Language of document : ECLI:EU:T:2004:270

Arrêt du Tribunal

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção alargada)
21 de Setembro de 2004 (1)

«Dispensa de pagamento de direitos de importação – Artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 3319/94 – Conceito de ‘situação especial’ na acepção do artigo 905.° do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 – Direito antidumping aplicável às importações de mistura de ureia e de nitrato de amónio em solução proveniente da Polónia – Facturação directa ao importador»

No processo T‑104/02,

Société française de transports Gondrand Frères SA, com sede em Paris (França), representada por M. Famchon, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por C. Durand, B. Stromsky e X. Lewis, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem como objecto um pedido de anulação da Decisão C(2002) 24 final da Comissão, de 14 de Janeiro de 2002, que declara que a dispensa de pagamento dos direitos de importação não é justificada por uma situação especial,



O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção alargada),



composto por: P. Lindh, presidente, R. García‑Valdecasas, J. D. Cooke, P. Mengozzi e M. E. Martins Ribeiro, juízes,

secretário: I. Natsinas, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 18 de Dezembro de 2003,

profere o presente



Acórdão




Quadro jurídico

1
O trigésimo nono considerando do Regulamento (CE) n.° 3319/94 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, que cria um direito antidumping definitivo sobre as importações de solução de ureia e nitrato de amónio originária da Bulgária e da Polónia, e que procede à cobrança definitiva do direito provisório da referida mercadoria exportada por empresas não isentas do respectivo direito (JO L 350, p. 20), inserido do título H, cuja epígrafe é «Medidas antidumping», prevê o seguinte:

«Dado o prejuízo importante sofrido pela indústria comunitária sob a forma de perdas financeiras, a possibilidade de absorção de um direito ad valorem com efeito negativo no nível dos preços praticados no mercado da Comunidade para um produto sazonal e extremamente sensível às variações de preços, bem como a existência de vários canais de importação através de empresas de países terceiros, considera‑se adequado criar, por um lado, um direito variável, a uma taxa que permita à indústria comunitária aumentar os seus preços para níveis rentáveis, no que respeita às importações facturadas directamente por produtores búlgaros ou polacos ou por partes que tenham exportado o produto em questão durante o período de inquérito, e, por outro, um direito específico calculado numa base idêntica para todas as outras importações a fim de evitar a evasão das medidas antidumping.»

2
O artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento n.° 3319/94 cria o seguinte direito antidumping definitivo:

«O montante do direito antidumping para as importações originárias da Polónia corresponde à diferença entre o preço mínimo na importação de 89 ecus por tonelada de produto e o preço CIF [custo, seguro e frete] franco‑fronteira comunitária, acrescido do direito PAC [pauta aduaneira comum] a pagar por tonelada de produto, sempre que o preço CIF franco‑fronteira comunitária acrescido do direito PAC a pagar por tonelada de produto seja inferior ao preço mínimo na importação e sempre que as importações introduzidas em livre prática sejam facturadas directamente ao importador não ligado pelos seguintes exportadores ou produtores estabelecidos na Polónia:

[…]

Zaklady Azotowe Pulawy, Pulawy,

(código adicional TARIC: 8793).

No que respeita às importações introduzidas em livre prática que não são facturadas directamente ao importador não ligado por um dos exportadores ou produtores acima referidos estabelecidos na Polónia, é instituído o seguinte direito específico:

Para o produto […] produzido pela empresa Zaklady Azotowe Pulawy […] um direito específico de 19 ecus por tonelada de produto (código adicional TARIC: 8795).»

3
O artigo 236.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1, a seguir «código aduaneiro»), prevê o reembolso dos direitos de importação ou dos direitos de exportação na medida em que se provar que, no momento do seu pagamento ou do seu registo de liquidação, o respectivo montante não era legalmente devido ou que foi objecto de registo de liquidação contrariamente ao disposto no n.° 2 do artigo 220.° do mesmo código. No entanto, o reembolso ou a dispensa de pagamento dos direitos não são concedidos quando os factos conducentes ao pagamento ou ao registo de liquidação de um montante que não era legalmente devido resultarem de um artifício do interessado.

4
O artigo 239.° do código aduaneiro (a seguir «cláusula de equidade») é do seguinte teor:

«1. Pode‑se proceder ao reembolso ou à dispensa do pagamento dos direitos de importação ou dos direitos de exportação em situações especiais, distintas das referidas nos artigos 236.°, 237.° e 238.°:

a determinar pelo procedimento do comité;

decorrentes de circunstâncias que não envolvam qualquer artifício ou negligência manifesta por parte do interessado. As situações em que pode ser aplicada esta disposição bem como as modalidades processuais a observar para esse efeito são definidas de acordo com o procedimento do comité. O reembolso ou a dispensa do pagamento pode ficar subordinado a condições especiais.

2. O reembolso ou a dispensa do pagamento dos direitos pelos motivos indicados no n.° 1 será concedido mediante requerimento apresentado na estância aduaneira respectiva no prazo de doze meses a contar da data da comunicação dos referidos direitos ao devedor. Todavia, as autoridades aduaneiras poderão autorizar que esse prazo seja ultrapassado em casos excepcionais devidamente justificados.»

5
O artigo 905.° do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do código aduaneiro (JO L 253, p. 1, a seguir «regulamento de aplicação»), prevê, no seu n.° 1, o seguinte:

«Sempre que a autoridade aduaneira decisória, à qual foi apresentado o pedido de reembolso ou de dispensa do pagamento em conformidade com o n.° 2 do artigo 239.° do código, não puder decidir com base no artigo 899.° e o pedido se apresentar acompanhado de justificações susceptíveis de constituir uma situação especial resultante de circunstâncias que não impliquem nem artifício nem negligência manifesta por parte do interessado, o Estado‑Membro a que pertence esta autoridade transmitirá o caso à Comissão para que seja tratado de acordo com o procedimento previsto nos artigos 906.° a 909.° […]»

6
O artigo 399.° do code des douanes francês (Código Aduaneiro francês) define como «interessados» na fraude aqueles que tiveram qualquer tipo de participação num delito de contrabando ou num delito de importação ou exportação sem declaração. Os interessados na fraude estão sujeitos às mesmas penas que os autores da infracção, designadamente as penas privativas de direitos enunciadas no artigo 432.° do mesmo código.


