Language of document : ECLI:EU:T:2007:380

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

12 de Dezembro de 2007 (*)

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas no sector dos produtos vitamínicos – Cloreto de colina (vitamina B 4) – Decisão em que se declara existir uma infracção ao artigo 81.° CE e ao artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu – Coimas – Efeito dissuasivo – Reincidência – Cooperação durante o procedimento administrativo – Infracção única e continuada»

Nos processos apensos T‑101/05 e T‑111/05,

BASF AG, com sede em Ludwigshafen (Alemanha), representada por N. Levy, barrister, J. Temple‑Lang, solicitor, e C. Feddersen, advogado,

recorrente no processo T‑101/05,

UCB SA, com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por J. Bourgeois, J.‑F. Bellis e M. Favart, advogados,

recorrente no processo T‑111/05,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada, no processo T‑101/05, por A. Whelan e F. Amato e, no processo T‑111/05, inicialmente por O. Beynet e F. Amato e, posteriormente, por X. Lewis e F. Amato, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação ou de redução das coimas aplicadas às recorrentes pela Decisão 2005/566/CE da Comissão, de 9 Dezembro 2004, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do acordo EEE (Processo COMP/E‑2/37.533 – Cloreto de colina) (resumo no JO 2005, L 190, p. 22),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: A. W. H. Meij, exercendo funções de presidente, N. J. Forwood e S. Papasavvas, juízes,

secretário: C. Kantza, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 13 de Fevereiro de 2007,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio e decisão impugnada

1        Na Decisão 2005/566/CE, de 9 de Dezembro de 2004, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do acordo EEE (Processo COMP/E‑2/37.533 – Cloreto de colina) (resumo no JO 2005, L 190, p. 22, a seguir «decisão»), a Comissão declarou que várias empresas tinham infringido o artigo 81.°, n.° 1, CE e o artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) ao participarem num conjunto de acordos e de práticas concertadas que consistiram na fixação de preços, na repartição dos mercados e em acções concertadas contra os concorrentes no sector do cloreto de colina do EEE (artigo 1.° da decisão).

2        Quanto ao produto em causa, a Comissão esclarece que o cloreto de colina pertence ao grupo das vitaminas hidrossolúveis complexo‑B (vitamina B4). É especialmente utilizado na indústria de alimentos para animais (aves de capoeira e suínos) como aditivo alimentar. É comercializado quer em solução aquosa a 70% quer pulverizado sobre uma base de cereais desidratados ou de sílica com um teor de 50% a 60%. A parte do cloreto de colina que não é utilizada como aditivo alimentar para os animais é refinada para obter um produto de maior pureza (qualidade farmacêutica). Para além dos produtores, o mercado do cloreto de colina envolve, por um lado, os transformadores, que compram o produto aos produtores sob a forma líquida e o transformam em cloreto de colina sobre uma base, por conta do produtor ou por sua própria conta, e, por outro, os distribuidores.

3        Resulta do considerando 3 da decisão que a Comissão deu início a uma investigação sobre o sector mundial do cloreto de colina após ter recebido, em Abril de 1999, um pedido de aplicação de medidas de clemência do fornecedor norte‑americano Bioproducts. A investigação abrangeu o período compreendido entre 1992 e o final de 1998. No considerando 45 da decisão, a Comissão referiu que o produtor canadiano Chinook já a tinha contactado em 25 de Novembro e em 3 e 16 de Dezembro de 1998 relativamente ao cartel em questão, mas que nessa altura não tinha dado início a uma investigação.

4        No que se refere ao EEE, o cartel em questão funcionava, nos termos do considerando 64 da decisão, em dois níveis diferentes, mas estreitamente relacionados: o nível mundial e o nível europeu. A nível mundial, os produtores Bioproducts (Estados Unidos da América), Chinook (Canadá), Chinook Group Ltd (Canadá), DuCoa (Estados Unidos da América), cinco sociedades do grupo Akzo Nobel (Países Baixos) e as recorrentes participaram (directa ou indirectamente), em actividades anticoncorrenciais entre Junho de 1992 e Abril de 1994. Estas actividades tinham por objecto, no essencial, aumentar os preços a nível mundial, nomeadamente no EEE, e controlar os transformadores, nomeadamente no EEE, a fim de garantir que estes últimos não punham em perigo os aumentos acordados e de repartir os mercados mundiais através do abandono do mercado europeu pelos produtores norte‑americanos em contrapartida do abandono do mercado norte‑americano pelos produtores europeus. A Comissão identifica nove reuniões do cartel a nível mundial entre Junho de 1992 (na cidade do México, México) e Abril de 1994 (em Johor Bahru, Malásia). A reunião mais importante foi a realizada em Ludwigshafen (Alemanha) em Novembro de 1992.

5        Somente os produtores europeus (a BASF AG, a UCB SA e cinco sociedades do grupo Akzo Nobel) participaram nas reuniões que puseram em prática o cartel a nível europeu, que durou de Março de 1994 a Outubro de 1998. A Comissão identifica quinze reuniões relacionadas com esse cartel, de Março de 1994 (em Schoten, Bélgica) a Outubro de 1998 (em Bruxelas, Bélgica, ou em Aix‑la‑Chapelle, Alemanha). De acordo com o considerando 65 da decisão, estas reuniões serviram para dar continuidade ao acordo concluído a nível mundial. Tinham como objectivo o aumento regular dos preços em todo o EEE, juntamente com a repartição dos mercados e a afectação dos clientes individuais, assim como o controlo dos transformadores na Europa para garantir um nível de preços elevado.

6        Segundo as apreciações da Comissão, todos os acordos mundiais e europeus faziam parte, no que respeita ao EEE, de um projecto global que tinha definido as linhas de acção dos membros do cartel e que restringia o seu comportamento comercial individual a fim de atingir um objectivo económico anticoncorrencial único, ou seja, falsear as condições normais de concorrência no EEE. Importa, por isso, segundo a Comissão, considerar os acordos concluídos a nível mundial e europeu como uma única infracção complexa e continuada relativa ao EEE, na qual os produtores norte‑americanos participaram durante um certo tempo e os produtores europeus durante todo o período em causa.

7        No que se refere à identificação dos destinatários da decisão, a Comissão especificou, no considerando 166, que deviam ser consideradas responsáveis pela infracção cinco sociedades do grupo Akzo Nobel (a seguir, em conjunto, «Akzo Nobel»), a BASF, a Bioproducts, a Chinook, a DuCoa e a UCB. Inversamente, a Ertisa, uma sociedade espanhola que detém 50% do mercado espanhol, não foi destinatária da decisão, já que a Comissão declarou, no considerando 178, que as provas eram globalmente insuficientes para a responsabilizar pelos factos alegados.

8        No artigo 3.° da decisão, a Comissão ordenou às empresas destinatárias que pusessem imediatamente termo às infracções referidas no artigo 1.° da decisão, se ainda o não tivessem feito, e que se abstivessem de repetir os actos ou comportamentos ilícitos verificados, assim como qualquer medida que tivesse um objecto ou efeito idêntico ou equivalente.

9        Quanto à aplicação das coimas, a Comissão considerou que os produtores norte‑americanos (a Bioproducts, a Chinook e a DuCoa) tinham posto termo à sua participação na infracção o mais tardar em 20 de Abril de 1994, na sequência da reunião de Johor Bahru (v. n.° 4 supra). De acordo com o considerando 165 da decisão, a Comissão não dispunha de provas que indiciassem a realização de outras reuniões ou contactos em que os produtores norte‑americanos tivessem participado, mediante os quais tivessem fixado os preços para o EEE ou confirmado o seu compromisso inicial de não exportar para a Europa. Dado que o primeiro acto da Comissão relativamente a esta infracção data de 26 de Maio de 1999, isto é, mais de cinco anos após o fim da participação dos produtores norte‑americanos, a Comissão não lhes aplicou nenhuma coima, em conformidade com o artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 2988/74 do Conselho, de 26 de Novembro de 1974, relativo à prescrição quanto a procedimentos e execução de sanções no domínio do direito dos transportes e da concorrência da Comunidade Económica Europeia (JO L 319, p. 1; EE 08 F2 p. 41), e com o artigo 25.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1).

10      Em contrapartida, tendo a participação dos produtores europeus durado até 30 de Setembro de 1998, a Comissão aplicou‑lhes coimas no montante global de 66,34 milhões de euros.

11      O montante das coimas foi fixado pela Comissão nos termos das suas orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações») e da sua comunicação sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO 1996, C 207, p. 4, a seguir «comunicação sobre a cooperação de 1996»).

12      No considerando 187 da decisão, a Comissão enunciou os critérios gerais com base nos quais procedeu à determinação do montante das coimas. Exprimiu a sua intenção de tomar em consideração todas as circunstâncias do caso em apreço, em particular a gravidade e a duração da infracção, de dar um carácter suficientemente dissuasivo à coima, de apreciar caso a caso o papel desempenhado por cada empresa participante na infracção, de ter em conta, nomeadamente, eventuais circunstâncias agravantes ou atenuantes e de aplicar, se necessário, a comunicação sobre a cooperação.

13      Quanto à gravidade da infracção, a Comissão teve em conta a sua natureza (fixação dos preços, divisão dos mercados, repartição dos clientes, acção concertada contra os concorrentes), o impacto concreto da infracção no mercado devido à sua aplicação, bem como a dimensão do mercado geográfico em causa (todo o EEE), e concluiu que as empresas destinatárias da decisão tinham cometido uma infracção muito grave ao artigo 81.°, n.° 1, CE e ao artigo 53.°, n.° 1, do Acordo EEE (considerandos 190 a 198 da decisão). Este grau de gravidade justifica, de acordo com as orientações, a aplicação de uma coima superior a 20 milhões de euros. Todavia, a Comissão anunciou, no considerando 199 da decisão, que teria em conta o valor relativamente baixo do mercado do cloreto de colina no EEE (52,6 milhões de euros em 1997, último ano completo da infracção).

14      Para determinar o montante de partida das coimas, a Comissão anunciou que aplicaria um tratamento diferenciado às sociedades envolvidas de forma a ter em conta as diferenças entre elas quanto à respectiva capacidade económica efectiva para prejudicar gravemente a concorrência. Assim, tendo em conta o facto de a infracção ter começado a nível mundial, com a participação de empresas norte‑americanas que concordaram, nomeadamente, em abandonar o mercado europeu, a Comissão considerou que se devia basear nas quotas de mercado globais das empresas que tinham participado na infracção para determinar a sua importância respectiva (considerandos 200 e 201 da decisão).

15      Assim, com base nas quotas de mercado globais detidas em 1997, a Comissão classificou a Chinook na primeira categoria com uma quota de mercado de 19,3%, a DuCoa na segunda categoria com uma quota de mercado de 16,3%, a UCB, a Bioproducts e a Akzo Nobel na terceira categoria com quotas de mercado, respectivamente, de 13,4%, de 12,2% e de 12%, e a BASF na quarta categoria com uma quota do mercado de 9,1%. Após esta classificação, os montantes de partida foram fixados em 12,9 milhões de euros para a UCB e em 9,4 milhões de euros para a BASF. Estes montantes de partida foram calculados com base num montante de partida, para a primeira categoria, de 20 milhões de euros (considerandos 201 e 202 da decisão).

16      Para assegurar um efeito dissuasivo suficiente, a Comissão, atento o volume de negócios das recorrentes em 2003 (3 mil milhões de euros da UCB e 33,4 mil milhões de euros da BASF), multiplicou o montante de partida da coima da BASF pelo factor 2 (considerando 203 da decisão).

17      Seguidamente, a Comissão aumentou, para cada uma das recorrentes, o montante de partida, determinado depois da aplicação dos factores de dissuasão, em 10% por cada ano completo de infracção e em 5% por cada período suplementar de seis meses ou mais, mas inferior a um ano. Tendo a infracção durado pelo menos cinco anos e onze meses (de 13 de Outubro de 1992 a 30 de Setembro de 1998), a Comissão aumentou os montantes de partida em 55%. Assim, os montantes de base das coimas aplicadas foram fixados em 29,14 milhões de euros para a BASF e 20 milhões de euros para a UCB (considerandos 206 e 207 da decisão).

18      Foi aplicada uma circunstância agravante à BASF decorrente do facto de ser reincidente, uma vez que já tinha sido por duas vezes destinatária de decisões de proibição pelo mesmo tipo de comportamento anticoncorrencial. Trata‑se da Decisão 69/243/CEE da Comissão, de 24 de Julho de 1969, relativa a um processo nos termos do artigo [81.° CE] (IV/26.267 – Corantes) (JO L 195, p. 11), e da Decisão 94/599/CE da Comissão, de 27 de Julho de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.° CE] (IV/31.865 – PVC) (JO L 239, p. 14). Esta circunstância levou ao aumento do montante de base da coima aplicada à BASF em 50%, fazendo‑o ascender a 43,71 milhões de euros (considerandos 208 e 219 da decisão).

19      Depois de ter rejeitado uma série de argumentos apresentados pelas recorrentes como circunstâncias atenuantes, relativos à cessação antecipada da infracção, à não aplicação dos acordos, à longa duração da investigação, à situação de crise do sector e às medidas disciplinares tomadas contra os trabalhadores envolvidos na infracção com vista a aplicar um programa de compatibilização, a Comissão reduziu a coima aplicada à UCB devido à sua cooperação efectiva fora do âmbito da comunicação sobre a cooperação de 1996. Mais concretamente, foi a UCB que informou a Comissão, em 26 de Julho de 1999, da existência da infracção a nível europeu, referindo que se tinham realizado nove reuniões entre Março de 1994 e Outubro de 1998, quando a Comissão só dispunha de informações sobre o cartel a nível mundial. Este facto deu lugar a uma redução de 25,8% do montante de base da coima, que passou para 14,84 milhões de euros (considerandos 218 e 219 da decisão).

20      Quanto à aplicação da comunicação sobre a cooperação de 1996, a Comissão esclarece, no considerando 220 da decisão, que todas as recorrentes cooperaram com ela nas diferentes fases do procedimento.

21      Em resposta a um pedido de informações de 26 de Maio de 1999, a BASF (o primeiro dos três produtores europeus a oferecer provas voluntariamente) forneceu, em 15 de Junho de 1999, um relatório cuja parte G se referia ao cloreto de colina. No entanto, como as questões colocadas não diziam respeito a esse produto, a Comissão afirmou, no considerando 221 da decisão, que a secção G do referido relatório devia ser qualificada de oferecimento voluntário de provas na acepção da secção D da comunicação sobre a cooperação de 1996. O mesmo acontece com os documentos fornecidos pela BASF em 23 de Junho de 1999, que incluíam elementos relativos à reunião de Ludwigshafen (considerando 221 da decisão).

22      Quanto à apreciação do valor destes elementos, a Comissão sublinha que as provas já fornecidas pela Chinook e pela Bioproducts eram, em si mesmas, manifestamente suficientes para constituir uma prova decisiva na acepção da secção B da comunicação sobre a cooperação de 1996. Com efeito, foram as provas fornecidas pela Bioproducts em 7 de Maio de 1999 que levaram a Comissão a enviar, em 22 de Junho de 1999, um pedido de informações relativo especificamente ao cloreto de colina. Todavia, a secção G do relatório da BASF pode, apesar do seu valor limitado à luz das informações já disponíveis, ser considerado um elemento confirmativo da infracção a nível mundial na acepção da secção D da comunicação sobre a cooperação de 1996. No que se refere aos acordos europeus, a Comissão sublinha que a BASF se limitou a declarar que, apesar dos esforços dos produtores europeus, não tinha sido celebrado nem aplicado qualquer acordo efectivo. Quanto à comunicação da BASF de 16 de Julho de 1999, esta não continha elementos que contribuíssem para confirmar a existência da infracção e, em todo o caso, constituía uma resposta ao pedido de informações de 22 de Junho de 1999. Quanto ao resto, a Comissão refere que uma comunicação da BASF de 4 de Novembro de 2002, em resposta a um pedido de informações de 30 de Agosto de 2002, teve apenas um valor muito limitado relativamente a duas reuniões. Por outro lado, a BASF informou a Comissão, depois de ter recebido a comunicação de acusações, que não contestava a materialidade dos factos. Com base nesses elementos, a Comissão concedeu à BASF uma redução de 20% do montante da coima que, de outro modo, lhe teria sido aplicada (considerandos 221 a 226 da decisão).

23      No que se refere à UCB, a Comissão reconheceu que as informações prestadas em 26 de Julho de 1999 (v. n.° 19 supra) tinham constituído uma contribuição material significativa na demonstração da infracção a nível europeu apesar de não ter sido fornecido nenhum documento correspondente ao período de 1995 a 1998. Em contrapartida, a Comissão não considerou que a comunicação adicional de 21 de Setembro de 1999 tivesse uma importância análoga. Além disso, a contestação da participação no cartel a nível mundial levou a Comissão a recusar o benefício de uma redução pela não contestação da materialidade dos factos. Por estes motivos, a Comissão concedeu à UCB, com base na secção D da comunicação sobre a cooperação de 1996, uma redução de 30% do montante da coima que, de outro modo, lhe teria sido aplicada (considerandos 227 a 231 da decisão).

24      Na sequência deste procedimento, as coimas aplicadas às recorrentes foram fixadas do seguinte modo:

–        34,97 milhões de euros à BASF;

–        10,38 milhões de euros à UCB.

 Tramitação processual e pedidos das partes

25      Por petições entradas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Fevereiro (processo T‑111/05, UCB/Comissão) e 1 de Março de 2005 (processo T‑101/05, BASF/Comissão), as recorrentes interpuseram o presente recurso.

26      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 2 de Março de 2005 (registada sob a referência T‑112/05), a Akzo Nobel, também destinatária da decisão, interpôs um recurso dessa decisão.

27      Por carta de 25 de Julho de 2006, enviada em resposta a uma pergunta escrita, a BASF informou o Tribunal de que desistia do primeiro e sétimo fundamentos.

28      Por despacho de 7 de Setembro de 2006, o presidente da Segunda Secção do Tribunal ordenou, ouvidas as partes, a apensação dos processos T‑101/05, T‑111/05 e T‑112/05 para efeitos da fase oral e do acórdão, nos termos do artigo 50.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

29      Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo, colocou por escrito uma questão às partes.

30      Ouvidas as partes sobre este ponto na audiência, o Tribunal revogou a decisão que ordenou a apensação do processo T‑112/05 aos processos T‑101/05 e T‑111/05 para efeitos do acórdão, nos termos do artigo 50.° do Regulamento de Processo.

31      No processo T‑101/05, a BASF conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a coima aplicada pela decisão ou reduzir substancialmente o seu montante;

–        condenar a Comissão nas despesas do processo e nas outras despesas em que incorreu relativamente aos presentes autos;

–        ordenar quaisquer medidas que o Tribunal julgue adequadas.

32      No processo T‑111/05, a UCB conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão ou, pelo menos, anular a coima ou reduzir substancialmente o seu montante;

–        condenar a Comissão nas despesas.

33      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento aos recursos;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

1.     Observações preliminares

34      A BASF invoca cinco fundamentos que põem em causa a apreciação da Comissão relativa, em primeiro lugar, ao efeito dissuasivo da coima aplicada, em segundo lugar, ao agravamento do seu montante a título de reincidência, em terceiro lugar, à sua cooperação durante o procedimento administrativo, em quarto lugar, à redução global que lhe deveria ser concedida independentemente da comunicação sobre a cooperação de 1996 e, em quinto lugar, à qualificação dos acordos mundiais e europeus como infracção única e continuada.

35      A UCB, por sua vez, invoca três fundamentos, relativos a um erro na qualificação dos acordos mundiais e europeus como infracção única e continuada, à aplicação errada da comunicação sobre a cooperação de 1996 e, a título subsidiário, a uma violação dessa comunicação, mesmo no caso de o Tribunal considerar que os acordos mundiais e europeus constituem uma infracção única e continuada.

