Language of document : ECLI:EU:C:2022:297

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

26 de abril de 2022 (*)

«Recurso de anulação — Diretiva (UE) 2019/790 — Artigo 17.o, n.o 4, alínea b), e alínea c), in fine — Artigos 11.o e 17.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Liberdade de expressão e de informação — Proteção da propriedade intelectual — Obrigações impostas aos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha — Controlo automático prévio (filtragem) dos conteúdos colocados em linha pelos utilizadores»

No processo C‑401/19,

que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, interposto em 24 de maio de 2019,

República da Polónia, representada por B. Majczyna, M. Wiącek e J. Sawicka, na qualidade de agentes, assistidos por J. Barski, na qualidade de perito,

recorrente,

contra

Parlamento Europeu, representado por D. Warin, S. Alonso de León e W. D. Kuzmienko, na qualidade de agentes,

Conselho da União Europeia, representado por M. Alver, F. Florindo Gijón e D. Kornilaki, na qualidade de agentes,

recorridos,

apoiados por:

Reino de Espanha, representado inicialmente por S. Centeno Huerta e J. Rodríguez de la Rúa Puig, e em seguida por J. Rodríguez de la Rúa Puig, na qualidade de agentes,

República Francesa, representada por A.‑L. Desjonquères e A. Daniel, na qualidade de agentes,

República Portuguesa, representada inicialmente por M. A. Capela de Carvalho Galaz Pimenta, P. Barros da Costa, P. Salvação Barreto e L. Inez Fernandes, e em seguida por M. A. Capela de Carvalho Galaz Pimenta, P. Barros da Costa e P. Salvação Barreto, na qualidade de agentes,

Comissão Europeia, representada por F. Erlbacher, S. L. Kalėda, J. Samnadda e B. Sasinowska, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Arabadjiev, K. Jürimäe, C. Lycourgos, E. Regan e S. Rodin, presidentes de secção, M. Ilešič (relator), J.‑C. Bonichot, M. Safjan, F. Biltgen e P. G. Xuereb, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 10 de novembro de 2020,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de julho de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, a República da Polónia pede ao Tribunal de Justiça, a título principal, que anule a alínea b) e a alínea c), in fine, do artigo 17.o, n.o 4, da Diretiva (UE) 2019/790 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, relativa aos direitos de autor e direitos conexos no mercado único digital e que altera as Diretivas 96/9/CE e 2001/29/CE (JO 2019, L 130, p. 92), e, a título subsidiário, na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar que essas disposições não podem ser dissociadas das outras disposições do artigo 17.o da Diretiva 2019/790 sem alterar a sua substância, que anule o artigo 17.o na sua totalidade.

 Quadro jurídico

 Carta

2        O artigo 11.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») tem a seguinte redação:

«Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras.»

3        O artigo 17.o, n.o 2, da Carta prevê que «[é] protegida a propriedade intelectual».

4        Nos termos do artigo 52.o, n.os 1 e 3, da Carta:

«1.      Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela […] Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União [Europeia], ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

[…]

3.      Na medida em que a […] Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais [(CEDH)], o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.»

5        Em conformidade com o artigo 53.o da Carta, «[n]enhuma disposição da […] Carta deve ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos do Homem e as liberdades fundamentais reconhecidos, nos respetivos âmbitos de aplicação, pelo direito da União, o direito internacional e as Convenções internacionais em que são Partes a União [Europeia] ou todos os Estados‑Membros, nomeadamente a [CEDH], bem como pelas Constituições dos Estados‑Membros».

 Diretiva 2000/31/CE

6        O artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o comércio eletrónico») (JO 2000, L 178, p. 1), prevê:

«Em caso de prestação de um serviço da sociedade da informação que consista no armazenamento de informações prestadas por um destinatário do serviço, os Estados‑Membros velarão por que a responsabilidade do prestador do serviço não possa ser invocada no que respeita à informação armazenada a pedido de um destinatário do serviço, desde que:

a)      O prestador não tenha conhecimento efetivo da atividade ou informação ilegal e, no que se refere a uma ação de indemnização por perdas e danos, não tenha conhecimento de factos ou de circunstâncias que evidenciam a atividade ou informação ilegal,

ou

b)      O prestador, a partir do momento em que tenha conhecimento da ilicitude, atue com diligência no sentido de retirar ou impossibilitar o acesso às informações.»

 Diretiva 2001/29/CE

7        O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO 2001, L 167, p. 10), dispõe:

«Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.»

 Diretiva 2019/790

8        Os considerandos 2, 3, 61, 65, 66, 70 e 84 da Diretiva 2019/790 enunciam:

«(2)      As diretivas que foram adotadas no domínio dos direitos de autor e direitos conexos contribuem para o funcionamento do mercado interno, proporcionam um nível elevado de proteção dos titulares de direitos, simplificam a obtenção de direitos e criam um regime aplicável à exploração de obras e outro material protegido. Esse regime jurídico harmonizado contribui para o funcionamento adequado do mercado interno, estimulando a inovação, a criatividade, o investimento e a produção de novos conteúdos, também no contexto digital, a fim de evitar a fragmentação do mercado interno. A proteção conferida por esse regime jurídico contribui igualmente para o objetivo da União de respeitar e promover a diversidade cultural e, ao mesmo tempo, trazer o património cultural comum europeu para primeiro plano. […]

(3)      A rápida evolução tecnológica continua a mudar a forma como as obras e outro material protegido são criados, produzidos, distribuídos e explorados. Continuam a surgir novos modelos empresariais e novos intervenientes. Cumpre que a legislação aplicável esteja orientada para o futuro, para não limitar a evolução tecnológica. Os objetivos e princípios estabelecidos pelo regime da União em matéria de direitos de autor continuam a ser válidos. No entanto, […] é necessário, em alguns domínios, adaptar e complementar o regime em vigor da União em matéria de direitos de autor, preservando ao mesmo tempo um nível elevado de proteção dos direitos de autor e direitos conexos. […]

[…]

(61)      Nos últimos anos, o funcionamento do mercado de conteúdos em linha tornou‑se mais complexo. Os serviços de partilha de conteúdos em linha que proporcionam acesso a um grande número de conteúdos protegidos por direitos de autor carregados pelos utilizadores tornaram‑se importantes fontes de acesso aos conteúdos em linha. Os serviços em linha constituem um meio para alargar o acesso a obras culturais e criativas e oferecem excelentes oportunidades para as indústrias culturais e criativas desenvolverem novos modelos de negócio. No entanto, apesar de permitirem a diversidade e o acesso fácil a conteúdos, também criam desafios quando conteúdos protegidos por direitos de autor são carregados sem a autorização prévia dos titulares de direitos. Existe uma insegurança jurídica quanto à questão de saber se os prestadores desses serviços participam em atos sujeitos a direitos de autor e necessitam de obter autorizações dos titulares de direitos no que respeita aos conteúdos carregados pelos seus utilizadores que não possuam os direitos pertinentes sobre o conteúdo carregado, sem prejuízo da aplicação das exceções e limitações previstas no direito da União. Essa insegurança prejudica a capacidade de os titulares de direitos determinarem se e em que condições as suas obras e outro material protegido são utilizados, bem como as possibilidades de obterem remuneração adequada por essa utilização. Por conseguinte, é importante promover o desenvolvimento do mercado de concessão de licenças entre os titulares de direitos e os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha. Esses acordos de concessão de licenças deverão ser justos e manter um equilíbrio razoável para ambas as partes. Os titulares de direitos deverão receber uma remuneração adequada pela utilização das suas obras ou outro material protegido. Contudo, uma vez que a liberdade contratual não deverá ser afetada por essas disposições, os titulares de direitos não deverão ser obrigados a conceder uma autorização ou a celebrar acordos de concessão de licenças.

[…]

(65)      Caso os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha sejam responsáveis pelos atos de comunicação ao público ou de colocação à disposição do público nas condições previstas na presente diretiva, o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva [2000/31] não deverá ser aplicado à responsabilidade decorrente do disposto na presente diretiva em matéria de utilização de conteúdos protegidos por prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha. Tal não deverá afetar a aplicação do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva [2000/31] a esses prestadores de serviços para fins não abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente diretiva.