Factos na origem do litígio

7
A recorrente é uma sociedade francesa que exerce a actividade de despachante oficial de alfândega. Em 22 e 23 de Agosto e 17 de Setembro de 1996, introduziu em livre prática, na estância aduaneira de Rouen (França), três carregamentos de solução de ureia e nitrato de amónio originária da Polónia por conta de três sociedades francesas, a saber, a UNCAA, a Champagne Fertilisants e a EFI Trade (a seguir «sociedades destinatárias»).

8
Estas mercadorias tinham sido compradas à sociedade polaca Zaklady Azotowe Pulawy (a seguir «ZAP») pela sociedade francesa Evertrade. Foram objecto de uma primeira facturação pela ZAP à Evertrade antes de serem facturadas pela Evertrade às sociedades destinatárias (facturas de 12 de Agosto de 1996, n.os 96.00230 e 96.00231 à Champagne Fertilisants e 96.00232 à UNCAA, e de 21 de Agosto de 1996, n.os 96.00243, 96.00244, 96.00245 e 96.00246 à EFI Trade).

9
As declarações aduaneiras apresentadas pela recorrente continham um pedido de isenção dos direitos antidumping fundado no artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento n.° 3319/94. As mercadorias foram aceites pelas autoridades aduaneiras na estância aduaneira de Rouen (a seguir «autoridade aduaneira competente»), que apuseram a menção «ACD» (admitido como conforme em face dos documentos) nestas declarações no momento da sua apresentação em 22 e 23 de Agosto e 17 de Setembro de 1996. As sete facturas emitidas pela Evertrade (v. n.° 8, supra) estavam juntas a estas declarações.

10
Por carta de 4 de Julho de 1997, o serviço liquidador dos direitos aduaneiros e impostos indirectos da direcção inter‑regional das alfândegas de Rouen informou a recorrente de que, na sequência de um controlo a posteriori das declarações aduaneiras, verificara que as importações em causa não tinham sido directamente facturadas pela ZAP às três sociedades destinatárias. Por conseguinte, considerou que o direito específico de 19 ecus por tonelada de produto devia ter sido ser aplicado no caso em apreço e que a recorrente devia pagar uma dívida no montante de 1 757 175 francos franceses (FRF) a título do direito antidumping e de 96 643 FRF a título do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável, ou seja, um montante total de 1 853 818 FRF (a seguir «dívida antidumping»).

11
Por carta de 3 de Agosto de 2000, dirigida ao director‑geral das alfândegas (Rouen), a recorrente pediu, com base no artigo 236.°, n.° 1, e no artigo 239.°, n.° 1, do código aduaneiro, a dispensa de pagamento dos direitos antidumping que lhe eram exigidos. Em 12 de Dezembro de 2000, a Direcção‑Geral das Alfândegas e dos Impostos Indirectos francesa informou‑a de que o seu pedido de dispensa de pagamento fora transmitido à Comissão ao abrigo do artigo 239.° do código aduaneiro.

12
Por decisão C(2002) 24 final da Comissão, de 14 de Janeiro de 2002, que declara que a dispensa de pagamento dos direitos de importação não é justificada por uma situação especial, a Comissão indeferiu este requerimento (a seguir «decisão litigiosa»).


Tramitação processual e pedidos das partes

13
Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 8 de Abril de 2002, a recorrente interpôs o presente recurso.

14
Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Quinta Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo sem instrução.

15
Face à falta de comparência da recorrente na audiência de 18 de Dezembro de 2003, o secretário confirmou que a convocação para a audiência tinha sido enviada para o domicílio escolhido pela recorrente no Luxemburgo e que o aviso de recepção desta convocação fora devolvido ao secretário do Tribunal. Após consultar a Comissão sobre uma eventual suspensão e tendo a Comissão deixado esta questão à apreciação do Tribunal, este decidiu prosseguir a audiência.

16
Foram ouvidas as alegações da Comissão e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência.

17
A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

declarar o recurso admissível;

anular a decisão litigiosa;

conceder à recorrente a dispensa de pagamento dos direitos antidumping que lhe são impostos.

18
A Comissão conclui que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.


Quanto à admissibilidade do pedido destinado a que o Tribunal conceda à recorrente a dispensa de pagamento dos direitos antidumping que lhe são impostos

Argumentos das partes

19
A Comissão invoca a excepção de inadmissibilidade do pedido da recorrente destinado a que o Tribunal conceda a esta última a dispensa de pagamento dos direitos antidumping que lhe foram exigidos. Alega que o Tribunal não se pode efectivamente substituir às instituições administrativas responsáveis pela adopção das decisões de dispensa de pagamento.

Apreciação do Tribunal

20
Segundo jurisprudência constante, não cabe ao Tribunal, no quadro de recurso de anulação de um acto adoptado com base no artigo 230.° CE, dirigir injunções às instituições comunitárias ou substituir‑se a estas últimas. Com efeito, se o Tribunal anula o acto objecto do recurso, incumbe à instituição em causa, nos termos do artigo 233.° CE, tomar as medidas que a execução de um acórdão de anulação implica (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Janeiro de 1998, Ladbroke Racing/Comissão, T‑67/94, Colect., p. II‑1, n.° 200, e de 16 de Setembro de 1998, IECC/Comissão, T‑133/95 e T‑204/95, Colect., p. II‑3645, n.° 52). Assim, o pedido da recorrente destinado a obter do Tribunal a concessão da dispensa de pagamento dos direitos antidumping que lhe são impostos deve ser julgado inadmissível.