36      Importa, em primeiro lugar, examinar os quatro primeiros fundamentos invocados pela BASF, em seguida, apreciar a procedência dos argumentos apresentados em apoio do fundamento comum relativo ao carácter único e continuado da infracção e, por fim, analisar o segundo e terceiro fundamentos da UCB.

2.     Quanto ao primeiro fundamento invocado pela BASF, relativo à violação dos Regulamentos n.° 17 e n.° 1/2003 e das orientações, devido ao agravamento do montante da coima em 100% para efeitos de dissuasão

 Argumentos das partes

37      Na petição, a BASF invocou três argumentos relativamente ao aumento do montante da coima para efeitos de dissuasão. Em primeiro lugar, este aumento é contrário ao Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22) e ao Regulamento n.° 1/2003, bem como às legítimas expectativas originadas pelas orientações. Em segundo lugar, a Comissão não examinou se era necessário um aumento a esse título à luz do comportamento da BASF. Em terceiro lugar, esse aumento é incompatível com a aplicação da comunicação sobre a cooperação de 1996.

38      Na audiência, a BASF desistiu do primeiro e do terceiro argumentos invocados no âmbito do presente fundamento. No âmbito do segundo argumento, alega que a Comissão, antes de aumentar uma coima para efeitos de dissuasão, deve verificar se esse agravamento é necessário para a empresa em questão atendendo à probabilidade de reincidência da sua parte. A dimensão de uma sociedade não é um factor pertinente para efeitos dessa apreciação. Em contrapartida, há outros elementos que podem anunciar o comportamento futuro de uma empresa. Uma grande empresa tem menos necessidade de ser dissuadida devido, por exemplo, ao facto de estar exposta a acções de grupo ou devido a eventuais consequências que afectem o seu valor na bolsa. A necessidade de dissuasão não pode ser apreciada com base na dimensão global de uma empresa, devendo antes basear‑se na sua atitude específica. Ora, o único fundamento invocado pela Comissão para o referido aumento foi o volume de negócios mundial da BASF.

39      Uma vez que é o montante final da coima que permite determinar se a sanção é susceptível de dissuadir a empresa de cometer infracções futuras, a BASF sustenta que a necessidade de um aumento da coima para efeitos de dissuasão deve ser apreciada no final do cálculo da coima e não numa fase intermédia. Além disso, um tal agravamento do montante da coima devia ser explicado (na comunicação de acusações e na decisão) por referência à atitude de cada sociedade. Acresce que a Comissão é obrigada a levar em conta as coimas que a empresa em questão teve de pagar em países terceiros no momento da adopção da decisão por uma violação semelhante da lei. A BASF acrescenta que a Comissão impôs erradamente um aumento do montante da coima com base nas actividades realizadas noutros mercados totalmente independentes. A BASF sublinha que, no seu caso, não era necessário nenhum aumento adicional para efeitos de dissuasão. Com efeito, na sequência da Decisão 2003/2/CE da Comissão, de 21 de Novembro de 2001, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/E‑1/37.512 – Vitaminas) (JO 2003, L 6, p. 1), a BASF tomou medidas sem precedentes para garantir que não se repetiria no futuro nenhum comportamento ilegal desse tipo, conforme explicou na sua resposta à comunicação de acusações. A sua cooperação durante o procedimento administrativo e as coimas que teve de pagar em países terceiros na sequência do processo Vitaminas demonstram que não há necessidade alguma de dissuasão. Ora, a decisão não contém elementos susceptíveis de refutar a argumentação da BASF.

40      Segundo a BASF, embora a Comissão sustente que a dissuasão é uma componente da gravidade da infracção, e não um elemento do comportamento individual de cada empresa, não explica por que razão se aumentam, para efeitos de dissuasão, as coimas aplicadas a determinadas empresas e não a outras. A BASF acrescenta que, dados os antecedentes e a interligação entre o caso em apreço e o processo Vitaminas, referido no n.° 39 supra, a Decisão 2003/2 não devia ter sido considerada pertinente para calcular a coima da BASF ou para avaliar a questão da dissuasão, visto que a Comissão não explicou a razão pela qual não tratou de todos os cartéis relativos às vitaminas no âmbito de uma decisão única.

41      A BASF sublinha, em resposta ao argumento da Comissão segundo o qual a presunção de inocência obsta a uma apreciação do comportamento ilícito futuro, que a questão pertinente é a de saber se uma empresa que está ciente do carácter ilegal do seu comportamento e que toma medidas para evitar a sua reiteração necessita de uma dissuasão suplementar. Essa análise não tem qualquer relação com a presunção de inocência.

42      A Comissão contesta a procedência do presente fundamento.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

43      Há que recordar que as sanções previstas no artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e no artigo 23.° do Regulamento no 1/2003 têm por objectivo reprimir comportamentos ilícitos, bem como evitar a reincidência. A dissuasão constitui, portanto, uma finalidade da coima (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Março de 2006, BASF/Comissão, T‑15/02, Colect., p. II‑497, a seguir «acórdão Vitaminas», n.os 218 e 219).

44      As orientações evocam essa finalidade no ponto 1.A, segundo o qual «[s]erá [...] necessário […] determinar um montante que assegure que a coima apresenta um carácter suficientemente dissuasivo».

45      Além disso, o carácter dissuasivo das coimas constitui um dos elementos em função dos quais deve ser estabelecida a gravidade das infracções (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C‑219/95 P, Colect., p. I‑4411, n.° 33).

46      No caso em apreço, importa salientar que, para aumentar o montante de partida da coima a aplicar à BASF, a Comissão não avaliou a probabilidade de reincidência. Com efeito, como resulta do considerando 203 da decisão (v. n.° 16 supra), só tomou em consideração a dimensão dessa empresa.

47      Todavia, há que considerar que a falta de avaliação da probabilidade de reincidência por parte da BASF não afecta em nada a legalidade desse aumento. Com efeito, jurisprudência assente reconheceu a pertinência da dimensão das empresas enquanto elemento a ter em conta no quadro da fixação do montante da coima. Este elemento pode ser utilizado como indicador da influência que a empresa em causa pôde exercer no mercado (v. acórdão Vitaminas, já referido no n.° 43 supra, n.os 233 a 236 e jurisprudência aí referida).

48      No que se refere à fase em que deve ser apreciada a necessidade da aplicação de um coeficiente para assegurar o efeito dissuasivo da coima, basta referir que as exigências de dissuasão devem estar subjacentes a todo o processo de determinação do montante da coima, e não a uma única fase deste (acórdão Vitaminas, já referido no n.° 43 supra, n.° 238).

49      No que respeita à necessidade de aplicar esse coeficiente nas circunstâncias do caso em apreço, importa observar que a BASF realizou, em 2003, um volume de negócios global de 33,4 milhões de euros, o que demonstra a dimensão considerável dessa empresa, que é muito superior à da UCB e da Akzo Nobel.

50      Decorre do exposto que a Comissão não violou os Regulamentos n.° 17 e n.° 1/2003. Além disso, não se afastou das orientações ao considerar que, atenta a dimensão da BASF, era necessário, para efeitos de dissuasão, duplicar o montante de partida de 9,4 para 18,8 milhões de euros.

51      Quanto às medidas adoptadas pela BASF para evitar a reincidência, à cooperação de que fez prova e às condenações de que foi alvo em países terceiros, importa verificar em que medida essas circunstâncias justificavam uma redução da coima pela Comissão quando apreciou as exigências de dissuasão relativamente à BASF.

52      No que diz respeito às medidas adoptadas pela BASF para evitar a reincidência, importa constatar que, não obstante a importância das medidas adoptadas para garantir a compatibilidade com o direito da concorrência, a realidade da infracção cometida não é posta em causa. Assim, a adopção de um programa de compatibilização pela empresa em causa não obriga a Comissão a conceder uma redução da coima por esse facto (acórdão Vitaminas, já referido no n.° 43 supra, n.os 266 e 267). Assim sendo, também improcede a alegação de que, na sequência das coimas impostas pela Decisão 2003/2, não era necessário dissuadir a BASF em relação às suas actividades respeitantes ao cloreto de colina. Com efeito, a aplicação de uma coima à BASF por diversas actividades anticoncorrenciais relativas a outros produtos vitamínicos também não altera a realidade da infracção cometida e, portanto, não obriga a Comissão a conceder uma redução a esse título.

53      No que respeita às condenações de que foi alvo em países terceiros, há que salientar que o objectivo de dissuasão que a Comissão pode prosseguir na fixação do montante de uma coima tem em vista garantir que as empresas, na condução das suas actividades na Comunidade ou no EEE, respeitem as regras de concorrência estabelecidas no Tratado. Daí decorre que o carácter dissuasivo de uma coima aplicada por violação das regras de concorrência comunitárias não pode ser determinado somente em função da situação particular da empresa condenada nem em função da observância, da sua parte, das regras de concorrência existentes em Estados terceiros fora do EEE (v. acórdão Vitaminas, já referido no n.° 43 supra, n.° 269 e jurisprudência aí referida).

54      No que se refere à cooperação da BASF durante o procedimento administrativo, a Comissão reconheceu a realidade dessa cooperação e recompensou‑a no âmbito da aplicação da comunicação sobre a cooperação de 1996 (v., neste sentido, acórdão Vitaminas, já referido no n.° 43 supra, n.° 268). Por conseguinte, a questão de saber se essa cooperação impunha, eventualmente, maiores reduções da coima deve ser analisada no âmbito do terceiro fundamento.

55      O primeiro fundamento deve, por consequência, ser julgado improcedente.

3.     Quanto ao segundo fundamento invocado pela BASF, relativo à violação dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade, devido ao agravamento do montante da coima em 50% a título de reincidência e ao cálculo errado desse agravamento

 Argumentos das partes

56      A BASF alega, a título preliminar, que os Regulamentos n.° 17 e n.° 1/2003 não oferecem uma base jurídica clara para o aumento do montante da coima por reincidência. Uma vez que as infracções pelas quais a BASF foi punida com uma coima em 1969 e em 1994 não tiveram nenhuma influência sobre a gravidade ou a duração da infracção que é objecto da decisão, a Comissão violou o princípio da segurança jurídica ao ter em conta essas condenações. Resulta do Regulamento n.° 2988/74, do artigo 25.° do Regulamento n.° 1/2003 e do princípio de segurança jurídica que a sanção por reincidência deve estar sujeita a um regime de prescrição, a fim de evitar que se chegue a resultados absurdos, como a não aplicação de uma coima aos produtores norte‑americanos por ter prescrito o seu comportamento colusório que teve lugar em 1994, ao passo que a BASF é punida por uma infracção que cometida em 1964. É, em geral, irracional que uma sociedade não possa ser punida por uma infracção cometida há cinco anos, mas que possa ser sancionada mais severamente em consequência de uma infracção prescrita há muito tempo. Segundo a BASF, embora as orientações sejam defeituosas por não preverem um período após o qual uma infracção anterior já não deve ser tida em conta a título de reincidência, as legislações dos Estados‑Membros prevêem essa limitação. A BASF considera que, se a Decisão 69/243 (v. n.° 18 supra) não foi tida em conta no âmbito do agravamento da coima por reincidência, há que admitir que ou esse agravamento é errado, ou a Comissão também considera que uma infracção cometida há quarenta anos não pode ser tida em conta a esse título.

57      Uma vez que não há qualquer disposição que preveja um prazo de prescrição relativamente às infracções anteriores para efeitos de reincidência, a Comissão é obrigada, segundo a BASF, a fazer uso do seu poder de apreciação de modo razoável e proporcional em circunstâncias claramente definidas e pertinentes. A BASF alega que esta tese se impõe, por maioria de razão, quando a infracção anterior tenha sido cometida há muito tempo, quando o direito comunitário da concorrência era pouco conhecido e compreendido. A BASF salienta que a segunda decisão invocada pela Comissão para efeitos da reincidência foi adoptada em 1994 e era relativa ao período de 1980 a 1984. Ora, a Comissão não pode aproveitar‑se da lentidão do seu processo decisório para invocar infracções tão antigas para efeitos de reincidência. Por outro lado, a Comissão não impôs um aumento da coima por reincidência na Decisão 2003/2, o que foi correcto.

58      Além disso, segundo a BASF, considerar que houve reincidência com base num comportamento com mais de vinte anos pressupõe que ambas as infracções sejam do mesmo tipo, o que está excluído se disserem respeito a mercados diferentes. É o que acontece, porém, no caso em apreço, dado que as substâncias corantes (objecto da Decisão 69/243), o PVC (objecto da Decisão 94/599) e o cloreto de colina fazem parte de mercados completamente diferentes.

59      De qualquer forma, o cálculo do agravamento em causa é ilegal, uma vez que a Comissão o devia ter aplicado, em conformidade com os n.os 226 e 229 do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Julho de 2003, Cheil Jedang/Comissão (T‑220/00, Colect., p. II‑2473), ao montante de partida de 9,4 milhões de euros, antes de qualquer agravamento em função da dimensão da empresa ou do factor dissuasivo (v. n.° 15 supra), e não ao montante de base de 29,14 milhões de euros (v. n.os 17 e 18 supra).

60      A Comissão começa por salientar que não levou em conta, para efeitos do cálculo da coima, a participação da BASF no cartel das vitaminas que deu origem à adopção da Decisão 2003/2. Realça igualmente o facto de a Decisão 94/599 ter sido adoptada durante o período de infracção relativo ao cloreto de colina. Por outro lado, é o facto de a empresa em causa não corrigir o seu comportamento que agrava a sua culpabilidade no âmbito da decisão que declara a existência de uma nova infracção, independentemente do tempo decorrido entre a primeira infracção e a adopção da decisão correspondente. A Comissão não compreende por que razão o facto de as infracções anteriores da BASF dizerem respeito a mercados diferentes do do cloreto de colina pode pôr em causa o agravamento em questão, tendo em conta, nomeadamente, que a natureza de todas essas infracções era semelhante.

61      Quanto ao princípio da segurança jurídica, a Comissão alega que, quando aplica coimas, leva em conta as regras de natureza universal, como o princípio da proporcionalidade, mas também, em conformidade com a jurisprudência, as regras específicas relativas à aplicação de sanções, como o reconhecimento de circunstâncias que podem agravar ou atenuar a responsabilidade do culpado. Uma empresa não pode exigir a aplicação de circunstâncias atenuantes e, ao mesmo tempo, rejeitar, em princípio, a possibilidade de que sejam igualmente levadas em conta as circunstâncias agravantes para efeitos do cálculo da coima. Além disso, a reincidência é expressamente mencionada no primeiro travessão do título 2 das orientações como circunstância agravante, tendo a BASF sido igualmente avisada desse facto no n.° 217 da comunicação de acusações.

62      Relativamente ao facto de as infracções anteriores serem antigas, a Comissão observa que a jurisprudência validou um aumento em 50% do montante de base por reincidência com base numa infracção que deu origem à adopção de uma decisão 20 anos antes, o que lhe permite levar em conta, no caso em apreço, a Decisão 94/599. Ora, esta última decisão é suficiente, segundo a Comissão, para impor o aumento em causa, mesmo sem levar em conta a Decisão 69/243. Além disso, o facto de não ter considerado as específicas infracções anteriores como circunstâncias agravantes para efeitos do cálculo da coima no âmbito da Decisão 2003/2 não impede a Comissão de o fazer no âmbito de uma decisão posterior.

63      Quanto ao argumento relativo ao cálculo errado do agravamento, a Comissão salienta que a BASF confunde o montante de partida (v. n.° 15 supra) com o montante de base da coima, que é determinado em função da gravidade e da duração da infracção (v. n.° 17 supra). É sobre este último montante que deve incidir qualquer aumento motivado por circunstâncias agravantes, em conformidade com o acórdão Cheil Jedang/Comissão, já referido no n.° 59 supra, coisa que a Comissão diz ter feito no caso em apreço.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

64      Há que rejeitar desde já o argumento da BASF segundo o qual o reconhecimento de um caso de reincidência pressupõe que as infracções sejam relativas ao mesmo mercado de produtos. Com efeito, basta que a Comissão seja confrontada com infracções à mesma disposição do Tratado CE.

65      Em seguida, há que salientar que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 constituem as bases jurídicas pertinentes ao abrigo das quais a Comissão pode aplicar coimas a empresas e associações de empresas por infracções aos artigos 81.° CE e 82.° CE. Por força dessas disposições, para determinar o montante da coima, devem ser levadas em conta a duração e a gravidade da infracção. A gravidade da infracção é determinada com base em numerosos factores, relativamente aos quais a Comissão dispõe de uma margem de apreciação. O facto de levar em conta circunstâncias agravantes na fixação da coima está em conformidade com a função da Comissão de assegurar a observância das regras da concorrência (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 2007, Groupe Danone/Comissão, C‑3/06 P, Colect., p. I‑1331, n.os 24 e 25).

66      Além disso, a análise da gravidade da infracção cometida deve levar em conta uma eventual reincidência (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 91, e Groupe Danone/Comissão, já referido no n.° 65 supra, n.° 26), que pode justificar um aumento considerável do montante de base da coima (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 2003, Michelin/Comissão, T‑203/01, Colect., p. II‑4071, n.° 293). À luz dessa jurisprudência, há que rejeitar as alegações da BASF segundo as quais, por um lado, as suas infracções anteriores não têm nenhuma influência sobre a gravidade da infracção em questão e, por outro, não há uma base legal clara para a aplicação de um agravamento a título de reincidência.

67      Quanto ao argumento relativo a uma suposta obrigação de reconhecer uma limitação temporal da possibilidade de levar em conta a eventual reincidência, há que salientar que o facto de não estar previsto nos Regulamentos n.° 17 e n.° 1/2003 nem nas orientações um prazo máximo para apurar que houve reincidência não viola o princípio da segurança jurídica. Com efeito, o apuramento e a apreciação das características específicas da reincidência fazem parte do poder de apreciação de que dispõe a Comissão no que diz respeito à escolha dos elementos a levar em consideração para efeitos da determinação do montante das coimas. Neste quadro, a Comissão não pode estar vinculada por um eventual prazo de prescrição para proceder a esse apuramento. A este respeito, há que recordar que a reincidência constitui um elemento importante que a Comissão deve apreciar, uma vez que o facto de ser levada em conta se destina a incentivar as empresas que manifestaram uma propensão a violar as regras da concorrência a alterarem o seu comportamento. A Comissão pode, assim, caso a caso, tomar em consideração os indícios que confirmam essa propensão, incluindo, por exemplo, o tempo que mediou entre as infracções em causa (acórdão Groupe Danone/Comissão, já referido no n.° 65 supra, n.os 37 a 39).

68      No caso em apreço, as decisões invocadas pela Comissão para fundamentar a sua apreciação quanto à reincidência (v. n.° 18 supra) demonstram que a BASF infringiu as regras em matéria de concorrência nos períodos de 1964 a 1967 (fixação da taxa dos aumentos de preços e das condições de aplicação desses aumentos no sector das matérias corantes) e de Agosto de 1980 a Maio de 1984 (fixação dos «preços‑alvo» e das «quotas‑alvo» e planificação das iniciativas concertadas destinadas a aumentar o nível dos preços e a vigiar a sua aplicação).

69      Há que considerar que a última dessas infracções pode justificar, por si só, a aplicação de um agravamento de 50% ao montante de base da coima aplicada à BASF (v., neste sentido, acórdão Michelin/Comissão, já referido no n.° 66 supra, n.° 293).

70      Em todo o caso, o Tribunal salienta que o exercício do seu poder de plena jurisdição pode justificar a apresentação e a consideração de elementos complementares de informação cuja menção na decisão não é exigida enquanto tal por força do dever de fundamentação previsto no artigo 253.° CE (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, KNP BT/Comissão, C‑248/98 P, Colect., p. I‑9641, n.° 40).