(66)      Tendo em conta que os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha permitem o acesso a conteúdos que não são carregados por eles, mas sim pelos seus utilizadores, é adequado prever um mecanismo específico de responsabilidade para efeitos da presente diretiva nos casos em que não tenha sido concedida nenhuma autorização. […] Nos casos em que não tenha sido concedida nenhuma autorização aos prestadores de serviços, estes deverão envidar todos os esforços, de acordo com os mais elevados padrões de diligência profissional do setor, para evitar a disponibilidade nos seus serviços de obras ou outro material protegido não autorizados, tal como identificado pelos titulares de direitos em causa. Para esse efeito, os titulares de direitos deverão facultar aos prestadores de serviços as informações relevantes e necessárias, tendo em conta, nomeadamente, a dimensão dos titulares de direitos e o tipo das obras e do outro material protegido. As medidas tomadas pelos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha em colaboração com os titulares de direitos não deverão conduzir ao impedimento da disponibilidade de conteúdos que não infringem direitos, incluindo obras ou outro material protegido cuja utilização está abrangida por um acordo de concessão de licenças, ou uma exceção ou uma limitação aos direitos de autor e direitos conexos. As medidas tomadas por esses prestadores de serviços não deverão, por conseguinte, prejudicar os utilizadores que utilizam os serviços de partilha de conteúdos em linha para carregar e aceder legalmente a informações nesses serviços. Além disso, as obrigações estabelecidas na presente diretiva não deverão levar os Estados‑Membros a imporem uma obrigação geral de monitorização. Ao avaliar se um prestador de serviços de partilha de conteúdos em linha envidou todos os esforços de acordo com os mais elevados padrões de diligência profissional do setor dever‑se‑á ter em consideração se o prestador de serviços adotou todas as medidas que seriam tomadas por um operador diligente para alcançar o resultado de evitar a disponibilidade de obras ou outro material protegido não autorizados no seu sítio Internet, tendo em conta as boas práticas da indústria e a eficácia das medidas adotadas à luz de todos os fatores e desenvolvimentos relevantes, bem como do princípio da proporcionalidade. Para efeitos dessa avaliação, deverão ser tidos em conta diversos elementos, como a dimensão do serviço, a evolução da tecnologia de ponta relativamente aos meios existentes, incluindo os eventuais desenvolvimentos futuros, para evitar a disponibilidade de diferentes tipos de conteúdos e o custo desses meios para os serviços. Poderão ser adequados e proporcionados diferentes meios para evitar a disponibilidade de conteúdos não autorizados protegidos por direitos de autor, dependendo do tipo de conteúdo, pelo que não se exclui que, em alguns casos, a disponibilidade do conteúdo não autorizado só possa ser evitada mediante notificação dos titulares de direitos. Todas as medidas adotadas pelos prestadores de serviços deverão ser eficazes relativamente aos objetivos pretendidos, mas não deverão ir além do necessário para atingir o objetivo de evitar ou interromper a disponibilidade de obras ou outro material protegido não autorizados.

[…]

(70)      As medidas adotadas pelos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha em cooperação com os titulares de direitos não deverão prejudicar a aplicação de exceções ou limitações aos direitos de autor, em particular no que se refere à garantia da liberdade de expressão dos utilizadores. Os utilizadores deverão ter a possibilidade de carregar e disponibilizar conteúdos gerados pelos utilizadores para fins específicos de citação, crítica, análise, caricatura, paródia ou pastiche. Esse aspeto é particularmente importante para garantir um equilíbrio entre os direitos fundamentais consagrados na [Carta], nomeadamente a liberdade de expressão e a liberdade das artes, e o direito à propriedade, incluindo a propriedade intelectual. Essas exceções e limitações deverão, por conseguinte, ser obrigatórias a fim de assegurar que os utilizadores beneficiem de uma proteção uniforme em toda a União. Importa assegurar que os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha disponham de mecanismos de reclamação e recurso eficazes que facilitem a utilização para os referidos fins específicos.

Os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha deverão também estabelecer mecanismos de reclamação e recurso céleres e eficazes que permitam aos utilizadores recorrer das medidas adotadas em relação aos seus carregamentos, em particular se puderem beneficiar de uma exceção ou limitação aos direitos de autor em relação a um carregamento cujo […] acesso foi bloqueado ou que foi retirado. Qualquer queixa apresentada ao abrigo destes mecanismos deverá ser processada sem demora injustificada e sujeita a um controlo humano. Sempre que os titulares de direitos solicitem aos prestadores de serviços que tomem medidas contra os carregamentos dos utilizadores, como o bloqueio do acesso a conteúdos carregados ou a remoção dos mesmos, esses titulares de direitos deverão justificar devidamente os seus pedidos. […] Os Estados‑Membros deverão também assegurar que os utilizadores tenham acesso a mecanismos de resolução extrajudicial de litígios. Esses mecanismos deverão permitir resolver litígios de forma imparcial. Os utilizadores deverão também ter acesso a um tribunal ou a outro órgão jurisdicional pertinente para reivindicar a utilização de uma exceção ou limitação no que se refere aos direitos de autor e direitos conexos.

[…]

(84)      A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, nomeadamente, na Carta. Deste modo, a presente diretiva deverá ser interpretada e aplicada nos termos desses direitos e princípios.»

9        O artigo 1.o da Diretiva 2019/790, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», prevê, no seu n.o 1, que esta estabelece normas que visam uma maior harmonização do direito da União aplicável aos direitos de autor e direitos conexos no mercado interno, tendo em conta, em especial, as utilizações digitais e transfronteiriças de conteúdos protegidos e que estabelece igualmente regras em matéria de exceções e limitações aos direitos de autor e direitos conexos, de facilitação de licenças, bem como regras destinadas a assegurar o bom funcionamento do mercado de exploração de obras e outro material protegido. Este artigo indica, no seu n.o 2, que a Diretiva 2019/790 não prejudica, em princípio, as regras previstas nas diretivas em vigor neste domínio, nomeadamente nas Diretivas 2000/31 e 2001/29.

10      O artigo 2.o, ponto 6, primeiro parágrafo, desta diretiva define, para efeitos desta, o conceito de «[p]restador de serviços de partilha de conteúdos em linha» como «um prestador de um serviço da sociedade da informação que tem como principal objetivo ou um dos seus principais objetivos armazenar e facilitar o acesso do público a uma quantidade significativa de obras ou outro material protegido por direitos de autor carregados pelos seus utilizadores, que organiza e promove com fins lucrativos». O segundo parágrafo desta disposição exclui deste conceito «os prestadores de serviços como enciclopédias em linha sem fins lucrativos, os repositórios científicos e educativos sem fins lucrativos, as plataformas de desenvolvimento e partilha de software de fonte aberta, os prestadores de serviços de comunicações eletrónicas […] os mercados em linha, serviços em nuvem entre empresas e serviços em nuvem que permitem aos utilizadores carregar conteúdos para seu próprio uso».

11      O artigo 17.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Utilização de conteúdos protegidos por prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha», é a única disposição que figura no capítulo 2, intitulado «Utilizações de conteúdos protegidos por serviços em linha», do título IV da mesma diretiva, por sua vez intitulado «Medidas destinadas a criar um mercado dos direitos de autor que funcione corretamente». Este artigo 17.o tem a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros devem prever que os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha realizam um ato de comunicação ao público ou de colocação à disponibilização do público para efeitos da presente diretiva quando oferecem ao público o acesso a obras ou outro material […] protegido por direitos de autor carregados pelos seus utilizadores.

Os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha devem, por conseguinte, obter uma autorização dos titulares de direitos a que se refere o artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Diretiva [2001/29], por exemplo, através da celebração de um acordo de concessão de licenças, a fim de comunicar ao público ou de colocar à disposição do público obras ou outro material protegido.

2.      Os Estados‑Membros devem prever que, caso um prestador de serviços de partilha de conteúdos em linha obtenha uma autorização, por exemplo, através da celebração de um acordo de concessão de licenças, essa autorização compreenda também os atos realizados pelos utilizadores dos serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 3.o da Diretiva [2001/29] se estes não agirem com caráter comercial ou se a sua atividade não gerar receitas significativas.

3.      Quando os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha realizam atos de comunicação ao público ou de colocação à disposição do público nas condições estabelecidas na presente diretiva, a limitação da responsabilidade prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva [2000/31] não se aplica às situações abrangidas pelo presente artigo.

O disposto no primeiro parágrafo do presente número[…] não prejudica a possível aplicação do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva [2000/31] a esses prestadores de serviços para fins não abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente diretiva.

4.      Caso não seja concedida nenhuma autorização, os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha são responsáveis por atos não autorizados de comunicação ao público, incluindo a colocação à disposição do público, de obras protegidas por direitos de autor e de outro material protegido, salvo se os prestadores de serviços demonstrarem que:

a)      Envidaram todos os esforços para obter uma autorização; e

b)      Efetuaram, de acordo com elevados padrões de diligência profissional do setor, os melhores esforços para assegurar a indisponibilidade de determinadas obras e outro material protegido relativamente às quais os titulares de direitos forneceram aos prestadores de serviços as informações pertinentes e necessárias e, em todo o caso;

c)      Agiram com diligência, após receção de um aviso suficientemente fundamentado pelos titulares dos direitos, no sentido de bloquear o acesso às obras ou outro material protegido objeto de notificação nos seus sítios Internet, ou de os retirar desses sítios e envidaram os melhores esforços para impedir o seu futuro carregamento, nos termos da alínea b).

5.      Para determinar se o prestador de serviço cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do n.o 4, e à luz do princípio da proporcionalidade, devem ser tidos em conta, entre outros, os seguintes elementos:

a)      O tipo, o público‑alvo e a dimensão do serviço e o tipo de obras ou material protegido carregado pelos utilizadores do serviço; e

b)      A disponibilidade de meios adequados e eficazes, bem como o respetivo custo para os prestadores de serviços.