Quanto ao mérito

21
A recorrente apresenta três fundamentos de recurso baseados, em primeiro lugar, na inexistência da dívida antidumping, em segundo lugar, num erro manifesto de apreciação e, em terceiro lugar, na irregularidade formal da decisão litigiosa.

Quanto ao primeiro fundamento, baseado na inexistência da dívida antidumping

Argumentos das partes

22
A recorrente contesta a existência da dívida antidumping. Alega que o preço facturado pela ZAP à Evertrade e, a fortiori, pela Evertrade às sociedades destinatárias era consideravelmente superior ao preço mínimo na importação de 89 ecus, previsto no artigo 1.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 3319/94, e que, por conseguinte, aquele não constitui um preço de dumping. A recorrente considera que a imposição ao despachante da alfândega dos encargos financeiros resultantes dos direitos antidumping devido a importações que não foram manifestamente objecto de dumping ou de evasão às medidas antidumping constitui uma situação inaceitável tanto em termos materiais como à luz do direito e da equidade.

23
A Comissão considera que a recorrente não pode alegar a inexistência da dívida antidumping para contestar a validade da decisão litigiosa. As decisões que tomou em relação à dispensa de pagamento por motivos de equidade não têm efectivamente como objecto decidir a questão da existência de uma dívida aduaneira (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 1998, Sportgoods, C‑413/96, Colect., p. I‑5285, n.os 39 a 43, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Julho de 1998, Kia Motors e Broekman Motorships/Comissão, T‑195/97, Colect, p. II‑2907, n.° 36).

Apreciação do Tribunal

24
O Tribunal salienta que o artigo 239.° do código aduaneiro constitui uma «cláusula geral de equidade». Esta disposição e o artigo 905.° do regulamento de aplicação destinam‑se a cobrir a situação excepcional em que se encontra o operador económico em causa relativamente aos outros operadores que exercem a mesma actividade (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Fevereiro de 1999, Trans‑Ex‑Import, C‑86/97, Colect., p. I‑1041, n.° 18, e de 7 de Setembro de 1999, De Haan, C‑61/98, Colect., p. I‑5003, n.° 52). A cláusula de equidade e o artigo 905.° do regulamento de aplicação destinam‑se, nomeadamente, a ser aplicados quando as circunstâncias que caracterizam a relação entre o operador económico em causa e a Administração são de tal ordem que não é equitativo impor a este operador um prejuízo que, em condições normais, não teria sofrido (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Fevereiro de 1998, Eyckeler & Malt/Comissão, T‑42/96, Colect., p. II‑401, n.° 132). O reembolso ou a dispensa do pagamento dos direitos de importação ou dos direitos de exportação, que só podem ser concedidos em determinadas condições e em casos especificamente previstos nas disposições acima referidas, constituem uma excepção ao regime normal das importações e das exportações (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2003, Países Baixos/Comissão, C‑156/00, Colect., p. I‑2527, n.° 91).

25
Por conseguinte, os pedidos dirigidos à Comissão ao abrigo das disposições conjugadas da cláusula de equidade e do artigo 905.° do regulamento de aplicação não dizem respeito à questão de saber se existe ou não uma dívida antidumping, mas destinam‑se unicamente a apurar a existência ou não de circunstâncias especiais susceptíveis de justificar, do ponto de vista da equidade, um reembolso dos direitos de importação ou de exportação (v., por analogia, acórdãos Sportgoods, já referido, n.os 39 a 43, e Kia Motors e Broekman Motorships/Comissão, já referido, n.os 36 e 37). Assim, a apresentação de um pedido desta natureza à Comissão tem como pressuposto a existência da dívida em questão, dispondo a recorrente de outras vias de recurso para contestar a existência desta dívida, nomeadamente nos termos do Regulamento (CE) n.° 384/96 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1995, relativo à defesa contra as importações objecto de dumping de países não membros da Comunidade Europeia (JO 1996, L 56, p. 1), conforme alterado.

26
Face ao exposto, deve considerar‑se que, no âmbito do presente litígio, a recorrente não pode pôr em causa a existência da dívida antidumping.

27
Decorre das considerações que antecedem que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao segundo fundamento, baseado num erro manifesto de apreciação

28
O presente fundamento apresenta duas partes. Em primeiro lugar, a recorrente acusa a Comissão de ter cometido um erro manifesto de apreciação ao recusar‑se a reconhecer a existência de uma «situação especial» no caso em apreço. Em segundo lugar, a recorrente afirma não lhe ser imputável qualquer artifício ou negligência manifesta.

Quanto à primeira parte

    Argumentos das partes

29
Em primeiro lugar, a recorrente sustenta que o incumprimento de que é acusada é «estritamente formal» e não teve reais consequências para o funcionamento correcto do regime aduaneiro em questão, na acepção do artigo 204.° do código aduaneiro.

30
Em segundo lugar, afirma que a sujeição das importações em causa a direitos antidumping, pelo simples motivo de que a facturação pelo exportador a um primeiro destinatário estabelecido na Comunidade não permite ao importador demonstrar a inexistência de evasão às medidas antidumping, excede consideravelmente os objectivos visados pela regulamentação aplicável. Invoca a existência de uma inadequação entre os objectivos do Regulamento n.° 3319/94, conforme descritos nos seus considerandos, e o texto deste regulamento. Sustenta que o objectivo visado pelo legislador comunitário, enunciado no trigésimo nono considerando do Regulamento n.° 3319/94, consistia em evitar a evasão às medidas antidumping através do estabelecimento de canais de importação que incluam a intervenção de sociedades intermediárias situadas em países terceiros. Esta situação não se verifica no caso em apreço, dado que o primeiro comprador junto do exportador polaco é uma sociedade francesa. Segundo a recorrente, se o legislador comunitário desejasse excluir todas e quaisquer formas de circuitos triangulares, os considerandos do Regulamento n.° 3319/94 não teriam definido o objectivo visado pelo texto limitando‑o aos «canais de importação através de empresas de países terceiros».