71      Importa tomar em consideração, neste âmbito, o facto de a BASF ter também sido objecto da Decisão 86/398/CEE da Comissão, de 23 de Abril de 1986, relativa a um processo para aplicação do artigo [81.° CE] (IV/31.149 – Polipropileno) (JO L 230, p. 1). Na sequência do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, BASF/Comissão (T‑4/89, Colect., p. II‑1523), foi aplicada à BASF uma coima de 2,125 milhões de ecus devido à sua participação em acordos e práticas concertadas para definição da sua política comercial, fixar preços‑alvo e acordar em medidas com essas finalidades, aumentar os preços e repartir o mercado do fim de 1978 ou do início de 1979 até Novembro de 1983. Questionada na audiência, a Comissão não conseguiu explicar a omissão dessa decisão, apesar de constar do n.° 29 da comunicação de acusações.

72      Tendo em conta este elemento, não se pode deixar de concluir que a BASF, entre 1964 e 1993, esteve numa situação de violação flagrante das regras da concorrência durante cerca de treze anos. Daqui decorre que o agravamento do montante de base em 50% é adequado.

73      Quanto ao argumento relativo ao cálculo errado do agravamento em função da reincidência, também deve rejeitado, já que resulta de uma confusão, por parte da BASF, entre os conceitos de montante de partida e de montante de base (v. n.os 15 a 17 supra). Com efeito, segundo o n.° 229 do acórdão Cheil Jedang/Comissão, já referido no n.° 59 supra, invocado pela BASF em apoio da sua alegação, as percentagens correspondentes aos aumentos ou às reduções decorrentes das circunstâncias agravantes ou atenuantes devem ser aplicadas ao montante de base da coima, determinado em função da gravidade e da duração da infracção. Ora, foi precisamente o que fez a Comissão no caso em apreço, como demonstra o considerando 219 da decisão (v. n.os 17 e 18 supra). Em todo o caso, há que salientar que, nas circunstâncias do caso em apreço, o método de cálculo proposto pela BASF teria levado ao mesmo resultado.

74      Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser julgado integralmente improcedente.

4.     Quanto ao terceiro fundamento invocado pela BASF, relativo à aplicação errada da comunicação sobre a cooperação de 1996

 Argumentos das partes

75      A BASF considera que a redução de 20% que lhe foi concedida ao abrigo da secção D da comunicação sobre a cooperação de 1996 (v. n.° 22 supra) é muito baixa tendo em conta a dimensão da sua cooperação. De acordo com o princípio da proporcionalidade, a Comissão é obrigada a conceder reduções proporcionais à cooperação de cada empresa. Segundo a prática constante da Comissão, a BASF teria direito a uma redução de 10% pelo facto de a materialidade dos factos que lhe foram imputados não ter sido contestada. Daí decorre que a sua cooperação antecipada, completa e voluntária, sob uma forma diferente da não contestação dos factos, merecia uma redução muito mais significativa do que os 10% concedidos.

76      Com efeito, a decisão não apresentou um balanço objectivo e preciso da cooperação da BASF pois descreve de forma incorrecta o conteúdo de determinadas comunicações, nada diz quanto a aspectos significativos dessa cooperação e não permite à BASF apreciar a avaliação que a Comissão fez de determinados aspectos da cooperação. Estas deficiências são igualmente a prova, segundo a BASF, de uma violação do princípio da boa administração.

77      A BASF sustenta, em apoio das suas alegações, que, na decisão, a Comissão:

–        não faz referência à sua carta de 6 de Maio de 1999, através da qual a informou da existência dos acordos ilegais no sector das vitaminas a propósito dos quais as autoridades dos Estados Unidos da América tinham aberto um inquérito e pediu que fosse realizada uma reunião para discutir o assunto em pormenor. A BASF crê que a Comissão perdeu essa carta;

–        não faz referência a uma reunião que teve lugar em 17 de Maio de 1999, em que descreveu uma série de acordos colusórios e prestou informações que contribuíram materialmente para o apuramento da infracção, como a conclusão, então iminente, de uma transacção judicial com as autoridades dos Estados Unidos da América, finalmente assinada em 19 de Maio de 1999 e igualmente relativa ao cloreto de colina;

–        não faz referência à sua carta de 21 de Maio de 1999, através da qual lhe transmitiu os documentos relativos ao inquérito levado a cabo nos Estados Unidos da América. A BASF crê que a Comissão perdeu essa carta;

–        faz uma apresentação errada da sua comunicação de 23 de Julho de 1999;

–        faz uma descrição incompleta de um pedido de informações de 26 de Maio de 1999, de tal modo que omite que o relatório de 15 de Junho e a comunicação de 23 de Junho de 1999 foram transmitidos voluntariamente;

–        considerou erradamente a sua comunicação de 16 de Julho de 1999 como uma resposta a um pedido de informações de 22 de Junho de 1999.

78      É impossível explicar a omissão da carta de 6 de Maio de 1999 e da reunião de 17 de Maio de 1999, uma vez que o considerando 127 da Decisão 2003/2 lhe faz referência.

79      A perda de elementos essenciais do processo pela Comissão impediu‑a de obter uma imagem completa da cooperação da BASF. Assim, esta última não encontrou, no processo da Comissão, as cartas de 6 e 21 de Maio de 1999 nem qualquer referência (sob a forma de notas ou de actas redigidas por funcionários da Comissão) da reunião de 17 de Maio de 1999.

80      O valor dos elementos fornecidos à Comissão não pode ser contestado pelo facto de esta última não ter aceite a produção de provas adicionais sob a forma, nomeadamente, de depoimentos orais propostos pela BASF, tendo insistido em receber apenas provas escritas. Esta insistência privou a BASF da possibilidade de prestar informações importantes, o que teria feito por escrito se a Comissão tivesse clarificado a sua posição respondendo à carta de 6 de Maio de 1999. Este comportamento da Comissão é contrário ao princípio da boa administração.

81      Segundo a BASF, a Comissão devia ter assegurado a redacção de uma acta da reunião de 17 de Maio de 1999. Mesmo as notas estenográficas conservadas pela pessoa responsável pelo processo revelam que a reunião era essencial e que cobriu em pormenor vários sectores, incluindo o do cloreto de colina, o que a Comissão não contesta. O facto de essas notas não terem sido incluídas no processo do cloreto de colina também constitui uma violação do princípio da boa administração.

82      A BASF alega ter prestado, nessa reunião, informações que contribuíram materialmente para o apuramento da infracção (identificação dos acordos colusórios, produtos e empresas envolvidos, duração, conclusão iminente de uma transacção judicial com o Ministério da Justiça americano, nomeadamente sobre o cloreto de colina). Segundo a BASF, isto é demonstrado por uma declaração de 24 de Fevereiro de 2005, redigida pelo seu consultor jurídico, J. Scholz, que denominou «declaração Scholz».

83      No termo da reunião de 17 de Maio de 1999, a BASF considerava que tinha feito tudo para beneficiar da maior redução possível ao abrigo da comunicação sobre a cooperação de 1996. Nessas circunstâncias, a BASF considera que as suas comunicações posteriores não fizeram senão confirmar, sob a forma de prova escrita, as informações oralmente comunicadas, o que implica que se deve considerar que os elementos escritos foram transmitidos nessa reunião. Essas informações foram todas prestadas voluntariamente, coisa que a Comissão omite na decisão. Acresce que a Comissão não contesta que as informações previstas na secção D da comunicação sobre a cooperação de 1996 possam ser prestadas oralmente.

84      Relativamente ao relatório de 15 de Junho de 1999, a BASF salienta que não foi transmitido em resposta ao pedido de informações de 26 de Maio de 1999, mas ao pedido de provas escritas formulado pela Comissão na reunião de 17 de Maio de 1999. A redacção do referido relatório teve início antes do envio desse pedido de informações. Este facto, aliás, está provado pela comunicação da BASF de 21 de Maio de 1999. Além disso, esse relatório fornece igualmente informações sobre vitaminas que não eram objecto do pedido de 26 de Maio de 1999, como a vitamina D 3 e as carotenóides. Foi o pedido da Comissão no sentido de receber um relatório escrito que originou o atraso na transmissão das informações. Todavia, conversas com funcionários da BASF, propostas por esta última, foram um meio eficaz para a recolha das provas pedidas. A comunicação de 23 de Junho de 1999, que foi um complemento do relatório de 15 de Junho de 1999, também foi fornecida por iniciativa da BASF. Essa comunicação de 23 de Junho de 1999 continha provas adicionais que, na altura, não estavam na posse da Comissão e diziam respeito à reunião de Ludwigshafen (v. n.° 4 supra). Além disso, a comunicação de 16 de Julho de 1999 completou também as provas pedidas na reunião de 17 de Maio de 1999 e deve ser considerada voluntária. É relativa à aplicação dos acordos em questão e fornece provas a eles relativas. A comunicação de 4 de Novembro de 2002 (v. n.° 22 supra) contém também uma série de elementos pertinentes, nomeadamente sobre duas reuniões do cartel.

85      De qualquer forma, a distinção operada na decisão entre comunicações voluntárias e involuntárias é errada, uma vez que um pedido de informações da Comissão não pode ser determinante para minimizar a cooperação da empresa prevista na secção D, n.° 2, primeiro travessão, da comunicação sobre a cooperação de 1996.

86      Assim, segundo a BASF, a Comissão considera erradamente que o relatório de 15 de Junho de 1999 e as comunicações de 23 de Junho e 16 de Julho de 1999 e de 4 de Novembro de 2002 não contribuíram materialmente para o apuramento da infracção. A Comissão, aliás, não explicou a razão pela qual esperou seis semanas depois da transmissão das informações pela Bioproducts (7 de Maio de 1999, ver n.° 22 supra) para enviar o pedido de informações de 22 de Junho de 1999, data em que dispunha de todos os elementos fornecidos na reunião de 17 de Maio de 1999 e pelo relatório de 15 de Junho de 1999. Na realidade, os documentos apresentados pela Bioproducts não continham informações detalhadas nem exaustivas, contrariamente à oferecidas pela BASF em 17 de Maio e 15 de Junho de 1999, que mencionavam as reuniões que tinham tido lugar e os nomes dos participantes e permitiram à Comissão dar início às suas investigações. Além disso, as informações fornecidas pela Chinook seis meses antes dos dados fornecidos pela Bioproducts e pela BASF (v. n.° 3 supra) tiveram um valor limitado e, em parte, sem pertinência, razão pela qual a Comissão não abriu um inquérito nessa altura. De qualquer forma, foi a reunião de 17 de Maio de 1999 que levou a Comissão a pedir informações sobre o cloreto de colina.

87      A Comissão confirma o facto de a redução de 20% concedida à BASF se decompor numa redução de 10% pelo facto de não ter sido contestada a materialidade dos facto e numa redução de 10% devido à comunicação de elementos probatórios. De resto, contesta a procedência das alegações da BASF.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

88      A secção D da comunicação sobre a cooperação de 1996 tem a seguinte redacção:

«D. Redução significativa da coima

1.      A partir do momento em que uma empresa se propõe cooperar sem se encontrarem preenchidas todas as condições expostas nos pontos B ou C, a mesma beneficiará de uma redução de 10% a 50% do montante da coima que lhe teria sido aplicada na falta da sua cooperação.

2.      Esta situação pode verificar‑se, nomeadamente, se:

–        uma empresa, antes do envio de uma comunicação de acusações, fornecer à Comissão informações, documentação ou outras provas que contribuam para confirmar a existência da infracção,

–        uma empresa, após ter recebido a comunicação de acusações, informar a Comissão de que não contesta a materialidade dos factos em que a Comissão baseia as suas acusações.»

89      Como é mencionado na secção E, n.° 3, da comunicação sobre a cooperação de 1996, esta criou expectativas legítimas nas quais se baseiam as empresas que pretendam informar a Comissão da existência de um acordo. Tendo em conta a confiança legítima que as empresas que pretendam cooperar com a Comissão possam ter retirado dessa comunicação, a Comissão é obrigada a respeitá‑la quando da apreciação, no âmbito da determinação do montante da coima aplicada à empresa em causa, da sua cooperação (v. acórdão Vitaminas, já referido no n.° 43 supra, n.° 488 e jurisprudência aí referida).

90      Há que salientar, por outro lado, que para que uma empresa possa beneficiar da redução de uma coima em virtude da sua cooperação durante o procedimento administrativo, o seu comportamento deve facilitar a tarefa da Comissão que consiste em detectar e reprimir as infracções às regras comunitárias da concorrência (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, T–38/02, Colect., p. II–4407, n.° 505).

91      Como resulta da própria letra da secção D, n.° 2, da comunicação sobre a cooperação de 1996, em particular das palavras introdutórias «[e]sta situação pode verificar‑se, nomeadamente […]», a Comissão dispõe de um poder de apreciação quanto às reduções a conceder nos termos dessa comunicação (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 394).

92      Além disso, uma redução com base na comunicação sobre a cooperação de 1996 só pode justificar‑se se as informações prestadas e, mais genericamente, o comportamento da empresa em causa puderem, a este respeito, ser entendidas como uma verdadeira cooperação da sua parte. Tal como resulta do próprio conceito de cooperação, tal como é evidenciado no texto da comunicação sobre a cooperação de 1996, designadamente na introdução e na secção D, n.° 1, desta comunicação, é, com efeito, unicamente quando o comportamento da empresa em causa traduz esse espírito de cooperação que pode ser concedida uma redução com base nessa comunicação (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 91 supra, n.os 395 e 396). Por conseguinte, não se pode considerar que o comportamento de uma empresa que, apesar de não estar obrigada a responder a uma pergunta feita pela Comissão, lhe respondeu de forma incompleta e falaciosa, traduza esse espírito de cooperação (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 2006, Comissão/SGL Carbon, C‑301/04 P, Colect., p. I‑5915, n.° 69).

93      É à luz destas considerações que há que apreciar a procedência do presente fundamento.

 Quanto ao documento de 6 de Maio de 1999

94      Importa salientar que o documento de 6 de Maio de 1999 faz referência, sem mais pormenor, a inquéritos realizados nos Estados Unidos da América, nomeadamente, contra a BASF, no domínio das vitaminas. Através da transmissão desse documento, a BASF limitou‑se a cooperar (juntamente com a empresa Hoffman‑La Roche, que já tinha entrado em contacto com a Comissão dois dias antes) no âmbito da comunicação sobre a cooperação de 1996 e a pedir um encontro a esse respeito com o gabinete do membro da Comissão responsável.

95      É manifesto que a falta de referência a esse documento na decisão não afecta a apreciação da Comissão quanto à cooperação da BASF. Esse documento não contém nenhuma alusão ao cartel mundial do cloreto de colina (em que a Hoffman‑La Roche, aliás, não participou) nem ao cartel entre os produtores europeus dessa vitamina. Esse documento só podia dizer respeito, quando muito, e ainda assim de modo implícito, ao cartel mundial do cloreto de colina, não contendo, no entanto, «informações, documentação ou outras provas que contribu[íssem] para confirmar a existência da infracção» na acepção da secção D, n.° 2, da comunicação sobre a cooperação de 1996 (v., neste sentido, acórdão Vitaminas, já referido no n.° 43 supra, n.° 507).

 Quanto à reunião de 17 de Maio de 1999

96      Há que observar que não foi feita nenhuma acta dessa reunião, nem no próprio dia nem posteriormente, e que a mesma reunião não foi objecto de gravação áudio. A BASF denuncia a omissão dessas formalidades pela Comissão, sem todavia alegar que tinha efectivamente pedido à instituição que lhes desse cumprimento. Nestas condições, não se pode acusar esta última de ter violado o princípio da boa administração (v., neste sentido, acórdão Vitaminas, já referido no n.° 43 supra, n.os 501, 502 e 509).

97      Não se pode deixar de salientar que a BASF é muito vaga quanto às informações que supostamente forneceu sobre o cloreto de colina nessa reunião, em que participaram funcionários da Comissão, representantes da BASF e os representantes da Hoffman‑La Roche. No que diz respeito às provas documentais relativas ao conteúdo dessa reunião, o processo contém notas estenográficas conservadas por um funcionário da Comissão. A BASF, por sua vez, reproduziu, nos seus articulados, extractos da declaração Scholz que juntou à petição. Quanto à apreciação dessa declaração enquanto meio probatório, há que observar que o Regulamento de Processo não se opõe a que as partes apresentem tais declarações. Todavia, a sua apreciação fica reservada ao Tribunal, que pode, se os factos nelas descritos forem cruciais para a resolução do litígio, ordenar, sob a forma de medida de instrução, a audição do autor desse documento como testemunha (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Outubro de 2003, Heurtaux/Comissão, T‑172/03, não publicado na Colectânea, n.° 3). No caso em apreço, não é necessário ordenar essa medida.

98      As notas estenográficas dão uma imagem lacunar do que foi discutido na reunião de 17 de Maio de 1999. Ora, tendo em conta essas notas, é evidente que a Comissão, a Hoffman‑La Roche e a BASF discutiram essencialmente aspectos preliminares de uma eventual cooperação que levaria à denúncia dos cartéis no âmbito de um número indefinido de produtos vitamínicos. A discussão incidiu sobre a vontade das empresas de cooperarem, o estado do processo nos Estados Unidos da América, as etapas a seguir quanto à divulgação de elementos tendo em conta, nomeadamente, as acções de grupo pendentes nos Estados Unidos da América, a planificação temporal e a tese da Comissão sobre o que a cooperação implica para as empresas. A única referência ao cloreto de colina consta da terceira página, em que é simplesmente referido que o produto em causa foi objecto de acordos colusórios. A BASF não pode, portanto, pretender que as notas em questão demonstram que foram prestadas informações essenciais, como os nomes das empresas participantes (só é mencionado o envolvimento das empresas japonesas mas sem nenhuma relação com o cartel do cloreto de colina) ou a duração da infracção. No que diz respeito ao facto de ter havido acordos colusórios relativamente ao cloreto de colina, basta recordar que a Comissão tinha conhecimento desses acordos muito antes da reunião em questão através da comunicação da Chinook (v. n.° 3 supra).

99      A declaração Scholz refere (n.° 10): «[nessa reunião, a BASF declarou que estava] envolvida em actividades ilegais relativas ao cloreto de colina, incluindo misturas e pré‑misturas, como resulta da própria acta da reunião da Comissão. Informámos igualmente os funcionários de que os acordos ilegais relativos às principais vitaminas tinham afectado o mercado europeu, incluindo todos os principais fabricantes de vitaminas europeus e japoneses. Identificámos os principais actores envolvidos relativamente às principais vitaminas, certamente a Takeda, a Eisai, a Merck e a Rhône‑Poulenc. Os representantes da Comissão Europeia não pareciam interessados nos nomes de outros participantes. À luz do número relativamente reduzido de fabricantes das outras vitaminas, incluindo o cloreto de colina, a identidade de outros participantes do mercado eventual podia ser, de qualquer forma, facilmente descoberta pela Comissão Europeia». Vê‑se claramente que essa reunião tinha por objecto todos os acordos postos em prática a nível mundial que englobavam um número significativo de produtos vitamínicos. Assim, não dizia especialmente respeito ao cloreto de colina, relativamente ao qual foram prestadas muito poucas informações, excluindo o facto, já conhecido da Comissão, de ter sido organizado um cartel relativo a esse produto.

100    De resto, resulta dessa declaração que a Comissão insistiu na transmissão de informações escritas, sob a forma de relatório. O n.° 12 da declaração dispõe, e esse respeito:

«[O Director‑Geral, na altura, da DG IV] disse‑nos que a Comissão Europeia prefere a maneira ‘tradicional’ de recolher informações, ou seja, receber informações sob formas escritas com os ‘pormenores habituais’, por exemplo a descrição das reuniões, dos lugares, das datas, dos participantes e dos assuntos discutidos. Nestas condições, propus ao [Director‑Geral] que a BASF fornecesse à Comissão um relatório completo sobre os incidentes que afectam a União Europeia […] O [Director‑Geral] deu imediatamente o seu acordo sobre esta proposta.»