6.      Os Estados‑Membros devem prever que, relativamente a novos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha cujos serviços tenham sido disponibilizados ao público na União por um período inferior a três anos e cujo volume de negócios anual seja inferior a 10 milhões de EUR, calculado nos termos da Recomendação 2003/361/CE da Comissão[, de 6 de maio de 2003, relativa à definição de micro, pequenas e médias empresas (JO 2003, L 124, p. 36),] as condições por força do regime de responsabilidade previsto no n.o 4 se limitem à observância do disposto no n.o 4, alínea a), e à atuação com diligência, após a receção de um aviso suficientemente fundamentado, no sentido de bloquear o acesso às obras ou outro material protegido objeto de notificação ou de remover essas obras ou outro material protegido dos seus sítios Internet.

Caso o número médio mensal de visitantes individuais desses prestadores de serviços seja superior a 5 milhões, calculado com base no ano civil precedente, os referidos prestadores devem igualmente demonstrar que envidaram os melhores esforços para impedir outros carregamentos das obras e outro material protegido objeto de notificação sobre os quais os titulares tenham fornecido as informações pertinentes e necessárias.

7.      A cooperação entre os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha e os titulares de direitos não resulta na indisponibilidade de obras ou outro material protegido carregado por utilizadores que não violem os direitos de autor e direitos conexos, nomeadamente nos casos em que essas obras ou outro material protegido estejam abrangidos por uma exceção ou limitação.

Os Estados‑Membros asseguram que os utilizadores em cada Estado‑Membro possam invocar qualquer uma das seguintes exceções ou limitações existentes ao carregar e disponibilizar conteúdos gerados por utilizadores em serviços de partilha de conteúdos em linha:

a)      Citações, crítica, análise;

b)      Utilização para efeitos de caricatura, paródia ou pastiche.

8.      A aplicação do presente artigo não implica qualquer obrigação geral de monitorização.

Os Estados‑Membros devem prever que os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha facultem aos titulares de direitos, a pedido destes, informações adequadas sobre o funcionamento das suas práticas no que respeita à cooperação referida no n.o 4 e, caso sejam concluídos acordos de concessão de licenças entre prestadores de serviços e titulares de direitos, informações sobre a utilização dos conteúdos abrangidos pelos acordos.

9.      Os Estados‑Membros devem prever que os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha criem um mecanismo de reclamação e de recurso eficaz e rápido, disponível para os utilizadores dos respetivos serviços em caso de litígio sobre o bloqueio do acesso a obras ou outro material protegido por eles carregado, ou a respetiva remoção.

Sempre que solicitem o bloqueio do acesso às suas obras ou outro material protegido específicos ou a remoção dessas obras ou desse material protegido, os titulares de direitos devem justificar devidamente os seus pedidos. As queixas apresentadas ao abrigo do mecanismo previsto no primeiro parágrafo são processadas sem demora injustificada e as decisões de bloqueio do acesso a conteúdos carregados ou de remoção dos mesmos são sujeitas a controlo humano. Os Estados‑Membros asseguram também a disponibilidade de mecanismos de resolução extrajudicial de litígios. Esses mecanismos permitem a resolução de litígios de forma imparcial e não privam o utilizador da proteção jurídica conferida pelo direito nacional, sem prejuízo do direito dos utilizadores a recursos judiciais eficazes. Em especial, os Estados‑Membros asseguram que os utilizadores tenham acesso a um tribunal ou a outro órgão jurisdicional pertinente para reivindicar a utilização de uma exceção ou limitação no que se refere às regras em matéria de direitos de autor e direitos conexos.

A presente diretiva não afeta de modo algum as utilizações legítimas, como as utilizações abrangidas pelas exceções ou limitações previstas no direito da União, nem conduz a qualquer identificação de utilizadores individuais nem ao tratamento de dados pessoais, exceto nos termos da Diretiva 2002/58/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas (Diretiva relativa à privacidade e às comunicações eletrónicas) (JO 2002, L 201, p. 37)], e do Regulamento (UE) 2016/679 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO 2016, L 119, p. 1)].

Os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha informam os seus utilizadores, nas suas condições gerais, da possibilidade de utilizarem obras e outro material protegido ao abrigo de exceções ou limitações aos direitos de autor e direitos conexos previstas no direito da União.

10.      A partir de 6 de junho de 2019, a Comissão, em cooperação com os Estados‑Membros, deve organizar diálogos entre as partes interessadas com vista a debater as melhores práticas para a cooperação entre os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha e os titulares de direitos. A Comissão, em consulta com os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha, os titulares de direitos, as organizações de utilizadores e outras partes interessadas pertinentes, e tendo em conta os resultados dos diálogos entre as partes interessadas, emite orientações sobre a aplicação do presente artigo, nomeadamente no que diz respeito à cooperação a que se refere o n.o 4. Aquando do debate sobre melhores práticas, devem ser tidos em especial consideração, entre outros aspetos, os direitos fundamentais e a utilização de exceções e limitações. Para efeitos desse diálogo entre as partes interessadas, as organizações de utilizadores têm acesso a informações adequadas dos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha sobre o funcionamento das suas práticas no que diz respeito ao n.o 4.»

 Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

12      A República da Polónia pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular a alínea b) e a alínea c), in fine, do n.o 4 do artigo 17.o da Diretiva 2019/790 isto é, o que diz respeito à redação «e envidaram os melhores esforços para impedir o seu futuro carregamento, nos termos da alínea b)»;

–        subsidiariamente, na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar que as normas visadas no travessão anterior não podem ser dissociadas do resto do artigo 17.o da referida diretiva sem que seja alterada a sua substância, anular este artigo 17.o na sua totalidade;

–        condenar o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia nas despesas.

13      O Parlamento pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e que condene a República da Polónia nas despesas.

14      O Conselho pede ao Tribunal de Justiça que julgue inadmissíveis os pedidos apresentados a título principal ou que negue provimento ao recurso na sua totalidade, e que condene a República da Polónia nas despesas.

15      Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 17 de outubro de 2019, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Portuguesa e a Comissão Europeia foram autorizados a intervir em apoio dos pedidos do Parlamento e do Conselho, em conformidade com o artigo 131.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

 Quanto ao recurso

 Quanto à admissibilidade

16      O Parlamento e o Conselho, apoiados pela República Francesa e pela Comissão, alegam que os pedidos apresentados a título principal são inadmissíveis, uma vez que a alínea b) e a alínea c), in fine, do artigo 17.o, n.o 4, da Diretiva 2019/790 não são dissociáveis do resto do referido artigo 17.o

17      A este respeito, importa recordar que a anulação parcial de um ato da União só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem dissociáveis do resto do ato. O Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que esta exigência não é cumprida se a anulação parcial de um ato tiver por efeito alterar a substância desse ato (Acórdão de 8 de dezembro de 2020, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑626/18, EU:C:2020:1000, n.o 28 e jurisprudência referida).

18      De igual modo, a verificação do caráter dissociável de elementos de um ato da União pressupõe o exame do alcance desses elementos, a fim de se poder avaliar se a anulação dos mesmos modificaria o espírito e a substância desse ato (Acórdão de 8 de dezembro de 2020, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑626/18, EU:C:2020:1000, n.o 29 e jurisprudência referida).

19      Por outro lado, a questão de saber se uma anulação parcial de um ato da União altera a substância desse ato constitui um critério objetivo e não um critério subjetivo ligado à vontade política da instituição que adotou o referido ato (Acórdão de 8 de dezembro de 2020, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑626/18, EU:C:2020:1000, n.o 30 e jurisprudência referida).

20      Como salientou o advogado‑geral no n.o 44 das suas conclusões e como o Parlamento e o Conselho, apoiados pela República Francesa e pela Comissão, alegam, o artigo 17.o da Diretiva 2019/790 institui, a respeito dos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha, um novo regime de responsabilidade, cujas diversas disposições formam um conjunto e, como resulta dos considerandos 61 e 66 desta diretiva, visam estabelecer o equilíbrio entre os direitos e interesses desses prestadores, os dos utilizadores dos seus serviços e os dos titulares dos direitos. Em especial, a anulação apenas da alínea b) e da alínea c), in fine, do artigo 17.o, n.o 4, da referida diretiva teria por consequência substituir, ao mesmo tempo, esse regime de responsabilidade por um regime sensivelmente diferente e claramente mais favorável para esses prestadores. Tal anulação parcial alteraria, pois, a substância deste artigo 17.o

21      Daqui decorre que a alínea b) e a alínea c), in fine, do artigo 17.o, n.o 4, da Diretiva 2019/790 não são dissociáveis do resto deste artigo 17.o e que, logo, os pedidos apresentados a título principal, que visam apenas a anulação destas disposições, são inadmissíveis.

22      Em contrapartida, é pacífico que o artigo 17.o da Diretiva 2019/790, que figura num capítulo separado do título IV desta, relativo a medidas destinadas a assegurar o bom funcionamento do mercado dos direitos de autor, é dissociável do resto desta diretiva e que, assim, os pedidos apresentados a título subsidiário pela República da Polónia, que visam a anulação desse artigo 17.o na sua totalidade, são admissíveis.

 Quanto ao mérito

23      Em apoio dos seus pedidos, a República da Polónia invoca um fundamento único, relativo à violação do direito à liberdade de expressão e de informação, garantido no artigo 11.o da Carta.

