha sido ressarcido pelo pagamento da indemnização adequada, na aceção do artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94, e não pelo pagamento do montante devido a título da plantação, determinado nos termos do artigo 5.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1768/95. Também alegou que a imposição de uma indemnização punitiva, geral e adicional não era conforme à jurisprudência do Tribunal de Justiça.

18      Por Sentença de 4 de dezembro de 2020, o Landgericht Kaiserslautern (Tribunal Regional de Kaiserslautern, Alemanha), no essencial, julgou procedente o pedido da STV, referindo‑se à redação clara da disposição controvertida.

19      MS interpôs recurso dessa sentença para o Pfälzisches Oberlandesgericht Zweibrücken (Tribunal Regional Superior do Palatinado de Zweibrücken, Alemanha), órgão jurisdicional de reenvio. Segundo MS, a disposição controvertida deve ser declarada inválida, por não estar em conformidade com o artigo 94.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94, que não autoriza a atribuição, ao titular, de indemnizações punitivas fixas, equivalentes, no caso em apreço, ao quádruplo da remuneração devida pela produção licenciada (a seguir «taxa de licença»).

20      A STV sustenta que a disposição controvertida não viola o artigo 94.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94 e está em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

21      O órgão jurisdicional de reenvio considera que a decisão que deverá adotar depende exclusivamente da questão de saber se a disposição controvertida é válida. Depois de recordar que um regulamento que é adotado em aplicação de um regulamento de base, ao abrigo de uma habilitação que conste deste último, não pode derrogar as disposições deste, do qual deriva, sob pena de, caso contrário, ter de ser anulado, o órgão jurisdicional de reenvio observa que a disposição controvertida, com recurso à qual a Comissão fixou o nível da indemnização mínima fixa no quádruplo da taxa de licença, pode violar o artigo 94.o, n.o 2, primeiro período, do Regulamento n.o 2100/94 e ser inválida a este título.

22      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, para compensar a vantagem obtida pelo infrator, o artigo 94.o, n.o 1, deste regulamento prevê uma indemnização adequada, que corresponde ao montante da taxa de licença. Neste contexto, o artigo 94.o, n.o 2, primeiro período, do referido regulamento pode ter de ser interpretado no sentido de que o titular só tem direito à indemnização de um prejuízo adicional, em caso de violação intencional ou por negligência, se demonstrar em concreto a existência de tal prejuízo. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, parece resultar da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a fixação, através de uma norma geral, de um nível mínimo de prejuízo não é compatível com o artigo 94.o, n.o 2, primeiro período, do Regulamento n.o 2100/94.

23      Nestas circunstâncias, o Pfälzisches Oberlandesgericht Zweibrücken (Tribunal Regional Superior do Palatinado de Zweibrücken, Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 18.o, n.o 2, do Regulamento [n.o 1768/95], na medida em que permite, nas condições nele referidas, exigir uma indemnização no valor mínimo correspondente ao quádruplo [da taxa] de licença, é compatível com o [Regulamento n.o 2100/94], em especial com o artigo 94.o, n.o 2, primeiro período?»

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

24      Nas suas observações, a Comissão sem, todavia, sustentar claramente que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível, observa que as circunstâncias que envolvem o processo principal, conforme resultam da decisão de reenvio, são pouco claras. Interroga‑se sobre a questão de saber se, no caso em apreço, as condições enunciadas no artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94, nomeadamente as relativas à utilização do produto da colheita de uma variedade protegida com o intuito de proteger a produção agrícola, para fins de multiplicação, no exterior, na exploração do agricultor, estavam preenchidas durante as campanhas de comercialização de 2013/2014 a 2015/2016.  Sustenta que, se assim não for, esta disposição e a disposição controvertida não são pertinentes para a solução do litígio no processo principal e que a resposta à questão prejudicial não é decisiva a este respeito. No entanto, sublinha que a questão de saber se as condições factuais fixadas nesse artigo 14.o estão preenchidas só pode ser apreciada pelo órgão jurisdicional de reenvio, ao qual compete apurar todos os factos pertinentes.

25      Importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre este último e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência da questão que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas pelo juiz nacional sejam relativas à validade de uma regra de direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 16 de julho de 2020, Facebook Ireland e Schrems, C‑311/18, EU:C:2020:559, n.o 73 e jurisprudência referida).

26      Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação ou a apreciação da validade de uma regra da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 28 de abril de 2022, Caruter, C‑642/20, EU:C:2022:308, n.o 29 e jurisprudência referida).