101    O relatório em questão é o de 15 de Junho de 1999 (v. n.os 21 e 84 supra). Na parte G, que diz respeito ao cloreto de colina e tem três páginas, a BASF refere‑se a quatro reuniões do cartel mundial do cloreto de colina que tiveram lugar entre a Primavera de 1992 e Novembro de 1992, incluindo a reunião de Ludwigshafen, bem como a seis outras reuniões até à da Abril de 1994 em Johor Bahru. O relatório mencionava também que, até ao fim de 1996, tinha havido outras reuniões relativas às exportações para a América do Sul e a América Latina, mas sem resultados para os participantes. Tendo em conta que, segundo as afirmações da BASF, o relatório de 15 de Junho de 1999 continha uma exposição completa dos acontecimentos relativos aos acordos sobre o cloreto de colina, é pouco provável que a reunião de 17 de Maio de 1999 tenha levado à transmissão de mais amplas informações. Isto é corroborado pela própria petição, no n.° 153 da qual é referido que «a única razão pela qual a BASF não prestou imediatamente informações verbais detalhadas complementares foi a insistência da Comissão nas provas escritas». Além disso, no n.° 11 da declaração Scholz, refere‑se que a reunião em questão durou cerca de uma hora, o que, com toda a evidência, não permitiu uma apresentação detalhada dos vários cartéis mundiais, que envolvem treze produtos vitamínicos, doze do processo Vitaminas, já referido no n.° 39 supra, mais o cloreto de colina.

102    A referência à conclusão, então iminente, da transacção judicial com as autoridades americanas também não tem qualquer utilidade para a Comissão, dado que essa informação não contém, enquanto tal, nenhum elemento substancial relativo ao mercado europeu do cloreto de colina.

103    Daí decorre que a alegação da BASF segundo a qual as informações prestadas em 17 de Maio de 1999 permitiram à Comissão provar uma infracção ao direito comunitário da concorrência não pode ser acolhida. Com efeito, basta um breve olhar sobre a parte IV da decisão, intitulada «Descrição dos factos», para demonstrar que a sua base histórica (que tem 25 páginas) contém informações de longe mais detalhadas e substanciais do que as generalidades a que se limitou a BASF, tanto na reunião de 17 de Maio de 1999 como no relatório de 15 de Junho do mesmo ano.

104    No que diz respeito ao argumento relativo à recusa, por parte da Comissão, de aceitar provas sob a forma de depoimentos orais, que podiam, segundo a BASF, ser prestados a curto prazo, também não deve ser acolhido. Com efeito, o tempo decorrido até à redacção do relatório de 15 de Junho de 1999 que, segundo a BASF, era um relatório completo e detalhado, não afectou a apreciação da Comissão quanto à cooperação por ela oferecida. Com efeito, essa instituição afirma que não se apoiou em nenhum elemento probatório transmitido por outra empresa, que teria relativizado o valor do referido relatório. Com efeito, a Comissão salienta, o que ninguém contesta, que não recebeu informações entre a reunião de 17 de Maio de 1999 e a transmissão do relatório de 15 de Junho de 1999.

105    Por conseguinte, as alegações da BASF baseiam‑se na premissa errada de que o tempo decorrido entre a reunião de 17 de Maio e 15 de Junho de 1999 teve um impacto negativo na redução da sua coima. Por estas mesmas razões, não deve ser acolhido o argumento segundo o qual se deveria considerar que todas as comunicações subsequentes à reunião de 17 de Maio de 1999 foram transmitidas nesta data, por confirmarem o que foi dito nessa reunião.

106    Nestas circunstâncias, não se pode deixar de concluir que, embora os elementos que a BASF afirma ter fornecido na reunião de 17 de Maio de 1999 tenham dado à Comissão a possibilidade de fazer pedidos de informações, ou mesmo de ordenar inspecções, ainda lhe incumbia, tendo em conta o carácter geral das informações prestadas, reconstituir e provar os factos, não obstante o reconhecimento, pela BASF, da sua responsabilidade (v., neste sentido, acórdão Vitaminas, já referido no n.° 43 supra, n.° 517).

107    Há igualmente que salientar que, contrariamente ao que a BASF insinua (v. n.° 78 supra), a Comissão nunca levou em conta o documento de 6 de Maio nem a reunião de 17 de Maio de 1999 para efeitos da aplicação da comunicação sobre a cooperação de 1996 no processo Vitaminas, já referido no n.° 39 supra. Uma primeira referência a esses elementos consta do considerando 127 da Decisão 2003/2, em que a Comissão afirma que nenhuma declaração nem prova documental lhe foi fornecida nessa altura. Além disso, resulta dos considerandos 743, 747, 748, 761 e 768 da Decisão 2003/2 que a Comissão concedeu uma redução de 50% do montante da coima que, de outro modo, teria sido aplicada à BASF unicamente com base nos documentos que esta última lhe tinha transmitido entre 2 de Junho e 30 de Julho de 1999 relativos às vitaminas A, E, B2, B5, C e D3, ao beta‑caroteno e aos carotenóides. A referência ao documento de 6 de Maio de 1999 no considerando 747 dessa decisão só serve para designar a data em que a BASF informou a Comissão da sua intenção de cooperar no inquérito. Por conseguinte, a Decisão 2003/2 não concedeu nenhuma redução de coima à BASF com base na sua cooperação devido a essa actuação.

 Quanto à comunicação de 21 de Maio de 1999

108    Através da comunicação de 21 de Maio de 1999, a BASF forneceu à Comissão a transacção judicial e o memorando que o acompanhava, que constitui o acto de acusação no âmbito do processo aberto nos Estados Unidos da América. Quanto ao valor desses elementos à luz da comunicação sobre a cooperação de 1996, há que salientar que a Comissão não os utilizou nem directa nem indirectamente na decisão para concluir pela existência de uma infracção no EEE. Consequentemente, na falta de outros elementos que demonstrem que a divulgação da transacção judicial em questão contribuiu para confirmar a existência de uma relativa ao EEE, essa divulgação não entra no âmbito de aplicação da secção D da comunicação sobre a cooperação de 1996 (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T‑224/00, Colect., p. II‑2597, n.° 297).

109    Por conseguinte, a omissão de referência a esses documentos não implica qualquer violação da secção D da comunicação sobre a cooperação de 1996.

 Quanto à comunicação de 23 de Julho de 1999

110    Segundo a BASF, o considerando 49 da decisão é errado na medida em que afirma que as informações enviadas através da comunicação de 23 de Julho de 1999 são as mesmas que as que a BASF tinha já enviado no âmbito do processo Vitaminas, já referido no n.° 39 supra. A BASF alega que apresentou documentos suplementares sobre o cloreto de colina.

111    Está assente entre as partes que esses documentos foram transmitidos em resposta a um pedido de informações de 22 de Junho de 1999 nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17. Ora, os documentos fornecidos à Comissão em resposta a um pedido de informações são‑no por força de uma obrigação legal, não podendo ser levados em conta para efeitos da comunicação sobre a cooperação de 1996 mesmo que possam servir para provar a existência de um comportamento anticoncorrencial imputável à empresa que os apresenta ou a outra empresa, (acórdão Comissão/SGL Carbon, já referido no n.° 92 supra, n.os 41 e 50). Por conseguinte, há que afastar o argumento da BASF por não ter qualquer fundamento. Por estas mesmas razões, também há que rejeitar o argumento geral segundo o qual a Comissão deu erradamente, no âmbito da apreciação da cooperação dessa empresa, mais importância às comunicações da BASF não precedidas de um pedido de informações (v. n.° 85 supra).

 Quanto à apreciação do relatório de 15 de Junho e da comunicação de 23 de Junho de 1999 à luz do pedido de informações de 26 de Maio de 1999

112    Como foi referido no n.° 21 supra, a Comissão decidiu, no considerando 221 da decisão, que, não obstante o facto de a BASF ter fornecido o relatório de 15 de Junho e a comunicação de 23 de Junho de 1999 em resposta ao pedido de informações de 26 de Maio de 1999, estes deviam ser levados em conta enquanto comunicação voluntária das provas. Por conseguinte, contrariamente ao que alega a BASF, a Comissão não ignorou o carácter voluntário da transmissão desses elementos.

 Quanto à comunicação de 16 de Julho de 1999

113    Segundo o considerando 223 da decisão, a comunicação de 16 de Julho de 1999 não continha nenhum elemento probatório que contribuísse para confirmar a existência da infracção cometida. Uma leitura desse documento corrobora esta apreciação. Os dois quadros anexos que, aparentemente, dizem respeito ao cloreto de colina (intitulados «Premixes and Blends») ilustram apenas o valor e o volume de produção e de vendas da BASF no EEE de 1994 a 1998. Por conseguinte, independentemente da questão de saber se essa comunicação era uma resposta a um pedido de informações de 22 de Junho de 1999, a referida comunicação não podia ser levada em conta para efeitos da comunicação sobre a cooperação de 1996.

 Apreciação global da redução concedida à BASF

114    Resulta das considerações precedentes que a Comissão se baseou, com razão, exclusivamente no relatório de 15 de Junho e na comunicação de 23 de Junho de 1999 para apreciar a extensão da cooperação da BASF e avaliar redução a aplicar ao montante de base de sua coima com fundamento na secção D da comunicação sobre a cooperação de 1996. A BASF reconhece, aliás, que não podia beneficiar das secções B ou C da referida comunicação.

115    O relatório de 15 de Junho de 1999 descreve, nas três páginas da sua parte G, certas reuniões que tiveram lugar no quadro do cartel mundial, sem, no entanto, dar o mínimo esclarecimento sobre os assuntos discutidos nessas reuniões. As duas primeiras reuniões relatadas pela BASF (Primavera e Verão 1992 no México) revelaram não ter pertinência para o presente processo, pois a Comissão reconheceu, nos considerandos 136 e 163 da decisão, que não se chegou a nenhum acordo nessas reuniões, e situou o início da infracção em 13 de Outubro de 1992 (terceira reunião no México).

116    Importa ainda recordar que a BASF não divulgou informações quanto à existência dos acordos europeus, que se revelaram particularmente nefastos para o mercado do EEE. Mesmo na sua comunicação de 4 de Novembro de 2002, a BASF apenas menciona reuniões potencialmente pertinentes que tiveram por objecto uma «discussão sobre o mercado europeu do cloreto de colina» (Fevereiro de 1995, com a UCB e a Akzo Nobel) e uma outra «sobre o mercado do cloreto de colina» (Julho de 1995, sem indicação dos participantes). Só depois de ter recebido a comunicação de acusações é que, através da não contestação da materialidade dos factos, a BASF reconheceu a existência de um cartel a nível europeu. As informações em questão eram, portanto, pelo menos incompletas, já que não mencionavam uma parte muito significativa das actuações colusórias.

117    A comunicação de 23 de Junho de 1999 inclui cinco documentos, distribuídos na reunião de Ludwigshafen, que dizem respeito à capacidade de produção em 1992 dos produtores e dos transformadores e às expedições internacionais desse ano. Quanto ao resto, essa comunicação contém documentos que têm um interesse limitado, que aliás não foram utilizados pela Comissão na decisão.

118    Ora, embora esses elementos confirmem a infracção cometida, o que faz com que sejam abrangidos pelo âmbito de aplicação da secção D da comunicação sobre a cooperação de 1996, a sua contribuição é, porém, marginal, tendo em conta a dimensão e o carácter detalhado dos elementos que a Comissão expôs na secção 1.4 da comunicação de acusações e, posteriormente, nos considerandos 63 a 121 da decisão para descrever os factos do caso concreto.

119    Nestas circunstâncias, o argumento da BASF relativo ao atraso da Comissão no envio dos primeiros pedidos de informações, para relativizar o valor dos elementos fornecidos pela Bioproducts em 7 de Maio de 1999, não pode ser acolhido. Acresce que, tendo em conta o seu valor limitado, os elementos fornecidos pela BASF não são comparáveis aos fornecidos pela Bioproducts ou pela Chinook. Assim, mesmo admitindo que o valor destes últimos não tenha atingido o nível alegado pela Comissão, isso não pode modificar a apreciação da cooperação da BASF.

120    Assim, a Comissão não cometeu qualquer erro na apreciação do valor da cooperação da BASF e pelo facto de lhe ter concedido uma redução de 20% da coima que, de outro modo, lhe teria sido aplicada. Por conseguinte, o terceiro fundamento deve improceder. Todavia, importa esclarecer que essa apreciação não prejudica as consequências que a apreciação do Tribunal relativa ao quinto fundamento pode ter sobre essa redução (v. n.os 212 a 223 infra).

5.     Quanto ao quarto fundamento invocado pela BASF, relativo à insuficiência da redução da coima independentemente da comunicação sobre a cooperação de 1996

 Argumentos das partes

121    Independentemente da comunicação sobre a cooperação de 1996, a BASF considera que merecia uma redução maior pelas seguintes razões:

–        ofereceu a sua cooperação numa fase muito precoce (6 de Maio de 1999);

–        pôs termo à sua participação no cartel antes dessa data;

–        forneceu informações detalhadas na reunião de 17 de Maio de 1999 e depois por escrito, tendo enviado informações complementares que não lhe foram pedidas;

–        forneceu à Comissão a transacção judicial concluída com as autoridades dos Estados Unidos da América, que tratava também do cloreto de colina;

–        despediu imediatamente todos os quadros responsáveis pelo cartel e pôs em prática um programa de compatibilização com as regras da concorrência.

122    Atendendo ao facto de que, de acordo com o considerando 221 da decisão, a BASF foi o primeiro dos três produtores europeus a comunicar voluntariamente provas relativas à infracção, e considerando as reduções concedidas aos outros produtores europeus, a BASF pede ao Tribunal que utilize a sua competência de plena jurisdição para reduzir a coima aplicada.

123    A BASF salienta igualmente que toda a argumentação relativa à pertinência dos elementos fornecidos no âmbito da cooperação deveria constar da decisão, não podendo a Comissão acrescentar precisões em caso de falta de fundamentação.

124    A BASF refuta a afirmação da Comissão segundo a qual os documentos cruciais foram apresentados depois do termo das acções de grupo nos Estados Unidos da América. Com efeito, o último articulado apresentado pela BASF é de 23 de Julho de 1999 (v. n.° 110 supra), ou seja, mais de três meses antes do fim da primeira acção colectiva.

125    A Comissão considera que os argumentos invocados no âmbito desse fundamento e os apresentados em apoio do fundamento anterior coincidem. Considera que o facto de a BASF ter posto termo à sua participação no cartel antes de oferecer a sua cooperação não é uma circunstância atenuante nem um elemento de cooperação. Por outro lado, a aplicação ulterior de um programa de compatibilização não tem pertinência para determinar o valor da cooperação da BASF. A Comissão considera, portanto, que também estes argumentos não têm fundamento.

126    Quanto ao apelo da BASF ao exercício, pelo Tribunal, da sua competência de plena jurisdição, a Comissão salienta que os elementos que carreou graças a esta recorrente não dizem respeito à vertente europeia do cartel. Recorda as suas afirmações relativas ao respectivo valor e realça a importância das informações fornecidas pela UCB e pela Akzo Nobel quanto à vertente europeia do cartel. O comportamento da BASF foi enganador, pois tentou induzir a Comissão em erro quanto à importância da reunião que teve lugar no México em Outubro de 1992 e à existência da vertente europeia do cartel.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

127    Os elementos enunciados no primeiro, terceiro e quarto travessões do n.° 121 supra já foram avaliados no âmbito do fundamento anterior. Tendo em conta a respectiva análise, o Tribunal considera que nenhuma razão justifica uma redução suplementar à de 20% aplicada pela Comissão nos termos do n.° 3, sexto travessão, das orientações, atendendo, nomeadamente, ao carácter no mínimo lacunar das informações que a BASF prestou à Comissão (v. n.° 116 supra).

128    O facto de a BASF ter voluntariamente posto termo à infracção antes da abertura do inquérito da Comissão foi suficientemente tido em conta no cálculo da duração do período de infracção que lhe foi imputado, de modo que a mesma não pode invocar o terceiro travessão do n.° 3 das orientações (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, Colect., p. II‑1181, n.° 341, e de 8 de Julho de 2004, Dalmine/Comissão, T‑50/00, Colect., p. II‑2395, n.os 328 a 332). Com efeito, a cessação das infracções desde as primeiras intervenções da Comissão só pode, logicamente, ser uma circunstância atenuante se houver razões para supor que as empresas em causa foram incentivadas a pôr termo aos seus comportamentos anticoncorrenciais pelas intervenções em questão, não estando coberto por essa disposição das orientações o caso em que a infracção já tenha cessado antes da data das primeiras intervenções da Comissão (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 2007, Dalmine/Comissão, C‑407/04 P, Colect., p. I‑829, n.° 158).

129    Quanto ao despedimento dos quadros que desempenharam um papel determinante na infracção, o Tribunal não considera que constitua uma actuação que justifique a redução da coima aplicada. Com efeito, trata‑se de uma medida destinada a impor a observância das regras de concorrência aos seus trabalhadores, o que, de qualquer forma, é uma obrigação da empresa e não pode, assim, ser considerada uma circunstância atenuante.

130    Quanto ao argumento segundo o qual a BASF foi o primeiro produtor europeu a ter fornecido provas à Comissão, não se pode deixar de salientar que isso não afecta as apreciações que antecedem. Com efeito, as informações que a BASF prestou voluntariamente sobre o cartel mundial eram de uma importância e de uma utilidade menores, e esta última não transmitiu nenhuma informação substancial sobre o cartel europeu, cuja dimensão foi denunciada pela UCB e pela Akzo Nobel. Por conseguinte, o facto de a BASF ter sido o primeiro produtor europeu a cooperar não pode dar lugar a uma redução da coima.

131    Consequentemente, o quarto fundamento improcede.

6.     Quanto ao fundamento invocado pela BASF e pela UCB, relativo a um erro de direito na qualificação dos acordos mundiais e europeus como uma infracção única e continuada

 Argumentos das partes

132    A BASF desenvolve a sua argumentação em duas partes, relativas a uma violação dos direitos de defesa e a um erro de direito quanto à qualificação do acordo como único e continuado.

133    Relativamente à primeira parte, a Comissão não referiu, na comunicação de acusações, que os cartéis mundial e europeu constituíram uma infracção única no mercado do EEE. Uma vez que a comunicação de acusações mencionava um acordo de repartição do mercado mundial de que as aplicações na Europa constituíam «sub‑acordos», a BASF não teve oportunidade de tecer comentários em relação à qualificação substancialmente diferente adoptada na decisão, segundo a qual o elemento que estabelecia o carácter único da infracção residia no seu objectivo anticoncorrencial único. Esta diferença entre a comunicação de acusações e a decisão constitui uma violação dos direitos de defesa, já que a BASF se teria defendido contra essa descrição jurídica incorrecta dos factos se esta tivesse constado da comunicação de acusações.

134    Quanto à segunda parte, a qualificação do cartel como uma infracção única é errada porque os participantes nos dois cartéis eram diferentes. Por outro lado, a Comissão admitiu, em determinados considerandos da decisão, que se tratava de duas infracções distintas. Os termos «falsear as condições normais de concorrência» utilizados no considerando 150 da decisão para descrever o objectivo do cartel não são suficientemente específicos para justificar o carácter único da infracção. Além disso, o cartel mundial tinha por objectivo a repartição do mercado a nível global, ao passo que o cartel europeu se destinava sobretudo a fixar os preços e a repartir os clientes no EEE, objectivo de natureza diferente. A asserção da Comissão segundo a qual o único objectivo do comportamento ilícito era o de aumentar os preços, sendo supostamente todos os outros objectivos auxiliares e acessórios deste último, não reflecte as conclusões que constam da decisão. Por outro lado, a duração das duas infracções foi diferente e houve uma interrupção entre elas, já que o acordo mundial sobre os preços esteve em vigor de Janeiro de 1993 a Janeiro de 1994, ao passo que o cartel europeu durou de Março de 1994 a Outubro de 1998. O cartel europeu não interessou os produtores norte‑americanos, uma vez que este estavam obrigados a manter‑se fora do mercado europeu e que as exportações para a América do Norte eram insignificantes. Este equilíbrio de interesses não foi modificado depois do fim do cartel global.