31
A recorrente contesta a alegação da Comissão referida no n.° 50, infra, nos termos da qual, ao afastar‑se voluntariamente do circuito comercial «visível» para a estância aduaneira, a Evertrade readquiria uma liberdade plena e integral em relação ao preço que lhe era facturado e privava assim a autoridade aduaneira competente de qualquer direito de acesso a um eventual desconto a posteriori. Alega que, se esta Administração tivesse dúvidas no que se refere ao preço pago pela Evertrade à ZAP, podia verificar este preço, em conformidade com o artigo 65.° do Código Aduaneiro francês. O argumento fundado na possibilidade de a Evertrade obter um desconto a posteriori é inoperante. Com efeito, por um lado, o risco de fraude é idêntico quer o comprador directo na Polónia seja ou não o importador designado. Por outro lado, em caso de fraude, a Evertrade está sujeita a penas idênticas, com base no artigo 399.° do Código Aduaneiro francês, quer na qualidade de autora principal, caso as declarações aduaneiras tenham sido subscritas em seu nome, quer na qualidade de interessada na fraude, no caso de importações subscritas em nome do seu próprio comprador.

32
Além disso, a recorrente invoca o facto de o artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento n.° 3319/94 colocar dificuldades de interpretação e de um grande número de operadores e de administrações aduaneiras nos Estados‑Membros terem feito uma interpretação errónea desta disposição. Observa que a carta de 12 de Dezembro de 2000 da Direcção‑Geral das Alfândegas e dos Impostos Indirectos francesa, que a informava de que o seu pedido de dispensa de pagamento fora transmitido à Comissão (v., supra, n.° 11), reconhecia a existência de uma situação especial no caso em apreço, uma vez que o preço das mercadorias na importação não era inferior ao preço mínimo previsto no Regulamento n.° 3319/1994 e que a introdução no consumo em nome do destinatário final, com uma factura emitida pelo intermediário francês, era a única justificação para a aplicação do direito específico.

33
A recorrente alega que a Comissão interpreta o artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento n.° 3319/94 no sentido de que este institui dois direitos distintos. Por um lado, um direito variável correspondente à diferença entre o preço mínimo na importação, fixado em 89 ecus, e o preço CIF franco‑fronteira comunitária, acrescido do direito PAC a pagar por tonelada de produto, quando o preço CIF é inferior a 89 ecus e as importações são facturadas directamente pela sociedade ZAP ao importador não ligado à mesma. Por outro lado, um direito específico de 19 ecus por tonelada quando esta sociedade não facturou directamente o importador. Contudo, esta disposição não prevê qualquer método de cálculo da margem de dumping nos casos em que o preço facturado pela sociedade ZAP é superior a 89 ecus por tonelada. A recorrente contesta o mérito da tese da Comissão, segundo a qual, nesta hipótese, o direito antidumping é aplicável quando o exportador polaco não tenha facturado directamente ao importador. Com efeito, por um lado, a disposição é igualmente susceptível de ser interpretada no sentido de que apenas estabelece uma distinção nos casos em que o preço CIF é inferior ao preço mínimo de 89 ecus e, por outro, o trigésimo nono considerando do Regulamento n.° 3319/94 não é explícito na parte em que se refere a «uma taxa que permita à indústria comunitária aumentar os seus preços para níveis rentáveis» e indica que o direito específico é calculado «a fim de evitar a evasão das medidas antidumping». A recorrente salienta que este mesmo considerando faz referência à «existência de vários canais de importação através de empresas de países terceiros», situação que, no seu entender, não se verifica no caso em apreço.

34
A recorrente acrescenta que a microficha da pauta aduaneira relativa à posição pautal contestada alimenta esta confusão.

35
Considera existir no caso em apreço uma situação especial que consiste no facto de, em virtude de um «erro comum de interpretação» do artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento n.° 3319/94, ter solicitado o benefício da isenção dos direitos antidumping relativamente a mercadorias que preenchiam todas as condições objectivas para beneficiarem da mesma, tendo optado por uma introdução em livre prática em nome dos destinatários finais, não obstante ter a obrigação de a subscrever em nome da sociedade Evertrade, e de a autoridade aduaneira competente, que só registou as declarações após o exame das mercadorias e dos documentos que as acompanhavam, ter considerado que a escolha do código adicional TARIC e a isenção dela resultante eram justificadas.

36
Na sua réplica, a recorrente contesta o argumento da Comissão, segundo o qual a existência de uma situação especial está excluída no presente caso, uma vez que existe um número indefinido de operadores económicos na mesma situação. A recorrente observa que a particularidade da sua situação decorre do facto de o preço CIF franco‑fronteira comunitária, pelo qual as mercadorias importadas foram vendidas pela ZAP, ser manifestamente superior ao preço mínimo na importação previsto no artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento n.° 3319/94 e de as mercadorias terem sido facturadas pela ZAP a uma sociedade francesa, a Evertrade, cuja contabilidade podia ser livremente examinada pelos inspectores das alfândegas franceses. Estas circunstâncias não eram comuns a um número indefinido de operadores económicos.

37
Em terceiro lugar, a recorrente alega que, no momento da importação das mercadorias, as declarações aduaneiras foram aceites sem restrições por parte da autoridade aduaneira competente, que possuía um perfeito conhecimento das condições em que a importação foi realizada.

38
Em apoio desta tese, a recorrente expõe que as mercadorias transitaram no circuito 1 (o que é atestado pelo facto de as declarações apresentarem o selo «CIR 1»), que implica um controlo físico e documental. A recorrente acrescenta que a autoridade aduaneira competente viu que ela tinha subscrito as declarações, preenchendo a posição pautal com referência ao código adicional TARIC 8793, que corresponde às importações que beneficiam de uma isenção de direitos antidumping, e não ao código adicional TARIC 8795, aplicável às importações da ZAP que não podem beneficiar desta isenção. Segundo a recorrente, o facto de a autoridade aduaneira competente ter aposto a menção «ACD», e não «reconhecido», nas declarações demonstra que aquela verificara os documentos juntos a estas declarações.