27      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que o juiz nacional tem dúvidas, não sobre a aplicabilidade da disposição controvertida ao litígio no processo principal, mas sobre a sua validade à luz do Regulamento n.o 2100/94 e, em especial, do seu artigo 94.o, n.o 2, primeiro período. Resulta igualmente da decisão de reenvio que MS alegou, em primeira instância, que o prejuízo causado à STV tinha sido ressarcido pelo pagamento da indemnização adequada, na aceção do artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94, em vez do pagamento do montante devido a título da plantação, determinado nos termos do artigo 5.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1768/95. Ora, esta última disposição diz respeito ao nível da remuneração equitativa a pagar ao titular ao abrigo do artigo 14.o, n.o 3, quarto travessão, do Regulamento n.o 2100/94, que pressupõe que estejam preenchidas as condições indicadas no artigo 14.o, n.o 3, deste regulamento, nomeadamente a relativa à utilização do produto da colheita de uma variedade protegida como intuito de proteger a produção agrícola, para fins de multiplicação, no exterior, na exploração do agricultor. Por último, resulta da decisão de reenvio que as partes no litígio no processo principal só divergem quanto ao montante da indemnização a pagar em razão de uma plantação não autorizada.

28      Deste modo, não se afigura, muito menos manifestamente, que a apreciação da validade solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio não tenha uma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal ou que o problema seja hipotético.

29      Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

 Quanto à questão prejudicial

30      Com a sua única questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a disposição controvertida é válida à luz do artigo 94.o, n.o 2, primeiro período, do Regulamento n.o 2100/94, na medida em que prevê, em caso de violação repetida e intencional da obrigação de pagar a remuneração equitativa, devida nos termos do artigo 14.o, n.o 3, quarto travessão, deste regulamento, uma indemnização dos danos sofridos pelo titular que corresponda, pelo menos, a uma quantia fixa calculada com base no quádruplo do montante médio cobrado pela produção autorizada de material de propagação de variedades protegidas da espécie vegetal em causa na mesma região.

31      Há que recordar que, por força do artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94, carecem da autorização do titular, no que se refere aos constituintes varietais ou ao material de colheita da variedade protegida, designadamente a produção ou a reprodução (multiplicação).

32      Contudo, a fim de proteger a produção agrícola, o artigo 14.o, n.o 1, deste regulamento prevê que, em derrogação da obrigação de obter a autorização do titular, os agricultores podem utilizar, para fins de multiplicação nas suas próprias explorações, o produto da colheita que tenham obtido por plantação, na sua própria exploração, de material de propagação de uma variedade protegida, incluída na lista das espécies de plantas agrícolas enumeradas no artigo 14.o, n.o 2, do referido regulamento. A aplicação desta exceção está sujeita ao preenchimento de certas condições.

33      O artigo 14.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2100/94, por um lado, dispõe que essas condições estão fixadas no regulamento de execução referido no artigo 114.o desse regulamento, com base em critérios que permitem concretizar essa exceção e salvaguardar os legítimos interesses do titular, como definido no artigo 11.o, n.o 1, do referido regulamento, e do agricultor e, por outro lado, enuncia os referidos diferentes critérios. Entre estes, figura o critério fixado no artigo 14.o, n.o 3, quarto travessão, do mesmo regulamento, que consiste no pagamento ao titular de uma remuneração equitativa derrogatória devida por essa utilização (a seguir «remuneração equitativa derrogatória»). Tal remuneração deve ser significativamente inferior ao montante da taxa de licença.

34      Um agricultor que é abrangido pelo artigo 14.o, n.o 3, quarto travessão, do Regulamento n.o 2100/94, mas que não paga ao titular a remuneração aí referida não pode beneficiar da exceção prevista no artigo 14.o, n.o 1, deste regulamento, devendo considerar‑se que praticou, sem para tal ter sido autorizado, um dos atos previstos no artigo 13.o, n.o 2, deste regulamento. Ao abrigo do artigo 94.o, n.o 1, do referido regulamento, esse agricultor pode ser objeto de uma ação judicial intentada pelo titular, com vista a que ponha termo à infração ou pague uma indemnização adequada, ou ambos. Se se tratar de um comportamento deliberado ou por negligência, o agricultor é ainda obrigado a reparar o prejuízo sofrido pelo mesmo titular, em conformidade com o artigo 94.o, n.o 2, do mesmo regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 25 de junho de 2015, Saatgut‑Treuhandverwaltung, C‑242/14, EU:C:2015:422, n.o 22 e jurisprudência referida).

35      Uma vez que o Regulamento n.o 1768/95 visa precisar os critérios indicados no artigo 14.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2100/94 e que, no exercício das suas competências de execução, a Comissão está autorizada a adotar todas as medidas de aplicação necessárias ou úteis para a execução deste último regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 15 de outubro de 2014, Parlamento/Comissão, C‑65/13, EU:C:2014:2289, n.o 44 e jurisprudência referida), há que determinar se, ao prever, na disposição controvertida, uma quantia fixa mínima para a reparação do dano sofrido pelo titular, a Comissão violou o artigo 94.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça.