24      Este fundamento baseia‑se, em substância, na argumentação segundo a qual, para serem dispensados de qualquer responsabilidade pelo facto de dar ao público acesso a obras ou outro material protegido por direitos de autor carregados pelos seus utilizadores em violação dos direitos de autor, os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha são obrigados, por força do artigo 17.o, n.o 4, alínea b), e alínea c), in fine, da Diretiva 2019/790, a proceder, de forma preventiva, a uma monitorização de todos os conteúdos que os seus utilizadores pretendem pôr em linha. Para o efeito, deverão utilizar ferramentas informáticas que permitam a filtragem automática prévia desses conteúdos. De facto, ao impor tais medidas de monitorização preventiva aos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha sem preverem garantias que assegurem o respeito pelo direito à liberdade de expressão e de informação, as disposições controvertidas constituem uma restrição ao exercício desse direito fundamental que não respeita nem o conteúdo essencial deste, nem o princípio da proporcionalidade e que, por conseguinte, não pode ser considerada justificada.

25      O Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino de Espanha, pela República Francesa e pela Comissão, contestam a procedência do referido fundamento único.

 Quanto ao regime de responsabilidade introduzido no artigo 17.o da Diretiva 2019/790

26      A título preliminar, há que recordar que, até à entrada em vigor do artigo 17.o da Diretiva 2019/790, a responsabilidade dos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha pelo facto de permitir ao público o acesso a conteúdos protegidos, carregados nas suas plataformas por utilizadores destas em violação dos direitos de autor, era regulada pelo artigo 3.o da Diretiva 2001/29 e pelo artigo 14.o da Diretiva 2000/31.

27      A este respeito, por um lado, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que o operador de uma plataforma de partilha de vídeos ou de uma plataforma de armazenagem e de partilha de ficheiros, na qual os utilizadores podem colocar ilegalmente à disposição do público conteúdos protegidos, não realiza uma «comunicação ao público» destes, na aceção desta disposição, a menos que contribua, além da mera colocação à disposição da plataforma, para dar ao público acesso a tais conteúdos em violação dos direitos de autor. É o que sucede nomeadamente quando esse operador tem conhecimento concreto da colocação à disposição ilícita de um conteúdo protegido na sua plataforma e se abstém de o apagar ou de bloquear o acesso a esse conteúdo com diligência, ou quando o referido operador, embora sabendo ou devendo saber que, de um modo geral, conteúdos protegidos são ilegalmente colocados à disposição do público por intermédio da sua plataforma por utilizadores desta, se abstém de implementar as medidas técnicas adequadas que se podem esperar de um operador normalmente diligente que se encontre na sua situação para combater de forma credível e eficaz violações dos direitos de autor nessa plataforma, ou ainda quando contribui para a seleção de conteúdos protegidos comunicados ilegalmente ao público, fornece na sua plataforma ferramentas destinadas especificamente a partilhar ilicitamente esses conteúdos ou promove conscientemente tais partilhas, o que pode ser comprovado pela circunstância de o operador ter adotado um modelo económico que incentiva os utilizadores da sua plataforma a nesta procederem ilegalmente à comunicação ao público de conteúdos protegidos (Acórdão de 22 de junho de 2021, YouTube e Cyando, C‑682/18 e C‑683/18, EU:C:2021:503, n.o 102).

28      Por outro lado, o Tribunal de Justiça constatou que a atividade do operador de uma plataforma de partilha de vídeos ou de uma plataforma de armazenagem e de partilha de ficheiros está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31, desde que esse operador não desempenhe um papel ativo suscetível de lhe conferir um conhecimento ou um controlo dos conteúdos carregados na sua plataforma. Além disso, para ser excluído, por força do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva, da possibilidade de beneficiar da isenção de responsabilidade prevista neste artigo 14.o, n.o 1, esse operador deve ter conhecimento dos atos ilegais concretos dos seus utilizadores relativos a conteúdos protegidos que foram carregados na sua plataforma (Acórdão de 22 de junho de 2021, YouTube e Cyando, C‑682/18 e C‑683/18, EU:C:2021:503, n.os 117 e 118).

29      No entanto, como resulta nomeadamente dos considerandos 61 e 66 da Diretiva 2019/790, o legislador da União considerou que, tendo em conta a circunstância de, nos últimos anos, o funcionamento do mercado de conteúdos em linha se ter tornado mais complexo e de os serviços de partilha destes conteúdos que proporcionam acesso a um grande número de conteúdos protegidos se terem tornado importantes fontes de acesso aos conteúdos em linha, era necessário prever um mecanismo específico de responsabilidade para os prestadores desses serviços a fim de promover o desenvolvimento do mercado de concessão de licenças justas entre os titulares de direitos e esses prestadores.

30      Para este novo mecanismo específico de responsabilidade, o legislador da União previu um âmbito de aplicação limitado, o artigo 2.o, ponto 6, primeiro parágrafo, da Diretiva 2019/790, que define o prestador de serviços de partilha de conteúdos em linha como um prestador de um serviço da sociedade da informação que tem como principal objetivo ou um dos seus principais objetivos armazenar e facilitar o acesso do público a uma quantidade significativa de obras ou outro material protegido por direitos de autor carregados pelos seus utilizadores, que organiza e promove com fins lucrativos. O referido mecanismo não visa, portanto, os prestadores de serviços da sociedade da informação que não preencham um ou mais dos critérios que figuram nesta disposição e, por conseguinte, estes continuam sujeitos ao regime geral de responsabilidade previsto no artigo 14.o da Diretiva 2000/31, a título de um serviço de «armazenagem», e, sendo caso disso, ao previsto no artigo 3.o da Diretiva 2001/29, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2019/790.

31      Acresce que esse legislador, por um lado, reduziu, através do segundo parágrafo do referido artigo 2.o, ponto 6, o âmbito de aplicação do novo mecanismo específico de responsabilidade instituído pela Diretiva 2019/790, e, por outro, limitou o seu alcance, através do artigo 17.o, n.o 6, desta diretiva, que afasta, em princípio, para determinados novos prestadores, a aplicação das disposições da referida diretiva visadas pelo recurso de anulação.

32      No que respeita a este novo mecanismo específico de responsabilidade, o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2019/790 prevê que os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha realizam um ato de comunicação ao público ou de colocação à disponibilização do público quando oferecem ao público o acesso a obras ou outro material protegido por direitos de autor carregados pelos seus utilizadores e que devem, por conseguinte, obter uma autorização dos titulares de direitos, por exemplo, através da celebração de um acordo de concessão de licenças.

33      Ao mesmo tempo, o artigo 17.o, n.o 3, da Diretiva 2019/790 exclui, no que respeita a esses atos, o prestador de serviços de partilha de conteúdos em linha do benefício da isenção de responsabilidade prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31.

34      O artigo 17.o, n.o 4, da Diretiva 2019/790 introduz um regime específico de responsabilidade no caso de não ser concedida nenhuma autorização. Assim, nesta hipótese, os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha só podem eximir‑se da sua responsabilidade por esses atos de comunicação e de colocação à disposição de conteúdos que violam os direitos de autor em determinadas condições cumulativas, indicadas nas alíneas a) a c) desta disposição. Nos termos desta, esses prestadores devem demonstrar que:

–        envidaram todos os esforços para obter uma autorização [alínea a)]; e

–        efetuaram, de acordo com elevados padrões de diligência profissional do setor, os melhores esforços para assegurar a indisponibilidade de determinadas obras e outro material protegido relativamente às quais os titulares de direitos forneceram aos prestadores de serviços as informações pertinentes e necessárias e, [alínea b)], em todo o caso;

–        agiram com diligência, após receção de um aviso suficientemente fundamentado pelos titulares dos direitos, no sentido de bloquear o acesso às obras ou outro material protegido objeto de notificação nos seus sítios Internet, ou de os retirar desses sítios e envidaram os melhores esforços para impedir o seu futuro carregamento, nos termos da alínea b) [alínea c)].

35      Este regime específico de responsabilidade, instituído pelo artigo 17.o, n.o 4, da Diretiva 2019/790, é precisado e completado no artigo 17.o, n.os 5 a 10, desta diretiva.

36      Assim, antes de mais, o artigo 17.o, n.o 5, da Diretiva 2019/790 enumera os elementos que devem ser tomados em consideração para determinar, à luz do princípio da proporcionalidade, se o prestador de serviços cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 17.o, n.o 4, desta.

37      Em seguida, o artigo 17.o, n.o 7, da Diretiva 2019/790 especifica que a cooperação entre os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha e os titulares de direitos não resulta na indisponibilidade de obras ou outro material protegido carregado por utilizadores que não violem os direitos de autor e direitos conexos, nomeadamente nos casos em que essas obras ou outro material protegido estejam abrangidos por uma exceção ou limitação. Esta disposição enumera as exceções e limitações que os utilizadores em cada Estado‑Membro devem poder invocar. Quanto ao artigo 17.o, n.o 8, da diretiva, este enuncia, nomeadamente, que a aplicação deste artigo não implica qualquer obrigação geral de monitorização e o artigo 17.o, n.o 9, desta prevê, nomeadamente, a criação de um mecanismo de reclamação, e de recurso eficaz e rápido, disponível para os utilizadores, assim como mecanismos de resolução extrajudicial de litígios que complementam as vias de recurso judiciais.