39
Por conseguinte, a autoridade aduaneira competente devia ter concluído, por um lado, que não existia qualquer identidade entre a ZAP, que figurava como expedidora na declaração, e a sociedade que emitira a factura junta a esta declaração, a saber, a Evertrade, e, por outro, que o código adicional TARIC indicado não era admissível, tendo em conta a existência da factura da sociedade Evertrade e o facto de o valor declarado decorrer desta factura. Ela própria cometera alegadamente um erro ao aceitar, nestas circunstâncias, conceder a isenção dos direitos antidumping às mercadorias.

40
A recorrente considera que a Comissão não pode, sem se contradizer, alegar simultaneamente que a autoridade aduaneira competente não tinha a obrigação de verificar se as declarações aduaneiras eram conformes à regulamentação, relegando assim o exame mais elementar da conformidade da declaração para os controlos a posteriori, e afirmar que o facto de a Evertrade não figurar como o importador directo lhe tinha permitido eludir a regulamentação. Teria simplesmente sido suficiente, durante o controlo a posteriori, verificar o preço efectivamente pago pela Evertrade a fim de afastar esta hipótese. De resto, no caso em apreço, a Evertrade enviou as facturas em causa à autoridade aduaneira competente logo que lhe foram pedidas.

41
A recorrente sustenta que o facto de a autoridade aduaneira competente ter aceite a primeira declaração, entregue em 22 de Agosto de 1996, sem qualquer comentário, apenas a podia conduzir a entregar as declarações posteriores nas mesmas condições.

42
Por último, a recorrente acrescenta na sua réplica que o artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro também milita a favor de uma dispensa de pagamento dos direitos.

43
A Comissão contesta que a recorrente se encontre numa situação especial.

44
No que se refere, em primeiro lugar, ao carácter pretensamente formal do incumprimento, a Comissão afirma, nomeadamente, que a recorrente não se pode utilmente prevalecer do artigo 204.° do código aduaneiro. A Comissão reafirma que as «suas decisões tomadas quanto à dispensa de pagamento por motivos de equidade não têm como objecto decidir a questão da existência de uma dívida aduaneira». Ora, o artigo 204.°, já referido, determina um dos factos constitutivos da dívida aduaneira.

45
Em segundo lugar, a Comissão contesta a pertinência dos argumentos da recorrente, segundo os quais a sujeição das importações em causa a direitos antidumping excede os objectivos do Regulamento n.° 3319/94 e o artigo 1.°, n.° 3, deste regulamento suscita dificuldades de interpretação.

46
A este respeito, alega que dois «princípios essenciais», a seguir referidos, regulam a concessão da dispensa de pagamento por motivos de equidade. Por um lado, segundo a Comissão, uma circunstância de natureza objectiva aplicável a um número indefinido de operadores económicos não constitui uma situação especial na acepção da cláusula de equidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Março de 1987, Coopérative agricole d’approvisionnement des Avirons, 58/86, Colect., p. 1525, n.° 22). Por outro lado, defende que os erros ou eventuais deficiências das autoridades administrativas apenas podem autorizar a aplicação da cláusula de equidade quando esses erros ou deficiências tenham obrigado um operador económico a suportar encargos financeiros que não possa impugnar por qualquer meio juridicamente admissível (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Março de 1987, Cerealmangimi e Italgrani/Comissão, 244/85 e 245/85, Colect., p. 1303, n.° 17).

47
A Comissão considera que a eventual inadequação entre os objectivos do Regulamento n.° 3319/94, tal como reproduzidos nos seus considerandos, e a redacção deste regulamento não constitui uma situação especial na acepção do artigo 905.° do regulamento de aplicação.

48
No mesmo sentido, a Comissão alega que uma eventual dificuldade de interpretação do Regulamento n.° 3319/94 não coloca a recorrente numa situação excepcional em relação aos outros operadores que exercem a mesma actividade, uma vez que aquela afecta um número indeterminado de operadores económicos.

49
A Comissão sustenta que o argumento da recorrente, segundo o qual o objectivo do método de cálculo alternativo do direito antidumping não apresenta qualquer relação com o tipo de operações que dizem respeito a esta última, deve ser rejeitado, visto que «todos os circuitos triangulares que envolvem um intermediário apresentam o risco de permitir uma evasão ao direito antidumping ‘variável’ (baseado num preço mínimo)».

50
A Comissão acrescenta que o argumento da recorrente, segundo o qual o preço facturado à Evertrade pela ZAP era superior ao preço mínimo na importação, é irrelevante. A aplicação do direito antidumping específico era justificada, uma vez que existia uma incerteza quanto ao preço pago ao produtor ou ao exportador. A Comissão observa que, «ao afastar‑se voluntariamente do circuito comercial ‘visível’ para a estância aduaneira (na medida que não procedeu, por si própria, ao desalfandegamento), a Evertrade readquiria uma liberdade plena e integral em relação ao preço que lhe era facturado, privando assim a estância aduaneira de importação de qualquer direito de fiscalizar um eventual desconto a posteriori que aquela tinha a possibilidade de pedir e obter do fornecedor polaco».

51
Em terceiro lugar, a Comissão sustenta que a recorrente não pode argumentar que as autoridades aduaneiras competentes aceitaram as declarações aduaneiras controvertidas. A Comissão nega que as referidas autoridades tenham, elas próprias, cometido um erro no presente caso, invocando vários argumentos.