135    A BASF nunca admitiu a qualificação do acordo como uma infracção única, contrariamente ao que é sustentado no considerando 149 da decisão. A posição da Comissão é contrária à sua prática decisória anterior, segundo a qual conluios a níveis geográficos diferentes mas intimamente ligados foram considerados infracções separadas, mas também à tese que sustentou no Tribunal no âmbito do recurso interposto da Decisão 2003/2. Resulta das decisões anteriores da Comissão que conluios a níveis geográficos diferentes podem constituir um infracção única quando os acordos celebrados a um nível se destinam a aplicar, reforçar ou organizar os objectivos acordados a outro nível, não sobrevivendo um ao outro. A Comissão não pode explicar por que razão os produtores europeus deviam ter continuado a aplicar o cartel global depois da sua cessação. Na verdade, os produtores europeus cometeram uma nova infracção ao comprometerem‑se num cartel europeu que foi criado depois do cartel mundial e era completamente distinto deste.

136    Por conseguinte, a Comissão não pode aplicar nenhuma sanção à BASF relativamente ao cartel mundial, devido à prescrição que o atingiu por força do Regulamento n.° 2988/74.

137    Segundo a UCB, os dois níveis do acordo alegadamente único em nada estão intimamente ligados. O acordo mundial foi negociado pelos principais produtores mundiais de cloreto de colina, ou seja, os produtores norte‑americanos e europeus, e teve por objecto a repartição dos grandes mercados mundiais, em particular através de um acordo por força do qual os produtores europeus não exportariam mais para a América do Norte e os produtores norte‑americanos não exportariam mais para a Europa. O aumento dos preços e o controlo dos transformadores tinham por objectivo garantir a estabilidade dessa repartição dos mercados mundiais. No entanto, nunca esteve em causa uma repartição do clientes e dos mercados nacionais dentro do EEE nem um acordo sobre os preços na Europa, como demonstra a declaração atribuída a um representante da DuCoa no considerando 85 da decisão. Uma vez que esses acordos fracassaram, as empresas em causa, entre as quais a UCB, puseram‑lhe termo em Abril de 1994.

138    Em contrapartida, os contactos entre os produtores europeus tiveram início em Março de 1994, ou seja, cerca de dois anos depois da reunião de Ludwigshafen (v. n.° 4 supra), e prosseguiram até 1998, ou seja, mais de quatro anos depois do fim das negociações a nível mundial. O objecto dos acordos entre os produtores europeus não foi a regulação do mercado mundial, mas unicamente a do mercado do EEE sob a forma de uma repartição dos mercados nacionais e dos clientes. Trata‑se, portanto, de duas tentativas intrinsecamente distintas, negociadas em momentos diferentes por sujeitos diferentes com objectivos manifestamente diferentes. O simples facto de duas práticas terem por consequência falsear as condições normais de concorrência no EEE não basta para demonstrar que constituem uma infracção única. Admitir que um objectivo comum definido tão vagamente possa bastar para demonstrar a existência de uma infracção única e continuada equivaleria a autorizar automaticamente a qualificação de várias violações dos artigos 81.° CE e 82.° CE, independentemente do sector em causa, como uma infracção única e continuada. A UCB sublinha que, uma vez que os dois acordos eram relativos ao mesmo sector, as práticas utilizadas apresentam inevitavelmente semelhanças. Ora, este facto não é suficiente para estabelecer uma ligação estreita entre os dois acordos, pois essas práticas tinham um objecto e uma finalidade económica diferentes.

139    A qualificação dos dois acordos como uma infracção única tem a finalidade de permitir à Comissão levar em conta o cartel mundial escapando às regras da prescrição. Ora, há que operar uma distinção entre o caso em apreço e os processos em que o conceito de infracção única e continuada atenua a dificuldade de demonstrar que todos os membros de um cartel participaram em todas as acções anticoncorrenciais que prosseguiam um mesmo objectivo e se inscreviam numa mesma conjuntura económica. O caso em apreço, em contrapartida, é análogo ao processo no âmbito do qual foi proferido o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 2004, JFE Engineering e o./Comissão (T‑67/00, T‑68/00, T‑71/00 e T‑78/00, Colect., p. II‑2501, n.° 22), em que a Comissão distinguiu uma infracção mundial de uma infracção europeia, apesar de ter considerado a segunda como um meio de execução da primeira. Além disso, importa distinguir o presente caso dos processos em que a jurisprudência verificou se diferentes formas de comportamento (acordos, práticas concertadas) podiam ser qualificadas, no seu todo, como uma infracção única. Segundo a UCB, há ainda que operar uma distinção entre o caso vertente e os processos em que o funcionamento e aplicação dos acordos se mantiveram idênticos durante todo o tempo em que vigorou o cartel.

140    Decorre do exposto que o cartel europeu não pode ser considerado a continuação no EEE dos acordos inicialmente negociados a nível mundial. Tal conclusão deve ser excluída pelo simples facto de a questão da repartição dos mercados nacionais dentro do EEE nunca ter sido evocada pelos participantes nas reuniões mundiais, nem sequer pelos produtores europeus antes de 1994. A Comissão não apresentou nenhuma prova susceptível de pôr em causa este facto.

141    O argumento da Comissão segundo o qual o cartel europeu não teria sido possível se as partes não tivessem continuado a aplicar os acordos mundiais durante toda a duração dos acordos europeus contraria a decisão. Com efeito, a Comissão referiu, nessa decisão, que tinha sido posto termo ao cartel mundial no fim de Abril de 1994, no fim da reunião de Johor Bahru (v. n.° 9 supra) e que não tinha provas sobre acções ilícitas subsequentes por parte dos produtores norte‑americanos. Na falta de continuidade do cartel a nível mundial depois de 1994, todo o raciocínio da Comissão se desmorona. Daí decorre que, inexistindo concomitância entre os dois cartéis, a Comissão não pode afirmar que os dois níveis dos acordos anticoncorrenciais eram reciprocamente necessários.

142    A Comissão rejeita as alegações da BASF e salienta que nunca considerou o comportamento dos produtores norte‑americanos e europeus antes de 1994 e o comportamento dos produtores europeus depois de 1994 como dois cartéis distintos. Além disso, não fez, na decisão, a distinção entre um cartel a nível mundial e um cartel a nível europeu. Em contrapartida, explicou, no considerando 64 da decisão, que o cartel único funcionou a dois níveis diferentes, mas intimamente ligados, o nível mundial e o nível europeu, posição que foi exprimida em vários outros considerandos. Por conseguinte, é errado afirmar que a Comissão considerou que o comportamento ilícito constituía uma infracção única com o objectivo exclusivo de determinar o montante da coima e de contornar o período de prescrição.

143    No que diz respeito à concordância entre a comunicação de acusações e a decisão, a Comissão alega que não se pode afirmar que existe qualquer diferença a esse respeito. Com efeito, os princípios jurisprudenciais relativos ao conceito de infracção única e continuada foram analisados nos n.os 164 a 166 da comunicação de acusações e recapitulados nos considerandos 145 a 148 da decisão. Além disso, o n.° 168 da comunicação de acusações faz referência a um objectivo comum que consiste em eliminar a concorrência no mercado do cloreto de colina, a um objectivo anticoncorrencial idêntico e a um objectivo económico único, que consiste em falsear a evolução normal dos preços no mercado mundial do cloreto de colina. Estas mesmas razões levaram a Comissão a concluir, na decisão, que se tratava de uma infracção única e continuada. Foi a limitação da competência da Comissão às infracções que produzem efeitos dentro do EEE que a levou a focalizar‑se nesse território no considerando 150 da decisão. Acresce que a Comissão incluiu na comunicação de acusações todos os elementos necessários relativos à aplicação do conceito de infracção única e continuada no caso em apreço, a duração e a gravidade da infracção, para respeitar plenamente os direitos de defesa da BASF.

144    De qualquer forma, mesmo admitindo que haja diferenças entre os termos da comunicação de acusações e a decisão, a primeira contém as informações exigidas para dar à BASF ocasião de ser ouvida sobre a existência de uma infracção única e continuada, de modo a respeitar os seus direitos de defesa.

145    No que diz respeito à aplicação supostamente errada do conceito de infracção única e continuada, a Comissão rejeita o argumento relativo ao facto de os participantes nos dois cartéis serem diferentes (v. n.° 134 supra). Em primeiro lugar, a Comissão nunca afirmou a existência de «dois cartéis» e, em segundo lugar, pelo menos três empresas (a BASF, a UCB e a Akzo Nobel) entre as empresas envolvidas na infracção eram as mesmas. O facto de a Comissão não dispor de elementos para provar que a Bioproducts, a Chinook e a DuCoa tinham continuado a participar na infracção depois de 20 de Abril de 1994 (v. n.° 9 supra) não implica que o comportamento ilícito a nível europeu se tenha tornado uma infracção distinta a partir dessa data.

146    Além disso, seria artificial e irrealista considerar que é criado um novo acordo distinto, que envolve as restantes empresas, cada vez que uma empresa entra ou sai de um cartel. Isto é particularmente válido quando o acordo consiste num comportamento relativo ao mesmo mercado de produtos, que prossegue essencialmente o mesmo objectivo económico, que tem o mesmo carácter anticoncorrencial e que foi mantido por um longo período por um núcleo duro de empresas. O facto de os produtores europeus terem adaptado, ou mesmo intensificado, as suas actividades anticoncorrenciais depois da renúncia dos produtores norte‑americanos não altera a natureza continuada do acordo nem o seu objectivo principal, cuja concretização continuou a depender do controlo exercido sobre os transformadores, bem como da repartição dos mercados. O comportamento adoptado pelos participantes no acordo a nível mundial e a nível europeu é, aliás, da mesma natureza (repartição dos clientes e dos mercados, controlo dos transformadores, troca de informações sensíveis e fixação dos preços) e tem um objectivo único, que consiste em falsear as condições normais de concorrência no EEE relativamente ao cloreto de colina para fixar o seu preço num nível artificialmente elevado.

147    A Comissão não cometeu, portanto, nenhum erro nem contrariou a tese que defendeu no processo Vitaminas, já referido no n.° 39 supra, ao considerar que o comportamento dos produtores europeus a partir de 1994 não passava da continuação dos acordos anteriores celebrados com os produtores norte‑americanos. Com efeito, segundo a Comissão, estes últimos tinham um interesse muito específico, por um lado, em que fossem aplicados preços elevados na Europa para poderem manter um nível de preços elevado nas regiões em que operavam e, por outro, em assegurar o controlo dos transformadores europeus para os impedir de exportarem a preços baixos para outros mercados. Por conseguinte, o facto de esses produtores terem abandonado o mercado europeu não implica um desinteresse da sua parte por esse mercado. Se fosse de admitir, como sugere a BASF, que os produtores norte‑americanos não tinham os mesmos interesses nem os mesmos objectivos que os produtores europeus, seria impossível explicar a execução do acordo a nível mundial.

148    A Comissão também ficou surpreendida de ver a BASF contestar o carácter único e continuado do acordo, uma vez que não o tinha feito na sua resposta à comunicação de acusações.

149    A Comissão salienta que não houve interrupção entre os dois níveis do acordo, uma vez que os preços mínimos e o controlo dos transformadores foram objecto da reunião de Johor Bahru em Abril 1994 (v. n.° 9 supra) e que o acordo foi aplicado a nível europeu em Março de 1994.

150    A Comissão contesta igualmente a procedência dos argumentos da UCB. Salienta que, segundo a jurisprudência, o elemento essencial para determinar se uma infracção é única e continuada ou se há várias infracções distintas é o facto de o objectivo ser comum, objectivo esse que consiste, no caso em apreço, no falseamento da concorrência no sector do cloreto de colina no mercado do EEE (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, Colect., p. I‑4125, n.° 113; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, HFB e o./Comissão, T‑9/99, Colect., p. II‑1487, n.° 186, e Dansk Rørindustri/Comissão, T‑21/99, Colect., p. II‑1681, n.° 67). Esse falseamento manifestou‑se, num primeiro tempo, através do afastamento dos produtores norte‑americanos do mercado do EEE e, no segundo tempo, através da repartição desse mesmo mercado geográfico. O conjunto de elementos sobre o qual a Comissão baseou a sua apreciação é composto pela participação das mesmas empresas num acordo na acepção do artigo 81.° CE, pela continuidade no tempo das actividades em causa, pela identidade das acções anticoncorrenciais e pelos efeitos a alcançar.

151    Os produtores norte‑americanos sabiam ou deviam saber que a consequência lógica do facto de terem abandonado o mercado do EEE seria a repartição desse mercado entre os produtores europeus. Com efeito, a repartição a nível mundial não teria nenhum sentido senão fosse seguida da repartição a nível comunitário, que, por sua vez, não teria sido possível se não houvesse um acordo prévio a nível mundial. Para além das infracções a nível mundial e a nível europeu que constituem uma infracção única terem a mesma finalidade, reuniram também as mesmas empresas durante um período ininterrupto e através de práticas idênticas. O facto de os produtores norte‑americanos não participarem no acordo a nível europeu não altera, segundo a Comissão, nem o seu objectivo nem a sua natureza de infracção continuada, já que, nomeadamente, o seu afastamento do mercado do EEE falseou o concorrência nesse mercado.

152    Quanto a esta última constatação, a Comissão contesta a afirmação da UCB segundo a qual não houve acordo a nível mundial sobre os preços no EEE. A declaração do representante da DuCoa reproduzida no considerando 85 da decisão (v. n.° 137 supra) fazia unicamente referência a uma reunião de Janeiro de 1993. Com efeito, o acordo de Ludwigshafen também dizia respeito aos preços na Europa, como é referido no considerando 77 da decisão.

153    Por outro lado, os acordos celebrados ao nível mundial do cartel foram indispensáveis para a sua execução a nível europeu, pois para poder dividir o mercado europeu entre os produtores europeus, mantendo preços elevados, era necessário que esses produtores tivessem a garantia de que não estariam sujeitos à concorrência dos produtores norte‑americanos. A diferença entre os mercados geográficos, cuja repartição tinha por objecto cada nível do cartel, não é um elemento pertinente, uma vez que as referidas repartições permitiam aumentar de forma artificial a rentabilidade do cloreto de colina, objectivo único do cartel. A teoria da infracção única e continuada tem por finalidade não permitir a divisão artificial do que é, na sua essência, único, ou seja, um conjunto de actos que têm o mesmo objectivo. No caso em apreço, sem repartição do mercado mundial, uma repartição a nível europeu não teria sentido e sem uma repartição a nível europeu, o cartel mundial não teria tido nenhuma vantagem.

154    Assim, segundo a Comissão, a manutenção de preços altos na Europa permitia que os produtores norte‑americanos aplicassem condições análogas no mercado americano. Contrariamente ao que afirma a UCB, os preços europeus foram efectivamente discutidos, pois qualquer acordo sobre os preços mundiais pressupunha necessariamente uma fixação a nível europeu. No que diz respeito ao controlo dos transformadores, interessava aos produtores norte‑americanos que queriam evitar exportações a baixos preços fora do EEE, ao passo que os produtores europeus tinham por objectivo impedir vendas a baixos preços pelos transformadores dentro do EEE.

155    Além disso, os n.os 369 e 374 do acórdão JFE Engineering e o./Comissão, já referido no n.° 139 supra, infirmam a tese da UCB, opondo‑se a à cisão artificial de um mesmo conjunto de regras destinadas a partilhar mercados. Com efeito, é evidente que os acordos a nível europeu constituíam a continuação e a execução dos acordos mundiais substituindo simplesmente a repartição mundial pela repartição dos mercados nacionais europeus. Esta substituição só foi possível porque, depois do fim dos acordos mundiais, as parte continuaram a aplicá‑los e os produtores norte‑americanos mantiveram‑se fora do mercado europeu, aplicando os acordos mundiais. A UCB confundiu a subsistência dos acordos a nível mundial com a subsistência dos respectivos efeitos. Não é, de modo algum, contraditório admitir que o cartel terminou a nível mundial mas que foi a nível europeu que continuou a beneficiar dos efeitos dos acordos mundiais. Nestas circunstâncias, a falta de simultaneidade não põe em causa o carácter único e continuado da infracção.

156    Quanto ao argumento relativo à utilização do conceito de infracção única para escapar às regras da prescrição, a Comissão salienta que não procura obter um benefício financeiro através da aplicação das coimas e que o seu objectivo não é o de aplicar coimas de montante elevado. A Comissão levou em conta, aliás, para efeitos do cálculo do montante de partida, quotas de mercado mundiais e não europeias. Se tivesse levado em conta quotas de mercado europeias, teria sido levada a aplicar coimas mais altas. No que diz respeito aos produtores norte‑americanos, a Comissão salienta que o seu comportamento teria sido punido relativamente a todo o período da infracção se a sua actuação a nível mundial não tivesse sido objecto de prescrição.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 Observações preliminares

–       Quanto ao alcance da argumentação da BASF

157    Importa desde já salientar que a primeira parte deste fundamento se destina a demonstrar que há uma incoerência entre a comunicação de acusações e a decisão quanto à qualificação das vertentes mundial e europeia das actuações que consubstanciam uma infracção única e continuada. Esta primeira parte constitui um fundamento distinto, relativo à violação dos direitos de defesa da BASF a esse respeito, que haverá que analisar, se necessário, depois do exame do fundamento relativo a um erro de direito na qualificação dos acordos mundiais e europeus como infracção única e continuada. Com efeito, no caso de o Tribunal considerar que essa qualificação está viciada por um erro de direito e deve, portanto, ser afastada, a eventual conclusão pela existência de uma violação dos direitos de defesa em relação a essa qualificação não terá consequências (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, ditos «Cimento», T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491, n.° 3436, e de 14 de Dezembro de 2005, General Electric/Comissão, T‑210/01, Colect., p. II‑5575, n.° 633).

–       Quanto ao conceito de infracção única e continuada

158    A qualificação de certas actuações ilícitas como actuações constitutivas de uma única e mesma infracção ou de uma pluralidade de infracções afecta, em princípio, a sanção que pode ser aplicada, uma vez que uma pluralidade de infracções pode levar à aplicação de várias coimas distintas, sempre dentro dos limites estabelecidos pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. Todavia, a constatação de uma pluralidade de infracções pode aproveitar aos seus autores quando algumas delas estiverem prescritas (v., neste sentido, acórdão Vitaminas, já referido no n.° 43 supra, n.° 72).

159    O conceito de infracção única pode referir‑se à qualificação jurídica de um comportamento anticoncorrencial que consista em acordos, em práticas concertadas e em decisões de associações de empresas (acórdão Comissão/Anic Partecipazioni, já referido no n.° 150 supra, n.os 112 a 114; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Outubro de 1991, Rhône‑Poulenc/Comissão, T‑1/89, Colect., p. II‑867, n.os 125 a 127; de 20 Abril 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, ditos «PVC II», T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colect., p. II‑931, n.os 696 a 698, e HFB e o./Comissão, já referido no n.° 150 supra, n.° 186).

160    O conceito de infracção única pode também referir‑se ao carácter pessoal da responsabilidade pelas infracções às regras da concorrência. Com efeito, uma empresa que tenha participado numa infracção através de comportamentos próprios, cobertos pelos conceitos de acordo ou de prática concertada abrangidos pelo artigo 81, n.° 1, CE e destinados a contribuir para a realização da infracção no seu todo, pode ser também responsável, relativamente a todo o período da sua participação na referida infracção, pelos comportamentos adoptados por outras empresas no âmbito da mesma infracção. É o que acontece quando é demonstrado que a empresa em questão tinha conhecimento dos comportamentos ilícitos dos outros participantes ou que os podia razoavelmente prever e que estava disposta a aceitar o risco inerente. Esta conclusão tem origem numa concepção amplamente difundida nos ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros quanto à imputação da responsabilidade por infracções cometidas por vários autores em função da sua participação na infracção no seu todo. Consequentemente, não é contrária ao princípio segundo o qual a responsabilidade por essas infracções é de carácter pessoal, não descura a análise individual das provas de acusação e não viola os direitos de defesa das empresas envolvidas (acórdãos Comissão/Anic Partecipazioni, já referidos no n.° 150 supra, n.os 83, 84 e 203, e HFB e o./Comissão, já referido no n.° 150 supra, n.° 231).