38      Por último, o artigo 17.o, n.o 10, da Diretiva 2019/790 encarrega a Comissão de organizar, em cooperação com os Estados‑Membros, diálogos entre as partes interessadas, com vista a debater as melhores práticas, dando especial atenção à necessidade de manter um equilíbrio entre os direitos fundamentais e o recurso às exceções e às limitações, bem como de emitir, após consulta dessas partes, orientações sobre a aplicação, nomeadamente, da cooperação entre os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha e os titulares de direitos, visada no artigo 17.o, n.o 4, desta diretiva.

 Quanto à existência de uma restrição ao exercício do direito à liberdade de expressão e de informação decorrente do regime de responsabilidade introduzido no artigo 17.o da Diretiva 2019/790

39      A República da Polónia sustenta que, ao impor aos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha a obrigação de efetuar os seus melhores esforços, por um lado, para assegurar a indisponibilidade de conteúdos protegidos específicos para os quais os titulares de direitos forneceram as informações pertinentes e necessárias e, por outro, para impedir o futuro carregamento dos conteúdos protegidos objeto de um aviso suficientemente fundamentado pelos titulares, o artigo 17.o, n.o 4, alínea b), e alínea c), in fine, da Diretiva 2019/790 limita o exercício do direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores destes serviços, garantido pelo artigo 11.o da Carta.

40      Com efeito, segundo a República da Polónia, para poder cumprir estas obrigações e, assim, beneficiar da isenção de responsabilidade prevista no artigo 17.o, n.o 4, da Diretiva 2019/790, os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha são obrigados a monitorizar todos os conteúdos carregados pelos seus utilizadores antes da sua difusão ao público. Para isso, na falta de outras soluções exequíveis, esses prestadores seriam levados a utilizar ferramentas de filtragem automática.

41      Ora, essa monitorização preventiva constituiria uma ingerência particularmente grave no direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores de serviços de partilha de conteúdos em linha, uma vez que, por um lado, comporta o risco de que conteúdos lícitos sejam bloqueados e, por outro, a ilicitude e, assim, o bloqueio dos conteúdos seriam determinados de maneira automática por algoritmos, e isto antes mesmo de qualquer difusão dos conteúdos em questão.

42      A República da Polónia alega, além disso, que o legislador da União não pode declinar a sua responsabilidade por esta ingerência no direito garantido no artigo 11.o da Carta, uma vez que esta é a consequência inevitável, ou mesmo a consequência antecipada pelas instituições da União, do regime de responsabilidade instituído pelo artigo 17.o, n.o 4, da Diretiva 2019/790.

43      O Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino de Espanha, pela República Francesa e pela Comissão, contestam o facto de esse regime de responsabilidade ter por consequência uma limitação do direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores de serviços de partilha de conteúdos em linha e sustentam que, em todo o caso, uma eventual limitação a esse direito decorrente da aplicação do referido regime não pode ser imputável ao legislador da União.

44      Importa recordar que, nos termos do artigo 11.o da Carta, qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão, o que compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras. Como resulta das Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17) e em conformidade com o artigo 52.o, n.o 3, da Carta, os direitos garantidos no artigo 11.o desta têm o mesmo sentido e âmbito que os garantidos no artigo 10.o da CEDH.

45      A este respeito, há que salientar que a partilha de informações na Internet através de plataformas de partilha de conteúdos em linha está abrangida pela aplicação do artigo 10.o da CEDH e do artigo 11.o da Carta.

46      Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o artigo 10.o da CEDH garante a liberdade de expressão e de informação a qualquer pessoa e diz respeito não apenas ao conteúdo das informações, mas também aos meios da sua difusão, uma vez que qualquer restrição a esses meios afeta o direito de receber e de comunicar informações. Como este órgão jurisdicional salientou, a Internet tornou‑se hoje um dos principais meios de exercício pelos indivíduos do seu direito à liberdade de expressão e de informação. Os sítios na Internet e, nomeadamente, as plataformas de partilha de conteúdos em linha, graças à sua acessibilidade e à sua capacidade de armazenar e de difundir grandes quantidades de dados contribuem significativamente para melhorar o acesso do público à informação e, em geral, para facilitar a comunicação da informação, uma vez que a possibilidade de os indivíduos se expressarem na Internet constitui um instrumento sem precedentes para o exercício da liberdade de expressão (v., neste sentido, TEDH, de 1 de dezembro de 2015, Cengiz e outros c. Turquia, CE:ECHR:2015:1201JUD004822610, § 52, e TEDH, de 23 de junho de 2020, Vladimir Kharitonov c. Rússia, CE:ECHR:2020:0623JUD001079514, § 33 e jurisprudência referida).

47      Assim, na sua interpretação do regime de responsabilidade baseado no artigo 3.o da Diretiva 2001/29 e no artigo 14.o da Diretiva 2000/31, aplicável aos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha até à entrada em vigor do artigo 17.o da Diretiva 2019/790, o Tribunal de Justiça sublinhou a necessidade de ter devidamente em conta a importância específica da Internet para a liberdade de expressão e de informação, garantida no artigo 11.o da Carta, e, assim, de assegurar o respeito por esse direito fundamental na aplicação desse regime (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2021, YouTube e Cyando, C‑682/18 e C‑683/18, EU:C:2021:503, n.os 64, 65 e 113).

48      A fim de determinar se o regime específico de responsabilidade, instituído no artigo 17.o, n.o 4, da Diretiva 2019/790 para os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha, comporta uma restrição ao exercício do direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores desses serviços de partilha, importa constatar, desde logo, que esta disposição assenta na premissa de que esses prestadores não estão necessariamente em condições de obter uma autorização para todos os conteúdos protegidos, suscetíveis de serem carregados nas suas plataformas pelos utilizadores destas. Neste contexto, há que salientar que os titulares dos direitos são livres de determinar se e em que condições as suas obras e outro material protegido são utilizados. Com efeito, como sublinhado no considerando 61 desta diretiva, a liberdade contratual não é por ela afetada, e esses titulares não são de modo nenhum obrigados a conceder autorizações ou licenças de utilização das suas obras aos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha.

49      Nestas condições, para evitar serem considerados responsáveis quando os utilizadores carregam conteúdos ilícitos nas suas plataformas, relativamente aos quais os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha não dispõem de autorização por parte dos titulares dos direitos, esses prestadores devem demonstrar que envidaram todos os esforços, na aceção do artigo 17.o, n.o 4, alínea a), da Diretiva 2019/790, para obter essa autorização e que preenchem todas as outras condições de isenção previstas no artigo 17.o, n.o 4, alíneas b) e c), desta diretiva.

50      Nos termos destas outras condições, as obrigações que incumbem aos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha não se limitam à referida no início do artigo 17.o, n.o 4, alínea c), da Diretiva 2019/790, correspondente à que já lhes incumbia em aplicação do artigo 14.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2000/31 e que consiste em dever agir com diligência, após receção de um aviso suficientemente fundamentado pelos titulares dos direitos, no sentido de bloquear o acesso aos conteúdos protegidos objeto de notificação, ou de os retirar das suas plataformas (v., igualmente, Acórdão de 22 de junho de 2021, YouTube e Cyando, C‑682/18 e C‑683/18, EU:C:2021:503, n.o 116).

51      Com efeito, além desta obrigação, estes prestadores têm de, por um lado, no que se refere a conteúdos específicos relativamente aos quais os titulares dos direitos lhes transmitiram as informações pertinentes e necessárias, efetuar, em conformidade com o artigo 17.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2019/790, «de acordo com elevados padrões de diligência profissional do setor, os melhores esforços, para assegurar a indisponibilidade» desses conteúdos.

52      Por outro lado, no que respeita aos conteúdos protegidos que foram objeto, após a sua colocação à disposição do público, de um aviso suficientemente fundamentado pelos titulares de direitos, esses prestadores devem, em aplicação do artigo 17.o, n.o 4, alínea c), in fine, da Diretiva 2019/790, envidar «os melhores esforços para impedir o seu futuro carregamento, nos termos da alínea b)» desta disposição.

53      Resulta assim da redação e da economia do artigo 17.o, n.o 4, alíneas b) e c), da Diretiva 2019/790 que, para beneficiarem da isenção de responsabilidade e sem prejuízo da exceção prevista para os novos prestadores, na aceção do artigo 17.o, n.o 6, desta diretiva, os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha não só devem atuar com diligência, para fazer cessar, nas suas plataformas, violações concretas dos direitos de autor depois de estas terem ocorrido e de lhes terem sido notificadas de forma suficientemente fundamentada pelos titulares de direitos, como devem também, após receção dessa notificação ou quando esses titulares lhes forneceram as informações pertinentes e necessárias antes da ocorrência de uma violação dos direitos de autor, efetuar, «de acordo com elevados padrões de diligência profissional do setor, os melhores esforços», para evitar que essas violações ocorram ou voltem a ocorrer. Estas últimas obrigações impõem, assim, de facto, como afirma a República da Polónia, a esses prestadores que efetuem um controlo prévio dos conteúdos que os utilizadores pretendem carregar nas suas plataformas, desde que tenham recebido dos titulares de direitos as informações ou as notificações previstas nesse artigo 17.o, n.o 4, alíneas b) e c).