52
Em primeiro lugar, a Comissão afirma que, ao contrário do que é alegado pela recorrente, as declarações aduaneiras não foram aceites sem restrições por parte da autoridade aduaneira competente no momento da importação. Para fundamentar esta afirmação, invoca ser «materialmente incorrecto» alegar que a aposição da menção «ACD» nas declarações aduaneiras implica uma verificação dos documentos juntos a estas. Esta aposição apenas significa que as declarações foram admitidas como conformes às exigências da legislação aduaneira. A Comissão observa que, no âmbito da admissão de uma declaração como conforme, a autoridade aduaneira competente se limita a verificar que as rubricas da declaração que são de preenchimento obrigatório são efectivamente preenchidas e que os documentos que lhe devem imperativamente ser juntos se encontram igualmente presentes. No caso em apreço, a autoridade aduaneira competente limitou‑se, portanto, a verificar a existência dos documentos e não o conteúdo destes últimos. Não houve um controlo minucioso destes documentos nem um controlo físico da mercadoria no momento do desalfandegamento.

53
Segundo a Comissão, a menção «circuito 1» constante das declarações aduaneiras não só não se opõe a estas conclusões como as reforça. A Comissão observa que, embora no âmbito do «circuito 1» a alfândega possa proceder a um controlo físico da mercadoria, não o efectuou no caso em apreço, o que é indicado pela menção «ACD». O exercício de um controlo documental minucioso resultaria de um trânsito no «circuito 2», que não existe no caso em apreço.

54
Em segundo lugar, a Comissão precisa que só os erros imputáveis a um comportamento activo ou uma omissão culposa das autoridades competentes, quando uma intervenção mínima permitisse detectar uma irregularidade, autorizam a não proceder à cobrança a posteriori dos direitos aduaneiros, o que exclui os erros provocados por declarações inexactas do devedor (acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Junho de 1991, Mecanarte, C‑348/89, Colect., p. I‑3277, n.os 23 e 26).

55
Por conseguinte, segundo a Comissão, a mera aceitação, pela autoridade aduaneira competente, de uma declaração aduaneira admitida como conforme não constitui uma situação especial, mesmo que todos os elementos que permitem detectar a não conformidade da declaração com a legislação aduaneira estivessem na posse desta Administração no momento da aceitação.

56
Em terceiro lugar, a Comissão sustenta que a recorrente não pode basear a sua argumentação no facto de a estância aduaneira de Rouen ter aceite a primeira declaração sem qualquer comentário. A Comissão observa não ser possível invocar uma violação do princípio da protecção da confiança legítima na falta de garantias precisas fornecidas pela Administração (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Setembro de 1995, Lefebvre e o./Comissão, T‑571/93, Colect., p. II‑2379, n.° 72). A Comissão também defende que a recorrente, na qualidade de despachante oficial da alfândega, não pode ter dúvidas sobre o significado da menção «ACD» e não pode, assim, fundar qualquer confiança legítima na aceitação inicial das suas declarações aduaneiras.

    Apreciação do Tribunal

57
Decorre da redacção do artigo 905.° do regulamento de aplicação que o reembolso dos direitos de importação está sujeito à verificação de duas condições cumulativas, a saber, em primeiro lugar, a existência de uma situação especial e, em segundo lugar, a inexistência de negligência manifesta e de artifício por parte do interessado. Em consequência, basta que uma das duas condições não se verifique para que o reembolso dos direitos deva ser recusado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Janeiro de 2000, Mehibas Dordtselaan/Comissão, T‑290/97, Colect., p. II‑15, n.° 87).

58
Deve recordar‑se que o Tribunal de Justiça decidiu que existem elementos «susceptíveis de constituir uma situação especial resultante de circunstâncias que não impliquem nem artifício nem negligência manifesta por parte do interessado», na acepção da disposição já referida, quando, à luz da finalidade subjacente à cláusula de equidade, se verificam elementos susceptíveis de colocar o requerente numa situação excepcional relativamente aos outros operadores económicos que exercem a mesma actividade (acórdão Trans‑Ex‑Import, já referido, n.° 22, e acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 2001, Bacardi, C‑253/99, Colect., p. I‑6493, n.° 56).

59
No que se refere à argumentação da recorrente de que o artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento n.° 3319/94 coloca dificuldades de interpretação (v., nomeadamente, n.os 32 a 35, supra) e que um grande número de operadores e de autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros interpretaram erroneamente esta disposição, o Tribunal considera que a redacção deste não apresenta uma dificuldade notável.

60
Há que recordar a este respeito que o artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento n.° 3319/94 prevê a instituição, por um lado, de um direito antidumping variável que se aplica quando as importações introduzidas em livre prática são facturadas directamente ao importador não ligado por determinados exportadores ou produtores estabelecidos na Polónia, entre os quais a sociedade ZAP, desde que o preço CIF franco‑fronteira comunitária, acrescido do direito PAC, seja inferior ao preço mínimo na importação de 89 ecus por tonelada de produto, e, por outro lado, um direito fixo ou específico aplicável quando as importações introduzidas em livre prática não são facturadas directamente ao importador não ligado.

61
Decorre do Regulamento n.° 3319/94 que, contrariamente ao direito variável previsto no seu artigo 1.°, n.° 3, primeiro parágrafo, o direito específico previsto no segundo parágrafo desta disposição se aplica independentemente da diferença entre o preço CIF franco‑fronteira comunitária e o preço mínimo na importação, fixado em 89 ecus, quando as importações introduzidas em livre prática não são directamente facturadas ao importador não ligado.

62
Conforme é evidenciado pelo trigésimo nono considerando do Regulamento n.° 3319/94, a criação de um direito específico resulta da vontade do legislador comunitário de evitar, por qualquer meio, que, através do desvio das importações que não tenham sido directamente facturadas pelos exportadores ou produtores designados ao importador não vinculado, as medidas antidumping sejam evadidas. O artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 3319/94 visa, pois, as situações em que não existiu facturação directa pelo exportador ou produtor a um importador não ligado, a fim de excluir todos os tipos de circuitos triangulares susceptíveis de criar um risco de evasão das medidas antidumping.