161    Assim, foi declarado que um caso de violação do artigo 81.°, n.° 1, CE podia resultar de um série de actos ou de um comportamento continuado inscritos num «plano de conjunto» em razão do seu objecto idêntico que falseava o jogo da concorrência no interior do mercado comum. Nesse caso, a Comissão pode imputar a responsabilidade por essas acções em função da participação na infracção considerada no seu todo (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, já referido no n.° 66 supra, n.° 258), mesmo que se prove que a empresa em causa só participou directamente num ou em alguns dos elementos constitutivos da infracção (acórdão PVC II, já referido no n.° 159 supra, n.° 773). De igual modo, o facto de diferentes empresas terem desempenhado diferentes papéis na prossecução de um objectivo comum não elimina a identidade do objecto anticoncorrencial e, por conseguinte, da infracção, desde que cada empresa tenha contribuído, ao seu próprio nível, para a prossecução do objectivo comum (acórdãos Cimento, já referidos no n.° 157 supra, n.° 4123, e JFE Engineering e o./Comissão, já referido no n.° 139 supra, n.° 370).

162    No caso em apreço, a qualificação, pela Comissão, das vertentes mundial e europeia do cartel como infracção única e continuada teve por consequência a conclusão pela existência de um único acordo que durou de 13 de Outubro de 1992 a 30 de Setembro de 1998. Em contrapartida, no caso de o Tribunal considerar que essas duas vertentes constituem infracções distintas, haverá que considerar, em consequência, que o cartel global, que durou de 13 de Outubro de 1992 a 20 de Abril de 1994, prescreveu (v. n.° 9 supra). Para além da anulação parcial da decisão, essa conclusão teria repercussões no que diz respeito ao cálculo da coima tanto da BASF como da UCB.

163    Há que verificar, portanto, se, tendo em conta a jurisprudência referida nos n.os 159 a 161 supra, a Comissão cometeu um erro de direito ao qualificar as actuações imputadas às recorrentes como uma infracção única e continuada. Para o efeito, importa expor igualmente, no âmbito das observações preliminares, a posição que a Comissão adoptou a esse respeito na comunicação de acusações e compará‑la às conclusões que constam da decisão.

–       Posição adoptada pela Comissão na comunicação de acusações e conclusões da decisão

164    Resulta do n.° 111 da comunicação de acusações, de 22 de Maio de 2003, que a Comissão considerava, na altura, que o cartel tinha durado, a nível mundial, de 1992 a 1998, e, a nível europeu, de Março de 1993 a Outubro de 1998. Assim, a Comissão considerou que o cartel tinha sido implementado a diferentes níveis: mundial, regional, e mesmo nacional segundo os interesses e o envolvimento dos participantes nos mercados em causa (n.° 78 da comunicação de acusações). Segundo a Comissão, o cartel consistia num acordo contínuo entre os produtores de cloreto de colina, que compreendia, no essencial, acordos mundiais e «sub‑acordos» regionais a nível europeu (n.os 79 e 84 da comunicação de acusações).

165    Resulta dos n.os 168 e 169 da comunicação de acusações que, segundo as apreciações da Comissão, a vertente europeia do cartel constituía uma aplicação específica dos princípios adoptados a nível mundial, acção tornada possível graças à garantia de que os produtores norte‑americanos não interfeririam no mercado europeu exportando cloreto de colina para esse mercado. Tratava‑se, portanto, de «sub‑acordos» relativos à Europa, segundo a expressão utilizada pela Comissão em várias ocasiões na comunicação de acusações (v., por exemplo, n.os 79, 84, 90 e 169). No que diz respeito aos produtores norte‑americanos, a Comissão considerou que a sua responsabilidade por todas as actuações em causa se baseava no facto de terem conhecimento da existência dos referidos «sub‑acordos» (n.° 169 da comunicação de acusações).

166    Verifica‑se, portanto, que, no momento em que a comunicação de acusações foi dirigida às partes, a Comissão considerava que os acordos mundiais e europeus constituíam uma só infracção, para o cometimento da qual cada um dos participantes tinha desempenhado um papel específico.

167    Todavia, na sequência das observações apresentadas pelos produtores norte‑americanos sobre o conteúdo da comunicação de acusações, a Comissão retirou as suas acusações relativas a contactos colusórios a nível mundial supostamente ocorridos depois de 20 de Abril de 1994 (n.os 121 a 123, 144 a 147, 149 e 151 da comunicação de acusações).

168    Foi nestas circunstâncias que a Comissão adoptou a abordagem que consta da decisão quanto à relação entre o nível mundial e o nível europeu dos acordos em questão.

169    Assim, no considerando 64 da decisão, sob a epígrafe «Organização do cartel», a Comissão afirma que este funcionou «a dois níveis diferentes mas intimamente ligados». Segundo esse mesmo considerando, as actividades empreendidas a nível mundial tinham por objectivo aumentar os preços à escala mundial, controlar os transformadores e os distribuidores de cloreto de colina para se assegurarem de que não ofereceriam cloreto de colina a preços baixos e repartir os mercados mundiais através de um acordo segundo o qual os produtores norte‑americanos se retirariam do mercado europeu.

170    No considerando 65 da decisão, consagrado às reuniões a nível europeu, a Comissão refere que estas últimas serviram para dar seguimento ao acordo concluído a nível mundial, incluindo entre os próprios produtores europeus, para aumentar os preços e controlar os transformadores na Europa. Essas reuniões tiveram por objecto, portanto, o aumento dos preços não só em todo o EEE mas também nos mercados nacionais e também para os clientes individuais. Tudo isto foi organizado de modo a respeitar as quotas de mercado dos produtores europeus com a finalidade de garantir uma maior rentabilidade e uma estabilização dos mercados. Esta estabilização atingir‑se‑ia, segundo o considerando 68 da decisão, eliminando ou evitando as exportações por concorrentes nas zonas geográficas em que outros concorrentes detinham quotas de mercado importantes. O elemento‑chave a este respeito era, segundo esse mesmo considerando, o acordo que estipulava que os produtores europeus não exportariam para a América do Norte e que os produtores norte‑americanos não exportariam para o mercado europeu. Graças a essa repartição dos mercados, os referidos produtores poderiam «estabilizar» o seu mercado nacional e melhorar a rentabilidade na sua região. Também foi concluído um acordo para aumentar os preços mundiais para níveis idênticos. Esse acordo devia permitir não só melhorar a rentabilidade do mercado, mas também evitar qualquer destabilização das exportações entre as regiões. Era a prossecução desses objectivos que tornava indispensável o controlo dos transformadores e dos distribuidores.

171    Segundo o considerando 69 da decisão, os acordos concluídos a nível mundial são relativos a quatro actividades anticoncorrenciais ligadas entre si que consistem na fixação e no aumento dos preços mundiais, na repartição dos mercados mundiais (saída dos produtores norte‑americanos e dos produtores europeus dos mercados europeu e norte‑americano, respectivamente), no controlo dos distribuidores e dos transformadores e, por último, em trocas regulares de informações comercialmente sensíveis para garantir a execução dos acordos.

172    Na sequência da apresentação das reuniões que tiveram lugar a nível mundial e a nível europeu, a Comissão consagra dez considerandos à análise do conceito de infracção única e continuada, bem como à aplicação dos princípios relacionados com o caso vertente. Assim, nos considerandos 145 a 148 da decisão, sob a epígrafe «O conceito de infracção única e continuada – Princípios», a Comissão manteve a maior parte do raciocínio exposto na comunicação de acusações (v. n.° 166 supra) tendo citado o acórdão Comissão/Anic Partecipazioni, já referido no n.° 150 supra. Todavia, é nos considerandos 150 a 154 da decisão que a Comissão expõe os fundamentos do seu novo raciocínio relativo à aplicação do princípio de infracção única e continuada ao caso em apreço.

173    Segundo o considerando 150 da decisão, os acordos mundiais e os acordos europeus tinham um objectivo anticoncorrencial único, que consistia em falsear as condições normais de concorrência no EEE. Mais precisamente, a comparação dos acordos concluídos a esses dois níveis indica que se pode considerar que os que foram concluídos a nível europeu foram a continuação, pelos produtores europeus, do que tinha sido inicialmente acordado não só com os produtores norte‑americanos, mas também entre os próprios produtores europeus, a nível mundial, no que diz respeito aos aumentos dos preços e ao controlo dos transformadores. A Comissão refere que, para aumentar os preços facturados a certos clientes europeus, estes últimos foram repartidos entre os produtores europeus em causa. Para que esses produtores pudessem entrar em acordo sobre essa repartição, é evidente, segundo a Comissão, que tinham de respeitar as suas quotas de mercado globais respectivas na Europa.

174    Segundo o considerando 151 da decisão, a Akzo Nobel, a UCB e a BASF participaram nas acções em causa tanto a nível europeu como a nível mundial tendo começado por acordar, a nível mundial, determinadas acções a empreender no EEE e tendo dado continuidade, em seguida, a essas acções reunindo‑se a nível europeu. Os produtores norte‑americanos não participaram nas reuniões europeias porque na altura em que estas começaram, os acordos mundiais estavam prestes a terminar. Além disso, mesmo admitindo que os acordos europeus tenham começado antes de 14 de Março de 1994 (o que a Comissão admite não poder provar), era inútil para os produtores norte‑americanos participar neles, na medida em que tinham aceitado retirar‑se do mercado europeu.

175    Segundo o considerando 152 da decisão, os produtores norte‑americanos tinham ou deviam ter tido conhecimento dos acordos europeus. Com efeito, o objectivo principal dos produtores europeus prosseguido através da saída dos produtores norte‑americanos do mercado europeu era a «estabilização» do mercado europeu. Todavia, essa «estabilização» teria sido impossível sem outros acordos colusórios suplementares entre os produtores europeus.

176    Em conclusão, a Comissão afirma, no considerando 153 da decisão, que os produtores europeus tinham acordado, na realidade, falsear a concorrência no EEE desde o início dos acordos mundiais até ao fim dos acordos europeus. Segundo a Comissão, o facto de os produtores europeus deterem juntos 80% do mercado europeu prova que estavam em condições de aplicar os seus acordos mesmo depois do fim dos acordos mundiais.

 Quanto à qualificação do comportamento ilícito em questão

177    Há que referir que, por força da jurisprudência citada no n.° 159 supra, as actividades anticoncorrenciais empreendidas a nível mundial e descritas no considerando 69 da decisão constituem, por si só, uma infracção única. Essa infracção consiste em acordos (sobre a fixação e o aumento dos preços mundiais, sobre a saída dos produtores norte‑americanos do mercado europeu e sobre o controlo dos distribuidores e dos transformadores) e em práticas concertadas (troca de informações sensíveis com a finalidade de influenciar reciprocamente o comportamento comercial dos participantes).

178    O mesmo acontece com as actividades anticoncorrenciais a nível europeu que constituem, por si só, uma infracção única que consiste em acordos (sobre a fixação e o aumento dos preços no EEE, nos mercados nacionais e para clientes individuais, sobre a atribuição dos clientes, sobre a repartição das quotas de mercado e sobre o controlo dos distribuidores e dos transformadores) e em práticas concertadas (troca de informações sensíveis com a finalidade de influenciar reciprocamente o comportamento comercial dos participantes).

179    Todavia, não decorre automaticamente da aplicação dessa jurisprudência ao caso em apreço que os acordos a nível mundial e a nível europeu formem, conjuntamente considerados, uma infracção única e continuada. Com efeito, a existência de um objectivo comum que consiste em falsear a evolução normal dos preços justificava, nos processos tratados pela jurisprudência, que os diversos acordos e práticas concertadas fossem qualificados como elementos constitutivos de uma única infracção. A este respeito, não se pode ignorar que essas actuações eram complementares entre si, no sentido de que cada uma delas se destinava a fazer face a uma ou mais consequências do jogo normal da concorrência, e contribuía, por meio de uma interacção, para a realização de todos os efeitos anticoncorrenciais desejados pelos seus autores, no âmbito de um plano global com um objectivo único.

180    Neste contexto, importa esclarecer que o conceito de objectivo único não pode ser determinado pela referência geral à distorção da concorrência no mercado do cloreto de colina, uma vez que o impacto sobre a concorrência constitui, enquanto objecto ou efeito, um elemento consubstancial a qualquer comportamento abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE. Essa definição do conceito de objectivo único pode retirar ao conceito de infracção única e continuada uma parte do seu sentido, na medida em que pode ter por consequência que vários comportamentos relativos a um sector económico proibidos pelo artigo 81.°, n.° 1, CE devam ser sistematicamente qualificados como elementos constitutivos de uma infracção única.

181    Por conseguinte, há que verificar se os dois blocos de acordos e de práticas concertadas penalizados pela Comissão na decisão como uma infracção única e continuada apresentavam um nexo de complementaridade no sentido descrito no n.° 179 supra. Aliás, foi a própria Comissão que justificou a sua tese invocando o facto de os acordos mundiais e europeus estarem «intimamente ligados» (v. n.os 4, 142 e 169 supra). A este respeito, haverá que levar em conta todas as circunstâncias susceptíveis de demonstrar ou de pôr em causa o referido nexo, como o período de aplicação, o conteúdo (incluindo os métodos empregues) e, correlativamente, o objectivo dos diversos acordos e práticas concertadas em questão.

182    No que diz respeito ao período em que os acordos em questão foram aplicados, refira‑se que a cessação dos acordos mundiais o mais tardar em 20 de Abril de 1994 implica que, a partir dessa data, os produtores norte‑americanos tivessem deixado de estar obrigados a não exportar para a Europa. Foi a própria Comissão que denunciou a falta de provas de outras reuniões ou de contactos em que os produtores norte‑americanos tivessem tomado parte e através dos quais teriam fixado os preços para o EEE ou confirmado o seu compromisso inicial de não exportar para a Europa depois dessa data (v. considerando 165 da decisão). Daí decorre que a apreciação segundo a qual, para poderem repartir o mercado europeu entre eles, mantendo preços elevados, era necessário que os produtores europeus tivessem a garantia de não ter de suportar a concorrência de produtores norte‑americanos (v. n.° 153 supra) não leva em conta o facto de os acordos mundiais terem deixado de vigorar desde 20 de Abril de 1994. Com efeito, os acordos sobre a repartição do mercado europeu foram executados sem que existisse qualquer acordo que proibisse as exportações provenientes dos Estados Unidos da América.

183    Além disso, a conclusão da Comissão segundo a qual a repartição dos mercados mundiais não traria nenhum benefício às empresas participantes sem a repartição do mercado europeu, e vice‑versa (v. n.° 153 supra), não pode ser acolhida. No caso em apreço, a proibição das exportações para o mercado europeu tinha por objectivo evitar a perturbação deste mercado através da venda de cloreto de colina a preços artificialmente reduzidos levando à recuperação de uma parte dos custos fixos de uma produção excedentária (considerandos 39 e 68 da decisão). A eliminação desta ameaça comercial é um objectivo distinto do da repartição do mercado europeu, uma vez que, para que este último seja alcançado, é necessária, como será especificado em seguida, a aplicação de mecanismos diferentes.

184    Por conseguinte, os acordos europeus, que só foram concluídos em 14 de Março de 1994 na reunião de Schoten, quando as partes tinham constatado o fracasso dos acordos mundiais nas últimas reuniões em Bruges e em Johor Bahru em Novembro de 1993 e em Abril de 1994 (considerandos 92 a 95 da decisão), tinham, sob esse ponto de vista, um alcance autónomo em relação ao acordo de abandono recíproco dos mercados europeu e norte‑americano. Esta conclusão impõe‑se por maioria de razão relativamente ao período posterior à cessação formal de qualquer tentativa de acordo a nível mundial (na reunião de Johor Bahru de 14 a 20 de Abril de 1994). A Comissão, portanto, sustenta erradamente, no considerando 68 da decisão, que os produtores europeus puderam «estabilizar» o mercado do EEE graças à repartição prévia dos mercados mundiais, na medida em que esses mercados já não estavam repartidos entre os produtores norte‑americanos e os produtores europeus durante o período de execução dos acordos a nível europeu.

185    Por outro lado, ao alegar que, depois da cessação formal dos acordos mundiais, as partes continuaram a aplicá‑los e que os produtores norte‑americanos continuaram fora do mercado europeu, aplicando os acordos mundiais (v. n.° 155 supra), a Comissão contrariou o considerando 165 da decisão, segundo o qual não tinha provas que indiciassem que tivessem tido lugar outras reuniões ou contactos em que os produtores norte‑americanos tivessem participado e através dos quais tivessem fixado os preços para o EEE ou confirmado o seu compromisso inicial de não exportar para a Europa (v. n.° 9 supra).

186    Questionada sobre este ponto na audiência, a Comissão referiu que, com essa argumentação, não tencionava alegar que o acordo mundial tinha persistido depois da data em que a decisão considerou que tinha cessado, mas que, na prática, o comportamento das empresas envolvidas se tinha mantido mais ou menos igual àquele que tinham adoptado quando os acordos estavam em vigor. Assim, há que operar uma distinção entre essa circunstância e a evocada no considerando 165 da decisão que diz respeito à duração do acordo mundial.

187    Refira‑se que essa distinção, que aliás contraria os articulados da Comissão (v. n.° 155 supra), se baseia numa interpretação errada do artigo 81.° CE. Com efeito, segundo jurisprudência assente, o regime da concorrência instaurado pelos artigos 81.° CE e 82.° CE interessa‑se pelos resultados económicos dos acordos, ou por qualquer forma comparável de concertação ou de coordenação, mais do que pela sua forma jurídica. Por conseguinte, no caso de acordos que deixaram de estar em vigor, basta, para que o artigo 81.° CE seja aplicável, que os seus efeitos se mantenham depois da sua cessação formal (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 1995, Solvay/Comissão, T‑30/91, Colect., p. II‑1775, n.° 71, e de 11 de Dezembro de 2003, Ventouris/Comissão, T‑59/99, Colect., p. II‑5257, n.° 182 e a jurisprudência aí referida). Daí decorre que a duração de uma infracção não deve ser apreciada em função do período durante o qual um acordo está em vigor, mas em função do período durante o qual as empresas acusadas adoptaram um comportamento proibido pelo artigo 81.° CE. Ora, a tese da Comissão não permite explicar a razão pela qual, embora os produtores norte‑americanos tenham continuado a comportar‑se, depois de 20 de Abril de 1994, da maneira descrita pelos acordos mundiais, nenhuma coima lhes foi aplicada. A interpretação do considerando 165 da decisão proposta pela Comissão não pode, portanto, ser acolhida.

188    Quanto à circunstância invocada pela Comissão na tréplica relativa ao processo T‑111/05 segundo a qual os efeitos do cartel mundial persistiram depois da sua cessação formal (v. n.° 155 supra), há que salientar que, tal como a afirmação referida no número anterior, não consta da decisão. A explicação dada pela Comissão na audiência segundo a qual tinha feito referência a essa circunstância no considerando 96 da decisão, na medida em que tinha mencionado que as exportações da América do Norte para o EEE se tinham mantido relativamente baixas depois do termo dos acordos mundiais, não pode ser acolhida. Com efeito, resulta dos considerandos 40 e 44 da decisão que, em 1990, as importações de cloreto de colina representavam perto de 9% do valor estimado do mercado na Comunidade composta de doze Estados‑Membros, ao passo que, em 1997, as importações de cloreto de colina atingiram 9,3% do volume de vendas em todo o EEE. Estes números não podem sustentar a tese da Comissão, uma vez que revelam que a situação das importações no mercado europeu era mais ou menos igual tanto no período anterior à conclusão dos acordos a nível mundial como no período posterior à sua expiração e que, portanto, esses acordos não influíram substancialmente na estrutura do mercado europeu relativamente às importações intercontinentais.