36      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 94.o do Regulamento n.o 2100/94 cria um direito de ressarcimento a favor do titular do direito à proteção comunitária de uma variedade vegetal que não só é integral mas assenta, além disso, numa base objetiva, uma vez que cobre unicamente o prejuízo que lhe foi causado com a infração dessa variedade, sem que este artigo possa servir de fundamento à aplicação de um suplemento fixo por infração (v., neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 2016, Hansson, C‑481/14, EU:C:2016:419, n.os 33 e 43).

37      Por conseguinte, o artigo 94.o do Regulamento n.o 2100/94 não pode ser interpretado no sentido de que, em benefício da posição do referido titular, pode servir de base jurídica à condenação do infrator numa indemnização punitiva, fixada como uma quantia fixa (Acórdão de 9 de junho de 2016, Hansson, C‑481/14, EU:C:2016:419, n.o 34).

38      Pelo contrário, o alcance do ressarcimento devido ao abrigo do artigo 94.o do Regulamento n.o 2100/94 deve refletir precisamente, na medida do possível, os prejuízos reais e certos sofridos pelo titular da variedade vegetal em consequência da infração (Acórdão de 9 de junho de 2016, Hansson, C‑481/14, EU:C:2016:419, n.o 35).

39      Com efeito, por um lado, o artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94 tem por objeto compensar economicamente a vantagem obtida pelo infrator, que corresponde ao montante equivalente ao montante da taxa de licença que o mesmo não pagou. A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que essa disposição não prevê a reparação de prejuízos diferentes dos ligados à falta de pagamento da «indemnização adequada» na aceção desta disposição (Acórdão de 9 de junho de 2016, Hansson, C‑481/14, EU:C:2016:419, n.o 31 e jurisprudência referida).

40      Por outro lado, o artigo 94.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94 diz respeito ao prejuízo que o infrator terá de indemnizar «além disso» ao titular em caso de infração cometida «intencionalmente ou por negligência» (Acórdão de 9 de junho de 2016, Hansson, C‑481/14, EU:C:2016:419, n.o 32).

41      Quanto ao alcance do ressarcimento pelo prejuízo sofrido, previsto no artigo 94.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94, o Tribunal de Justiça salientou que cabe ao titular da variedade infringida apresentar os elementos que demonstram que o seu prejuízo excede os elementos cobertos pela indemnização adequada prevista no n.o 1 deste artigo (Acórdão de 9 de junho de 2016, Hansson, C‑481/14, EU:C:2016:419, n.o 56).

42      A este título, o montante da taxa de licença não pode, por si só, servir de fundamento à avaliação desse prejuízo. Com efeito, tal taxa de licença permite o cálculo da indemnização adequada prevista no artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94 e não apresenta necessariamente um nexo com o prejuízo não ressarcido (v., neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 2016, Hansson, C‑481/14, EU:C:2016:419, n.o 57).

43      Em todo o caso, cabe ao órgão jurisdicional chamado a conhecer do processo apreciar se os prejuízos invocados pelo titular da variedade infringida podem ser demonstrados com precisão ou se há que proceder à fixação de uma quantia fixa, que reflita o melhor possível a realidade desses prejuízos (Acórdão de 9 de junho de 2016, Hansson, C‑481/14, EU:C:2016:419, n.o 59).

44      À luz destas considerações, há que examinar a validade da disposição controvertida, tendo em conta o artigo 94.o, n.o 2, primeiro período, do Regulamento n.o 2100/94.

45      Em primeiro lugar, há que salientar que a disposição controvertida fixa uma quantia fixa mínima calculada com referência ao montante médio da taxa de licença, ao passo que o montante desta última não pode, por si só, servir de fundamento à avaliação do prejuízo ao abrigo do artigo 94.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94, como foi recordado no n.o 42 do presente acórdão.

46      Em segundo lugar, a previsão de uma quantia fixa mínima para a reparação do prejuízo sofrido pelo titular implica, como indicou a Comissão em resposta a uma pergunta do Tribunal de Justiça, que esse titular não é obrigado a demonstrar a extensão do prejuízo sofrido, mas apenas a existência de uma violação, repetida e intencional, dos seus direitos. Ora, como foi recordado nos n.os 38 e 41 do presente acórdão, o ressarcimento ao abrigo do artigo 94.o do Regulamento n.o 2100/94 deve refletir precisamente, na medida do possível, os prejuízos reais e certos sofridos por esse titular, a quem compete apresentar os elementos que demonstrem que o prejuízo referido no n.o 2 deste artigo excede os elementos abrangidos pela indemnização adequada prevista no n.o 1 do referido artigo.