63
No caso em apreço, decorre dos autos que os três carregamentos introduzidos em livre prática pela recorrente em 22 e 23 de Agosto e 17 de Setembro de 1996 não foram directamente facturados pela ZAP às sociedades destinatárias, mas foram objecto de uma primeira facturação pela ZAP à Evertrade antes de serem facturadas por esta última às sociedades destinatárias. Atendendo a que a ZAP não facturou directamente as mercadorias às sociedades destinatárias, esta situação é claramente abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 3319/94.

64
Esta apreciação não é susceptível de ser posta em causa pelo argumento da recorrente de que a sujeição das importações em causa a direitos antidumping vai para além dos objectivos do Regulamento n.° 3319/94, na medida em que, segundo ela, não existiu, no caso em apreço, evasão das medidas antidumping e que o preço pago pela Evertrade pode ser verificado.

65
Com efeito, em primeiro lugar, o Tribunal recorda que, no âmbito do presente litígio, a recorrente não pode pôr em causa a existência da dívida antidumping. Por conseguinte, os argumentos apresentados pela recorrente, no quadro do presente fundamento, relativamente ao preço efectivamente pago pela Evertrade à ZAP, são improcedentes.

66
Em segundo lugar, conforme foi acima observado nos n.os 59 a 62, a regra estabelecida no artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 3319/94 não apresenta uma dificuldade notável de interpretação e foi instituída a fim de preservar o efeito útil das disposições do regulamento, com o objectivo de afastar o risco de evasão às medidas antidumping através do recurso a circuitos de importação triangulares, que poderiam, nomeadamente, aumentar artificialmente o preço CIF franco‑fronteira comunitária, na medida em que permitem iludir o direito variável previsto no artigo 1.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 3319/94. A este respeito, o Tribunal considera não ser necessário fazer prova da existência de uma evasão às medidas antidumping para que o artigo 1.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 3319/94 seja aplicável. Decorre, ao invés, do Regulamento n.° 3319/94 uma presunção de prova do risco de evasão quando as importações não são directamente facturadas pelo produtor ou pelo exportador ao importador não ligado. Nestas condições, o direito específico de 19 ecus por tonelada de produto certificado pela ZAP, que constitui o objecto desta disposição, deve justamente ser aplicado.

67
Mesmo que as dificuldades de interpretação do artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento n.° 3319/94, alegadas pela recorrente, sejam admitidas, estas últimas não podem justificar a existência de circunstâncias susceptíveis de criar uma situação especial para a recorrente. De facto, as dificuldades em questão afectariam da mesma forma todos os operadores económicos que importam mistura de ureia e de nitrato de amónio em solução originária da Polónia e não colocariam a recorrente numa situação excepcional face a vários outros operadores económicos.

68
Por conseguinte, a recorrente não fez prova da existência de circunstâncias que constituam uma situação especial na acepção do artigo 905.° do regulamento de aplicação.

69
Quanto à argumentação da recorrente sobre o carácter puramente formal do incumprimento que lhe é imputado, deve dizer‑se que, tendo em conta a redacção do artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento n.° 3319/94 e a finalidade desta disposição, a condição relativa à facturação directa pelo exportador ou produtor ao importador não ligado, necessária à aplicação de um direito antidumping variável, não apresenta, ao contrário do que é sustentado pela recorrente, um carácter puramente formal. Com efeito, o desrespeito desta condição tem consequências reais para o funcionamento correcto do regime aduaneiro, uma vez que a existência de vários canais de importação pode aumentar o risco de evasão das medidas antidumping.

70
Acresce que, conforme foi justamente invocado pela Comissão, a inexistência de facturação directa não está incluída na lista de incumprimentos que não têm consequências reais para o funcionamento correcto do regime aduaneiro em questão, prevista no artigo 859.° do regulamento de aplicação, à luz do qual o artigo 204.° do código aduaneiro deve ser lido (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1999, Söhl & Söhlke, C‑48/98, Colect., p. I‑7877, n.° 43).

71
Em seguida, a recorrente sustenta que as declarações em causa não deveriam ter sido aceites pela autoridade aduaneira competente, uma vez que não existia qualquer identidade entre a sociedade polaca que figurava como expedidora nestas declarações e a sociedade que emitiu as facturas juntas às mesmas.

72
O Tribunal considera que este argumento decorre de uma má compreensão do tratamento dado aos documentos em causa pelas autoridades francesas, a saber, a aposição da menção «ACD» nestas declarações. Como a Comissão afirmou em sua defesa (v., supra, n.os 52 e 53), esta aposição apenas significa que as rubricas da declaração aduaneira que são de preenchimento obrigatório o foram efectivamente e que os documentos que lhe devem efectivamente ser juntos também se encontravam presentes. Assim, a introdução em livre prática dos três carregamentos, após a aposição desta menção, não constitui uma confirmação da validade ou da exactidão dos dados que figuram nas declarações em causa ou nos seus documentos anexos por parte das autoridades francesas e não as impede de procederem a uma verificação a posteriori destes dados à luz das condições relativas ao código TARIC indicado pela recorrente em nome do importador.

73
Em todo o caso, deve recordar‑se que a ZAP, que é um dos exportadores ou produtores polacos expressamente mencionados no artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento n.° 3319/94, cujos produtos estavam sujeitos a um direito antidumping variável quando determinadas condições estivessem preenchidas, foi identificada nas declarações como exportador e que sociedades estabelecidas em França foram designadas como destinatárias. Além disso, o código TARIC 8793, aplicável quando as importações introduzidas em livre prática eram directamente facturadas a um importador não ligado a um dos exportadores ou produtores designados no Regulamento n.° 3319/94 e estabelecidos na Polónia, consta das declarações em causa. Por esta razão, o Tribunal considera que a irregularidade relativa ao respeito das condições necessárias à aplicação de um direito antidumping variável, ao abrigo do artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento n.° 3319/94, reside no facto de as facturas directas entre a ZAP e as sociedades destinatárias não terem sido anexadas às declarações aduaneiras.