189    De qualquer forma, mesmo admitindo que o considerando 96 da decisão se refira, no essencial, a alegadas alterações na estrutura do mercado europeu devidas aos acordos mundiais que tenham facilitado a realização dos acordos europeus, essa circunstância não foi demonstrada. Com efeito, o Tribunal convidou as partes e a Akzo Nobel a avaliarem as quotas de mercado detidas pelas recorrentes e pela Akzo Nobel no mercado europeu (entendido no sentido de que inclui os Estados‑Membros da Comunidade e os Estados da AECL que formaram o EEE em 1994) no terceiro trimestre de 1992, ou seja, no início dos acordos mundiais. Todavia, nenhuma das partes apresentou elementos precisos a esse respeito por razões relacionadas com o facto de as operações em causa serem antigas. Por conseguinte, há que proceder a uma apreciação baseada nos elementos resultantes da decisão e nos do procedimento administrativo para os quais a decisão remete.

190    Como foi referido nos considerandos 97 e 153 da decisão, a Akzo Nobel, a BASF e a UCB detinham mais de 75% do mercado europeu no momento em que os acordos europeus tiveram início (Março de 1994) e podiam, assim, repartir esse mercado entre elas sem se preocuparem com o comportamento dos outros produtores mundiais. Todavia, essa quota de mercado elevada não parece ter sido o resultado dos acordos mundiais. Com efeito, decorre do considerando 40 da decisão que, em 1990, as importações de cloreto de colina representavam perto de 9% do valor do mercado da Comunidade (3 525 toneladas importadas em 40 000). Durante os primeiros sete meses de 1992, primeiro ano da infracção a nível mundial, as importações europeias provenientes da América do Norte ascenderam a 2 900 toneladas num mercado de 43 800 toneladas, ou seja, a 6,6% do mercado europeu (considerando 71). Nesse mesmo ano, a quota de mercado da Ertisa ascendia a 7,9% no máximo (capacidade de produção de 3 500 toneladas segundo a página 1999 do procedimento administrativo junto à contestação no processo T‑101/05). Se levarmos em conta a quota de mercado de cerca de 15% da ICI (o quarto produtor europeu não envolvido nas actividades em questão, uma vez que se limitava, tradicionalmente, ao mercado do Reino Unido) segundo a nota de rodapé n.° 152 da decisão, sobra uma quota de mercado colectiva de 70,5% no mínimo para a Akzo Nobel, a BASF e a UCB em 1992. Há que constatar, portanto, que os acordos mundiais não provocaram uma alteração suficientemente importante na estrutura do mercado europeu, nomeadamente quanto à quota de mercado colectiva da BASF, da UCB e da Akzo Nobel, que permita concluir que foi graças a esses acordos que os três produtores europeus puderam repartir o mercado do EEE entre si.

191    Nestas circunstâncias, a afirmação segundo a qual os acordos a nível europeu eram a continuação e a execução dos acordos mundiais substituindo simplesmente a repartição mundial pela repartição dos mercados nacionais europeus (v. n.° 155 supra) não pode ser acolhida. Com efeito, um acordo anticoncorrencial não pode, em princípio, ser considerado um meio de execução de outro acordo que já acabou (v., neste sentido, acórdão JFE Engineering e o./Comissão, já referido no n.° 138 supra, n.° 363).

192    Relativamente ao objectivo prosseguido por cada um dos dois blocos de acordos, resulta dos considerandos 64 a 68 e 150 a 153 da decisão que a Comissão invocou a existência de um objectivo anticoncorrencial único, que consistia em atingir preços artificialmente elevados. Todavia, embora seja um facto que o acordo mundial estipulava os preços mínimos a praticar pelos produtores (v., por exemplo, considerandos 77, 79, 85, 88, 90, 91 e 92 da decisão), não é menos certo que essa medida tinha por único objectivo salvaguardar o elemento‑chave desse acordo, que era o de evitar as exportações da Europa para a América do Norte e vice‑versa, e não o de proceder a uma partilha do mercado europeu entre produtores europeus. Com efeito, se os produtores tivessem decidido vender aos transformadores e aos distribuidores europeus a preços demasiado baixos (devido à sua capacidade excedentária), isso teria permitido a estes últimos, segundo o considerando 151 da decisão, exportar cloreto de colina para os Estados Unidos da América a preços concorrenciais. Manifestamente, os produtores norte‑americanos deveriam ter adoptado, em contrapartida, um comportamento adequado, na acepção do acordo, face aos seus clientes (transformadores e distribuidores) nos Estados Unidos da América.

193    Segundo o considerando 85 da decisão, que cita uma declaração da DuCoa, «é correcto dizer que quando [o representante da DuCoa] declarou que tinham planeado tentar fazer subir os preços a nível mundial, estavam em causa antes de mais preços do Extremo‑Oriente e da América Latina; não discutiram nem concluíram qualquer acordo sobre os preços na América do Norte com os europeus, nem sobre os preços na Europa com os europeus, e esses assuntos não foram objecto de qualquer tentativa de acordo». Segundo essa mesma declaração, «os produtores americanos nunca tentaram ditar os preços da colina na Europa Ocidental […] mas referiram que, se os preços fossem muito baixos na Europa, havia um risco de que o produto fosse reexportado para os Estados Unidos da América». Contrariamente ao que sustenta a Comissão, os termos dessa declaração não permitem interpretá‑la no sentido do que se referia exclusivamente à reunião de Janeiro de 1993.

194    No que diz respeito aos dois últimos períodos do considerando 152, segundo os quais a interconexão entre o nível mundial e o nível europeu é provada pelo facto de que a estabilização do mercado europeu, que era um dos objectivos do acordo mundial, teria sido impossível sem outros acordos colusórios entre os produtores europeus, baseiam‑se numa premissa errada. Com efeito, não resulta nem da decisão nem dos elementos do processo apresentados no Tribunal, em que a Comissão se apoia, que a «estabilização» dos mercados visada pelo acordo mundial se traduzia, no caso em apreço, numa repartição dos mercados europeu e americano entre os produtores que aí se mantivessem activos.

195    Em contrapartida, como foi salientado (v. n.° 192 supra), essa «estabilização» destinava‑se a evitar as exportações intercontinentais a preços inferiores aos que estivessem em vigor na região de importação. Segundo o considerando 39 da decisão, «quando isso acontece, [essas importações] podem, não obstante a escassez dos volumes em causa, ter um efeito destabilizador sobre o nível de preços em vigor na região de importação, em particular quando esse nível for relativamente elevado». O referido considerando especifica que esse tipo de vendas pode ser atractivo para uma sociedade cuja produção seja excedentária e que procure recuperar uma parte dos seus custos fixos.

196    O facto de a «estabilização» dos mercados dever ser compreendida dessa forma é confirmado pelo considerando 68 da decisão, consagrado ao funcionamento do cartel a nível mundial, que dispõe: «[…] não se podia excluir o risco de que houvesse produtores que escoassem determinados excedentes de produção sob a forma de vendas pontuais ocasionais unicamente destinadas a cobrir os custos de produção fixos. Apesar de apenas incidirem sobre pequenas quantidades, essas exportações podiam perturbar os preços no mercado de importação, na medida em que os clientes podiam utilizar as vendas, quando tivessem lugar, para negociar os preços em baixa. A estabilização do mercado seria assim atingida eliminando ou evitando as exportações, por concorrentes, nas zonas geográficos em que outros concorrentes detivessem quotas de mercado significativas. O elemento‑chave a este respeito era o acordo que estipulava que os produtores europeus não exportariam para a América do Norte e que os produtores norte‑americanos não exportariam para o mercado europeu. Graças a esta repartição dos mercados, os outros operadores poderiam ‘estabilizar’ o seu mercado nacional e aumentar a rentabilidade na sua região». Mesmo admitindo que, com os termos «aumentar a rentabilidade na sua região», a Comissão não se estivesse a referir apenas à saída dos produtores norte‑americanos, mas também à repartição do mercado do EEE entre os produtores europeus, essa apreciação não pode vingar tendo em conta as consequências relativas à cessação das actividades anticoncorrenciais a nível mundial o mais tardar em 20 de Abril de 1994 (v. n.os 184 a 190 supra).

197    Importa acrescentar que, como resulta dos considerandos 71 e 75 e das notas de rodapé n.° 31 e n.° 66 da decisão, no momento em que o acordo mundial foi posto em prática, todos os produtores tinham capacidades excedentárias, e essa circunstância favorecia as exportações intercontinentais de cloreto de colina a preços baixos e, assim, ameaçava a estabilidade dos mercados mundiais (v. n.os 192 e 195 supra). Por conseguinte, o conceito de «estabilização» dos mercados no âmbito do acordo mundial não visava uma partilha dentro dos mercados europeu e norte‑americano como sugere o considerando 152 da decisão. O facto de os produtores europeus só terem procedido à partilha do mercado europeu depois de o cartel mundial ter acabado e numa altura em que os respectivos participantes se tinham apercebido do fracasso desse cartel (considerando 93 da decisão) demonstra que o seu objectivo não era o de participar nos acordos mundiais para proceder à repartição ulterior dos mercados que lhes seriam reservados. Aliás, não se pode deixar de referir que Comissão não menciona, na decisão, nenhuma prova que demonstre a existência de tal objectivo.

198    Correlativamente, o controlo a que foram sujeitos os distribuidores e os transformadores difere quanto ao respectivo conteúdo em função do objectivo prosseguido. No âmbito dos acordos mundiais, esse controlo tomou a forma de uma facturação do cloreto de colina «a preços adequados» [considerando 69, alínea c), da decisão]. Relativamente a essa medida, a Comissão refere, no considerando 81 da decisão, que: «[…] Esse controlo se podia exercer, nomeadamente, garantindo que os transformadores comprassem o seu cloreto de colina aos membros do cartel em condições adequadas. As notas da Bioproducts dizem o seguinte: ‘Devemos controlar as matérias‑primas dos transformadores. Tiraremos proveito de um aumento dos preços’. Este mesmo objectivo decorre igualmente do documento citado no considerando 75, que diz o seguinte: ‘Os transformadores e os distribuidores deviam ser controlados através de preços adequados’. Por último, segundo outro documento proveniente da reunião [de Ludwigshafen]: ‘Cada produtor de [cloreto de colina] é responsável pelo controlo dos transformadores no seu mercado nacional. O fornecimento de [cloreto de colina] líquido proveniente de outra região frustra esta regra e arruína o mercado’». Consequentemente, esse controlo implicava a observância dos preços «mínimos» acordados nas reuniões dos produtores europeus e norte‑americanos (considerandos 77 e 79 da decisão).

199    No que diz respeito ao objectivo desse controlo, a Comissão afirma, no considerando 151 da decisão: «Quanto aos aumentos de preços na Europa, o interesse dos produtores norte‑americanos limitava‑se a garantir que o nível dos preços na Europa não descesse muito abaixo do nível de outras regiões do mundo. Na medida em que, manifestamente, não se corria esse risco enquanto os transformadores fossem controlados, não era necessário examinar os preços europeus em particular nas reuniões mundiais, senão enquanto elemento dos aumentos de preços decididos a nível mundial». Assim, esse controlo tinha por finalidade impedir que os distribuidores e os transformadores pusessem em perigo o objectivo dos acordos, ou seja, a saída recíproca dos mercados europeu e norte‑americano. Ora, as partes nos acordos relativos a essa saída recíproca puseram‑lhes termo em 20 de Abril de 1994 o mais tardar, segundo o considerando 165 da decisão (v. n.os 185 a 187 supra).

200    Em contrapartida, o controlo dos distribuidores e dos transformadores no âmbito dos acordos europeus assumiu, segundo o considerando 99, alínea d), da decisão, várias formas, que consistiam em evitar a realização de vendas a preços preferenciais (medida relativa aos distribuidores), em garantir que os transformadores comprassem matérias‑primas a membros do cartel em condições adequadas, em informá‑los sobre os níveis de preços acordados pelos membros do cartel e na criação de relações de exclusividade com eles. Quanto ao objectivo desse controlo, esse mesmo considerando salienta que consistia em garantir a eficácia dos acordos sobre as quotas de mercado, a repartição dos clientes e os preços, tais como acordados entre os produtores europeus.

201    Por conseguinte, os acordos mundiais sobre os preços não têm uma «ligação estreita», como alegou a Comissão, com a repartição do mercado do EEE entre os produtores europeus efectuada depois da sua cessação definitiva. Isto também é demonstrado pelo facto de essa repartição ter exigido, segundo os considerandos 65, 103, 105 e 113 da decisão, a aplicação de uma técnica diferente, que consistia na fixação de preços diferenciados por cada produtor europeu para cada cliente, de modo a que este último fosse «afectado» ao produtor determinado nos termos dos acordos colusórios a nível europeu. Este resultado não podia ter sido atingido apenas com base num preço «mínimo» destinado a ser aplicado por todos os produtores, como definido pelos acordos mundiais (considerandos 77 e 79 da decisão).

202    Além disso, nada impunha que produtores europeus se baseassem, depois do fim dos acordos mundiais, nos preços «mínimos» ajustados no âmbito dos referidos acordos para partilharem a clientela europeia. Nestas circunstâncias, o argumento da Comissão segundo o qual a fixação de um preço «mínimo» a nível mundial implica necessariamente a fixação dos preços a nível europeu é inoperante.

203    Há igualmente que salientar que a decisão não contém nenhum elemento susceptível de demonstrar que os produtores europeus tinham concluído um acordo sobre a repartição (mesmo ulterior) do mercado do EEE nas reuniões realizadas no âmbito do cartel mundial nem que tinham a intenção de utilizar os acordos mundiais para facilitar uma repartição ulterior do mercado do EEE. A Comissão admite, além disso, no considerando 151 da decisão, não poder provar esse facto. Se tivesse sido o caso, não haveria nenhuma razão para não situar o início dos acordos relativos à repartição do EEE antes de 14 de Março de 1994, data da primeira reunião entre os produtores europeus. No entanto, não foi o caso.

204    Nestas circunstâncias, o considerando 151 da decisão (v. n.° 174 supra) não tem pertinência na medida em que pretende explicar por que razão os produtores norte‑americanos não participaram nas reuniões europeias. Com efeito, essa parte do considerando 151 responde a um argumento inoperante invocado pelos produtores europeus durante o procedimento administrativo relativo à falta de identidade entre as partes nos acordos mundiais e europeus.

205    Do mesmo modo, o considerando 152 da decisão (v. n.° 175 supra) não pode sustentar eficazmente a tese da Comissão, na medida em que dispõe que os produtores norte‑americanos tinham ou deviam ter conhecimento da existência dos acordos europeus. Com efeito, o conhecimento desses acordos pelos produtores norte‑americanos teria por consequência, no caso de se concluir pela existência de uma infracção única, o alargamento da sua responsabilidade a toda essa infracção, desde que os referidos acordos tivessem tido uma relação com os acordos mundiais (v., neste sentido, acórdão JFE Engineering e o./Comissão, já referido no n.° 139 supra, n.° 371). Por conseguinte, esse elemento não pode ter influência na responsabilidade dos produtores europeus e não prova a existência de uma infracção única e continuada.

206    A afirmação de alcance geral segundo a qual se pode considerar que os acordos europeus constituem a continuação, pelos produtores europeus, do que tinha sido inicialmente acordado, a nível mundial, não só com os produtores norte‑americanos, mas também entre os próprios produtores europeus no que diz respeito aos aumentos dos preços e ao controlo dos transformadores, é, assim, inexacta. O mesmo acontece, necessariamente, em relação à apreciação segundo a qual todos os acordos são parte de um único cartel, de que os produtores norte‑americanos saíram num momento determinado, tendo as partes que ficaram adaptado as respectivas características depois dessa saída.

207    Face ao exposto, a Comissão não se pode apoiar no n.° 67 do acórdão Dansk Rørindustri/Comissão, já referido no n.° 150 supra. Com efeito, embora seja certo que, a propósito de uma infracção que, num primeiro tempo, ocorreu no mercado dinamarquês de condutas com revestimento térmico e, depois de uma interrupção, em todo o mercado europeu, o Tribunal levou em conta a finalidade única de controlar o mercado do aquecimento urbano para qualificar as referidas actuações como uma infracção única e continuada, não é menos verdade que essa apreciação também se baseou noutras considerações igualmente importantes. Assim, nesse acórdão, o Tribunal salientou, à semelhança da Comissão, a existência, «desde o início do cartel na Dinamarca, [de] um objectivo a mais longo prazo destinado a estender o controlo a todo o mercado […] e que havia uma continuidade evidente em termos de métodos e de práticas entre o novo acordo concluído no fim de 1994 relativamente a todo o mercado europeu e os acordos anteriores» (n.os 65 e 68). Além disso, no n.° 67, invocado pela Comissão, também é salientado que resulta do primeiro acordo sobre a coordenação de um aumento dos preços nos mercados de exportação que, «desde o início, o acordo entre os produtores dinamarqueses ultrapassou o âmbito do mercado dinamarquês».

208    Ora, no caso em apreço, a Comissão não demonstrou que as recorrentes, ao participarem nos acordos mundiais, tinham um objectivo a mais longo prazo que consistia na repartição do mercado do EEE tal como foi efectuada no âmbito dos acordos europeus. Também não demonstrou a existência de uma relação entre os métodos e as práticas utilizados no âmbito de cada bloco de acordos.

209    Atendendo às consequências da falta de concomitância entre a execução dos acordos mundiais e europeus (v. n.os 182 a 191 supra), devido ao facto de o abandono recíproco dos mercados europeu e norte‑americano e a repartição do mercado do EEE através da atribuição dos clientes constituírem objectivos diferentes concretizados por métodos diversos (v. n.os 192 a 202 supra) e, por último, à falta de provas que demonstrem a intenção dos produtores europeus de aderirem aos acordos mundiais para procederem ulteriormente à repartição do mercado do EEE (v. n.° 203 supra), há que concluir que os produtores europeus cometeram duas infracções distintas ao artigo 81.°, n.° 1, CE, e não uma infracção única e continuada.

210    Consequentemente, a decisão deve ser anulada na medida em que aplica uma coima às recorrentes devido à sua participação no acordo mundial, infracção que deve ser declarada prescrita. Os efeitos dessa anulação no cálculo do montante da coima aplicada à BASF serão analisados nos n.os 212 a 223 infra. No que diz respeito aos efeitos dessa anulação no cálculo da coima aplicada à UCB, há que proceder à respectiva análise depois de ter sido apreciado o segundo dos fundamentos invocados por esta recorrente (v. n.os 235 a 241 infra).

211    Nestas circunstâncias, não há que conhecer do fundamento relativo à violação dos direitos de defesa da BASF (v. n.° 157 supra).

 Quanto ao cálculo da coima da BASF

212    Há que começar por salientar que, a pedido do Tribunal, tanto as recorrentes como a Comissão expuseram, na audiência, a sua avaliação relativa ao cálculo do montante das coimas no caso de o Tribunal vir a julgar procedente o fundamento relativo a um erro de direito na qualificação dos acordos mundiais e europeus como uma infracção única. Como se observou no n.° 120 supra, a apreciação efectuada sobre a cooperação da BASF no âmbito do terceiro fundamento não prejudica as consequências que a apreciação do Tribunal sobre o quinto fundamento pode ter sobre essa redução.

213    A competência de plena jurisdição conferida ao juiz comunitário pelo artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003 habilita‑o, para além da simples fiscalização da legalidade da sanção, a substituir a sua apreciação à da Comissão e, consequentemente, a suprimir, reduzir ou agravar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada quando o respectivo montante é submetido à sua apreciação (acórdão Groupe Danone/Comissão, já referido no n.° 65 supra, n.os 61 e 62). Neste âmbito, importa referir que as orientações não antecipam o juízo quanto à apreciação da coima pelo juiz comunitário quando este se pronuncia ao abrigo da referida competência (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Julho de 2005, Brasserie nationale e o./Comissão, T‑49/02 a T‑51/02, Colect., p. II‑3033, n.° 169).

214    Por conseguinte, uma vez que a BASF submeteu a questão do montante da coima que lhe foi aplicada à apreciação deste Tribunal, este deve exercer a sua competência de plena jurisdição.