47      A previsão de uma quantia fixa mínima de reparação do prejuízo sofrido implica igualmente uma presunção inilidível da extensão mínima desse prejuízo e limita o poder de apreciação do juiz, na medida em que este último só pode aumentar a quantia fixa mínima fixada pela disposição controvertida, mas não diminuí‑la, como a Comissão reconheceu em resposta a uma pergunta a este respeito do Tribunal de Justiça na audiência, mesmo que o prejuízo real possa ser facilmente demonstrado e se revele inferior a essa quantia fixa mínima.

48      Por último, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 43 do presente acórdão, a indemnização ao abrigo do artigo 94.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94 só pode ser estabelecida de maneira fixa com base numa apreciação do juiz que é chamado a conhecer do litígio. Por conseguinte, ao prever uma quantia fixa mínima para reparar o prejuízo sofrido pelo titular, a disposição controvertida limita igualmente, a este respeito, o poder de apreciação desse juiz.

49      Em terceiro lugar, enquanto, como foi recordado nos n.os 37 e 38 do presente acórdão e como salientou o advogado‑geral no n.o 83 das suas conclusões, o alcance da reparação devida ao abrigo do artigo 94.o do Regulamento n.o 2100/94 deve precisamente refletir, se possível, os prejuízos reais e certos sofridos pelo titular, sem conduzir a uma condenação de caráter punitivo, sendo que, ao fixar o nível da reparação desse prejuízo numa quantia fixa mínima calculada com base no quádruplo do montante médio da taxa de licença, a disposição controvertida pode conduzir à atribuição de uma indemnização de natureza punitiva.

50      Em quarto lugar, quanto aos argumentos da Comissão baseados no Acórdão de 25 de janeiro de 2017, Stowarzyszenie Oławska Telewizja Kablowa (C‑367/15, EU:C:2017:36), como salientou o advogado‑geral nos n.os 87 e 88 das suas conclusões, o processo que deu origem a esse acórdão tinha por objeto a interpretação da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (JO 2004, L 157, p. 45), ao passo que, no presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a apreciar a validade de uma disposição do Regulamento n.o 1768/95, que é uma medida de aplicação do Regulamento n.o 2100/94 e que, como salientado no n.o 35 do presente acórdão, deve, a este respeito, estar em conformidade com este regulamento e, em especial, com o seu artigo 94.o, n.o 2. Além disso, aquela diretiva diz respeito a todos os direitos de propriedade intelectual, e não apenas à proteção comunitária das variedades vegetais, sendo que a multiplicidade de possíveis violações dos direitos que a mesma prevê é ampla. Por conseguinte, ainda que, sendo caso disso, a referida diretiva possa constituir um elemento de contextualização relevante a ter em conta para efeitos da interpretação do Regulamento n.o 2100/94, importa, no entanto, evitar atribuir a este último, a coberto da sua interpretação contextual, um alcance que não corresponde à sua redação e à sua finalidade no que respeita ao regime comunitário de proteção das variedades vegetais.

51      Como resulta dos n.os 45 a 49 do presente acórdão, uma vez que fixa o montante da indemnização devida por referência à taxa de licença, institui uma presunção inilidível quanto à extensão mínima do prejuízo sofrido pelo titular e limita o poder de apreciação do juiz que é chamado a decidir do litígio, a disposição controvertida é contrária ao artigo 94.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça. O facto, invocado pela STV e pela Comissão, de esta disposição apenas se aplicar em caso de violação repetida e intencional da obrigação de pagar a remuneração equitativa derrogatória prevista no artigo 14.o, n.o 3, quarto travessão, deste regulamento, não é suscetível de alterar esta conclusão. Assim, com a adoção da disposição controvertida, a Comissão, tendo em conta o artigo 94.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94, excedeu os limites da sua competência de execução.

52      Decorre de todas as considerações precedentes que a disposição controvertida é inválida, à luz do artigo 94.o, n.o 2, primeiro período, do Regulamento n.o 2100/94, na medida em que prevê, em caso de violação repetida e intencional da obrigação de pagar a remuneração equitativa derrogatória, devida nos termos do artigo 14.o, n.o 3, quarto travessão, do Regulamento n.o 2100/94, um ressarcimento do prejuízo sofrido pelo titular que represente, pelo menos, uma quantia fixa calculada com base no quádruplo do montante médio cobrado pela produção licenciada de material de propagação de variedades protegidas da espécie vegetal em causa na mesma região.

 Quanto às despesas

53      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

O artigo 18.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1768/95 da Comissão, de 24 de julho de 1995, que estabelece as normas de execução relativas à exceção prevista no artigo 14.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 2100/94 do Conselho, relativo ao regime comunitário de proteção das variedades vegetais, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2605/98 da Comissão, de 3 de dezembro de 1998, é inválido.

Assinaturas



*      Língua do processo: alemão.