74
Deve igualmente afirmar‑se que, no caso em apreço, não está em causa uma apresentação, por erro, de facturas incorrectas em vez das facturas pertinentes, designadamente as facturas directas entre o exportador polaco e as sociedades destinatárias. De facto, a ZAP não emitiu facturas às sociedades destinatárias, uma vez que as transacções em apreço tiveram lugar em duas etapas (v., supra, n.° 8).

75
Em consequência, o Tribunal considera que as autoridades aduaneiras francesas não tinham qualquer obrigação de recusar as declarações em causa nestas circunstâncias e que elas próprias não cometeram qualquer erro ao aporem a menção «ACD» nas referidas declarações antes de procederem a um exame minucioso das informações contidas nas declarações e da coerência destas informações com as que resultam do exame das facturas anexas às referidas declarações. Com efeito, deve observar‑se que o importador e o despachante da alfândega, que actua por sua conta, são responsáveis pelas informações contidas nas declarações em causa. Assim, não obstante ser possível apurar, após um exame minucioso, que as informações em questão eram erróneas, este facto não pode implicar a existência de um erro da parte das autoridades aduaneiras francesas no momento da introdução em livre prática dos produtos em causa pelo facto de lhes ter sido aposta a menção «ACD».

76
Na medida em que a recorrente acusa as autoridades aduaneiras francesas de, pelo facto de terem aceite a primeira declaração sem qualquer comentário, em 22 de Agosto de 1996, a terem conduzido a entregar as declarações seguintes nas mesmas condições (v., supra, n.° 41), deve lembrar‑se que, no presente caso, foram entregues três declarações num período inferior a um mês, a saber, entre 22 de Agosto e 17 de Setembro de 1996 (v., supra, n.° 9). O Tribunal conclui que a curta duração deste prazo não permitia materialmente às autoridades francesas proceder a uma verificação pormenorizada da primeira declaração e, por conseguinte, detectar o erro dela constante previamente à entrega das declarações seguintes.

77
Em qualquer caso, mesmo que as autoridades aduaneiras francesas tivessem procedido a um controlo mais minucioso dos documentos apresentados pela recorrente no momento da introdução em livre prática dos três carregamentos e tivessem detectado o erro relativo ao código TARIC utilizado cometido pela recorrente nos formulários, esta circunstância não modificaria nem as circunstâncias das transacções comerciais no caso em apreço nem o facto de estes carregamentos terem sido objecto de uma dupla facturação, em primeiro lugar, entre a ZAP e a Evertrade e, em seguida, entre esta sociedade e as sociedades destinatárias, e que um direito antidumping fixo era, por isso, aplicável. Assim, importa concluir que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que as circunstâncias do caso em apreço não constituíam uma situação especial na acepção da cláusula de equidade e do artigo 905.° do regulamento de aplicação.

78
Atendendo às considerações que precedem, a primeira parte do fundamento em apreço deve ser julgada improcedente.

79
Uma vez que uma das condições cumulativas previstas no artigo 905.° do regulamento de aplicação para o reembolso dos direitos de importação não está preenchida, não é necessário examinar a outra parte do presente fundamento.

80
Face ao exposto, o segundo fundamento é julgado improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento, baseado na irregularidade formal da decisão litigiosa

Argumentos das partes

81
A recorrente alega que a decisão litigiosa é formalmente irregular pelo facto de não lhe fazer qualquer referência. Alega que o único elemento que permite demonstrar que esta decisão lhe é aplicável resulta da comparação entre o montante dos direitos objecto da decisão litigiosa e o que constitui o objecto do pedido de dispensa de pagamento. Este facto é tanto mais prejudicial quanto está em causa uma decisão individual que não pode ter carácter geral.

82
A Comissão sustenta que a decisão litigiosa é formalmente regular e que não existiu uma violação de formalidades ad substanciam.

Apreciação do Tribunal

83
Importa recordar que, como é legitimamente sublinhado pela Comissão, nenhuma disposição dos artigos 905.° e seguintes do regulamento de aplicação, que estabelecem o procedimento relativo à dispensa de pagamento dos direitos ao abrigo da cláusula de equidade, obriga a Comissão a precisar o nome do requerente da dispensa de pagamento na decisão adoptada na sequência deste procedimento. Decorre destas disposições que o Estado‑Membro ao qual pertence a autoridade aduaneira decisória é que transmite o caso à Comissão para que este último seja decidido. Em seguida, a decisão da Comissão sobre a existência ou não de uma situação especial é notificada ao Estado‑Membro em questão.

84
Em qualquer caso, a recorrente não negou que a decisão litigiosa lhe foi comunicada pelas autoridades aduaneiras francesas. Além disso, decorre dos autos que a Comissão informou a recorrente, por carta de 27 de Setembro de 2001, de que tinha recebido o seu pedido de dispensa de pagamento dos direitos de importação transmitido pelas autoridades francesas e lhe comunicou a sua análise do litígio para que esta pudesse exercer o seu direito de defesa. A Comissão indicou ainda nesta carta que o pedido de dispensa de pagamento tinha sido registado sob o número de referência REM 06/01, ou seja, o mesmo número de referência que é mencionado na decisão litigiosa. Por conseguinte, este número permitiu à recorrente estabelecer uma relação entre o pedido de dispensa de pagamento apresentado pelas autoridades francesas à Comissão e a decisão litigiosa.

85
Decorre destas considerações que o presente fundamento é improcedente e não pode, por conseguinte, ser acolhido.

86
Não tendo nenhum dos fundamentos invocados contra a decisão litigiosa sido julgado procedente, deve, assim, ser negado provimento ao recurso.


Quanto às despesas

87
Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção alargada)

decide:

1)
É negado provimento ao recurso.

2)
A recorrente suportará as suas próprias despesas bem como as da Comissão.

Lindh

García-Valdecasas

Cooke

Mengozzi

Martins Ribeiro

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de Setembro de 2004.

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Lindh


1
Língua do processo: francês.