54      Por outro lado, como salientou o advogado‑geral nos n.os 57 a 69 das suas conclusões, para poder efetuar esse controlo prévio, os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha são, em função do número de ficheiros carregados e do tipo de objeto protegido em questão, dentro dos limites enunciados no artigo 17.o, n.o 5, da Diretiva 2019/790, obrigados a recorrer a ferramentas de reconhecimento e de filtragem automáticas. Em especial, nem as instituições recorridas nem os intervenientes estavam em condições, na audiência no Tribunal de Justiça, de designar alternativas possíveis a tais ferramentas.

55      Ora, esse controlo e essa filtragem prévios são suscetíveis de introduzir uma restrição a um meio importante de difusão de conteúdos em linha e de constituir, assim, uma limitação ao direito garantido no artigo 11.o da Carta.

56      Além disso, contrariamente ao que alegam as instituições recorridas, esta limitação é imputável ao legislador da União, uma vez que é a consequência direta do regime específico de responsabilidade, instituído para os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha no artigo 17.o, n.o 4, da Diretiva 2019/790.

57      Por outro lado, o artigo 17.o, n.o 5, desta diretiva faz expressamente referência às «obrigações» que «incumbem por força do n.o 4» deste artigo 17.o aos referidos prestadores e enumera elementos que devem ser tomados em consideração para determinar se, à luz do princípio da proporcionalidade, esse prestador «cumpriu» essas obrigações.

58      Por conseguinte, há que concluir que o regime específico de responsabilidade, instituído no artigo 17.o, n.o 4, da Diretiva 2019/790 para os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha, comporta uma restrição ao exercício do direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores desses serviços de partilha, garantido pelo artigo 11.o da Carta.

 Quanto à justificação da restrição ao exercício do direito à liberdade de expressão e de informação decorrente do regime de responsabilidade introduzido no artigo 17.o da Diretiva 2019/790

59      A República da Polónia alega que a restrição ao exercício deste direito fundamental dos utilizadores de serviços de partilha de conteúdos em linha, resultante do regime de responsabilidade instituído no artigo 17.o da Diretiva 2019/790, não responde às exigências previstas no artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

60      Com efeito, segundo a República da Polónia, este artigo 17.o não contém garantias que permitam assegurar o respeito do conteúdo essencial do referido direito fundamental e do princípio da proporcionalidade na execução das obrigações previstas no artigo 17.o, n.o 4, alínea b), e alínea c), in fine, da Diretiva 2019/790. Em especial, estas últimas disposições não preveem nenhuma regra clara e precisa no que respeita à forma como os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha devem cumprir essas obrigações, dando‑lhes «carta branca» para criarem mecanismos de controlo e de filtragem prévios que violam o direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores desses serviços. Além disso, o artigo 17.o, n.os 7 a 9, desta diretiva não permite evitar que, na execução das referidas obrigações, os conteúdos lícitos sejam também automaticamente bloqueados e que a sua difusão ao público seja, pelo menos, significativamente atrasada, com o risco de esses conteúdos perderem todo o interesse e o seu valor informativo antes da sua difusão.

61      Ao adotar o regime de responsabilidade instituído no artigo 17.o da referida diretiva, o legislador da União violou o justo equilíbrio entre a proteção dos titulares de direitos e a proteção dos utilizadores de serviços de partilha de conteúdos em linha, tanto mais que os objetivos visados por este regime de responsabilidade podem já ser amplamente alcançados com as outras condições previstas no artigo 17.o, n.o 4, da mesma diretiva.

62      O Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino de Espanha, pela República Francesa e pela Comissão, contestam a argumentação invocada pela República da Polónia e alegam, nomeadamente, que o artigo 17.o da Diretiva 2019/790 comporta um sistema de garantias completo que preserva o direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores de serviços de partilha de conteúdos em linha e o justo equilíbrio entre os direitos e interesses em causa.

63      Importa salientar que, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

64      A este respeito, o Tribunal de Justiça constatou que a exigência segundo a qual qualquer restrição ao exercício de direitos fundamentais deve ser prevista por lei implica que o próprio ato que permite a ingerência nesses direitos deve definir o alcance da restrição ao exercício do direito em causa (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2020, Facebook Ireland e Schrems, C‑311/18, EU:C:2020:559, n.o 175 e jurisprudência referida).

65      Quanto ao respeito pelo princípio da proporcionalidade, este exige que as limitações que possam nomeadamente ser impostas por atos de direito da União aos direitos e liberdades consagrados na Carta não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário para alcançar os objetivos legítimos prosseguidos ou a necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros, entendendo‑se que, sempre que exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados por esta não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de março de 2019, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑128/17, EU:C:2019:194, n.o 94 e jurisprudência referida, e de 17 de dezembro de 2020, Centraal Israëlitisch Consistorie van België e o., C‑336/19, EU:C:2020:1031, n.o 64 e jurisprudência referida).

66      Por outro lado, quando vários direitos fundamentais e princípios consagrados pelos Tratados estão em causa, a apreciação do respeito pelo princípio da proporcionalidade deve ser efetuada respeitando a necessária conciliação das exigências ligadas à proteção dos diferentes direitos e princípios em causa e de um justo equilíbrio entre eles (v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Centraal Israëlitisch Consistorie van België e o., C‑336/19, EU:C:2020:1031, n.o 65 e jurisprudência referida).

67      Além disso, para satisfazer a exigência da proporcionalidade, a regulamentação que contenha uma ingerência nos direitos fundamentais deve prever regras claras e precisas que regulem o alcance e a aplicação da medida em causa e imponham requisitos mínimos, de modo a que as pessoas cujo exercício desses direitos é limitado disponham de garantias suficientes que lhes permitam proteger eficazmente contra os riscos de abuso. Essa regulamentação deve, em especial, indicar em que circunstâncias e em que condições essa medida pode ser adotada, garantindo, assim, que a ingerência se limita ao estritamente necessário. A necessidade de dispor destas garantias é ainda mais importante quando a ingerência decorre de um tratamento automatizado (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2020, Facebook Ireland e Schrems, C‑311/18, EU:C:2020:559, n.o 176 e jurisprudência referida).

68      No que diz respeito, nomeadamente, a uma restrição ao exercício do direito à liberdade de expressão e de informação como a que está em causa no presente processo, resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que, embora o artigo 10.o da CEDH não proíba, enquanto tal, qualquer restrição prévia a um meio de difusão, tais restrições apresentam, contudo, perigos significativos para o respeito desse direito fundamental que se devem inscrever num quadro jurídico particularmente rigoroso (TEDH, 18 de dezembro de 2012, Ahmet Yildirim c. Turquia, CE:ECHR:2012:1218JUD000311110, §§ 47, 64 e jurisprudência referida).

69      É à luz destas considerações que importa examinar se a restrição ao exercício do direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores de serviços de partilha de conteúdos em linha, consagrado no artigo 11.o da Carta, que decorre do regime de responsabilidade instituído pelo artigo 17.o, n.o 4, da Diretiva 2019/790 para os prestadores desses serviços de partilha, cumpre as exigências previstas no artigo 52.o, n.o 1, da Carta. Para efeitos deste exame, deve ter‑se em conta não só este artigo 17.o, n.o 4, de forma isolada, mas também as disposições que especificam e completam esse regime e, em especial, o artigo 17.o, n.os 7 a 10, desta diretiva. Além disso, há que ter em conta o objetivo legítimo prosseguido pela aplicação deste regime, a saber, a proteção das pessoas titulares de direitos de autor e de direitos conexos, garantidos, enquanto direitos de propriedade intelectual, no artigo 17.o, n.o 2, da Carta.

70      Neste contexto, há que recordar que, segundo um princípio geral de interpretação, um ato da União deve ser interpretado, na medida do possível, de forma a não pôr em causa a sua validade e em conformidade com o direito primário no seu conjunto, nomeadamente com as disposições da Carta. Assim, quando um diploma de direito derivado da União é suscetível de mais do que uma interpretação, há que dar preferência àquela que torna a disposição compatível com o direito primário e não à que leva a declarar a sua incompatibilidade com este [Acórdão de 14 de maio de 2019, M e o. (Revogação do estatuto de refugiado), C‑391/16, C‑77/17 e C‑78/17, EU:C:2019:403, n.o 77 e jurisprudência referida].

71      Além disso, o presente exame, à luz das exigências estabelecidas no artigo 52.o, n.o 1, da Carta, incide sobre o regime específico de responsabilidade dos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha, conforme instituído no artigo 17.o, n.o 4, da Diretiva 2019/790, o que não prejudica qualquer exame suscetível de incidir, posteriormente, sobre a análise das disposições adotadas pelos Estados‑Membros para efeitos da transposição desta diretiva ou das medidas determinadas por esses prestadores para darem cumprimento ao referido regime.

72      No âmbito do presente exame, em primeiro lugar, há que constatar que a restrição ao exercício do direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores de serviços de partilha de conteúdos em linha está prevista na lei, uma vez que resulta das obrigações impostas aos prestadores desses serviços por uma disposição de um ato da União, a saber, como foi indicado no n.o 53 do presente acórdão, o artigo 17.o, n.o 4, alínea b), e alínea c), in fine, da Diretiva 2019/790.