215    A este respeito, importa analisar, a título preliminar, a alegação formulada pela Comissão na sua contestação no processo T‑111/05, segundo a qual um novo cálculo do montante das coimas pressupõe uma modificação da repartição por categorias dos produtores europeus. Essa alegação baseia‑se no facto de a decisão ter procedido à referida repartição levando em conta as quotas de mercado mundiais das empresas que tomaram parte na infracção em 1997, último ano completo da infracção. Com base nessa apreciação, a UCB e a Akzo Nobel foram classificadas na terceira categoria (com uma quota de mercado, respectivamente, de 13,4% e de 12%), ao passo que a BASF foi classificada na quarta categoria, com uma quota de mercado de 9,1% (v. n.° 15 supra).

216    Todavia, uma vez que a única infracção que foi cometida é a relativa ao mercado do EEE (v. n.° 210 supra), as quotas de mercado a levar em conta para efeitos da repartição dos produtores europeus por categorias são as respeitantes a esse mercado. Tal modificação não é susceptível, porém, de alterar a classificação das empresas por categorias nem os montantes de partida adoptados em função da gravidade da infracção. Com efeito, resulta do considerando 44 da decisão que, em 1997, a Akzo Nobel e a UCB detinham, respectivamente, 28,9% e 28,5% do mercado europeu, enquanto a quota da BASF ascendia a 20,9%. Esta configuração das quotas de mercado justifica a manutenção da repartição feita pela Comissão com a Akzo Nobel e a UCB numa mesma categoria e a BASF na categoria inferior.

217    No que diz respeito ao nível geral dos montantes de partida, estes devem manter‑se iguais aos definidos no considerando 202 da decisão. Com efeito, esses montantes foram fixados com base na natureza muito grave do comportamento ilícito adoptado tanto a nível mundial como a nível europeu, bem como no valor relativamente baixo do mercado europeu do cloreto de colina (52,6 milhões de euros em 1997), factores que continuam a ser pertinentes mesmo sendo a infracção relativa ao EEE a única infracção existente.

218    Por conseguinte, o montante de partida fixado para a BASF em função da gravidade da infracção deve permanecer inalterado, em 18,8 milhões de euros.

219    Quanto à duração da participação da BASF nos acordos europeus, resulta dos considerandos 101, 102, 105 e 206 da decisão que começou em 29 de Novembro de 1994, numa reunião em Amersfoort (Países Baixos), e terminou em 30 de Setembro de 1998. A este respeito, há que referir que a abordagem proposta pela Comissão que consistia em agravar o montante de partida em 10% por cada ano completo e em 5% por cada período suplementar de seis meses completos é susceptível de criar disparidades consideráveis entre as recorrentes nas circunstâncias do caso vertente. Com efeito, uma vez que a participação da BASF na infracção durou três anos e dez meses completos, o facto de o Tribunal aplicar um agravamento de 5% para tomar em consideração esses dez meses equivaleria a ignorar os restantes quatro meses. Também importa salientar que, no caso em apreço, o Tribunal dispõe de elementos precisos no que diz respeito à duração da participação de cada recorrente na infracção e que, portanto, pode calcular a coima a aplicar a cada uma delas de forma a reflectir a duração exacta dessa participação, aperfeiçoando desse modo a sua proporcionalidade.

220    Assim, no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição, o Tribunal considera que há que aplicar um agravamento de 38% para levar em conta o período de três anos e dez meses de participação da BASF na infracção.

221    O montante de base da coima da BASF é, assim, fixado em 25,944 milhões de euros. Há que aplicar o agravamento de 50% a esse montante por efeito da reincidência (v. n.° 18 supra), o que eleva o montante da coima a 38,916 milhões de euros.

222    O montante final da coima da BASF será fixado depois da redução, por efeito da cooperação, de 10% por não ter contestado a materialidade dos factos. Em contrapartida, no que diz respeito aos elementos probatórios fornecidos pela BASF no âmbito da sua cooperação e graças aos quais lhe foi concedida uma redução suplementar de 10% (v. n.° 87 supra), há que recordar que não constitui uma cooperação abrangida pelo âmbito de aplicação da comunicação sobre a cooperação de 1996 o facto de uma empresa pôr à disposição da Comissão informações relativas a actos pelos quais, de qualquer forma, não lhe seria aplicada uma coima com base nos Regulamentos n.° 17 e n.° 1/2003 (acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, já referido no n.° 108 supra, n.° 297). Uma vez que os referidos elementos diziam exclusivamente respeito aos acordos mundiais, enquanto as informações sobre os acordos europeus prestadas pela BASF tinham um valor mínimo (v. n.° 116 supra), a infracção relativa aos acordos mundiais foi declarada prescrita (v. n.° 210 supra) e, por conseguinte, a BASF não tem de pagar nenhuma coima a esse respeito, não há qualquer razão para que esta beneficie da redução de 10% que lhe tinha sido concedida a esse título.

223    Consequentemente, o montante da coima da BASF deve ser fixado em 35,024 milhões de euros.

7.     Quanto ao segundo fundamento invocado pela UCB, relativo à aplicação errada da comunicação sobre a cooperação de 1996

 Argumentos das partes

224    Segundo a UCB, a distinção que deve ser feita entre os acordos mundiais e os acordos europeus tem repercussões sobre a aplicação da comunicação sobre a cooperação de 1996 à mesma UCB. Mais precisamente, tendo a UCB sido a primeira empresa a denunciar o acordo secreto a nível comunitário (v. n.° 19 supra) e tendo preenchido todos os outros requisitos enunciados na secção B da comunicação sobre a cooperação de 1996, considera que tem o direito de beneficiar de uma redução de 75 a 100% do montante da coima que, de outra forma, lhe teria sido aplicada.

225    A UCB alega que a nova Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2002, C 45, p. 3, a seguir «comunicação sobre a cooperação de 2002»), que substitui a comunicação sobre a cooperação de 1996, prevê que a Comissão deve isentar de coimas a empresa que for a primeira a fornecer elementos susceptíveis de lhe permitir verificar a existência de uma infracção ao artigo 81.° CE. O paradigma de protecção dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico comunitário impõe a aplicação do princípio da retroactividade in mitius, princípio geral de direito internacionalmente reconhecido e corolário do princípio da não retroactividade das leis que agravam uma pena. A Comissão está obrigada a aplicar esse princípio em todos os processos susceptíveis de levar à aplicação de sanções nos termos das regras da concorrência. Daí decorre que a Comissão devia ter aplicado a secção A da comunicação sobre a cooperação de 2002 enquanto «lei» mais favorável em relação à secção B da comunicação sobre a cooperação de 1996, na medida em que institui uma imunidade total sem deixar à Comissão uma margem de apreciação relativamente ao montante da redução, como fazia a comunicação sobre a cooperação de 1996. A aplicação da comunicação sobre a cooperação de 2002 deu origem, assim, a uma imunidade total relativamente à coima aplicada à UCB.

226    O conceito de retroactividade da lex mitior engloba a alteração de qualquer disposição específica que uma autoridade tencione aplicar a uma pessoa, como as comunicações da Comissão relativas às coimas aplicadas em matéria de concorrência. Este princípio prevalece, aliás, sobre o n.° 28 da comunicação sobre a cooperação de 2002, que limita a respectiva aplicação ao período posterior a 14 de Fevereiro de 2002. O facto de a confiança legítima da UCB no momento em que cooperou se basear na comunicação sobre a cooperação de 1996 não é pertinente para impedir a aplicação do princípio da lex mitior.

227    De qualquer forma, a aplicação da comunicação sobre a cooperação de 1996 devia ter levado a Comissão a não impor uma coima à UCB, pois esta foi a primeira a prestar informações a propósito do acordo europeu antes que a Comissão tivesse feito qualquer pedido nesse sentido, num momento em que esta última não tinha conhecimento da existência desse acordo.

228    A Comissão salienta que este fundamento constitui, na verdade, uma análise das consequências a extrair no caso de o primeiro fundamento invocado pela UCB ser julgado procedente. Remete, portanto, para a sua argumentação relativa ao referido fundamento e considera que o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

229    A título subsidiário, a Comissão admite que, se a actuações das recorrentes não se tivessem inscrito numa infracção única e continuada, a UCB teria beneficiado de uma redução do montante da coima que lhe foi aplicada de pelo menos 75%. Nesse caso, outros elementos do cálculo do montante da coima teriam sido alterados, como a duração, as circunstâncias atenuantes e agravantes e o volume de negócios levado em conta para o tratamento diferenciado.

230    Quanto ao princípio da aplicação retroactiva da lex mitior, a Comissão salienta que, embora seja verdade que se trata de um princípio geral de direito penal, não é menos certo que as decisões que aplicam coimas em matéria de concorrência não têm natureza penal. A jurisprudência não confirma a tese da recorrente sobre a aplicação retroactiva obrigatória da lex mitior em matéria de concorrência. Além disso, a aplicação desse princípio pressupõe uma alteração da base jurídica para o cálculo da coima, ou seja, do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, que não foi alterado pela comunicação sobre a cooperação de 2002.

231    A Comissão tem uma margem de apreciação no que diz respeito à determinação do montante das coimas, margem que é delimitada pelas comunicações sobre a cooperação. A jurisprudência afirmou que, enquanto essas comunicações se mantiverem no âmbito das disposições do Regulamento n.° 17, a Comissão disporá de uma grande margem de manobra para determinar o nível das coimas correspondente às exigências da sua política de concorrência. Além disso, a Comissão só está vinculada no exercício desse poder de apreciação enquanto a comunicação aplicável estiver em vigor. A Comissão salienta, a este respeito, que a comunicação sobre a cooperação de 2002 substituiu a de 1996 a partir de 14 de Fevereiro de 2002. Todavia, a confiança legítima da UCB está limitada pela aplicação ratione temporis de cada comunicação, no caso em apreço, a comunicação sobre a cooperação de 1996.

232    De qualquer forma, a Comissão manifesta dúvidas quanto ao carácter globalmente mais favorável da comunicação sobre a cooperação de 2002 em relação à de 1996. Esse carácter não pode ser examinado com base numa apreciação selectiva das disposições da comunicação sobre a cooperação de 2002. Se assim não fosse, a Comissão estaria obrigada a aplicar retroactivamente essa comunicação unicamente às empresas que fossem favorecidas, o que poria em causa a coerência da sua política.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 Quanto à aplicação da lex mitior

233    Resulta da jurisprudência que o princípio da não retroactividade não se opõe à aplicação de orientações que tenham, por hipótese, um efeito agravante quanto ao nível das coimas aplicadas pelo cometimento de infracções anteriores à sua adopção, desde que a política que implementam seja razoavelmente previsível na altura em que as infracções em causa são cometidas (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 91 supra, n.os 202 a 232).

234    Por conseguinte, o direito da Comissão, ainda que condicional, de aplicar retroactivamente, em detrimento dos interessados, regras de conduta que se destinam a produzir efeitos externos, como as orientações, exclui a obrigação dessa instituição de aplicar a lex mitior.

 Quanto ao cálculo do montante da coima da UCB

235    Para efeitos do cálculo do montante da coima da UCB, importa antes de mais remeter para as apreciações que constam dos n.os 212 a 217 supra.

236    Em seguida, o facto de as apreciações da Comissão relativas ao carácter único e continuado das infracções serem erradas influencia o montante da coima aplicada à UCB nos termos da comunicação sobre a cooperação de 1996. Como admite a Comissão (v. n.° 229 supra), a UCB teria beneficiado das disposições da secção B da comunicação sobre a cooperação de 1996 intitulada «Não aplicação ou redução muito substancial da coima» se os acordos mundiais tivessem sido considerados uma infracção distinta dos acordos europeus e, portanto, prescrita. Com efeito, à luz dessas circunstâncias, há que referir que a UCB denunciou o acordo europeu à Comissão e preencheu os outros requisitos previstos na secção B da comunicação sobre a cooperação de 1996 (v. n.° 237 infra).

237    Segundo a secção B da comunicação sobre a cooperação de 1996:

«A empresa que:

a)      Denuncie um acordo, decisão ou prática concertada secretos à Comissão antes desta ter procedido a uma verificação, após ter adoptado a pertinente decisão, nas empresas envolvidas no acordo, decisão ou prática concertada e sem que a Comissão disponha previamente de informações suficientes para provar a existência do acordo, decisão ou prática concertada denunciados;

b)      Seja a primeira a produzir elementos determinantes que provem a existência do acordo, decisão ou prática concertada;

c)      Ponha termo à sua participação na actividade ilícita o mais tardar no momento em que denuncia o acordo, decisão ou prática concertada;

d)      Apresente à Comissão todas as informações úteis, bem como toda a documentação e provas de que dispõe sobre o caso, mantendo uma cooperação permanente e total durante toda a investigação;

e)      Não tenha coagido outra empresa a participar no acordo, decisão ou prática concertada nem tenha desempenhado um papel de instigação ou determinante na actividade ilícita,

beneficiará de uma redução de, pelo menos, 75% do montante da coima que lhe teria sido aplicada se não se propusesse cooperar, podendo inclusivamente ser totalmente isentada da mesma».

238    Nestas circunstâncias, há que agravar o montante de partida de 12,9 milhões de euros, determinado pela Comissão em função da gravidade da infracção (v. n.° 15 supra), em 45% em função da duração da infracção de cerca de quatro anos e meio (de 14 de Março de 1994 a 30 de Setembro de 1998). O montante de base deve ser fixado, portanto, em 18,705 milhões de euros.

239    Não tendo sido imputada nenhuma circunstância agravante à UCB, há que aplicar ao montante de base uma percentagem de redução em função da sua cooperação. Para determinar essa percentagem, há que considerar que a UCB denunciou o acordo europeu, o que permitiu à Comissão aplicar sanções significativas, possibilidade que não teve apenas com base no cartel mundial, que estava prescrito no momento da sua primeira intervenção (v. n.° 9 supra). Além disso, resulta dos considerandos 102, 105, 107, 108, 109, 114, 118, 119 e 120 da decisão que as nove reuniões reveladas pela UCB cobriram toda a duração da infracção relativamente ao EEE, tendo sido as seis reuniões denunciadas pela Akzo Nobel meramente intermédias, como resulta dos considerandos 110, 112, 113, 115, 116 e 117 da decisão.

240    No entanto, a UCB denunciou pouco menos de dois terços das reuniões. Além disso, embora a UCB tenha agido por iniciativa própria, não é menos verdade que, na data em que prestou essas informações (26 de Julho de 1999), já tinha conhecimento do facto de a Comissão ter começado a actuar em relação ao cartel mundial do cloreto de colina.

241     Nestas condições, há que aplicar uma redução de 90% ao montante de base fixado no n.° 238 supra, o que faz com que o montante da coima aplicado à UCB passe a 1,870 milhões de euros.

242    Uma vez que o terceiro fundamento da UCB foi invocado a título subsidiário para o caso de o Tribunal aceitar a tese da Comissão relativa ao carácter único e continuado dos acordos mundiais e europeus (v. n.° 35 supra), não há que apreciar essa matéria. Com efeito, apesar de a UCB concluir também, no âmbito desse fundamento, que nenhuma coima lhe devia ser aplicada, a sua argumentação não deixa de se basear, em primeiro lugar, na existência de uma infracção única e continuada, circunstância cuja existência não foi aceite, em segundo lugar, na aplicação da comunicação sobre a cooperação de 2002 (v. n.° 225 supra) e, em terceiro lugar, no facto de, na falta de cooperação da sua parte, a Comissão não ter podido aplicar uma coima. Ora, o argumento relativo à aplicação da comunicação sobre a cooperação de 2002 já foi afastado (v. n.os 233 e 234 supra), quando o Tribunal, no exercício da sua competência de plena jurisdição, apreciou o valor da cooperação da UCB tendo‑lhe concedido uma redução de 90% do montante da coima que, de outro modo, lhe teria sido aplicada.

243    Por conseguinte, o montante da coima aplicada à UCB deve ser fixado em 1,870 milhões de euros.

244    Face ao exposto, importa, em primeiro lugar, anular o artigo 1.°, alíneas b) e f), da decisão na medida em que diz respeito à infracção imputada às recorrentes no período anterior a 29 de Novembro de 1994 quanto à BASF e anterior a 14 de Março de 1994 quanto à UCB, em segundo lugar, fixar o montante das coimas aplicadas à BASF e à UCB, respectivamente, em 35,024 e em 1,870 milhões de euros e, em terceiro lugar, negar provimento aos recursos quanto ao restante.

 Quanto às despesas

245    Nos termos do disposto no artigo 87.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

246    No processo T‑101/05, uma vez que a BASF foi vencida em vários dos fundamentos por si invocados, mas obteve ganho de causa quanto ao quinto fundamento, há que decidir que cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

247    No processo T‑111/05, uma vez que a Comissão foi vencida na maioria dos seus pedidos, há que decidir que suportará, para além das suas próprias despesas, 90% das despesas apresentadas pela UCB.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)      É revogada a decisão que ordenou a apensação do processo T‑112/05, Akzo Nobel e o./Comissão aos processos T‑101/05 e T‑111/05 para efeitos do acórdão.

2)      O artigo 1.°, alíneas b) e f), da Decisão 2005/566/CE da Comissão, de 9 de Dezembro de 2004, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/E‑2/37.533 – Cloreto de colina), é anulado na medida em que imputa a infracção à BASF AG no período anterior a 29 de Novembro de 1994 e à UCB SA no período anterior a 14 de Março de 1994.

3)      No processo T‑101/05, o montante da coima aplicada à BASF é fixado em 35,024 milhões de euros.

4)      No processo T‑111/05, o montante da coima aplicada à UCB é fixado em 1,870 milhões de euros.

5)      É negado provimento aos recursos quanto ao restante.

6)      No processo T‑101/05, cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

7)      No processo T‑111/05, a Comissão suportará, para além das suas próprias despesas, 90% das despesas apresentadas pela UCB.

Meij

Forwood

Papasavvas

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Dezembro de 2007.

O secretário

 

      O presidente em exercício

E. Coulon

 

      A. W. H. Meij

Índice


Antecedentes do litígio e decisão impugnada

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

1.  Observações preliminares

2.  Quanto ao primeiro fundamento invocado pela BASF, relativo à violação dos Regulamentos n.° 17 e n.° 1/2003 e das orientações, devido ao agravamento do montante da coima em 100% para efeitos de dissuasão

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

3.  Quanto ao segundo fundamento invocado pela BASF, relativo à violação dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade, devido ao agravamento do montante da coima em 50% a título de reincidência e ao cálculo errado desse agravamento

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

4.  Quanto ao terceiro fundamento invocado pela BASF, relativo à aplicação errada da comunicação sobre a cooperação de 1996

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao documento de 6 de Maio de 1999

Quanto à reunião de 17 de Maio de 1999

Quanto à comunicação de 21 de Maio de 1999

Quanto à comunicação de 23 de Julho de 1999

Quanto à apreciação do relatório de 15 de Junho e da comunicação de 23 de Junho de 1999 à luz do pedido de informações de 26 de Maio de 1999

Quanto à comunicação de 16 de Julho de 1999

Apreciação global da redução concedida à BASF

5.  Quanto ao quarto fundamento invocado pela BASF, relativo à insuficiência da redução da coima independentemente da comunicação sobre a cooperação de 1996

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

6.  Quanto ao fundamento invocado pela BASF e pela UCB, relativo a um erro de direito na qualificação dos acordos mundiais e europeus como uma infracção única e continuada

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Observações preliminares

–  Quanto ao alcance da argumentação da BASF

–  Quanto ao conceito de infracção única e continuada

–  Posição adoptada pela Comissão na comunicação de acusações e conclusões da decisão

Quanto à qualificação do comportamento ilícito em questão

Quanto ao cálculo da coima da BASF

7.  Quanto ao segundo fundamento invocado pela UCB, relativo à aplicação errada da comunicação sobre a cooperação de 1996

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto à aplicação da lex mitior

Quanto ao cálculo do montante da coima da UCB

Quanto às despesas


* Línguas do processo: inglês e francês.