73      É certo que esta disposição não precisa as medidas concretas que esses prestadores de serviços devem adotar para garantir a indisponibilidade de conteúdos protegidos específicos para os quais os titulares de direitos forneceram as informações pertinentes e necessárias ou para impedir que conteúdos protegidos que foram objeto de um aviso suficientemente fundamentado por esses titulares sejam carregados no futuro. A referida disposição limita‑se a impor aos referidos prestadores de serviços que efetuem, a este respeito, os seus «melhores esforços», e isto «de acordo com elevados padrões de diligência profissional do setor». Segundo as explicações fornecidas pelo Parlamento e pelo Conselho, a redação desta mesma disposição visa assegurar que as obrigações assim impostas possam adaptar‑se às circunstâncias do caso em apreço dos diferentes prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha, bem como à evolução das práticas do setor e das tecnologias disponíveis.

74      Contudo, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a exigência segundo a qual qualquer restrição ao exercício de um direito fundamental deve ser prevista por lei não impede que a disposição que contém essa limitação seja formulada em termos suficientemente abertos para poder adaptar‑se à evolução das circunstâncias (v., neste sentido, TEDH, 16 de junho de 2015, Delfi AS c. Estónia, CE:ECHR:2015:0616JUD006456909, § 121 e jurisprudência referida).

75      Além disso, tratando‑se de uma obrigação, imposta a prestadores de serviços da Internet, de tomar medidas destinadas a assegurar o respeito pelos direitos de autor aquando da utilização dos seus serviços, pode, consoante o caso, revelar‑se mesmo necessário, a fim de respeitar a liberdade de empresa desses prestadores de serviços, garantida no artigo 16.o da Carta, e o justo equilíbrio entre esta, o direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores dos seus serviços, consagrado no artigo 11.o da Carta, e o direito de propriedade intelectual dos titulares de direitos, protegido pelo artigo 17.o, n.o 2, da Carta, deixar ao critério dos prestadores de serviços a determinação das medidas concretas a tomar para alcançar o resultado pretendido, para que estes possam optar por executar as medidas que melhor se adaptem aos recursos e às capacidades de que dispõem, e que sejam compatíveis com as restantes obrigações e desafios a que deve fazer face no exercício da sua atividade (v., neste sentido, Acórdão de 27 de março de 2014, UPC Telekabel Wien, C‑314/12, EU:C:2014:192, n.o 52).

76      Em segundo lugar, importa constatar que a restrição ao exercício do direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores de serviços de partilha de conteúdos em linha respeita, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, o conteúdo essencial do direito à liberdade de expressão e de informação, garantido pelo artigo 11.o da Carta.

77      A este propósito, há que salientar que o artigo 17.o, n.o 7, primeiro parágrafo, da Diretiva 2019/790 precisa expressamente que a «cooperação entre os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha e os titulares de direitos não resulta na indisponibilidade de obras ou outro material protegido carregado por utilizadores que não violem os direitos de autor e direitos conexos, nomeadamente nos casos em que essas obras ou outro material protegido estejam abrangidos por uma exceção ou limitação» a estes direitos.

78      Segundo os seus termos inequívocos, este artigo 17.o, n.o 7, primeiro parágrafo, contrariamente ao artigo 17.o, n.o 4, alínea b), e alínea c), in fine, da Diretiva 2019/790, não se limita a exigir que os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha efetuem, para esse efeito, os seus «melhores esforços», mas prescreve um resultado preciso a alcançar.

79      Por outro lado, o artigo 17.o, n.o 9, terceiro parágrafo, da Diretiva 2019/790 sublinha que esta diretiva «não prejudica de modo algum as utilizações legítimas, como as utilizações abrangidas pelas exceções ou limitações previstas no direito da União».

80      Assim, resulta claramente do artigo 17.o, n.os 7 e 9, da Diretiva 2019/790, bem como dos seus considerandos 66 e 70, que, para proteger o direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores de serviços de partilha de conteúdos em linha, consagrado no artigo 11.o da Carta, e o justo equilíbrio entre os diferentes direitos e interesses em jogo, o legislador da União previu que a execução das obrigações impostas aos prestadores desses serviços pelo artigo 17.o, n.o 4, alínea b), e alínea c), in fine, desta diretiva não pode nomeadamente conduzir à adoção de medidas que afetem o conteúdo essencial deste direito fundamental dos utilizadores que partilham, nas suas plataformas, conteúdos que não violam os direitos de autor e direitos conexos.

81      A Diretiva 2019/790 reflete, de resto, a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual as medidas adotadas por prestadores como os que estão em causa no processo principal devem respeitar o direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores da Internet e devem, nomeadamente, ser estritamente direcionadas para permitir uma proteção efetiva dos direitos de autor sem que os utilizadores que utilizam licitamente os serviços desses prestadores sejam afetados (v., neste sentido, Acórdão de 27 de março de 2014, UPC Telekabel Wien, C‑314/12, EU:C:2014:192, n.os 55 e 56).

82      Em terceiro lugar, no quadro da fiscalização da proporcionalidade prevista no artigo 52.o, n.o 1, da Carta, há que observar, desde logo, que a restrição do exercício do direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores de serviços de partilha de conteúdos em linha, referida no n.o 69 do presente acórdão, responde à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros, na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, a saber, no caso em apreço, a necessidade de proteção da propriedade intelectual garantida no artigo 17.o, n.o 2, da Carta. Com efeito, as obrigações impostas pelo artigo 17.o da Diretiva 2019/790 aos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha, das quais resulta essa restrição, visam, como resulta nomeadamente dos considerandos 2, 3 e 61 da Diretiva 2019/790, assegurar a proteção dos direitos de propriedade intelectual de forma a contribuir para a realização de um mercado dos direitos de autor justo e que funcione corretamente. Ora, no âmbito dos serviços de partilha de conteúdos em linha, a proteção dos direitos de autor deve necessariamente ser acompanhada, em certa medida, por uma restrição ao exercício do direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores.

83      Em seguida, o mecanismo de responsabilidade previsto no artigo 17.o, n.o 4, da Diretiva 2019/790 não só é apto como também se afigura essencial para satisfazer a necessidade de proteção dos direitos de propriedade intelectual. Em especial, embora o mecanismo alternativo, proposto pela República da Polónia, em aplicação do qual apenas as obrigações previstas nesse artigo 17.o, n.o 4, alínea a), e no início desse n.o 4, alínea c), seriam impostas aos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha, constitui, é certo, uma medida menos restritiva para o exercício do direito à liberdade de expressão e de informação, não é menos verdade que este mecanismo alternativo não é tão eficaz em termos de proteção dos direitos de propriedade intelectual como o adotado pelo legislador da União.

84      Por último, há que constatar que as obrigações impostas pelo artigo 17.o, n.o 4, da Diretiva 2019/790 aos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha não restringem, de forma desproporcionada, o direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores desses serviços.

85      Com efeito, em primeiro lugar, como salientou o advogado‑geral nos n.os 164, 165 e 191 a 193 das suas conclusões, resulta do artigo 17.o, n.os 7 e 9, da Diretiva 2019/790, bem como dos considerandos 66 e 70 desta, que o legislador da União, a fim de prevenir o risco que a utilização de ferramentas de reconhecimento e de filtragem automáticos comporta para o direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores de serviços de partilha de conteúdos em linha, estabeleceu um limite claro e preciso, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 67 do presente acórdão, às medidas que podem ser tomadas ou exigidas na aplicação das obrigações previstas no artigo 17.o, n.o 4, alínea b), e alínea c), in fine, da Diretiva 2019/790, excluindo, designadamente, as medidas que filtram e bloqueiam conteúdos lícitos aquando do carregamento.

86      Neste contexto, importa recordar que o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de declarar que um sistema de filtragem que poderia não distinguir suficientemente entre um conteúdo ilícito e um conteúdo lícito, de modo que a sua implementação poderia ter por efeito provocar o bloqueio de comunicações de conteúdo lícito, seria incompatível com o direito à liberdade de expressão e de informação, garantido pelo artigo 11.o da Carta, e não respeitaria o justo equilíbrio entre este e o direito de propriedade intelectual. A este respeito, o Tribunal de Justiça salientou que a resposta à questão da licitude de uma transmissão depende também da aplicação de exceções legais aos direitos de autor que variam de um Estado‑Membro para outro. Além disso, nalguns Estados‑Membros determinadas obras podem pertencer ao domínio público, ou os autores em causa podem disponibilizá‑las gratuitamente em linha (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, SABAM, C‑360/10, EU:C:2012:85, n.os 50, 51 e jurisprudência referida).

87      Em segundo lugar, no que respeita às exceções e limitações aos direitos de autor, que preveem direitos em benefício dos utilizadores de obras ou outro material protegido e que visam assegurar um justo equilíbrio entre os direitos fundamentais desses utilizadores e dos titulares de direitos (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Funke Medien NRW, C‑469/17, EU:C:2019:623, n.o 70 e jurisprudência referida), importa constatar que o artigo 17.o, n.o 7, segundo parágrafo, da Diretiva 2019/790 impõe aos Estados‑Membros que assegurem que os utilizadores em cada Estado‑Membro sejam autorizados a carregar e a disponibilizar os conteúdos por eles gerados para fins específicos de citação, crítica, análise, caricatura, paródia ou pastiche. Com efeito, como resulta do considerando 70 desta diretiva, o legislador da União considerou que, dada a sua particular importância para a liberdade de expressão e a liberdade das artes e, logo, para esse justo equilíbrio, era necessário tornar obrigatórias estas exceções e limitações, que figuram entre as previstas a título facultativo no artigo 5.o da Diretiva 2001/29, a fim de assegurar que os utilizadores beneficiem de uma proteção uniforme em toda a União.

88      Além disso, com o mesmo objetivo de garantir os direitos dos utilizadores, o artigo 17.o, n.o 9, quarto parágrafo, da Diretiva 2019/790 obriga os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha a informarem os seus utilizadores, nas suas condições gerais de utilização, da possibilidade de utilizarem obras e outro material protegido ao abrigo de exceções ou limitações aos direitos de autor e direitos conexos previstas no direito da União.

89      Em terceiro lugar, a circunstância de a responsabilidade dos prestadores de serviços para garantir a indisponibilidade de determinados conteúdos só poder ser acionada, por força do artigo 17.o, n.o 4, alínea b), e alínea c), in fine, da Diretiva 2019/790, se os titulares dos direitos em causa lhes transmitirem as informações pertinentes e necessárias relativamente a esses conteúdos, protege o exercício do direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores que utilizam licitamente os referidos serviços. Com efeito, uma vez que a transmissão das informações tem indubitavelmente essa qualidade que constitui a condição prévia da eventual declaração dessa responsabilidade por parte dos prestadores de serviços, estes últimos não serão levados, na falta dessas informações, a tornar indisponíveis os conteúdos visados.

90      Em quarto lugar, o artigo 17.o, n.o 8, da Diretiva 2019/790, ao enunciar, à semelhança do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31, que a aplicação deste artigo 17.o não implica qualquer obrigação geral de monitorização, impõe uma garantia adicional para o respeito do direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores de serviços de partilha de conteúdos em linha. Com efeito, esta precisão implica que os prestadores desses serviços não podem ser obrigados a prevenir o carregamento e a disponibilização ao público de conteúdos cuja constatação do caráter ilícito necessitaria, por seu lado, de uma apreciação autónoma do conteúdo à luz das informações fornecidas pelos titulares de direitos, bem como de eventuais exceções e limitações aos direitos de autor (v., por analogia, Acórdão de 3 de outubro de 2019, Glawischnig‑Piesczek, C‑18/18, EU:C:2019:821, n.os 41 a 46).

91      Em especial, como sublinhado no considerando 66 da Diretiva 2019/790, não se pode excluir que, em determinados casos, a disponibilidade de conteúdos não autorizados protegidos pelos direitos de autor só possa ser evitada mediante notificação dos titulares de direitos. Além disso, quanto a essa notificação, o Tribunal de Justiça constatou que esta deve conter elementos suficientes para permitir que o prestador de serviços de partilha de conteúdos em linha se certifique, sem exame jurídico aprofundado, do caráter ilícito da comunicação e da compatibilidade de uma eventual remoção desse conteúdo com a liberdade de expressão e de informação (Acórdão de 22 de junho de 2021, YouTube e Cyando, C‑682/18 e C‑683/18, EU:C:2021:503, n.o 116).

92      Neste contexto, há que recordar que, embora a proteção do direito de propriedade intelectual esteja efetivamente consagrada no artigo 17.o, n.o 2, da Carta, não resulta de forma alguma desta disposição nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça que esse direito seja intangível e que a sua proteção deva, pois, ser assegurada de maneira absoluta (Acórdão de 29 de julho de 2019, Funke Medien NRW, C‑469/17, EU:C:2019:623, n.o 72 e jurisprudência referida).

93      Em quinto lugar, o artigo 17.o, n.o 9, primeiro e segundo parágrafos, da Diretiva 2019/790 introduz várias garantias de natureza processual que acrescem às previstas no artigo 17.o, n.os 7 e 8, desta diretiva e que protegem o direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores de serviços de partilha de conteúdos em linha nos casos em que, apesar das garantias previstas nestas últimas disposições, os prestadores destes serviços bloqueiam, não obstante, por erro ou sem fundamento, conteúdos lícitos.

94      Assim, resulta do artigo 17.o, n.o 9, primeiro e segundo parágrafos, e do considerando 70 da Diretiva 2019/790 que o legislador da União considerou que era importante assegurar que os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha estabelecem mecanismos de reclamação e recurso céleres e eficazes para apoiar as utilizações lícitas de obras ou outro material protegido e, em especial, as abrangidas por exceções e limitações aos direitos de autor que visam a proteção da liberdade de expressão e da liberdade das artes. Segundo estas disposições, os utilizadores devem poder recorrer quando considerem que o acesso a um conteúdo por eles carregado foi indevidamente bloqueado ou que esse conteúdo foi retirado. Qualquer queixa deve ser examinada sem demora injustificada e ser objeto de controlo humano. Além disso, sempre que os titulares de direitos solicitem aos prestadores de serviços que tomem medidas contra os conteúdos carregados pelos utilizadores, como o bloqueio do acesso a esses conteúdos ou a remoção dos mesmos, esses pedidos devem ser devidamente justificados.

95      Por outro lado, em conformidade com estas disposições, os Estados‑Membros devem assegurar que os utilizadores tenham acesso a mecanismos de resolução extrajudicial que permitam uma resolução imparcial dos litígios, bem como a vias de recurso judicial eficazes. Em especial, os utilizadores devem poder ter acesso a um tribunal ou a outro órgão jurisdicional competente para invocar o benefício de uma exceção ou de uma limitação aos direitos de autor e direitos conexos.

96      Em sexto lugar, o artigo 17.o, n.o 10, da Diretiva 2019/790 completa o sistema de garantias previsto no artigo 17.o, n.os 7 a 9 desta, encarregando a Comissão de organizar, em cooperação com os Estados‑Membros, diálogos entre as partes interessadas com vista a debater as melhores práticas para a cooperação entre os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha e os titulares de direitos, bem como de emitir, tendo em conta o resultado desses diálogos e após consulta das partes interessadas, incluindo as organizações de utilizadores, orientações relativas à aplicação do artigo 17.o desta diretiva e, em especial, do artigo 17.o, n.o 4, desta.

97      O artigo 17.o, n.o 10, da Diretiva 2019/790 sublinha, expressamente, a este respeito, que, aquando do debate sobre melhores práticas, devem ser tidos em especial consideração, entre outros aspetos, a necessidade de manter um equilíbrio entre os direitos fundamentais e a utilização de exceções e limitações. Além disso, para efeitos desse diálogo entre as partes interessadas, as organizações de utilizadores têm acesso às informações adequadas fornecidas pelos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha sobre o funcionamento das suas práticas no que diz respeito ao artigo 17.o, n.o 4, desta diretiva.

98      Resulta das constatações efetuadas nos n.os 72 a 97 do presente acórdão que, contrariamente ao que sustenta a República da Polónia, a obrigação de os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha monitorizarem os conteúdos que os utilizadores pretendem carregar nas suas plataformas antes da sua difusão ao público, decorrente do regime específico de responsabilidade, instituído no artigo 17.o, n.o 4, da Diretiva 2019/790, e nomeadamente das condições de isenção previstas no artigo 17.o, n.o 4, alínea b), e alínea c), in fine, desta, foi rodeada, pelo legislador da União, de garantias adequadas para assegurar, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, a observância do direito à liberdade de expressão e de informação dos utilizadores destes serviços, garantido no artigo 11.o da Carta, bem como o justo equilíbrio entre este, por um lado, e o direito da propriedade intelectual, protegido pelo artigo 17.o, n.o 2, da Carta, por outro.

99      Incumbe aos Estados‑Membros, na transposição do artigo 17.o da Diretiva 2019/790 para o seu direito interno, basear‑se numa interpretação desta disposição que permita assegurar o justo equilíbrio entre os direitos fundamentais protegidos pela Carta. Seguidamente, na implementação das medidas de transposição da referida disposição, incumbe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros não apenas interpretar o seu direito nacional em conformidade com esta mesma disposição mas também não se basear numa interpretação desta que entre em conflito com os referidos direitos fundamentais ou com os outros princípios gerais do direito da União, como o princípio da proporcionalidade (v., neste sentido, Acórdão de 29 de janeiro de 2008, Promusicae, C‑275/06, EU:C:2008:54, n.o 68).

100    Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que afastar o fundamento único de recurso da República da Polónia e, por conseguinte, negar provimento ao presente recurso.

 Quanto às despesas

101    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Parlamento e o Conselho pedido a condenação da República da Polónia e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

102    Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Portuguesa e a Comissão suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República da Polónia é condenada nas despesas.

3)      O Reino de Espanha, a República Francesa, a República Portuguesa e a Comissão Europeia suportarão as suas próprias despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.